domingo, 21 de junho de 2015

A Força Realista; Rude & Poética de Carolina de Jesus - Por Luiz Domingues



Pode haver poesia em torno da questão da fome ? Por mais absurdo que isso possa parecer, a resposta é sim, e Carolina de Jesus, provou isso. Nos últimos anos, a estética forjada em torno das favelas & mazelas dominou a produção cinematografia brasileira, e de certa forma respingou também sobre o mundo televisivo. Isso sem contar a questão da música popularesca que arrebatou a difusão midiática, com respingos em outras áreas, sob a égide do Hip Hop.
Porém, o foco cultural sob a ótica das camadas mais carentes da população, não começou nos anos 2000, como algumas pessoas possam imaginar. De volta ao tempo, a literatura já havia dado recados contundentes sobre tal realidade social brasileira, desde o século XIX. Nesses termos, “O Cortiço”, de Aluísio de Azevedo, é só um exemplo.

No campo do cinema, um filme como, “Cinco Vezes Favela”, já havia abordado a questão, muitas décadas antes de “Cidade de Deus” e “Pixote, a Lei do Mais Fraco”, tornarem-se populares, pela ação dos formadores de opinião. Todavia, um caso extraordinário ocorreu ao final dos anos cinquenta; início dos sessenta, e que causou muita estupefação na opinião pública nacional. Tratou-se da revelação de que uma mulher negra; semianalfabeta, favelada; e naquela atualidade, a prover o seu sustento familiar mediante a ação em catar objetos no lixo, pudesse ser uma escritora com enorme qualidade e fibra.
Essa mulher foi Carolina de Jesus... 

Uma pessoa dotada de uma origem muito simples, Carolina nasceu em Sacramento / MG, no ano de 1914. Na segunda metade dos anos trinta, migrou para a capital de São Paulo, em busca de melhores condições de sobrevivência. Ao chegar em São Paulo, ela não teve outra escolha, a não ser sobreviver como catadora de lixo.
Com personalidade forte, e uma certa agressividade adquirida pelos traumas advindos da infância, por conta dessa dificuldade sempre teve iniciativa própria, ao recusar esperar a benevolência alheia e assim, com as próprias mãos, construiu o seu barraco em uma favela paulistana. Por viver em meio à um ambiente extremamente hostil, colocou em mente que não valeria a pena casar-se, pois cansara de ver as suas vizinhas maltratadas por maridos ebrios e invariavelmente cafajestes; machistas e agressivos. Ela teve três filhos, cada um com um pai diferente, e apesar da época em questão, e notadamente com padrões morais bem mais intransigentes em relação aos tempos atuais, isso aparentemente nunca a incomodou.
E não foi para menos... o que pode incomodar mais a vida de uma mãe de família humilde, do que a miséria absoluta em que vivia, e que a impelia a lutar como uma leoa, diariamente, para trazer para casa alguma migalha que fosse, para alimentar os seus filhos ? Apesar de ter estudado apenas os dois anos iniciais do antigo curso primário, e portanto saber tão somente os rudimentos da língua portuguesa, Carolina de Jesus gostava de ler e escrever.
Simultaneamente às bugigangas que catava no lixo para poder sobreviver, ela também acostumou-se a resgatar fragmentos de jornais; revistas e livros, não só como única oportunidade para poder ler algo nas horas de folga, como para reutilizar o papel para poder escrever. Por anos, escreveu um diário, com muitos erros gramaticais e ortográficos, mas mal sabia ela, com uma fluidez e lucidez, extraordinárias.
Seu diário mostrava de uma maneira hiper realista, o cotidiano duríssimo de sua vida; de seus filhos, e de sua vizinhança tão sofrida quanto. Porém, eis que em um dia qualquer de 1958, um golpe fortuito mudou a sua vida, completamente.
Um jornalista famoso fora designado para cobrir uma matéria sobre cotidiano, cuja pauta era a inauguração de um parque infantil público, localizado no bairro do Canindé, às margens do Rio Tietê. Chamou-lhe a atenção o fato de que uma mulher simples estava aos berros a expulsar adolescentes mal intencionados, que já mostravam-se dispostos a vandalizar e impor terror à criançada que queria usar os brinquedos disponibilizados pelo poder público. O jornalista em questão foi Audálio Dantas, e uma frase que a mulher proferiu, o instigou : -“saiam, ou eu vou colocar vocês no meu livro”...
Quando Audálio Abordou-a, quis saber exatamente o quis dizer com “livro”. Daí, ele acompanhou-a à sua casa, e ficou estarrecido diante daqueles maços de papéis manuscritos...


Encantado com o teor do texto, Audálio imediatamente tornou-se o editor daquele diário impressionante, que foi lançado em agosto de 1960, como livro, ao receber o nome de : “Quarto de Despejo”.
Ao antecipar em anos a história de vida de muitos jovens que saem das favelas para a fama, via arte ou futebol, Carolina de Jesus tornou-se uma celebridade, ao culminar em aparecer em reportagens publicadas em jornais & revistas e também a receber convites para entrevistas em programas de Rádio & TV. A sua desconcertante sinceridade e coragem, encantou o público, mas também trouxe-lhe problemas. Segundo dados oficiais, a tiragem inicial de “Quarto de Despejo”, vendeu dez mil exemplares em uma semana (há controvérsia sobre essa informação, e há os que afirmam que teria vendido a quantidade de trinta mil unidades, em três dias).
Mesmo ao considerar o menor número, devemos deduzir que tal feito foi extraordinário para um país pouco afeito à produção literária, ainda mais para os padrões de 1960 ! Ela ganhou dinheiro como nunca sonhara na vida, e também angariou a malévola  atenção da parte de inimigos invejosos.
Em entrevistas, Carolina queixava-se de que muitas pessoas chamavam-na como : “pernóstica”, além de sofrer assédio com pedidos de empréstimos financeiros pessoais, e até pedidos de casamento. Não era a sua função, claro, mas Audálio compadeceu-se da situação de Carolina, e além de editor da obra, eis que tornou-se uma espécie de “agente” pessoal dela, ao tentar protegê-la de tal fama repentina, mas a própria, Carolina não entendeu tal propósito e assim, ambos chegaram a romper relações algum tempo depois.
Ao ir muito além, uma versão em inglês do seu livro foi lançada, e na América, o livro entrou para a lista dos Best Sellers.
Audálio optou por manter a grafia original da autora, e ao conter os erros gramaticais e ortográficos, outorgou-lhe uma aura de autenticidade em torno da obra, que só fez aumentar a força da sua narrativa. Estava ali a realidade nua e crua de uma mulher sofrida, que levantava cedo todo dia, disposta a sacrificar-se  em trabalhar, sem nenhum constrangimento pela atividade insalubre, mas obcecada em alimentar a sua família.
O livro impressiona por esse e muitos outros aspectos. O ambiente tenso da favela; a violência doméstica na vizinhança (onde Carolina convenceu-se que manter um marido “oficial”, não valia a pena); o choque do preconceito sócio-racial, uma realidade que era comum à todas as pessoas que viviam naquela condição. A sua amargura diante de uma vida rude, reflete-se na obra, de uma forma fortíssima. 
Eis dois exemplos pinçados, entre tantos :


-“Hoje não temos nada para comer. Convidei meus filhos para suicidar-se, mas fiquei com dó... estão cheios de vida, e quem vive, precisa comer”...


-“Não há coisa pior na vida do que a própria vida”.


Sobre o título de seu livro, “Quarto de Despejo”, a sua explicação sobre tal escolha, foi que considerava a existência da favela, como um quarto de despejo da cidade, ou seja, como a sociedade mais abastada fazia para livrar-se do que lhe era indesejado.
Quando o seu primeiro livro estourou, e ela tornou-se uma celebridade, claro que ganhou dinheiro e deixou a favela, para melhorar a sua condição pessoal. Todavia, não sem antes sofrer muito, pois teve que suportar a incompreensão de sua vizinhança na favela. Muitos vizinhos xingavam-na; a sua casa passou a ser apedrejada, e seus filhos perseguidos. Queriam que ela repartisse o dinheiro advindo dos royalties do livro, sob a alegação que ela ganhara dinheiro à custa em revelar a vida deles mesmos. A cada entrevista que saía publicada em jornal e revista, repercutia no sentido em que os seus vizinhos enfureciam-se ainda mais, para aumentar as hostilidades.  
Posteriormente em entrevistas, ela revelou com muita sinceridade, que estava desapontada com a ascensão social, pois verificara que aspectos humanos negativos, tais como a inveja e a maledicência, repetiam-se na classe média, ou até mesmo amplificavam-se, em relação aos conflitos que ela teve no ambiente carente de uma favela. Carolina citava sempre um caso particular que ocorrera-lhe, quando em certa ocasião conseguira adquirir um porco para reforçar a refeição da família, e para abatê-lo (e logicamente a provocar um grande barulho por parte do pobre animal, na iminência de seu martírio), atraiu a atenção da vizinhança faminta que a pressionou a dividir a carne, em um ato de solidariedade forjada sob coação. A sua comparação com a vida na classe média, seria portanto que sob tal nova condição, as pessoas rondavam-na como urubus, a pedir-lhe dinheiro e propor negócios descabidos. Carolina ainda lançaria outros livros, posteriormente : “Casa de Alvenaria”; “Pedaços de Fome”, e “Provérbios”.
Outro, póstumo, ainda seria lançado : “Diário de Bitita”. Existe textos ainda não lançados, que a qualquer momento poderão vir à tona. Estima-se que ela deixou cerca de cinquenta cadernos manuscritos, com sete romances; sessenta crônicas; cem poemas; quatro peças de teatro e doze letras, supostamente compostas para musicar marchas carnavalescas. Um documentário produzido pela alemã, Christa Gottmann, retratou a ambientação da favela, com a participação de Carolina em pessoa. 
A extraordinária atriz, Ruth de Souza, interpretou-a no teatro, através de uma produção baseada no livro, "Quarto de Despejo", em 1961, com diversas remontagens a posteriori. E também participou de uma dramaturgia para a TV, em um "Caso Especial", da TV Globo, em 1983. Dois curta-metragens foram produzidos mais tarde : "Carolina", de Jessica Queiroz,  e "Vidas de Carolina", de Jefferson De.
Carolina Maria de Jesus faleceu em 13 de fevereiro de 1977, na cidade de São Paulo. O seu legado para a literatura nacional é imenso; a sua coragem e sinceridade, admiráveis e sobretudo, o seu talento para retratar a realidade duríssima de uma sociedade que mostra-se implacável e insensível, foi notável. Deixo abaixo, uma última frase dela, e que espelha bem o espírito que norteou a sua obra :


-“Escrevo a miséria e a vida infausta dos favelados”... 

sábado, 13 de junho de 2015

O Dia em que o Mestre do Suspense quase disse: "Alô, Doçura"... - Por Luiz Domingues


No início dos anos sessenta, a atriz paulistana, Eva Wilma, apesar de bem jovem ainda, já era muito reverenciada pelo seu talento. Ela mantinha um currículo enorme a arrolar realizações no campo do teatro, cinema e TV, além de participações na dança e na publicidade. 
 
Filha de pai alemão, com mãe argentina (mas descendente de pais judeus ucranianos), Eva tinha bastante bagagem cultural já de nascença, quando descobriu ainda menina, o sonho de ser uma bailarina.
Estudou, se desenvolveu e teve bastante apoio dos pais, incluso com aulas de música, ao aprender a tocar violão e piano. Eva perseverou e foi agraciada com a inclusão no balé do IV Centenário de São Paulo, uma honraria que poucas bailarinas de sua tenra idade, poderiam sonhar realizar.
Entretanto, a sua paixão natural pela dança lhe abriu uma outra porta na vida, pois convidada para atuar no teatro, quando descobriu então a sua vocação maior, ao se tornar uma atriz muito talentosa.
 
Estudiosa e compenetrada, ela foi fundo nesse mergulho visceral na sua profissionalização, ao se embrenhar entre as melhores companhias teatrais de São Paulo e daí, foi um passo natural ir atuar também no cinema e na TV. 
 
Claro, o veículo da TV, mesmo ainda emergente nos anos cinquenta, lhe proporcionou a fama mais abrangente.
Popular por ser atriz de uma "sitcom" que estourou no gosto popular do povo (Alô, Doçura”, que aliás  já foi objeto de uma matéria minha em específico, para o Site/Blog Orra Meu”, e devidamente republicada aqui em meu Blog 1, portanto, basta procurar no arquivo deste Blog ), foi natural estabelecer uma longa carreira na dramaturgia das novelas.
Alguns anos depois, quando já havia feito também, dezenove filmes no cinema brasileiro (e alguns verdadeiramente sensacionais, caso de "São Paulo S/A", por exemplo), uma oportunidade surpreendente, até para uma atriz de seu gabarito, lhe ocorreu. 
 
Convidada a participar de um intercâmbio nos Estados Unidos, patrocinado pela embaixada norte-americana no Brasil, Eva se dirigiu a Los Angeles, Califórnia, no ano de 1969, acompanhada de outros atores brasileiros.
Através de uma visita que fez aos estúdios da Universal, ela teve uma surpresa quando almoçava no refeitório dessa companhia. 
 
Ocorreu que um produtor cinematográfico a abordou e já com a informação de que todos naquela mesa eram atores brasileiros em visita ao estúdio e a participarem de um intercâmbio de teatro, eis que esse funcionário lhe perguntou se ela aceitaria fazer um teste de fotos, pois ele trabalhava na produção do próximo filme do grande diretor britânico, Alfred Hitchcock e o “mestre do suspense” estava justamente a procurar uma atriz latino-americana para compor o elenco dessa nova produção.
Consagrada no Brasil, com extensa obra, Eva não se deslumbrou necessariamente, mas claro que receber um convite desses ali, inesperadamente não fora uma má ideia entretanto, pelo contrário, a possibilidade de participar de uma obra de um dos maiores diretores da história do cinema, no mínimo seria uma experiência profissional ímpar. 
 
Sem maiores ponderações, portanto, Eva aceitou o convite. Foi preciso passar pelo crivo da aparência, para que então se submetesse a um teste com Hitchcock em pessoa e Eva aceitou de pronto o desafio.
Eva fez algumas fotos promocionais ali mesmo, em um estúdio fotográfico da empresa e pouco tempo depois, foi informada que Hitchcock a aprovara e a produção marcou assim um teste de atuação formal.
Hitchcock detinha três obsessões como diretor de cinema, que foi uma atribuição sua, pública e notória:
1) Ele gostava de filmar histórias policiais.

2) Adorava abordar histórias com fundo a conter a teoria da conspiração, mediante tramas perpetradas por organizações secretas a arquitetar tramoias para derrubar governos e ideologias.

3) Era obcecado por mulheres louras.

Sob um primeiro momento de sua carreira, ele fez vários filmes a abordar os meandros do nazismo a se infiltrarem na Inglaterra e nos Estados Unidos, mas com o passar do tempo e o nazismo derrotado, ele centrou então as suas baterias na Guerra Fria entre Estados Unidos e União Soviética, para criar assim, muitos filmes a envolver tal temática.
O próximo filme que realizaria, seria novamente a abordar a Guerra Fria, e por isso, ele precisava escolher uma atriz latino-americana para interpretar uma cubana, que não seria a protagonista da história, mas teria um papel importante na trama. 
 
Então, em meio a uma manhã fria e bem cedo, Eva chegou ao estúdio ocupado por Hitchcock e sua entourage, nas dependências da Universal Pictures. Ela não apreciou de pronto a caracterização que a equipe de maquiagem e figurino lhe proporcionou, mas que fora uma exigência para o papel designado pelo mestre Al: com incômodos dentes e seios postiços, naturalmente que isso lhe causou um desconforto.
Então, finalmente chegou o momento para conhecer o grande mito do cinema e aí, mesmo sendo já uma atriz tarimbada, premiada, super competente e experiente, ela ficou naturalmente nervosa e claro que foi uma reação perfeitamente compreensível. 
 
Quando chegou ao estúdio, haviam cinquenta técnicos aproximadamente da equipe em prontidão para iniciar o teste, e claro que isso lhe intimidou ainda mais.
Sob uma entrada triunfal, Hitchcock chegou sob aplausos da sua equipe técnica, em uma demonstração de respeito, mas que também poderia ser interpretada como algo muito perturbador, é claro, pelo aspecto de uma indisfarçável subserviência, quiçá a conter uma dominação doentia do diretor em relação aos seus subordinados. 
 
Eva era bem experiente em set de filmagem de cinema e de TV, mas ao observar aquele homem frio, fleumático, e absurdamente famoso, claro que teve calafrios, ao suar.
Hitchcock pegou em sua mão e sentiu que estava gelada. Então  lhe perguntou se ela estava nervosa, ao que a atriz brasileira lhe respondeu que, sim. 

Al lhe falou que aquilo era uma grande brincadeira e quem quisesse levar a vida a sério deveria escolher outra profissão. Ao ir além, ele disse que falara isso reiteradamente para Grace Kelly, Kim Novak, Tippi Hedren, Ingrid Bergman... bem, se a intenção foi tranquilizar a jovem atriz brasileira, a julgar pela prosódia escolhida, deve ter tido efeito contrário, ainda mais intimidador. 
 
Dois testes tradicionais, a repetir falas do script, foram realizados, mas Al quis um terceiro teste mais pessoal, como se fosse uma entrevista de emprego, face a face com ele. Ao dar o comando clássico bordão, “light, camera... action”, Al deu início à entrevista.
Ao começar suavemente, mediante perguntas amenas, do tipo: como vai (?) sente-se bem (?), o diretor se pôs a aumentar o tom da conversa, para se tornar agressivo, paulatinamente. 
 
A sua intenção se tornara clara ao provocar, causar irritação na atriz e em um dado momento, ela explodiu, por não suportar mais os dardos mentais lançados pelo mestre. Em princípio, Eva alegou que não conseguia raciocinar com a mesma rapidez em uma língua estrangeira, ao que o mestre lhe retrucou que continuasse a se expressar em português, então.
Bingo... Al queria vê-la como reagia quando nervosa, ao falar através de uma língua latina e quando se deu por satisfeito, gritou “cut”, para encerrar o teste. 
 
Dias depois, Eva recebeu o comunicado que não fora escolhida, pois uma atriz alemã chamada, Karin Dor, fora contratada para o papel.
Claro que Eva se chateou, pois tal oportunidade poderia ter aberto portas internacionais e ela reunia condições para construir uma carreira fora do Brasil, como boa atriz que era (é). 
 
Todavia, inteligente e bem resolvida que era (é), a não concretização dessa oportunidade também não lhe causou dano algum e assim, de volta ao Brasil, o teatro, a TV e o cinema continuaram a contar com o seu talento, aliás, até hoje, ainda bem para a cultura nacional. 
 
O filme em questão foi: “Topaz” (“Topázio”).
Como eu já disse anteriormente, foi mais um filme de Hitchcock a centrar as suas baterias em uma trama mirabolante, em meio à Guerra Fria, e neste caso, a inclusão da personagem cubana foi importante para a história. 
 
Mas daí a contratar uma atriz alemã para interpretar uma mulher cubana, em detrimento de não haver contratado Eva, foi estranho em princípio. Mas foi um fato também, que a atriz em questão era morena e não detinha o padrão típico do biotipo germânico.
Voluptuosa, Karin tinha mais aparência latina que a própria Eva, que filha de pai alemão e mãe argentina com origem ucraniana, mais se parecia com uma moça europeia, do que latino-americana. 
 
Além disso, houve a intercessão do fator de maior peso: Karin Dor já houvera sido uma "Bond Girl" em 1967, quando atuara em um dos filmes da franquia da saga do agente secreto britânico, James Bond-007 (no filme: "You Only Live Twice" - "Com 007, só se vive duas vezes"). Quero crer que tenha sido essa a razão maior para a sua contratação.

Eva sempre brinca nas entrevistas que concede, ao tocar nessa passagem de sua vida, que o seu consolo foi que o filme não entrou na lista dos melhores trabalhos do mestre, e pelo contrário, é considerado por muitos, uma obra menor em sua filmografia.
Particularmente, eu tendo a concordar com essa opinião generalizada, mas em termos, pois faço a ressalva de que “Topázio” é demonizado em demasia, porque embora realmente não reúna condições para se comparar às melhores obras de sua filmografia, está longe de ser um filme ruim.
Ao ir além, ao se comparar com 99% do que observamos na produção cinematográfica de alguns anos para cá, "Topázio" é um filme espetacular. 
 
Assim foi essa curiosa passagem de uma grande atriz brasileira, pelas mãos de Alfred Hitchcock, ou seja, o dia em que o mestre do suspense quase falou...”alô, doçura”....
Matéria publicada inicialmente no Site/Blog Orra Meu, em 2015