terça-feira, 31 de julho de 2012

Revista "Rock, a História e a Glória" - Por Luiz Domingues


O jornalismo musical brasileiro já havia dado mostras de seu poder criativo anteriormente e se não fosse uma época difícil, politicamente a relembrar, certamente teria feito com que publicações extintas como o "Bondinho"; a versão brasileira da Revista Rolling Stone, e outras, houvessem observado uma existência mais longeva. Público consumidor e entusiasta, existia, e a sede por informação por parte da juventude ligada em cultura/contracultura, revelava-se enorme.
E foi assim que no segundo semestre de 1974, nasceu no Rio de Janeiro, uma revista musical centrada no Rock, como o seu carro chefe, mas aberta à outras manifestações musicais, também. Editada por uma pequena empresa ("Mandacaru"), porém formada por uma equipe de redação de primeira qualidade, representada por cabeças pensantes, entre as melhores do jornalismo musical, essa publicação acertou na sua linha editorial por dois aspectos básicos, a meu ver:

1) Ao se propor em lançar uma biografia de um grande nome do Rock por edição, como matéria principal e;

2) Ao dar ênfase à emoção no texto. Mais que informações precisas sobre o biografado em questão, a paixão pelo Rock mostrou-se o ponto subliminar que cativou o leitor, ao estabelecer uma instantânea identificação.

Claro, não foi somente isso, mas esses dois fatores pesaram e muito para o seu sucesso entre os Rockers tupiniquins, principalmente os desabonados (a maioria, é claro), que deslumbraram-se com a possibilidade de ter em mãos uma publicação caprichada em termos de texto, que abordava o trabalho de artistas que somente os iniciados conheciam, praticamente, e em sua maioria, longe da atenção da imprensa "mainstream" tradicional.


Jornalistas do quilate de Ana Maria Bahiana, Ezequiel Neves, Okky de Souza, Tárik de Souza, Luiz Carlos Maciel, Julio Hungria, Maurício Kubrusly, Valdir Zwetsch, Ricky Goodwin, e Gabriel O'Meara, entre tantos outros, forneceram a substância e mais do que isso, a dose de emoção subliminar que eu já descrevi. 

Porém, apesar do Rock internacional ter sido o carro chefe, mediante as biografias em tom de fascículos colecionáveis, houve também uma enorme gama de reportagens a cobrir várias vertentes da música, em torno de colunas inspiradas a conter "drops" com informações, box informativos etc.  

A MPB manteve uma parcela generosa de participação, igualmente. Em suma, foi muita informação sobre a decantada "geleia geral" setentista, a trazer em seu bojo, nomes obscuros mas que mereciam muito ser enaltecidos (lembro-me bem da coluna: "ilustre desconhecido", sempre a entrevistar artistas obscuros, completamente alijados do patamar "mainstream". Foi por causa dessas leituras que ouvi falar sobre artistas tais como: Bendegó, Luis Tatit, Smetak e Almôndegas, entre outros).

Havia colunas sobre estilos variados, como por exemplo, as dedicadas aos universos da música folk, blues, soul music, música latino-americana, pop de uma maneira bem abrangente, música erudita, mpb da "velha guarda" etc. E muita informação sobre o Rock brasileiro em voga, uma verdadeira dádiva aos artistas nacionais, que lutavam com tantas dificuldades na contramão da sua excelência artística.

Para incrementar esse show de informação, encartado na revista, existia a presença de um jornal tabloide, denominado: "Jornal de Música", que trazia notícias de última hora, no calor do fechamento da pauta. Nas biografias, além do texto munido por muita qualidade, havia implícito o elo estratégico de cumplicidade do jornalista com o leitor, a qualidade da diagramação, aliada às ilustrações e fotos, que compunham um lay-out estimulante, ainda que na simplicidade do visual econômico da versão em preto-e-branco.

Logo na contracapa a discografia do artista enfocado mostrava-se como um luxo. As pessoas adoravam esse dado precioso, exatamente motivados por sonhar em comprar toda a obra de seu artista predileto. Pensemos que muitos anos antes da internet ser popular, existir a enorme profusão de computadores domésticos, telefones e TV's smartphones, não havia o "Google" para se fazer pesquisa instantânea, portanto, ter a discografia completa e descrita do seu artista predileto foi um item muito valioso fornecido ao seu público leitor. 

Isso sem contar o apuro (raro na época), para relacionar também as possíveis coletâneas, antologias e até a acrescentar os principais discos piratas, ou "bootlegs", a impregnar-se na percepção do leitor, quase uma questão mítica e mística, igualmente, sobre os artistas do Rock, atuantes nos anos sessenta e setenta, o principal foco da publicação. E assim, por meses a fio, uma após a outra edição ser lançada, como era carregado de valor implícito vê-la pendurada em uma banca de jornal, em meio às publicações populares de então!

Sei que já falei sobre tal aspecto em uma matéria anterior a narrar a perspectiva contracultural na mídia alternativa, mas reafirmo: nos anos de 1974, 1975, 1976, a escassez de informações era total para a maioria dos Rockers, Freaks & Hippies de "Pindorama". Dessa forma, representou muito para todos os iniciados, ser possível se deparar com a face estampada de um Bob Dylan, por exemplo, em uma banca de jornais, comum.
O número um, trouxe os Rolling Stones, como matéria principal. Depois veio em sequência: Pink Floyd, Yes, Paul McCartney, Jimi Hendrix, Bob Dylan, Emerson/Lake & Palmer, Elvis Presley, Elton John, Janis Joplin, e tantos outros gigantes do Rock.
O irreverente jornalista, Ezequiel Neves, que escrevia também para o Jornal do Brasil e no Jornal da Tarde de São Paulo, trouxe a sua tendência debochada e histriônica, apresentada em seu tempos a bordo da Rolling Stone brasileira, onde ele tivera a coluna: "O Toque" e quando foi ser colunista na "Rock, a História e a Glória", passou a assinar a divertidíssima coluna: "Zeca Jagger News".

                                         O colunista social Ibrahim Sued

Tratou-se de uma coluna hilária, um autêntico simulacro de coluna social, extremamente debochada, dotada de um humor mordaz, incrível. Ninguém me convence em contrário que a sua intenção não fora satirizar o colunista social, Ibrahim Sued, um dos colunistas mais engraçados da história jornalística brasileira. 

As suas descrições sobre festas de arromba, patrocinadas por Rock Stars internacionais só não eram mais hilárias do que as mentiras que contava sobre um suposto "jet set" do Rock brasileiro, com a nítida intenção de promover, através do tom de um glamour cafona, os nossos artistas nacionais.  

E as resenhas de discos, então, que ele assinou? Foram absolutamente deliciosas as descrições, cheias de metáforas, as mais inusitadas.

No caso do Ezequiel, ele foi o resenhista de discos, mais divertido do jornalismo brasileiro, justamente por usar e abusar do sarcasmo ao estilo britânico, para detonar artistas que não gostava e exaltar as suas predileções. Antiético? Taslvez, mas é inegável que as suas resenhas despertavam gargalhadas pelas metáforas nonsense. 

A sua contrariedade pessoal histórica para com a escola do Rock Progressivo, em alta voga naquela época, nunca incomodou-me, apesar de eu ser grande fã do gênero, por exemplo. Por que eu  deveria ofender-me, se considerava as suas manifestações hilárias? 

Em uma uma de suas provações sistemáticas, costumava atribuir aos membros dos Mutantes e d'O Terço, duas bandas grandiosas da cena nacional, a responsabilidade pelo "coitus interruptus", ou seja, ele inventara uma forma para ironizar a sua música sofisticada e plena de complicados arranjos e assim, exaltava-os a "concluir" o orgasmo, ou seja, que voltassem a praticar o Rock visceral...

O mega tecladista, Rick Wakeman, ficou por meses a ser perseguido pela coluna do Zeca Jagger, ao receber a alcunha de: "bundão" e o Rock Progressivo, enquanto instituição, foi definido por ele como um "bolo de noiva", supostamente por ser mole e enjoativo...
Sobre o disco, "Wish Were You Here", do Pink Floyd, ele escreveu que estava ansioso para destruí-lo assim que soube de seu lançamento, mas após uma audição apurada, rendeu-se ao fato de que tal obra era boa, a driblar o seu próprio preconceito e o título da resenha foi: "Pink Floyd, uma bobagem que merece ser ouvida..."

E quando o LP "Sabotage", do Black Sabbath, foi lançado em 1975, a sua resenha assinalou: "parece uma lobotomia feita em uma cabeça de alfinete"...

O meu caso pessoal com a incrível, "Rock, a História e a Glória", renderia uma outra matéria. Para resumir: o primeiro número que eu comprei foi o de número onze. Eu voltava da escola em uma manhã de 1975, quando atravessei a Av. Santo Amaro, que divide os bairros da Vila Olímpia e Moema, na zona sul de São Paulo e demorei para entender aquela miragem na banca de jornais que ficava localizada na esquina da Av. Pavão.
Boquiaberto, juntei as moedas que tinha no bolso e levei aquela pequena obra prima, a biografia do The Who. Devorei a revista enquanto o LP "Quadrophenia" rodava na vitrola e pronto, como um peixe, senti-me fisgado para sempre por tal publicação. Assim que eu pude, fui procurar pelos números atrasados em bancas do centro da cidade e logo pude contar com todas à minha disposição. 

O estilo jornalístico pleno de paixão pelo Rock, marcou tanto quanto as madrugadas de magia proporcionadas pelo programa radiofônico, Kaleidoscópio, comandado pelo radialista Jaques e com esses fatores aliados, eis que uma bomba atômica eclodiu em meu pensamento, irreversivelmente. -"Quero ser músico de Rock"... e assim, eu fui atrás dessa história e glória, também...
No embalo das páginas a conter matérias sobre o Led Zeppelin, Genesis, Faces, Beatles, David Bowie e King Crimson, entre muitos outros artistas sensacionais, foi que eu embalei os primeiros momentos de minha carreira musical.
Em 1976, eu já tinha formado a minha primeira banda (o glorioso "Boca do Céu") e apesar de termos sido, todos os componentes desse grupo, garotos inexperientes e iniciantes musicalmente, usamos fartamente as páginas da "Rock, a História e a Glória", para colocarmos um anúncio classificado de nosso interesse imediato, e que foi publicado em agosto de 1976. Queríamos arrumar um vocalista para a nossa banda.
Graças a essa revista que tanto nos inebriava, apareceu um rapaz interessado, chamado: Laert Julio, e daí, com a adesão desse novo membro, a banda prosperou, dentro de seus limites juvenis, é claro. Hoje, esse Laert Julio assina como: Laert Sarrumor, ao tratar-se do líder da banda de sátira e humor, Língua de Trapo.  

No início de 1977, eu (Luiz Domingues) e Laert aturamos uma bronca pública da parte de Ezequiel Neves, em pessoa, sob um momento de incontrolável crise nervosa do colunista. Ele havia publicado uma resposta a uma carta de nossa autoria, na qual citou a nossa banda e disse em tal missiva, que considerava-se o nosso "padrinho". Ingenuamente, levamos a sério algo meramente simbólico que ele afirmara a esmo e quando o interpelamos em um show de Rock ocorrido em São Paulo, no qual estava presente, ele irritou-se profundamente ao alegar não lembrar-se de nada a respeito desse fato. Essa história está contada em detalhes, nos meus Blogs: Luiz Domingues 2 e 3.
Uma matéria publicada em 1977, nunca saiu da minha memória: "O Rebu de hoje é com Tim Leary". Nela, o "guru da contracultura" afirmou que no futuro, as drogas seriam substituídas pelos computadores pessoais... pois é, o velho Tim sabia das coisas.

Tempos depois, a crise financeira decretou que a revista fosse minada, paulatinamente. Em um determinado ponto, o Jornal de Música inverteu a sua condição, ao tornar-se o veículo principal, e a "Rock, a História e a Glória", passou a ser encartada em forma de fascículo. Muita biografia boa ainda aconteceu, apesar da crise financeira (Cream, CSNY, Jefferson Airplane, Traffic, Jethro Tull etc), mas foi a fase terminal dela, infelizmente.

Somente muitos anos depois, em 2003, para ser preciso, eu encontrei uma outra publicação que resgatara esse mesmo espírito apaixonado, através da revista: "Poeira Zine". O jornalista, Bento Araújo, fã confesso da "Rock, a História e a Glória", teve esse mérito para criar uma publicação que teve a extrema felicidade de trazer de volta essa paixão pelo Rock vintage.

Bem é isso o que tenho a dizer... considero a revista "Rock, a História e a Glória", a melhor publicação especializada em Rock e música em geral, produzida na década de setenta no Brasil, sem deméritos para a versão brasileira da "Rolling Stone", igualmente muito boa, e para outras publicações como a revista "Pop" (mais bem acabada graficamente) e a revista, "Música", que também teve os seus méritos.
Matéria publicada inicialmente no Blog Limonada Hippie, em 2012

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Filme : Mr. Smith Goes to Washington (A Mulher faz o Homem) - Por Luiz Domingues


Frank Capra acreditava no Ser humano e sobretudo na hombridade do homem comum, imaculado, livre dos vícios torpes do hedonismo barato e sobretudo, enlouquecido em torno do desejo inebriante pelo poder. A sua filmografia baseou-se nesses valores primordiais e como foi por esperar-se, tornou-se alvo de violentas críticas da parte de detratores preocupados em defender os seus respectivos posicionamentos políticos, tanto da direita, quanto da esquerda.

Os comunistas o acusavam em ser um acólito do capitalismo selvagem americano e os direitistas, de ser "antiamericano", por disseminar ideias socialistas em tom valores a evocar a solidariedade...

Em "Mr. Smith Goes to Washington" ("A Mulher Faz o Homem", em português, aliás, uma aberração como tradução, diga-se de passagem), Capra mexeu em um vespeiro e tanto. Ao retratar a corrupção dentro do Senado norteamericano, gerou protestos, tentativas de boicote, irritou políticos e o seu filme foi proibido de ser exibido na Alemanha; Itália; França; Espanha e União Soviética, para comprovar o que eu disse nos parágrafos anteriores, sobre desagradar gregos e troianos. 

A história inicia-se com a morte repentina de um senador do estado de Montana e assim que o governador desse estado toma conhecimento (Hubert Hooper, interpretado por Guy Kibbee), percebe que precisa indicar um substituto para representar Montana no Senado federal.

Mas ele é um político manipulado por um empresário corrupto, Jim Taylor (interpretado pelo fabuloso, Edward Arnold, um ator de confiança para Capra), que comanda um esquema de obras superfaturadas e mantém-se mancomunado com o governador de Montana e o Senador Joseph Paine (interpretado pelo tarimbado ator, Claude Rains).
Os filhos do governador sugerem o nome de um ídolo deles, e de todas as crianças e adolescentes no estado, Jefferson Smith (interpretado com extrema convicção por James Stewart), líder escoteiro; idealista e ingenuamente bem intencionado. Taylor e Paine vislumbram nesse nome, o ideal para agradar a juventude e ao mesmo tempo que ele porte-se como facilmente manipulável, e assim pressionam o governador Hooper, a indicá-lo.

Smith aceita a incumbência e prosaicamente ao considerar que o Senado é uma casa formada por idealistas como ele, ele vai para Washington tomar posse, munido de muitos sonhos, por desejar dar o máximo de si, ao sugerir ideias para projetos interessantes para o povo etc e tal. Logo que chega à capital, é muito bonita a cena em que ele visita pontos emblemáticos da cidade de Washington DC, principalmente o memorial de Lincoln, ao imbuir-se de força interna para assumir uma missão muito difícil.
Todavia, ele começa a frustrar-se, ao verificar que ali, o idealismo é para os tolos que não conhecem os meandros da realidade corrupta dentro dos meandros da velha política. Por exemplo, o velho Senador Paine, desencoraja-o friamente a criar projetos muito complexos e a título de mantê-lo ocupado e longe de seu esquema corrupto, sugere que o novato, Smith, crie um projeto simplório para beneficiar os escoteiros.
Smith elabora então um projeto para criar um acampamento em Montana, em um lugar próximo ao rio Willet Creek. Por azar (ou sorte ?), trata-se de um local que faz parte dos planos do empresário, Jim Taylor, para mais exercer uma falcatrua em sociedade com o Senador Paine. Paine e Taylor pressionam o idealista Senador Smith, a retirar o projeto e armam provas falsas contra ele, caso não coopere, ao obrigá-lo a sofrer o risco de ser cassado do Senado, por falta de decoro parlamentar.
Nesse ínterim, a secretária, Clarissa Saunders (interpretada pela bela Jean Arthur), que em princípio considerou que Smith fosse um caipira ingênuo e manipulável, nota o idealismo puro em sua real intenção e ao afeiçoar-se, passa a orientá-lo sobre os procedimentos regulamentares do Senado e os cuidados necessários para não sair picado mortalmente em meio àquele covil de víboras que é o ambiente político.
Então, ao usar uma artimanha do regimento interno da casa, Smith, orientado por Clarissa Saunders, adota a estratégia de fazer um longo e emocionante discurso para vencer os senadores pelo cansaço. Trata-se de uma cena muito emocionante, com o discurso inflamado a tornar-se uma prova de resistência física e psicológica.
Enquanto usa esse dispositivo regimental, os Senadores que desejam derrubá-lo, nada podem fazer, a não ser esperar que ele dê por encerrado o pronunciamento. Claro, a imprensa cobre tal fenômeno e o povo toma conhecimento da situação parlamentar, para inflamar-se com essa heroica resistência. Os escoteiros montam um esquema de apoio e milhares de cartas chegam ao Senado, a prestar-lhe solidariedade.


Smith vai à loucura, ao denunciar a corrupção; evocar o espírito da democracia; denunciar a máquina de corrupção construída por sanguessugas do povo; os ideais americanos de liberdade; Abraham Lincoln etc. No estertor de suas forças físicas, dirige-se diretamente ao Senador Paine, ao dizer-lhe que ele fora o seu ídolo e que seu pai também havia sido seu eleitor fiel, a quem reputava como um nobre representante do estado de Montana no Senado e sendo assim, não podia acreditar que a verdadeira face do velho Senador, fosse a da corrupção; das falcatruas; da formação de uma quadrilha formada junto a empresários corruptos etc.
Smith desmaia a seguir, completamente exausto pelas horas a fio em que resistiu no parlatório. Contudo, as palavras duras que ele proferiu por horas a fio, calou fundo no velho Senador Paine, que não resiste mais e aos gritos, diz abertamente que ele é que deve ser cassado e não Smith, pois tudo o que Smith dissera em seu longo discurso, representou a mais pura verdade !
Capra conseguiu promover a vitória do homem comum, contra o sistema podre, para lavar a alma de milhões de pessoas simples. Claro, conforme citei no início, seu filme causou polêmica, a começar pelo próprio Senado americano na vida real, onde diversos senadores pronunciaram-se acaloradamente contra o filme, ao acusá-lo de ser uma falácia; ofensivo; calunioso etc.
O filme foi indicado para onze Oscars, mas só ganhou um, pelo roteiro. Muito falou-se que também incomodou os poderosos de Hollywood, e a sua derrocada na premiação foi um boicote velado. O fato, é que o filme merecia ter mais premiações, pelo seu brilhantismo, em todos os quesitos.
Estou a  comentar sobre um filme produzido e lançado em 1939, com essa grau de contundência extraordinário. Quando observamos os acontecimentos da política, em pleno 2012, só resta-nos torcer para que surja um idealista como o personagem, Jefferson Smith, que suba ao parlatório e diga no rosto dessa classe política horrorosa que temos, o quanto os desprezamos pela sua natureza torpe e imutável.
"Mr. Smith Goes to Washington" é um filme emocionante, onde mais uma vez Frank Capra mostrou a sua fé no ser humano decente. Isso é ser ingênuo ? Talvez, mas ainda assim, prefiro aliar-me nessa visão de mundo do grande Frank Capra, com esperança por dias melhores e mais justos.

quinta-feira, 26 de julho de 2012

MMDC - Por Luiz Domingues


Infelizmente (como um reflexo previsível é bom que se diga), a memória em geral é muito maltratada no Brasil. Eventos históricos, personalidades, obras e monumentos perdem o seu sentido rapidamente, ao cair em esquecimento, muitas vezes de uma forma irreversível. Incluso o nome de pessoas que dão título para ruas, avenidas, praças e outros logradouros pelas cidades.
Entre tantos tristes exemplos nesse sentido de descaso com a sua própria história e cultura, o povo brasileiro de uma forma geral, ignora o significado de seus feriados. No caso específico de São Paulo, essa tendência ganha a agravante da histórica sina em torno da baixa autoestima dos paulistas (isso é um fato), sempre dispostos a falar mal de sua própria terra. Esse é um ponto.

Nesse contexto, de súbito, responda amigo leitor: sabe o que significa a sigla: "MMDC?" 

Não, nem pense em fazer contas por considerar se tratar de uma data observada sob algarismos romanos. Resumidamente, situo a explicação a respeito do significado dessa citada sigla, ao recuar para o anos de ano de 1930, quando Getúlio Vargas assumiu o poder na base da força e ao rasgar a Constituição vigente (de 1891), tratou por nomear interventores em todos os estados da federação (com exceção de Minas Gerais). 

A insatisfação por tal situação abrupta tomou conta de vários setores da sociedade, para gerar o clamor em prol da promulgação de uma nova constituição que cresceu para atingir o seu clímax no ano de 1932.

Estudantes paulistanos marcharam em direção ao escritório da ocupação revolucionária de Vargas, instalado na Praça da República, no centro da capital paulista. Rechaçado com violência pelas forças do governo central, esse ímpeto provocou a morte de quatro jovens. Três de forma instantânea e o último, três dias depois de agonizar em um hospital.

O nome desses quatro rapazes: Mário Martins de Almeida, Euclides Miragaia, Dráusio Marcondes de Sousa e Antonio Camargo de Andrade, cujas letras iniciais de cada nome elencado produziu a sigla, "MMDC". 

No dia seguinte dessa tragédia ocorrida no dia 23 de maio de 1932, se fundou a sociedade secreta: "MMDC", decisiva para eclodir a revolução, em 9 de julho de 1932. Um quinto estudante também ferido gravemente ficou à margem da sigla, por ter tido sobrevida no hospital. Esse quinto rapaz, veio a falecer em agosto de 1932, e justiça seja feita, Orlando de Oliveira Alvarenga merecia estar inserido na sigla, ao torná-la, "MMDCA".

Em princípio, o estado de São Paulo contava com o apoio de todos os outros estados neste clamor, mas no calor dos acontecimentos, ficou isolado, apoiado apenas pelo Mato Grosso. Sem condições para enfrentar o poderio federal, perdeu teoricamente a guerra, mas na pratica, não foi inteiramente vencido, pois Vargas sentiu-se impelido a promulgar uma nova Constituição, para começar, ainda que insipidamente, a restituir a normalidade democrática na nação, pelo menos parcialmente.

Lamento muito que essa suposta reivindicação legalista, que ceifou tantas vidas, gerou sofrimento, angústia e apreensão para os nossos antepassados, seja ignorada retumbantemente nos dias atuais pelo ponto de vista da história.

Deveríamos saber mais informações ao olharmos para o Obelisco do Parque do Ibirapuera, ou ao trafegar pelas Avenidas 9 de julho e 23 de maio e também através das Ruas Martins; Miragaia, Dráusio, Camargo e Alvarenga, localizadas no bairro do Butantã. Isso sem contar com diversos monumentos espalhados por cidades interioranas e litorâneas do estado de São Paulo, como o mausoléu aos Heróis de 32, no cemitério da Saudade, em Campinas, a Av. Voluntários de São Paulo, no centro de São José do Rio Preto e a Praça Heróis de 1932, na cidade de São Vicente, entre outras inúmeras manifestações nesse sentido.
Bem, agora que o leitor sabe o que significa "MMDC", rogo-lhe que pense bem sobre a liberdade democrática, no sentido em que custou vidas e o mínimo que podemos fazer em relação a isso, é respeitar o significado do feriado de 9 de julho, em todo o estado de São Paulo. 

E a pensar detidamente sobre o que significa ter liberdade, direitos civis assegurados, constituição e leis que sejam aplicadas para todos, realmente, é preciso ter em mente o outro lado da história. Se por um lado a revolução perpetrada por Vargas e seus apoiadores foi conduzida de forma violenta e instaurou uma ditadura que perdurou por anos, há também de se considerar que considerar a história analisada apenas por um lado, não é uma forma correta de se buscar entender o âmago dos conflitos e da política em específico.

Porquanto se Vargas liderou um movimento revolucionário para ele e seus seguidores e na visão dos oposicionistas, a se tratar de um golpe arbitrário, há de se ponderar que nos anos imediatamente anteriores ao movimento que levou Vargas ao poder, em 1930, a política brasileira estava a ser constituída por uma manobra escusa, apelidada pejorativamente como "política do café com leite" ou a trocar em miúdos, um conluio entre oligarcas paulistas e mineiros, uns produtores de café e ou outros de leite, para estabelecer uma farsa disfarçada de democracia que os mantinha sob uma vergonhosa alternância de poder e a reverter em privilégios para esses poucos que se julgavam senhores feudais.

Fruto da pressão econômica de quem se julgava dono do país, tais acontecimentos tornam a visão sobre a tomada arbitrária do poder por Vargas, relativa em alguns termos, pois truculência e opressão a parte, talvez a ação dos que tomaram o poder, não tenha sido em vão, mas para destruir uma velada forma de ditadura da parte de saudosistas da escravidão, entre outras barbaridades. Em suma, se por um lado a ideia paulista de reivindicar uma nova constituição e amenizar assim a ditadura imposta por Vargas teve a sua validade, por outro, vitimar-se eternamente por ter o poder da parte de sua elite cerceado e daí ter tido o ímpeto de se revoltar, é algo muito discutível.

De minha parte, enxergo que há prós e contras na visão dos dois grupos e claro, independente de qualquer consideração mais aprofundada a respeito, tenho consideração pelos jovens mortos, todos os que tombaram ou se machucaram e nesse sentido, acredito que os rapazes cujas iniciais deram sentido à sigla "MMDC", merecem a minha/nossa consideração.   

Matéria publicada inicialmente no Site/Blog Orra Meu, e republicada a seguir no Blog Pedro da Veiga, ambas em 2012