Naquela transição entre a Jovem Guarda
e o Tropicalismo, muitos artistas emergentes tentaram enquadrar-se de alguma
forma ao panorama musical, dito “jovem”, durante o final dos anos sessenta.
Identificados com a breguice suburbana
da Jovem Guarda (claro que no seu bojo houve boas exceções honrosas, caso de Erasmo
Carlos, um Rocker de respeito, sem dúvida, assim como Eduardo Araújo & Silvinha), ou com o experimentalismo
antropofágico total dos Tropicalistas, muitos transitaram entre esses dois
mundos, a buscar o seu lugar ao Sol.
Já com os ecos "Woodstockeanos" a eclodir nestes rincões tupiniquins, eis que surge uma exótica cantora paranaense, com origem árabe, a exibir uma voz grave, absolutamente impressionante e também a contar com uma presença de palco muito efusiva, chamada : “De
Kalafe”. Denise De Kalafe nasceu em Ponta
Grossa, no interior do Paraná, mas veio com "mala & cuia" para São Paulo, onde sonhava firmar-se no metiér artístico. O seu nome exótico era grafado de várias
formas (“D.Kalafe”, “De Kalafe”, “Dekalaf”), o que aumentou substancialmente o exotismo em
torno de sua figura.
Acompanhada por uma banda de Rock,
chamada como : “A Turma” (um dos guitarristas desse grupo, seria o futuro produtor musical, Arnaldo Saccomani), De Kalafe impressionava pela linda voz com emissão super potente; por ser uma morena espetacular, cuja beleza exótica chamava muito a atenção, graças à sua origem étnica advinda de seu DNA familiar, proveniente do Oriente Médio, e também pela sua performance muito forte no palco. A sua postura lembrava muito a
contundência cênica de Maria Bethânia, mas o visual e performance, coadunavam-se
absolutamente com a contracultura Hippie vigente, mais na órbita da Gal Costa, portanto (bem entendido, a Gal daquela
época, como uma freak, Gal-Total e Fa-Tal).
Bem, De Kalafe chamou a atenção pelo lado bom da sua excelência artística, e igualmente com muitas críticas advindas dos conservadores, é claro, por apresentar-se muitas vezes na TV, descalça, e a usar vestidos multicoloridos, ou seja, tudo isso em uma época onde o clima político no Brasil apontava mais para o cinza, e o público médio da sociedade ainda concebia como vestimenta “decente” para qualquer artista que apresentava-se na TV (como um modelo de formalidade cartorária, como se todos fossem padrinhos de casamento em uma igreja), portanto, claro que De Kalafe e outros artistas contemporâneos e congêneres, chocavam...
Bem, De Kalafe chamou a atenção pelo lado bom da sua excelência artística, e igualmente com muitas críticas advindas dos conservadores, é claro, por apresentar-se muitas vezes na TV, descalça, e a usar vestidos multicoloridos, ou seja, tudo isso em uma época onde o clima político no Brasil apontava mais para o cinza, e o público médio da sociedade ainda concebia como vestimenta “decente” para qualquer artista que apresentava-se na TV (como um modelo de formalidade cartorária, como se todos fossem padrinhos de casamento em uma igreja), portanto, claro que De Kalafe e outros artistas contemporâneos e congêneres, chocavam...
Entre os anos de 1968 a 1970, "De Kalafe
e A Turma" fez um relativo sucesso radiofônico e televisivo, com o lançamento do
compacto simples pelo selo, “Rozemblit”, que ousadamente para os padrões da
época, apostara em artistas emergentes, notadamente do universo do Rock underground.
Em um desses compactos, músicas como : “Guerra” e
“Quadrado Mundo”, mostravam obras coadunadas com o “momentum” sessentista, e
a sua inerente preocupação expressa pelos jovens antenados com a opressão dos sistemas
totalitários; guerras estúpidas e demais questões análogas.
"Guerra", com De Kalafe e a Turma
"Mundo Quadrado" com De Kalafe e a Turma
Sob um segundo lançamento, De Kalafe e A
Turma saiu com outro compacto, a apresentar um cover da música, “Bang Bang” gravada
pela cantora pop americana, Cher, e “This Boy”, canção dos Beatles. Outra música que chamou a atenção, foi : “Inch’
Allah”, uma canção Pop francesa, mas com a óbvia influência árabe (vide o seu título), e que no entanto, nunca foi gravada
em disco, porém, proporcionou uma aparição incrível em uma cena de um filme lançado em 1968, chamado,
“Bebel, a Garota Propaganda”, aliás uma obra muito interessante e baseada em um
conto do escritor, Ignácio de Loyola Brandão.
Eis acima, inserido dentro do filme "Bebel, a Garota Propaganda", uma performance de De Kalafe e A Turma, a interpretar a canção Pop francesa : "Inch Allah"
De certa forma, e muita gente comentou
isso na época, De Kalafe foi uma espécie de "Mariska Veres brasileira" (Mariska
foi vocalista da banda Pop holandesa, “Shocking Blue”, que fez um extraordinário
sucesso radiofônico no Brasil, por conta da música : “Venus”).
"Bang Bang", com De Kalafe e a Turma
De fato, havia semelhanças entre as
duas, que iam do visual / figurino, à questão do timbre vocal, além do fato de
que o espectro musical do Shocking Blue, dentro do Rock europeu, assemelhava-se
bastante à proposta d'A Turma", ou seja, ambas praticavam em essência, um Pop
Rock, estilo "Bubblegum", bem típico do início / meio dos anos sessenta, todavia, ao ser usado ao final daquela
década, portanto um tanto quanto defasado e démodé em tempos psicodélicos e com o Rock internacional já
a partir para novas tendências, como o Blues-Rock hiper eletrificado; Acid Rock; Psicodelia; Hard-Rock, ou para o nascente, Progressive Rock.
Mesmo com um relativo sucesso midiático, a situação piorou para De Kalafe e A Turma, no sentido de que não surgiu uma nova oportunidade com o avançar da década de setenta, e a banda não acompanhou a evolução do Rock brasileiro, ao pegar carona com Os Mutantes, O Terço, A Bolha e outras bandas que apontavam a sua evolução, portanto, houve a dissolução do trabalho. Uma tentativa para lançá-la como cantora solo, também ocorreu em 1970, com o lançamento do LP “De Kalafe”, com várias canções compostas a conter letras de Vitor Martins (este, o grande letrista e parceiro de Ivan Lins), e até com uma regravação do clássico, “Aquarela do Brasil”, mas tal trabalho não logrou êxito, infelizmente.
Mesmo com um relativo sucesso midiático, a situação piorou para De Kalafe e A Turma, no sentido de que não surgiu uma nova oportunidade com o avançar da década de setenta, e a banda não acompanhou a evolução do Rock brasileiro, ao pegar carona com Os Mutantes, O Terço, A Bolha e outras bandas que apontavam a sua evolução, portanto, houve a dissolução do trabalho. Uma tentativa para lançá-la como cantora solo, também ocorreu em 1970, com o lançamento do LP “De Kalafe”, com várias canções compostas a conter letras de Vitor Martins (este, o grande letrista e parceiro de Ivan Lins), e até com uma regravação do clássico, “Aquarela do Brasil”, mas tal trabalho não logrou êxito, infelizmente.
Determinada, De Kalafe fez as malas de
novo e deu uma guinada radical em sua trajetória, ao desembarcar na Cidade do
México em 1975, e aí iniciar uma carreira sólida como cantora e compositora,
com muito sucesso doravante, naquele país dos Mariachis. A compor e cantar em castellaño, aliás com
desenvoltura, naturalmente que o seu novo foco não fora o Rock, mas sim, a aposta forte
na música “romântica”, esse eufemismo gerado para não dizer-se “brega”, nesses tempos forjados pelo advento da mentalidade do
politicamente correto, onde tudo ofende e magoa...
De Kalafe caiu nas graças do público
mexicano e tornou-se, já a partir do final da década de setenta, um fenômeno de
vendas e um ícone da música popular mexicana e latinoamericana / hispânica em geral, visto
que a sua popularidade alastrou-se por todos os países de cultura hispânica. O seus discos venderam milhões de cópias,
e ela é sempre requisitada, até hoje em dia, para compor trilhas para as novelas
mexicanas, portanto, alcançou um status de popularidade naquele país,
semelhante ao do Roberto Carlos, por aqui, no Brasil.
Aconselhada por uma numeróloga,
acrescentou um “S” a mais no seu prenome, ao passar a grafar como, Denisse De Kalafe,
mas além da numerologia, a mudança adaptou certamente o seu nome à pronúncia hispânica, por ficar
mais confortável para quem fala castellaño, e não consegue pronunciar o “Z” da
língua portuguesa, e muito menos entender por que muitas vezes o “S” tem som de
“Z”, em nossa língua lusitana. Enfim...
Ela mesma declara-se uma “Brasicana”, embora tenha naturalizado-se mexicana há muitos anos e raramente vem ao Brasil nos dias atuais. Entre os seus muitos discos de sucesso no México, destacam-se : “El Porqué de Mi Canto”; “Cuando Hay amor... no Hay Pecado”; “Amar es”; “Hacer y Deshacer”; “Señora, Señora” e muitos outros.
Ela mesma declara-se uma “Brasicana”, embora tenha naturalizado-se mexicana há muitos anos e raramente vem ao Brasil nos dias atuais. Entre os seus muitos discos de sucesso no México, destacam-se : “El Porqué de Mi Canto”; “Cuando Hay amor... no Hay Pecado”; “Amar es”; “Hacer y Deshacer”; “Señora, Señora” e muitos outros.
De Kalafe teve tudo para firmar-se panorama do Rock brasileiro daquele final de década de sessenta e
início dos setenta; poderia ter enveredado para a MPB engajada e contracultural,
que embalou os anos setenta, tranquilamente, também. Contudo, música no Brasil não é nada fácil,
e a sua saída para o sucesso, foi através de um avião que a levou ao solo estrangeiro. Por sorte, lá no México ela teve
o seu talento como compositora e cantora, reconhecido, ainda que sob um universo não
muito confortável para nós, que é o do mundo brega-hispânico.
Todavia, sem nenhum preconceito, fico feliz
por ela ter alcançado enfim esse sucesso, pois muito pior teria sido abandonar
a música, como foi e tem sido o caso de centenas de artistas que batem com seus
respectivos narizes nas portas cerradas do sistema musical brasileiro. Tenho saudade do vozeirão e da presença forte
de De Kalafe naquele caldeirão efervescente dos anos sessenta.
Matéria publicada inicialmente na Revista Gatos & Alfaces, nº 6, de agosto de 2015