segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

De Kalafe, de Hippie a Pop Latina - Por Luiz Domingues



Naquela transição entre a Jovem Guarda e o Tropicalismo, muitos artistas emergentes tentaram enquadrar-se de alguma forma ao panorama musical, dito “jovem”, durante o final dos anos sessenta.

Identificados com a breguice suburbana da Jovem Guarda (claro que no seu bojo houve boas exceções honrosas, caso de Erasmo Carlos, um Rocker de respeito, sem dúvida, assim como Eduardo Araújo & Silvinha), ou com o experimentalismo antropofágico total dos Tropicalistas, muitos transitaram entre esses dois mundos, a buscar o seu lugar ao Sol.
Já com os ecos "Woodstockeanos" a eclodir nestes rincões tupiniquins, eis que surge uma exótica cantora paranaense, com origem árabe, a exibir uma voz grave, absolutamente impressionante e também a contar com uma presença de palco muito efusiva, chamada : “De Kalafe”. Denise De Kalafe nasceu em Ponta Grossa, no interior do Paraná, mas veio com "mala & cuia" para São Paulo, onde sonhava firmar-se no metiér artístico. O seu nome exótico era grafado de várias formas (“D.Kalafe”, “De Kalafe”, “Dekalaf”), o que aumentou substancialmente o exotismo em torno de sua figura.
Acompanhada por uma banda de Rock, chamada como : “A Turma” (um dos guitarristas desse grupo, seria o futuro produtor musical, Arnaldo Saccomani), De Kalafe impressionava pela linda voz com emissão super potente; por ser uma morena espetacular, cuja beleza exótica chamava muito a atenção, graças à sua origem étnica advinda de seu DNA familiar, proveniente do Oriente Médio, e também pela sua performance muito forte no palco. A sua postura lembrava muito a contundência cênica de Maria Bethânia, mas o visual e performance, coadunavam-se absolutamente com a contracultura Hippie vigente, mais na órbita da Gal Costa, portanto (bem entendido, a Gal daquela época, como uma freak, Gal-Total e Fa-Tal). 

Bem, De Kalafe chamou a atenção pelo lado bom da sua excelência artística, e igualmente com muitas críticas advindas dos conservadores, é claro, por apresentar-se muitas vezes na TV, descalça, e a usar vestidos multicoloridos, ou seja, tudo isso em uma época onde o clima político no Brasil apontava mais para o cinza, e o público médio da sociedade ainda concebia como vestimenta “decente” para qualquer artista que apresentava-se na TV (como um modelo de formalidade cartorária, como se todos fossem padrinhos de casamento em uma igreja), portanto, claro que De Kalafe e outros artistas contemporâneos e congêneres, chocavam...
Entre os anos de 1968 a 1970, "De Kalafe e A Turma" fez um relativo sucesso radiofônico e televisivo, com o lançamento do compacto simples pelo selo, “Rozemblit”, que ousadamente para os padrões da época, apostara em artistas emergentes, notadamente do universo do Rock underground.
Em um desses compactos, músicas como : “Guerra” e “Quadrado Mundo”, mostravam obras coadunadas com o “momentum” sessentista, e a sua inerente preocupação expressa pelos jovens antenados com a opressão dos sistemas totalitários; guerras estúpidas e demais questões análogas.
                         "Guerra", com De Kalafe e a Turma
 
               "Mundo Quadrado" com De Kalafe e a Turma

Sob um segundo lançamento, De Kalafe e A Turma saiu com outro compacto, a apresentar um cover da música, “Bang Bang” gravada pela cantora pop americana, Cher, e “This Boy”, canção dos Beatles. Outra música que chamou a atenção, foi : “Inch’ Allah”, uma canção Pop francesa, mas com a óbvia influência árabe (vide o seu título), e que no entanto, nunca foi gravada em disco, porém, proporcionou uma aparição incrível em uma cena de um filme lançado em 1968, chamado, “Bebel, a Garota Propaganda”, aliás uma obra muito interessante e baseada em um conto do escritor, Ignácio de Loyola Brandão.
Eis acima, inserido dentro do filme "Bebel, a Garota Propaganda", uma performance de De Kalafe e A Turma, a interpretar a canção Pop francesa : "Inch Allah"

De certa forma, e muita gente comentou isso na época, De Kalafe foi uma espécie de "Mariska Veres brasileira" (Mariska foi vocalista da banda Pop holandesa, “Shocking Blue”, que fez um extraordinário sucesso radiofônico no Brasil, por conta da música : “Venus”).
                       "Bang Bang", com De Kalafe e a Turma

De fato, havia semelhanças entre as duas, que iam do visual / figurino, à questão do timbre vocal, além do fato de que o espectro musical do Shocking Blue, dentro do Rock europeu, assemelhava-se bastante à proposta d'A Turma", ou seja, ambas praticavam em essência, um Pop Rock, estilo "Bubblegum", bem típico do início / meio dos anos sessenta, todavia, ao ser usado ao final daquela década, portanto um tanto quanto defasado e démodé em tempos psicodélicos e com o Rock internacional já a partir para novas tendências, como o Blues-Rock hiper eletrificado; Acid Rock; Psicodelia; Hard-Rock, ou para o nascente, Progressive Rock.

Mesmo com um relativo sucesso midiático, a situação piorou para De Kalafe e A Turma, no sentido de que não surgiu uma nova oportunidade com o avançar da década de setenta, e a banda não acompanhou a evolução do Rock brasileiro, ao pegar carona com Os Mutantes, O Terço, A Bolha e outras bandas que apontavam a sua evolução, portanto, houve a dissolução do trabalho. Uma tentativa para lançá-la como cantora solo, também ocorreu em 1970, com o lançamento do LP “De Kalafe”, com várias canções compostas a conter letras de Vitor Martins (este, o grande letrista e parceiro de Ivan Lins), e até com uma regravação do clássico, “Aquarela do Brasil”, mas tal trabalho não logrou êxito, infelizmente.
Determinada, De Kalafe fez as malas de novo e deu uma guinada radical em sua trajetória, ao desembarcar na Cidade do México em 1975, e aí iniciar uma carreira sólida como cantora e compositora, com muito sucesso doravante, naquele país dos Mariachis. A compor e cantar em castellaño, aliás com desenvoltura, naturalmente que o seu novo foco não fora o Rock, mas sim, a aposta forte na música “romântica”, esse eufemismo gerado para não dizer-se “brega”, nesses tempos forjados pelo advento da mentalidade do politicamente correto, onde tudo ofende e magoa...
De Kalafe caiu nas graças do público mexicano e tornou-se, já a partir do final da década de setenta, um fenômeno de vendas e um ícone da música popular mexicana e latinoamericana / hispânica em geral, visto que a sua popularidade alastrou-se por todos os países de cultura hispânica. O seus discos venderam milhões de cópias, e ela é sempre requisitada, até hoje em dia, para compor trilhas para as novelas mexicanas, portanto, alcançou um status de popularidade naquele país, semelhante ao do Roberto Carlos, por aqui, no Brasil.
Aconselhada por uma numeróloga, acrescentou um “S” a mais no seu prenome, ao passar a grafar como, Denisse De Kalafe, mas além da numerologia, a mudança adaptou certamente o seu nome à pronúncia hispânica, por ficar mais confortável para quem fala castellaño, e não consegue pronunciar o “Z” da língua portuguesa, e muito menos entender por que muitas vezes o “S” tem som de “Z”, em nossa língua lusitana. Enfim...

Ela mesma declara-se uma “Brasicana”, embora tenha naturalizado-se mexicana há muitos anos e raramente vem ao Brasil nos dias atuais. Entre os seus muitos discos de sucesso no México, destacam-se : “El Porqué de Mi Canto”; “Cuando Hay amor... no Hay Pecado”; “Amar es”; “Hacer y Deshacer”; “Señora, Señora” e muitos outros.
De Kalafe teve tudo para firmar-se panorama do Rock brasileiro daquele final de década de sessenta e início dos setenta; poderia ter enveredado para a MPB engajada e contracultural, que embalou os anos setenta, tranquilamente, também. Contudo, música no Brasil não é nada fácil, e a sua saída para o sucesso, foi através de um avião que a levou ao solo estrangeiro. Por sorte, lá no México ela teve o seu talento como compositora e cantora, reconhecido, ainda que sob um universo não muito confortável para nós, que é o do mundo brega-hispânico.
Todavia, sem nenhum preconceito, fico feliz por ela ter alcançado enfim esse sucesso, pois muito pior teria sido abandonar a música, como foi e tem sido o caso de centenas de artistas que batem com seus respectivos narizes nas portas cerradas do sistema musical brasileiro. Tenho saudade do vozeirão e da presença forte de De Kalafe naquele caldeirão efervescente dos anos sessenta.
Matéria publicada inicialmente na Revista Gatos & Alfaces, nº 6, de agosto de 2015

domingo, 13 de dezembro de 2015

Sem o Shopping / City News, os Domingos Paulistanos Nunca mais Foram os Mesmos... - Por Luiz Domingues



O jornal de bairro sempre teve muita força na cidade de São Paulo, exatamente pelo fato de que em uma mega cidade, os bairros também observam uma extensão territorial gigantesca e por conseguinte, a conter infraestrutura própria, para atender em muitos casos, a mesma população em número, de cidades grandes interioranas. Dessa maneira, com muitas notícias locais; interesse comercial em anúncios, e vida sociocultural própria, foram inúmeros os jornais fundados, sendo que em bairros mais populosos, houve época em que várias publicações existiam, a estabelecer até concorrência entre si. E entre tantos jornais e revistas focados na vida dos bairros, um em particular, marcou no imaginário do paulistano, por ter alcançado um status como “jornal grande”, exatamente por ter alcançado uma impressionante marca em torno de setecentos mil exemplares como tiragem, além de manter como padrão gráfico, uma brochura grossa, quase semelhante a jornais mainstream da cidade, como “O Estado de São Paulo” e “Folha de São Paulo”. Falo sobre o “Shopping / City News”, que circulava aos domingos, sendo distribuído gratuitamente em milhares de lares paulistanos.
Fundado em 1953, por Rubens Prestes Mattar, ligado ao grupo DCI (Diário do Comércio e Indústria), o Shopping News teve no entanto, uma vocação cultural e comunitária, diferente do jornal de leitura pesada e focado no mercado financeiro e indústria & comércio, a vocação natural do DCI. Sobre o Shopping News, a publicação teve dois nomes (chegou a ter um terceiro, "Jornal da Semana"), mas tratava-se do mesmo conteúdo, na verdade.
Como forma para setorizar zonas de distribuição, teve nomes diferentes, mas isso em nada prejudicou a sua imagem. Outro grande mérito da publicação, foi o fato de seu sustento ser provido exclusivamente da parte de seu espaço publicitário. Os exemplares eram distribuídos gratuitamente pelos lares, e por ter crescido muito, naturalmente atraiu o interesse de anunciantes e para todos os bolsos, pois desde grandes empresas e lojas do comércio, até pequenos anúncios sobre profissionais liberais, procuravam divulgar as suas marcas; produtos & serviços, através das páginas do Shopping / City News. Mas havia mais um atrativo, e ao meu ver, o mais forte : a qualidade editorial do jornal, era muito boa. 

Ao contrário da maioria dos jornais de bairro, que tem um jornalista experiente para oficializar a publicação, mediante o “MTB” (o registro oficial dos jornalistas), e valer-se de colaboradores diletantes e / ou estudantes de jornalismo como estagiários, o Shopping News conseguiu arregimentar uma equipe de profissionais do jornalismo, sensacional, com colunistas da pesada a assinar ótimas matérias.
Com isso, a qualidade do texto, e a diversidade do jornal, esteve sempre assegurada.
Em seus anos de ouro, o Shopping News teve como editor chefe, o jornalista, Luiz Del Nero Neto. Como exemplos bons nesse sentido em possuir grandes colunistas, cito a grande, Dulce Damasceno de Brito, uma experiente jornalista cultural, e especialista em Cinema.
Dulce foi por anos, uma correspondente brasileira em Los Angeles, a cobrir a movimentação em Hollywood. Aliás, salvo engano de minha parte, foi a primeira correspondente brasileira, oficialmente a cobrir Hollywood.
São históricas as suas entrevistas com grandes diretores; atores; roteiristas e produtores, a cobrir os lançamentos de alguns filmes que tornaram-se históricos a posteriori e por escrever resenhas sobre diversas películas. Por anos, a sua coluna dominical, publicada no Shopping News, foi um farol para cinéfilos, sedentos por novidades e conteúdo.

Maria Aparecida Saad, colunista social que foi famosa nesse nicho, também mantinha coluna nas páginas desse semanário. Deise Sabag, jornalista especializada em Moda, era outro exemplo interessante, ao atingir o público feminino.
E não posso deixar por destacar a presença do escritor / cronista / jornalista e editor, Ignácio de Loyola Brandão, que por anos, publicou as suas crônicas sobre o cotidiano da metrópole de São Paulo, sempre com aquele sabor de conversa de padaria, no pleno ato da degustação do cafezinho. No entanto, os tempos tornaram-se difíceis e ao perder força, o jornal passou por dificuldades, e desse imbróglio financeiro, não conseguiu evitar o seu fechamento. Algum tempo depois, a sua massa falida foi absorvida pelo grupo DCI (Diário do Comércio e Indústria), então de propriedade do falecido governador do Estado de São Paulo, Orestes Quércia.

A partir de 2008, o Shopping News tornou-se um encarte do DCI, com tamanho bem reduzido, mas a tentar manter o seu charme do passado. Claro, sob um espaço modesto, e encartado em um jornal sisudo, onde seu público leitor padrão só esperava notícias sobre economia & negócios, o velho "Shopping News" não teve mais como retomar o seu embalo de outrora, infelizmente.
Um aspecto é certo : entre 1953, quando foi lançado, e nos meados dos anos 1990, quando saiu de cena, o Shopping / City News angariou a simpatia de muitos paulistanos. Os domingos paulistanos, principalmente vividos nas décadas de 1950 a 1980, que sempre marcaram por alguns signos típicos, podem contabilizar também tal publicação entre eles. Domingo era dia de acordar com o sino da igreja católica mais próxima de casa, a badalar para chamar os fiéis para a missa; o aroma do molho de tomate que ultrapassava as fronteiras das cozinhas caseiras , e espalhava-se pelas ruas; os radinhos de pilhas por todos os cantos, com a voz dos locutores esportivos em frenesi para narrar as partidas do futebol, e a presença do entregador do Shopping News, a jogar exemplares nas portas dos lares, antes mesmo de acordarmos.
Matéria publicada inicialmente no Site / Blog Orra Meu, em 2015

sábado, 12 de dezembro de 2015

Os Kurandeiros - 13/12/2015 - Domingo / 19:00 Horas - Santa Sede Rock Bar - Santana - São Paulo / SP


Os Kurandeiros

13 de dezembro de 2015 - Domingo - 19 Horas

Santa Sede Rock Bar

Avenida Luiz Dumont Villares, 2104
Santana
100 metros da Estação Parada Inglesa do Metrô
São Paulo - SP

Os Kurandeiros :

Kim Kehl : Violão e Voz
Carlinhos Machado : Bateria e Voz
Luiz Domingues : Baixo

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

Os Kurandeiros - 6/12/2015 - Domingo / 19 Horas - Santa Sede Rock Bar - Santana - São Paulo / SP

Os Kurandeiros

6 de Dezembro de 2015  -  Domingo  -  19 Horas

Santa Sede Rock Bar

Avenida Luiz Dumont Villares, 2104

Santana

100 metros da Estação Parada Inglesa do Metrô

São Paulo  -  SP

Os Kurandeiros :

Kim Kehl - Violão e Voz
Carlinhos Machado - Bateria e Voz
Luiz Domingues - Baixo

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Os Kurandeiros - 4/12/2015 - Sexta-Feira / 20:00 h. - Melts - Liberdade - São Paulo / SP


Os Kurandeiros

4 de Dezembro de 2015  -  Sexta-Feira  - 20:00 horas

Melts

Avenida Liberdade, 472

Liberdade

100 metros da Estação Liberdade do Metrô

Os Kurandeiros:

Kim Kehl - Violão e Voz
Carlinhos Machado - Bateria e Voz
Luiz Domingues - Baixo 

terça-feira, 24 de novembro de 2015

Som Livre Exportação - Por Luiz Domingues



Quando a Rede Globo começou a despontar como líder no seu setor, amparada pela maciça audiência (a aproveitar-se dos primeiros sinais de decadência da TV Record e com a estagnação da TV Tupi (neste caso, apesar do seu retumbante sucesso recente, obtido mediante a exibição da sua considerada revolucionária telenovela, "Beto Rockfeller"), tal crescimento foi sem dúvida motivado pela ascensão de seu núcleo de dramaturgia, que avançara muito e também graças ao sucesso retumbante da telenovela, "Irmãos Coragem".

Claro que devemos considerar os fatores extra-operacionais que levaram a Globo à liderança (os constantes incêndios de estúdios que garantiam a parte operacional de emissoras concorrentes, opor exemplo), no entanto, a se pensar apenas no fator artístico, foi com as novelas que a Globo sobressaiu-se, e dentro desse conceito, o filão das trilhas sonoras exclusivas para tal veículo, despertou-lhe a atenção. 
 
Eu já citei o exemplo da telenovela, Beto Rockfeller anteriormente, mas cabe relembrar que o fato dessa produção da TV Tupi, ter usado o conceito da trilha sonora exclusiva, com músicas escolhidas a dedo para a sua trilha sonora e com a repetição de certas canções para marcar personagens, só reforçou tal ideia, para que a TV Globo iniciasse uma forte investida em tal filão .
Com essa ideia já materializada, em 1969, a Globo lançou no mercado, a sua gravadora própria, chamada, “Som Livre”, com o intuito inicial de lançar discos com a trilha de suas novelas. Esse passou a ser um segmento e tanto no mercado fonográfico, certamente. No ano de 1970, a Som Livre já estava consolidada no mercado fonográfico com o lançamento de seus discos a conter as trilhas de suas novelas, mas sob franca expansão, passou a contratar artistas de carreira, também, e assim a formar um elenco próprio de artistas autorais. 
 
Em 1971, sob um movimento pensado ao contrário do padrão usual, utilizou então a TV para autopromover-se, ao percorrer o caminho inverso do qual fora concebida, com a criação de um programa chamado: “Som Livre Exportação”.  
A ideia primordial desse programa, foi se destacar do formato antigo dos festivais em ritmo de competição, que parecia estar esgotado (embora a própria TV Globo ainda insistisse com o FIC, o seu festival particular, até 1972, e em 1975, arriscou-se com um outro formato, através do festival “Abertura”), e dessa forma, o “Som Livre Exportação” colocou-se no mercado como uma mostra de vários artistas, sem a desagradável fórmula da competição entre os artistas. Outro ponto interessante, deu-se com o fato dele ter sido eclético ao extremo.
Sem fechar com um ou outro estilo musical, pelo contrário, o “Som Livre Exportação” reunia artistas aparentemente díspares entre si, em meio a um caldeirão multifacetado, pelo qual o Rock, a MPB, e a Soul Music “brasuca”, muito em alta naquele instante, fossem representados, sem nenhum conflito entre si.
A vinheta de abertura do programa Som Livre Exportação

Eis o Link para escutar no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=nOC_QAF9iqQ

O programa durou entre novembro de 1970, e agosto de 1971. Outra ideia sensacional foi também de realizá-lo ao vivo, e de maneira itinerante, ao conferir-lhe uma aura de “turnê”, o que gerou uma grande expectativa do público, sem dúvida.
Segundo consta na divulgação oficial da TV Globo, houve uma segunda intenção da gravadora/emissora, para assim vender o pacote para o exterior, e dessa forma conduzir o seu elenco onde fosse possível, todavia, na prática, esse ambicioso plano não logrou êxito, com a produção a permanecer restrita ao cenário brasileiro, apenas. Independente disso, foi um estouro em termos de Brasil, com lotação esgotada, por onde passou, e audiência maciça na transmissão pela TV.
A primeira edição ao vivo, ocorreu em São Paulo, no Palácio de Exposições do Anhembi, em março de 1971. O registro oficial desse evento, marcou a faixa das cem mil pessoas presentes no local. Eu sei que o pavilhão de exposições do Anhembi comporta uma multidão do porte de um estádio de futebol, mas apesar de realmente ter lotado, creio que o número “cem mil” é um dado bem além da realidade, superestimado, portanto. Contudo, certamente que foi um número alto, a gerar euforia para os seus produtores.
A seguir, foi realizado no campo de futebol do “Canto do Rio”, em Niterói e no mesmo mês, em Brasília, a aproveitar a ocasião em que a Rede Globo inaugurava a sua filial, TV Globo Brasília. De volta à São Paulo, novas edições ao vivo ocorreram, uma no Clube Sírio-Libanês, e a outra no Tuca, o Teatro da Universidade Católica (PUC).
Em uma viagem à Minas Gerais, o Som Livre Exportação visitou a cidade interiorana de Ouro Preto, e a capital, Belo Horizonte. Elis Regina e Ivan Lins o apresentavam, como mestres de cerimônia e claro que participavam ativamente a cantar e tocar.
Elis Regina e Ivan Lins executam a canção: "Madalena", no programa "Som Livre Exportação", em 1971

Eis o Link para assistir no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=rFl07aE-UTI

Foi ali, inclusive, que o sucesso, “Madalena”, de Ivan Lins, e interpretado por Elis Regina, "estourou", a potencializar também o fato dessa canção constar na trilha sonora de uma novela exibida na época (“A Próxima Atração”), portanto, a fazer valer o propósito inicial da gravadora Som Livre, para divulgar os seus discos com trilhas sonoras das suas novelas.

Além de Elis e Ivan, apresentaram-se também no “Som Livre Exportação”, muitos outros artistas da pesada, tais como: Gonzaguinha, Aldir Blanc, Chico Buarque de Hollanda, Clementina de Jesus, Tim Maia, Toquinho & Vinicius, Tony Tornado, Brasucas e na ala Rocker, bandas importantes do cenário, como: A Bolha, O Terço e Os Mutantes.
A concepção dos enquadramentos é algo a destacar-se, pois mostrara-se mais ampla do que a usual na TV da época, certamente a inspirar-se na fonte dos documentários de Rock, pois explorou-se bastante o recurso do "close-up" na edição, a realçar a expressão facial dos artistas, ou seja, a enfatizar mais detalhes, além da performance dos instrumentistas, para também mesclar-se com a reação das pessoas da audiência, ao exibir dessa forma o máximo da emoção gerada pela música, sob reações espontâneas.
Os Mutantes executam: "Ando Meio Desligado" no Som Livre Exportação

Eis o Link para assistir no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=xJgj9zgJZA8

É claro, como veículo de propaganda da gravadora, muitos discos foram lançados com tal mote do próprio programa e assim, o que dizer sobre um grupo de artistas desse quilate em meio às suas canções antológicas, registradas em coletâneas dessa qualidade? Hoje em dia, esses LP's valem ouro em sebos especializados e/ou sites da Internet, direcionados para colecionadores de vinis. 
Tal programa permaneceu na grade da TV Globo, às quintas, no horário das 20:30 horas e não é possível não deixar de se comparar que se entre, 1970 e 1971, nesse horário, o cidadão comum ligava a TV de sua sala de estar e confrontava-se com música dessa qualidade, o panorama da atualidade na mesma emissora, é bem outro.
A Bolha executa:"Mater Matéria" no Som Livre Exportação

Eis o Link para assistir no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=KfgaZvp6SRA

Tenho uma boa lembrança pessoal dessa atração, da qual eu tive o privilégio de assistir todas as suas edições, e nessa ocasião, com dez para onze anos de idade, eu já estava bastante interessado em música, e portanto, apreciei muito.
A última edição do programa foi um especial a enfocar a "velha guarda da MPB", ao apresentar artistas do quilate de: Ciro Monteiro, Mário Lago, Cartola, e alguns membros da Escola de Samba Mangueira. O motivo de seu cancelamento, nunca foi explicado convincentemente.
Elis Regina interpreta: "Black is Beautiful" no Som Livre Exportação

Eis o Link para escutar no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=QVaXJAqwkyI

Se gerava uma boa audiência, promovia a gravadora, intensificava a divulgação dos discos, e das trilhas das suas novelas, além de ser um estouro, quando das suas versões ao vivo, para as praças onde realizava-se, realmente acreditar que o motivo para o cancelamento tenha sido simplesmente a frustração de não ter emplacado tal pacote para o exterior, não caracteriza uma justificativa plausível.
 
É muito mais provável que o poder central de então, nada simpático à movimentação cultural/contracultural, possivelmente  “sugeriu” à emissora que esta não continuasse com tal promoção, mesmo por que, Ivan Lins era uma persona non grata para o sistema, isso sem contar em Chico Buarque, pior ainda, e o fato de Caetano Veloso ter participado de uma edição, sob uma rara vez em que veio ao Brasil, em 1971, no período em que esteve oficialmente exilado, em Londres. 
 
De qualquer forma, embora tenha tido uma curta duração, a atração foi bastante salutar para a música brasileira daquele momento, ao propiciar muita qualidade sonora exibida na tela, diretamente aos lares brasileiros.
O jornalista, Nelson Motta, foi o mentor da ideia, mas houve também outras pessoas envolvidas nessa produção, tais como: Augusto Cesar Vanucci, Eduardo Ataíde, Carlos Alberto Loffler, Walter Lacet, e Solano Ribeiro, este aliás, um dos mentores dos históricos festivais de MPB realizados pela TV Record, nos anos sessenta.

Revela-se inacreditável que não tenhamos mais música dessa qualidade na TV, e não é admissível achar que a safra atual de artistas não seja boa, se levarmos em conta que nas profundezas abissais da música profissional, o que não falta é artista dotado de extrema qualidade artística, e neste caso, apenas falta-lhes espaço para mostrar-se ao grande público, bloqueio esse que a mídia atual não deixa ser quebrado para resguardar outros interesses, possivelmente.
Tem muito artista ótimo por aí, mas estão escondidos, sem meios de penetração nas camadas populares. Uma pena mesmo, que hoje em dia, ao ligar-se na TV Globo, às 20:30 horas das quintas, não vejamos mais uma artista do porte de Elis Regina a apresentar aqueles artistas todos, para se emitir um som violento de tão bom que essa safra de artistas produzia.
Matéria publicada inicialmente no Blog Limonada Hippie, em 2015