Muitas vezes, uma grande ideia surge de forma despojada, sem grandes elucubrações. Quem poderia afirmar que uma publicação patrocinada por uma rede de supermercados, poder-se-ia transformar em uma revista com um grande conteúdo cultural e muitos anos depois, ser alçada à condição de algo em uma dimensão célebre dentro do jornalismo cultural brasileiro ?
Pois foi assim que no ano de 1972, surgiu a revista : "Bondinho", com matérias direcionadas a abordar o melhor da música; teatro; cinema; literatura etc.
Patrocinada pela rede de supermercados. Pão de Açúcar, tinha como equipe jornalística, um corpo formado por profissionais como Hamilton de Almeida; Roberto Freire; Sérgio de Souza; Antonio Ventura e Victor Cervi, entre outros.
A curta duração da revista (treze edições, entre janeiro e maio de 1972), deveu-se evidentemente ao terreno arenoso em que o patrocinador colocou-se, pois em 1972, o clima no país estava pesado demais e os problemas enfrentados com a censura inviabilizaram o seu prosseguimento.
Nesta curta duração, artistas do calibre de Chico Buarque; Maria Bethânia; José Celso Martinez; Walmor Chagas; Rogério Duprat; Gal Costa; Milton Nascimento; Mauro Rasi; Hermeto Paschoal, e Luiz Gonzaga foram entrevistados.
Chico Buarque foi bombástico, ao afirmar que estava cansado de enfrentar a censura e pensava em não gravar mais. Teceu várias considerações sobre Chico & Caetano e sugeriu que intrigas plantadas por agentes da repressão, tentaram jogar um artista contra o outro, para desestabilizá-los.
Uma das mais contundentes entrevistas, deu-se com o ator, Walmor Chagas. Sem medo do regime, falou sobre maconha; preconceito racial (naquela época, o povo brasileiro arvorava-se hipocritamente em não existir tal sentimento por aqui e que isso era coisa de norteamericanos...), censura (pegou pesado nesse item, ao deixar uma pergunta no ar : "por quê não podemos fazer uma peça teatral ou um filme sobre um opositor preso pelo regime" ?) e no ápice da afronta aos bons costumes, citou a tragédia grega de Édipo Rei. Nem preciso dizer, essa edição foi recolhida pelos agentes governamentais.
No seu rápido auge, o "Bondinho" chegou a ter quinhentos mil exemplares, algo inacreditável para a época e muito além da revistinha de gôndola de supermercado, que hipoteticamente serviria apenas para distrair as donas de casa, na fila do caixa do estabelecimento que a patrocinara.
Ana Maria Baiana, que notabilizar-se-ia como uma grande crítica de Rock e cinema, afirmou tempos depois, que graças ao "Bondinho", aprendeu a amar o Traffic, a banda chic de Steve Winwood; Jim Capaldi & Cia.
Das cinzas do "Bondinho", nasceu outro projeto ambicioso : a edição brasileira da revista Rolling Stone, em sua primeira encarnação brasileira, ainda no ano de 1972.
Um belo livro escrito por Sergio Cohn e Miguel Jost, conta toda essa trajetória e traz compiladas as entrevistas do "Bondinho", sob um verdadeiro resgate para a memória do jornalismo cultural brasileiro.
Matéria publicada inicialmente no Blog Limonada Hippie, em 2012
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