Em 1974, a Rede Globo lançou o programa : "Sábado Som", ao causar um grande furor, por este oferecer a farta exibição de tapes a conter apresentações ao vivo dos melhores nomes do Rock internacional dos anos sessenta e setenta, no frescor de sua contemporaneidade. Por conter uma audiência esmagadora em rede nacional, este tratou por obscurecer um outro programa que tivera os mesmos moldes, contudo, por ter sido uma produção bem mais modesta, da TV Cultura de São Paulo, e que na verdade, já estava no ar, bem antes. Dessa forma, estrutura & hype à parte, teve o mesmo valor, artística e culturalmente a falar. Refiro-me ao programa : "TV 2 Pop Show", que foi exibido pela TV Cultura de São Paulo, com retransmissão para diversas as TV's Educativas da maioria dos estados brasileiros.
O começo dessa produção, foi bastante ocasional e reforça assim, o conceito de que se por um lado houve um caráter prosaico na TV brasileira (apesar de que este veículo já existisse há mais de vinte anos nessa ocasião, início dos anos setenta), por outro, há por destacar-se a criatividade e a obstinação de profissionais muito dedicados, que pode proporcionar a sua existência. Foi o caso de um funcionário da TV Cultura, que fortuitamente interessou-se em usar trechos de apresentações ao vivo de tapes a conter apresentações com artistas internacionais, mediante um tipo de edição a conter animações muito simples, mas eficazes para a época, e visar assim, ocupar uma lacuna na programação.
O funcionário, em questão, chamava-se Luiz Fernando Maglioca, que ingressara naquela estação estatal, em 1969, como estagiário e recém formado da ECA (escola de Comunicações e artes, da Universidade de São Paulo, USP). A TV Cultura mantivera em seus primórdios, uma imagem sisuda na área da música, ao passar a imagem de apenas preocupar-se em difundir a música erudita.
Uma única aproximação com o público mais jovem, havia ocorrido em 1969, através do programa : "Jovem Urgente", que arregimentara alguns artistas ligados ao Rock Brasileiro de então, entre os quais, Os Mutantes e Novos Baianos, por exemplo, e que foi conduzido pelo psiquiatra, Paulo Gaudêncio, sob um formato parecido com o que Serginho Groismann promove há anos, atualmente, no entanto, sem a mesma estrutura, e muito mais contido, certamente.
Nele, o psiquiatra propunha discussões sobre temas ousados para a época, tais como a gravidez na adolescência; virgindade; homossexualismo; música e rebeldia etc. Claro, este durou muito pouco, pois irritara profundamente os agentes governamentais, e ainda mais em uma TV estatal com o governador daquele ocasião a compactuar com o regime de então no país.
Somente no avançar dos anos setenta, surgiu essa nova oportunidade, enfim, todavia como já salientei, de uma forma ocasional. Portanto, esse tapa-buraco dentro da programação regular da TV Cultura, sem nome definido ainda, causou espanto, mas simultaneamente, gerou uma reação inesperada para a diretoria da emissora, pois uma semana depois, naquele horário em que passara as inesperadas performances musicais com artistas como Joe Cocker; Rita Coolidge, e Carole King, entre outros, telefonemas bombardearam a TV Cultura, com telespectadores a desejar saber por quê o "programa" não fora ao ar, novamente.
Então, ficou claro que um interessante caminho novo estava a abrir-se, ao fazer com que nascesse então, a ideia de aquela iniciativa tornar-se-ia de fato, um programa oficial na grade daquela emissora. Essa primeira exibição fortuita foi ao ar no sábado, dia 14 de abril de 1972, portanto, dois anos antes da TV Globo lançar o seu, "Sábado Som". Ao receber o nome de : "TV 2 Pop Show", mostrou basicamente músicas extraídas de documentários, recortadas, e alguns "promos" (a encarnação anterior dos chamados, vídeoclips).
Com o tempo, o programa ganhou mais sofisticação. Sem um apresentador formal, usava locução em "off" e foi montado a instituir diversos quadros, para dissertar sobre álbuns recém lançados, mediante a exibição de suas respectivas capas. O "Sábado Som" atropelou-o, literalmente, a partir de 1974, mas sem abalar-se, o "TV 2 Pop Show" prosseguiu e pôs-se a a melhorar sempre em uma escalada contínua.
Já na metade dos anos setenta, mantinha uma audiência significativa, que outorgou-lhe a resistência que o "Sábado Som" da Globo não teve; sobreviveu ao "Rock Concert", que a própria Globo lançou em 1977, e aos similares da TV Bandeirantes, como "Balanço" e "In Concert".
Ainda nos anos setenta, passou a exibir quadros ditos "especiais", onde apresentava blocos dedicados à uma banda em específico, quando intercalava as performances musicais de tais artistas, com as suas respectivas informações biográficas; curiosidades e discografia.
Sob uma mudança de título, ao buscar uma repaginação, passou a ser conhecido como : "Som Pop", e com esse nome, atravessou os anos oitenta, pra vir a ser uma das principais, senão a maior referência de Rock e música Pop em geral, na TV brasileira.
Especiais produzidos pelo próprio programa, foi uma grande novidade no início da década de oitenta. Lembro-me bem em ver bandas setentistas brasileiras como o Made in Brazil e a Patrulha do Espaço, a tocar ao vivo no teatro Franco Zampari, de propriedade da TV Cultura, em especiais que ocuparam o espaço integral daquela atração, fator esse que em meu caso como músico, particularmente, eu considerava uma oportunidade incrível para o fomento do Rock nacional. Na metade dos anos oitenta, um novo apresentador ocupou a ancoragem do programa. Com Paulinho "Heavy" Toledo (vocalista da banda Inox, na ocasião), no comando, a programação pendeu mais para o som pesado, ao mudar um pouco o direcionamento observado imediatamente anterior, quando o Pop oitentista dominava as atenções.
Uma nova troca de apresentadores e Kid Vinil puxou de novo a corda para o Pop, e com o verniz do Pós-Punk e derivados, na sua na orientação estética. Com a chegada dos anos noventa, o velho Som Pop mostrava-se cansado e não suportou a concorrência da MTV, uma estação inteiramente dedicada à música e dessa forma, pôs-se a perder a sua energia, até sair de cena. Particularmente, acho que o TV 2 Pop Show / Som Pop, foi muito importante, em vários aspectos.
Em uma época onde a informação foi cerceada por motivações políticas, e os meios mostraram-se escassos pelas dificuldades tecnológicas inerentes da ocasião, é claro que um programa dessa natureza foi um oásis para os Rockers locais. Outro aspecto importante, dá margem à curiosa constatação de que existiu sobre um paradoxo, pois ao mesmo tempo que fora produzido por uma rede estatal, podemos analisar que o fato de não ter havido a mesma pressão por audiência e inerente captura de recursos publicitários que existem nas Redes de TV sob apelo comercial, também esteve sob o fogo cruzado dos interesses políticos, visto que principalmente nos anos setenta, um programa deliberadamente "jovem", incomodava os setores retrógrados do então regime autoritário. Nesse caso, mais um ponto para tal atração, pois teve uma longevidade impressionante (dezesseis anos no ar !), e marcou história na TV e no mundo musical.
Matéria publicada inicialmente no Blog Limonada Hippie, em 2014
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