Sou músico e escrevo matérias para diversos Blogs. Aqui neste meu primeiro Blog, reúno a minha produção geral e divulgo as minhas atividades musicais. Não escrevo apenas sobre música, é preciso salientar ao leitor, pois abordo diversos assuntos variados. Como músico, iniciei a minha carreira em 1976, e já toquei em diversas bandas. Atualmente, estou a trabalhar com Os Kurandeiros.
sexta-feira, 1 de agosto de 2014
Queen : No Synthesizers ! - Por Luiz Domingues
Todos os álbuns do Queen, até o "The Game", lançado em 1980, continham uma frase de efeito grafada na contracapa ou na ficha técnica do seu respectivo encarte, com os dizeres : "No Synthesizers" ! Essa menção com ares de uma verdadeira "palavra de ordem", soava enigmática nos anos setenta para todo Rocker acostumado com o uso de sintetizadores por inúmeras bandas, principalmente no universo do Rock Progressivo e as suas tantas ramificações.
Por exemplo, na vertente do Krautrock, (com origem, como deduz-se pelo nome, germânica), onde o contato com experimentalismos de toda ordem fora notório, o uso de tais teclados multifacetados e tecnologicamente avançados para os padrões daquela época, foi algo usual e bastante apreciado. Ainda a discorrer sobre o KrautrocK setentista, bandas de tal cena germânica, como o "Tangerine Dream"; "Can"; e principalmente o "Kraftwerk", mantinham em tais recursos, a força motriz de seus respectivos trabalhos. Ainda que no campo do Hard-Rock, mesmo que o seu uso fosse bem mais moderado, muitas bandas usavam-no com criatividade e há um caso sintomático também na cena do Glitter-Rock, onde Brian Eno pilotara sintetizadores no trabalho do Roxy Music, ao conferir-lhe a aura futurista "Glam".
O Queen surgiu no panorama britânico setentista, dentro da safra de bandas que fizeram a cena do Glitter Rock. Se David Bowie e o T.Rex de Marc Bolan foram os dois maiores expoentes dessa vertente, houve outros tantos artistas dentro dessa vertente. "Slade"; "Mud"; "the Glitter Band"; "Silverchair"; "Wizzard"; "The Troggs"; "Roxy Music"; e o "Mott the Hoople", são bons exemplos a ser lembrados e o Queen surgiu desse caldeirão, como uma banda emergente que costumava abrir os shows do Mott the Hoople.
Biógrafos e historiadores do Rock afirmam que o Queen destacou-se tanto que "engoliu" o Mott, ao causar-lhe o constrangimento em notabilizar-se como uma banda muito melhor que a de Ian Hunter & Cia. Eu não aprecio esse tipo de comparação, mesmo por que, a despeito do Queen realmente ter causado furor, o Mott The Hoople sempre foi uma boa banda e não houve portanto, demérito algum em seu trabalho, pelo contrário, basta ouvir os seus discos.
Contudo, o fato é que a canção : "Keep Yourself Alive", explodiu como single nas rádios britânicas em 1973, e o Queen entrou rapidamente no imaginário dos Rockers, como uma banda que apesar de aparentemente ser oriunda da escola do Glitter, por conter elementos mais pesados em sua música, mais a assemelhar-se ao Hard-Rock, chamou muito a atenção. Além das múltiplas outras influências que deu-lhe um horizonte mais largo, onde o Folk; Lírico; Vaudeville; e até o Rock Progressivo. encaixou-se em sua obra. Porém, a curiosa frase grafada na capa do primeiro álbum : "No Synthesizers !", soou enigmática sob um primeiro momento. Como assim ?
A banda colocara-se como institucionalmente avessa ao uso de sintetizadores em sua música. Então veio o segundo álbum e de novo, o Queen enfatizou que não usava sintetizadores em sua música.
Trataou-se de uma banda que usava apenas instrumentos tradicionais e vozes, e que pareceu orgulhar-se em não "conspurcar" a sua música com tais recursos eletrônicos etc e tal.
E assim foi em frente, disco após disco, até chegar ao álbum :"The Game", lançado em 1980. Já nos anos oitenta, a banda abandonou tal discurso de forma acintosa e ao avançar pelo Pop oitentista, mergulhou posteriormente em um álbum com roupagem "Techno Pop" e muito aquém do seu padrão habitual de qualidade.
O LP "Hot Space", de 1982, usa e abusa de disparos eletrônicos e não foi à toa que ele geralmente consta de listas elaboradas por críticos, como um dos piores discos da história, infelizmente. De volta aos anos de glória de sua Majestade, a grande Rainha formada por : Mercury; May; Taylor & Deacon, fez questão em afirmar que não usava sintetizadores em sua obra, por que esmerava-se em criar tessituras incrivelmente complexas em seus arranjos.
O esmero, principalmente da parte do guitarrista, Brian May, em gravar dúzias de guitarras para abrir inúmeras vozes (falo no sentido harmônico / melódico e não a referir-me à vozes humanas, neste caso), inclusive em solos, foi algo extraordinário. Deve ter gerado um trabalho insano, mas o resultado final escutado no áudio do Queen, é incrível. Tal delicadeza melódica remetia ao talento de composição e arranjo de compositores eruditos sofisticados, capazes em enxergar possibilidades sutis, que ouvidos leigos nem sonhavam captar.
Essa tornou-se, sem dúvida, uma das marcas registradas do Queen e do som particular de Brian May, como guitarrista, em termos de timbre e estilo, único. Outra marca registrada, e que faz com que entendamos essa determinação do Queen em abominar sintetizadores em seus melhores anos da carreira, sem dúvida foi no quesito dos arranjos vocais.
A mesma obsessão que movia Brian May para criar diversas dobras de guitarra, assim permitir que a banda soasse muitas vezes como uma orquestra de cordas, foi também proporcionada por Freddie Mercury e Roger Taylor em meio aos esforços empreendidos em prol dos arranjos vocais. É público e notório que Mercury e Taylor tinham vozes privilegiadas, com May a dar um bom apoio e Deacon, eventualmente, a contribuir, igualmente. Nesses termos, o esforço que a banda fez para criar backing vocals bastante requintados e em alguns casos até com certo exagero, supriu plenamente a falta de sintetizadores, certamente.
Diante de verdadeiros corais, com muitas dobras de vozes, o Queen impressionou-nos pelos malabarismos vocais. Dessa forma, todos esses esforços empreendidos através de horas e horas de estúdio para criar tantas camadas de vozes e guitarras, talvez os tenham levado à esse sentimento de orgulho por apresentar um trabalho tão rico, harmônica e melodicamente a falar, e assim dispensar o uso de sintetizadores. Foi uma pena, portanto, que na década de oitenta, talvez movidos pelo sentimento em adaptar-se às estéticas vigentes, a banda tenha abandonado tal purismo e cometido deslizes imperdoáveis como o sofrível LP "Hot Space".
No meu caso em particular, fico mesmo com os quatro primeiros álbuns, que são os meus prediletos da discografia do Queen : "Queen"; "Queen II"; "Sheer Heart Attack" e "A Night at the Opera". E também deixo a ressalva de que não sou contra os sintetizadores. mesmo por que, o seu uso nos anos setenta, foi quase sempre muito salutar, principalmente para as bandas que militaram na vertente do Rock Progressivo.
Matéria publicada inicialmente na Revista impressa : Gatos & Alfaces, nº 3, de maio de 2014.
Boa matéria!
ResponderExcluirQue prazer para mim receber sua visita e comentário elogioso, Ana Beatriz.
ExcluirMuito grato pela gentil participação !!