Por séculos, uma parte da humanidade construiu um
paradigma em torno do aspecto dual, no qual a experimentação empírica dos
fenômenos que regem a natureza, não leva em consideração nada que não seja
palpável. Por outro lado, outra parcela enxergou o mundo pelo viés
contrário, ou seja, a considerar que nenhuma explicação plausível suplanta a obediência cega a
uma crença e muitas vezes, para não dizer em sua maioria, tal parâmetro é
baseado em uma dinâmica que não respeita o mais elementar fator que deveria
permear tal experiência : “sentir, internamente”, e jamais pelo externo.
Por quê ciência e teologia devem ser opostas em uma guerra
de egos sem fim ? Pois é... não deveria e pelo contrário, se caminhassem
juntas, sem tal animosidade, já estaríamos em outro estágio civilizatório, certamente.
Não precisa ir muito fundo para lembrarmo-nos sobre casos
extremos, onde a intolerância foi capaz em torturar e matar, por exemplo, e o
planeta sempre foi redondo, e nunca foi o centro do universo...
Um caso singular de alguém que foi na contramão dessa
dicotomia, foi um extraordinário pensador, chamado : Teilhard de Chardin.
Padre jesuíta, foi também um paleontólogo com relevantes
trabalhos prestados, a contabilizar em seu portfólio, muitas publicações em revistas científicas muito
respeitadas do mundo acadêmico, além de ter sido teólogo e filósofo, com vasta obra
publicada.
Pierre Teilhard de Chardin nasceu na França, em 1881,
em uma família com muitos irmãos, e profundamente católica. Muito cedo, decidiu-se pelo sacerdócio, e através do noviciado da
Companhia de Jesus, o seu apreço pelos estudos foi enorme. Ele completou os seus estudos na Inglaterra, a formar-se em letras e
filosofia.
A sua vocação para absorver culturas diferentes sempre foi sagaz, e a prenunciar as suas grandes jornadas internacionais que faria durante
toda a existência, da Inglaterra, ele voltou à França e logo foi visitar o Egito,
onde ministrou aulas de física e química no colégio jesuíta do Cairo. Nessa altura, já estudava paleontologia com entusiasmo
total, além da filosofia, em princípio influenciado por Ignácio de Loyola, mas
rapidamente a alargar o seu horizonte.
Em 1911, ordenou-se padre, enfim, e a partir de 1912,
estava no Museu de História Natural de Paris, muito absorto na paleontologia
que o arrebatara. A I Guerra Mundial atrapalhou e muito os seus planos,
pois ele só pode concluir o seu doutorado em 1922 (a sua tese foi : “Os mamíferos do
Eoceno Francês e seus Sítios”), mas por outro lado, o conflito produziu-lhe uma
experiência humana muito forte.
Alistado no exército francês, Chardin foi maqueiro no front, e
teve o contato com o inferno das trincheiras; a crueldade das armas químicas
que marcaram aquele conflito; o frio; a fome e o medo.
Diante do horror do front, haveria por surgir uma explicação
científica para a vida, e na sua concepção, que justificasse o Divino, por
extensão.
Por bravura, ele recebeu duas medalhas do exército francês. Daí em diante, a sua pesquisa de campo na área da
paleontologia, levou-o a lugares como Turquestão; Sumatra; China; América
Central; Birmânia; Índia etc.
Com o apoio da indústria automobilística, Citroën (chamada Expedição Cruzeiro
Amarelo), Chardin participou de inúmeros sítios arqueológicos. Na China, ele participou ativamente da descoberta do
Sinantropo, o chamado : “Homem de Pequim”, um marco muito importante para a
ciência moderna, na busca pelas origens da humanidade. O seu aforismo, “Só o homem pode ajudar o homem a decifrar
o mundo”, foi um exemplo de como as autoridades eclesiásticas começaram a incomodar-se com os seus posicionamentos acintosamente progressistas, para os padrões
da Igreja.
Tido como evolucionista, os seus textos e palestras
a misturar muito conteúdo científico, levou-o a uma investigação da parte da Santa Sé,
sob a acusação em negar o dogma do pecado original, quando do lançamento de seu estudo
: "Nota sobre algumas representações históricas possíveis do Pecado Original". Mediante um dossiê, Chardin foi obrigado a assinar um documento
“a aceitar” o dogma, e teve de deixar a sua cátedra em Paris.
Mesmo pressionado pela Santa Sé, Teilhard não abalou a sua
fé, tampouco a sua convicção de que a espiritualidade e a ciência deveriam
trabalhar juntas. Para tanto, fez um acordo com as autoridades
eclesiásticas da Igreja : dedicar-se-ia a escrever mais trabalhos científicos e
em troca, os teólogos revisariam a sua opinião sobre os seus textos teológicos.
Portanto, paralelamente aos seus muito relevantes
trabalhos científicos no campo da paleontologia, ele continuou a produzir obras mediante
profundidade e erudição sobre filosofia; cosmogenese; cosmogonia e teologia. A sua fundamentação científica para embasar teses, era
(é) notável, e em muito aproximou-se de autores que percorreram um caminho
semelhante, casos de Madame Blavastsky e C. W. Leadbeater, da Sociedade
Teosófica; e do italiano Pietro Ubaldi, um livre pensador em tese, mas na
verdade, a manter forte ligação com o Kardecismo clássico. Teilhard de Chardin tinha uma profunda identificação com
a ideia de um “todo” criador, onde tudo e todos faziam parte, sob uma espiral de
criação eterna e conectada, como em uma rede.
A sua concepção da "Noogenese", onde toda a convergência do
pensamento humano seria integrado, mostra o quanto a sua visão sobre o cristianismo
mostrara-se sofisticada. Ele chamou esse momento de fusão como : "Ponto Ômega". Para tanto, Teilhard de Chardin formulou a ideia do
"Panenteismo", onde defende a ideia de que o Universo mantém uma incessante
dinâmica de evolução permanente.
A sua obra mais famosa, “O Fenômeno Humano”, começou a ser
escrito nos anos vinte, e concluído em 1940, todavia, a sua publicação foi muito
prejudicada pela Igreja, que colocou inúmeros empecilhos para autorizar enfim a sua
publicação. Isso só foi ocorrer perto de sua morte em 1955.
Chardin tinha em mente que era impossível não acreditar em uma
ordenação sistêmica para o universo, e para tanto, insistia na tese de que a
biologia precisava ser estudada dentro da física e vice-versa. Os seus estudos
sobre fenomenologia provaram isso.
A sua concepção sobre as camadas esféricas do planeta
Terra, tem tudo a ver com os pontos energéticos dos chacras, e também dos
corpos sutis, onde a chamada "Noosfera" em sua visão, tem a ver com o corpo
"Budhico"; e a "Cristofera", por conseguinte, nada mais é do que o "Atman", a fagulha indivisível, e
que faz parte do “Todo” na teia cósmica.
Outras obras importantes que legou-nos, foram : "Cartas
de Viagem"; "Cartas do Egito"; "Ciência e Cristo"; "Hino do Universo"; "Lugar
do Homem no Universo"; "Reflexões e Orações no Espaço / Tempo"; "Sobre a
Felicidade / Sobre o Amor", e muitas outras.
Alguns aforismos seus, são verdadeiras pérolas sintéticas
para demonstrar as suas ideias a respeito do universo :
"A Pessoa é essencialmente cósmica"
"Ser é unir. Para ser mais, é preciso unir cada vez mais"
"Nada além do fenômeno, mas todo o fenômeno"
"A única religião daqui por diante possível para o homem,
é aquela que lhe ensinará, primeiro, a reconhecer, amar e servir
apaixonadamente o universo do qual ele faz parte"
"Toda energia consciente é como o amor, à base de
esperança"
"Por mística entendo a necessidade, a ciência e a arte de
atingir, ao mesmo tempo e um pelo outro, o universal e o espiritual"...
"Ser é unir-se a si mesmo, ou unir os outros"
"De alto a baixo na série dos seres, tudo se move, tudo
se ergue e se organiza num mesmo sentido que é o da maior consciência"
"Quando, pela primeira vez num vivo, o instinto se
percebeu no espelho de si mesmo, foi o mundo inteiro que deu um passo"
"A reflexão, ponto crítico cósmico, inevitavelmente
encontrado e transposto, num dado momento, por toda a matéria levada a um certo
excesso de temperatura psíquica, e organização"
"Sob a forma de Ponto Ômega, é a consciência do universo
que eu conservo agora segura (não sei dizer se acima de mim, ou antes, no fundo
de mim mesmo), num único centro indestrutível, QUE EU POSSA AMAR"
"Explicar a figura do mundo se resume em explicar a
gênese do espírito"
"A Humanização Coletiva é a marcha para super reflexão"
"Não somos seres humanos vivendo uma experiência
espiritual, somos seres espirituais vivendo uma experiência humana"
Os aforismos que relacionei acima, foram extraídos de um
livro sobre Teilhard, chamado : "O Pensamento Vivo de Teilhard de Chardin", aliás, a tratar-se de uma
extraordinária coleção de livros lançados ao final dos anos oitenta, por uma
editora denominada : "Martin Claret". Com a proposta em baratear ao máximo as suas
edições, nesta coleção focou-se em biografias de personalidades da cultura em geral, e o seu
objetivo foi espalhar as tais gotas de cultura, em bancas de jornais.
Eu já sabia da existência da obra de Teilhard de Chardin
desde os anos setenta, mas foi com essa singela biografia, e um resumido e
simplificado apanhado geral de seu pensamento, que tornei-me de fato um
admirador de sua vida e obra. É uma pena que essa série de livros, "O Pensamento Vivo de", não
exista mais, pois não só a edição a enfocar, Teilhard de Chardin, mas em inúmeras
outras, com outras personalidades, são riquíssimas pelo poder de síntese, e
principalmente pela possibilidade da popularização, com o barateamento dos
custos da sua edição.
Teilhard de Chardin trabalhou como sacerdote; intelectual
e cientista, até seus últimos dias, quando faleceu em Nova York, no domingo de
Páscoa de 1955. O seu legado é incomensurável como pensador e cientista, e
abre luzes sobre o papel da religião também, notadamente o cristianismo.