sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Teilhard de Chardin e a Unificação de Opostos - Por Luiz Domingues



 
Por séculos, uma parte da humanidade construiu um paradigma em torno do aspecto dual, no qual a experimentação empírica dos fenômenos que regem a natureza, não leva em consideração nada que não seja palpável. Por outro lado, outra parcela enxergou o mundo pelo viés contrário, ou seja, a considerar que nenhuma explicação plausível suplanta a obediência cega a uma crença e muitas vezes, para não dizer em sua maioria, tal parâmetro é baseado em uma dinâmica que não respeita o mais elementar fator que deveria permear tal experiência : “sentir, internamente”, e jamais pelo externo.
Por quê ciência e teologia devem ser opostas em uma guerra de egos sem fim ? Pois é... não deveria e pelo contrário, se caminhassem juntas, sem tal animosidade, já estaríamos em outro estágio civilizatório, certamente.
Não precisa ir muito fundo para lembrarmo-nos sobre casos extremos, onde a intolerância foi capaz em torturar e matar, por exemplo, e o planeta sempre foi redondo, e nunca foi o centro do universo...


Um caso singular de alguém que foi na contramão dessa dicotomia, foi um extraordinário pensador, chamado : Teilhard de Chardin.
Padre jesuíta, foi também um paleontólogo com relevantes trabalhos prestados, a contabilizar em seu portfólio, muitas publicações em revistas científicas muito respeitadas do mundo acadêmico, além de ter sido teólogo e filósofo, com vasta obra publicada.
Pierre Teilhard de Chardin nasceu na França, em 1881, em uma família com muitos irmãos, e profundamente católica. Muito cedo, decidiu-se pelo sacerdócio, e através do noviciado da Companhia de Jesus, o seu apreço pelos estudos foi enorme. Ele completou os seus estudos na Inglaterra, a formar-se em letras e filosofia.


A sua vocação para absorver culturas diferentes sempre foi sagaz, e a prenunciar as suas grandes jornadas internacionais que faria durante toda a existência, da Inglaterra, ele voltou à França e logo foi visitar o Egito, onde ministrou aulas de física e química no colégio jesuíta do Cairo. Nessa altura, já estudava paleontologia com entusiasmo total, além da filosofia, em princípio influenciado por Ignácio de Loyola, mas rapidamente a alargar o seu horizonte.
Em 1911, ordenou-se padre, enfim, e a partir de 1912, estava no Museu de História Natural de Paris, muito absorto na paleontologia que o arrebatara. A I Guerra Mundial atrapalhou e muito os seus planos, pois ele só pode concluir o seu doutorado em 1922 (a sua tese foi : “Os mamíferos do Eoceno Francês e seus Sítios”), mas por outro lado, o conflito produziu-lhe uma experiência humana muito forte.
Alistado no exército francês, Chardin foi maqueiro no front, e teve o contato com o inferno das trincheiras; a crueldade das armas químicas que marcaram aquele conflito; o frio; a fome e o medo.
Diante do horror do front, haveria por surgir uma explicação científica para a vida, e na sua concepção, que justificasse o Divino, por extensão.
Por bravura, ele recebeu duas medalhas do exército francês. Daí em diante, a sua pesquisa de campo na área da paleontologia, levou-o a lugares como Turquestão; Sumatra; China; América Central; Birmânia; Índia etc.
Com o apoio da indústria automobilística, Citroën (chamada Expedição Cruzeiro Amarelo), Chardin participou de inúmeros sítios arqueológicos. Na China, ele participou ativamente da descoberta do Sinantropo, o chamado : “Homem de Pequim”, um marco muito importante para a ciência moderna, na busca pelas origens da humanidade. O seu aforismo, “Só o homem pode ajudar o homem a decifrar o mundo”, foi um exemplo de como as autoridades eclesiásticas começaram a incomodar-se com os seus posicionamentos acintosamente progressistas, para os padrões da Igreja.
Tido como evolucionista, os seus textos e palestras a misturar muito conteúdo científico, levou-o a uma investigação da parte da Santa Sé, sob a acusação em negar o dogma do pecado original, quando do lançamento de seu estudo : "Nota sobre algumas representações históricas possíveis do Pecado Original". Mediante um dossiê, Chardin foi obrigado a assinar um documento “a aceitar” o dogma, e teve de deixar a sua cátedra em Paris.
Mesmo pressionado pela Santa Sé, Teilhard não abalou a sua fé, tampouco a sua convicção de que a espiritualidade e a ciência deveriam trabalhar juntas. Para tanto, fez um acordo com as autoridades eclesiásticas da Igreja : dedicar-se-ia a escrever mais trabalhos científicos e em troca, os teólogos revisariam a sua opinião sobre os seus textos teológicos.
Portanto, paralelamente aos seus muito relevantes trabalhos científicos no campo da paleontologia, ele continuou a produzir obras mediante profundidade e erudição sobre filosofia; cosmogenese; cosmogonia e teologia. A sua fundamentação científica para embasar teses, era (é) notável, e em muito aproximou-se de autores que percorreram um caminho semelhante, casos de Madame Blavastsky e C. W. Leadbeater, da Sociedade Teosófica; e do italiano Pietro Ubaldi, um livre pensador em tese, mas na verdade, a manter forte ligação com o Kardecismo clássico. Teilhard de Chardin tinha uma profunda identificação com a ideia de um “todo” criador, onde tudo e todos faziam parte, sob uma espiral de criação eterna e conectada, como em uma rede.
A sua concepção da "Noogenese", onde toda a convergência do pensamento humano seria integrado, mostra o quanto a sua visão sobre o cristianismo mostrara-se sofisticada. Ele chamou esse momento de fusão como : "Ponto Ômega". Para tanto, Teilhard de Chardin formulou a ideia do "Panenteismo", onde defende a ideia de que o Universo mantém uma incessante dinâmica de evolução permanente.
A sua obra mais famosa, “O Fenômeno Humano”, começou a ser escrito nos anos vinte, e concluído em 1940, todavia, a sua publicação foi muito prejudicada pela Igreja, que colocou inúmeros empecilhos para autorizar enfim a sua publicação. Isso só foi ocorrer perto de sua morte em 1955.


Chardin tinha em mente que era impossível não acreditar em uma ordenação sistêmica para o universo, e para tanto, insistia na tese de que a biologia precisava ser estudada dentro da física e vice-versa. Os seus estudos sobre fenomenologia provaram isso.
A sua concepção sobre as camadas esféricas do planeta Terra, tem tudo a ver com os pontos energéticos dos chacras, e também dos corpos sutis, onde a chamada "Noosfera" em sua visão, tem a ver com o corpo "Budhico"; e a "Cristofera", por conseguinte, nada mais é do que o "Atman", a fagulha indivisível, e que faz parte do “Todo” na teia cósmica.


Outras obras importantes que legou-nos, foram : "Cartas de Viagem"; "Cartas do Egito"; "Ciência e Cristo"; "Hino do Universo"; "Lugar do Homem no Universo"; "Reflexões e Orações no Espaço / Tempo"; "Sobre a Felicidade / Sobre o Amor", e muitas outras.
Alguns aforismos seus, são verdadeiras pérolas sintéticas para demonstrar as suas ideias a respeito do universo :


"A Pessoa é essencialmente cósmica"


"Ser é unir. Para ser mais, é preciso unir cada vez mais"


"Nada além do fenômeno, mas todo o fenômeno"


"A única religião daqui por diante possível para o homem, é aquela que lhe ensinará, primeiro, a reconhecer, amar e servir apaixonadamente o universo do qual ele faz parte"
"Toda energia consciente é como o amor, à base de esperança"


"Por mística entendo a necessidade, a ciência e a arte de atingir, ao mesmo tempo e um pelo outro, o universal e o espiritual"...


"Ser é unir-se a si mesmo, ou unir os outros"


"De alto a baixo na série dos seres, tudo se move, tudo se ergue e se organiza num mesmo sentido que é o da maior consciência"
"Quando, pela primeira vez num vivo, o instinto se percebeu no espelho de si mesmo, foi o mundo inteiro que deu um passo"


"A reflexão, ponto crítico cósmico, inevitavelmente encontrado e transposto, num dado momento, por toda a matéria levada a um certo excesso de temperatura psíquica, e organização"
"Sob a forma de Ponto Ômega, é a consciência do universo que eu conservo agora segura (não sei dizer se acima de mim, ou antes, no fundo de mim mesmo), num único centro indestrutível, QUE EU POSSA AMAR"


"Explicar a figura do mundo se resume em explicar a gênese do espírito"


"A Humanização Coletiva é a marcha para super reflexão"


"Não somos seres humanos vivendo uma experiência espiritual, somos seres espirituais vivendo uma experiência humana"
Os aforismos que relacionei acima, foram extraídos de um livro sobre Teilhard, chamado : "O Pensamento Vivo de Teilhard de Chardin", aliás, a tratar-se de uma extraordinária coleção de livros lançados ao final dos anos oitenta, por uma editora denominada : "Martin Claret". Com a proposta em baratear ao máximo as suas edições, nesta coleção focou-se em biografias de personalidades da cultura em geral, e o seu objetivo foi espalhar as tais gotas de cultura, em bancas de jornais.
Eu já sabia da existência da obra de Teilhard de Chardin desde os anos setenta, mas foi com essa singela biografia, e um resumido e simplificado apanhado geral de seu pensamento, que tornei-me de fato um admirador de sua vida e obra. É uma pena que essa série de livros, "O Pensamento Vivo de", não exista mais, pois não só a edição a enfocar, Teilhard de Chardin, mas em inúmeras outras, com outras personalidades, são riquíssimas pelo poder de síntese, e principalmente pela possibilidade da popularização, com o barateamento dos custos da sua edição.


Teilhard de Chardin trabalhou como sacerdote; intelectual e cientista, até seus últimos dias, quando faleceu em Nova York, no domingo de Páscoa de 1955. O seu legado é incomensurável como pensador e cientista, e abre luzes sobre o papel da religião também, notadamente o cristianismo.

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Feira Hippie da Praça da República de São Paulo - Por Luiz Domingues



Segundo consta nos registros históricos, a Praça da República, no centro velho de São Paulo, até chegar nesse formato e ostentar tal denominação, teve outros nomes e seu espaço físico fora usado de uma maneira diferente. Ao final do século XIX, por exemplo, aquela área ficou conhecida como : “Largo dos Curros”, e nessa época, costumava ser um cenário para a promoção de rodeios, e até touradas.
Posteriormente, formatou-se como praça, mas a ostentar nomes diferentes, tais como : “Largo da Palha”; Praça dos Milicianos” e Largo 7 de abril”, até que estabeleceu-se como “Praça da República”, pouco tempo após a Proclamação da República, em 1889.
Em 1932, foi palco de um dos momentos mais emblemáticos da Revolução Constitucionalista, quando uma manifestação popular culminou em uma tragédia literal, onde quatro jovens estudantes ali foram mortos, e cujas iniciais de cada nome desses jovens, formaram a posteriori, a sigla : "MMDC", um símbolo daquela Revolução. Consta também nos anais da história, que nos anos 1940, tornou-se um costume espontâneo dos munícipes, realizar trocas de objetos em geral nesta praça, embora isso não fosse um evento propriamente dito, de uma forma organizada.
Segundo o jornalista, Marcelo Duarte (que mantém o Site “Guia dos Curiosos”, e de fato, é um dos maiores pesquisadores de cultura Pop em geral, do país), foi a partir de 1956, que a praça começou a tornar-se um ponto de encontro de colecionadores, graças a um evento específico desse teor, promovido pelo filatelista J.L. de Barros Pimentel, que reuniu ali a sua coleção de selos, para atrair a curiosidade dos filatelistas paulistanos. Contudo, apesar disso, a praça só ganharia a fama como cenário de um evento fixo, e com regularidade, ao final dos anos sessenta e graças a uma questão excepcional sob o caráter contracultural, iniciada no exterior, mas que rapidamente encontrou eco em São Paulo.
Com a explosão do movimento Hippie nos Estados Unidos, e em muitos países europeus, tais ideias & ideais chegaram com relativa simultaneidade no Brasil e em São Paulo, a dar conta de que o sinal dessa movimentação eclodiu na Praça da República.
Por volta de 1967, algumas manifestações isoladas de Hippies, a tentar vender a sua produção artesanal, foram duramente reprimidas pelo poder policial. Bem, com o regime autoritário de então, a apertar o cerco, apoiada pela camada mais conservadora da sociedade, foi natural que cabeludos a usar roupas coloridas fossem muito malquistos e mesmo que aparentemente fossem pacíficos e apenas interessados em vender os seus objetos artesanais, tal reação (e entenda-se a palavra “reação” em sentido duplo), perpetrasse tal atitude repressiva. Pouco tempo antes, por volta de 1965 / 1966, há registros na imprensa escrita, a dar notícia de que rapazes com cabelos longos, acima do padrão socialmente aceito como “normais”, foram hostilizados com vaias da parte da população, e até caso de apedrejamentos foram registrados, naquelas imediações da Praça da República, em vias como a Rua Sete de abril; Rua Barão de Itapetininga e Rua Vinte e Quatro de maio, por exemplo.
Portanto, Hippies, com visual ainda mais “agressivo” aos olhares da pequena burguesia paulistana, pouco tempo depois, deve ter chocado ainda mais a "reação da intelligentzia". E pelo lado social, propriamente dito, o artesanato tornou-se a única forma para posicionar-se como um adepto do anti-sistema, mas pelo lado prático do mundo material, a manter-se minimamente dentro dele, ou seja, para ganhar algum dinheiro, foi a opção adotada por Hippies urbanos. Isso porque para os mais arrojados e radicais, a opção mais correta foi buscar rincões remotos do país, para montar-se comunidades rurais e autossustentáveis pela agricultura comunitária etc.
Todavia, para quem queria ser Hippie urbano, só a embrenhar-se na arte, via música; artesanato ou mesmo literatura alternativa (e de fato, a partir dessa mesma época, tornou-se comum a abordagem de poetas e escritores alternativos, a vender publicações mimeografadas pelas ruas, notadamente em portas de cinemas; teatros e Shows de Rock.
Por sorte, e apesar do regime duro, São Paulo tinha um prefeito muito dinâmico nessa ocasião (Faria Lima), e mais aberto ao mundo moderno, e não à Idade Média, como a maioria de seus pares à época, ele baixou um decreto em 1968, para autorizar a presença dos artesãos Hippies na Praça da República. Dessa forma, começou ali uma nova tradição na cidade, a Feira Hippie dominical.
 
Rapidamente a Feira cresceu e tornou-se um ponto turístico da cidade, ao atrair o público, e a torná-la solidificada, economicamente, inclusive. Em princípio, os produtos expostos resumiam-se a poucas opções. Artigos de couro em predominância, no formato de bolsas e cintos.
Porém, claro que com o tempo, outros artesãos trouxeram uma gama de produtos diferentes, para enriquecer a Feira. Por volta de 1969, outras cidades brasileiras também já mantinham Feiras Hippies significativas. No Rio, a Praça General Osório, em Ipanema, tornou-se a Feira Hippie dos cariocas, a escrever a sua história na cidade maravilhosa; em Belo Horizonte, a Feira Hippie dos mineiros, ganhou proporção mastodôntica, realizada na rua, como Feira Livre de alimentos; e em outras cidades, também abraçou-se a ideia, incluso cidades interioranas, por exemplo, em Campinas, no interior de São Paulo.
No caso da Praça da República, a Feira manteve sua tradição Hippie, até meados dos anos oitenta, quando aos poucos, outros artesãos, não necessariamente comprometidos com a ideologia aquariana, começaram a ser absorvidos.
Nos anos noventa, a Feira ainda era enorme, mas a raiz Hippie que a notabilizara desde 1968, já quase não existia mais. Ao parecer-se mais com uma Feira de bugigangas com o objetivo em vender-se para turistas estrangeiros, na verdade, o seu charme original diluíra-se. Sai prefeito; entra prefeito, e um desses que passou pela prefeitura e nem merece ser mencionado pela sua atuação pífia, resolveu que a Feira deveria ser extinta. Gritos surgiram em protesto e uma ideia mais amena, mas ainda absurda, propôs então uma mudança de local, no afã em não radicalizar.
Contudo, venceu o bom senso, e a Feira voltou rapidamente à Praça da República, o seu endereço histórico. Ainda vê-se algum Hippie veterano aqui e ali; alguns Neo-Hippies, mas hoje em dia, aquele comprometimento com o movimento, não existe mais, e a Feira tem mais característica de uma Feira de antiguidades, mesclada ao artesanato, além de artigos para encantar turistas estrangeiros, ao atrair a sua atenção para o exotismo tropical do Brasil, mas mesmo assim, ainda encontra-se alguma coisa interessante, mesmo que para achá-las, seja preciso garimpar bem... 
Muitas das fotos que ilustram esta matéria são de Francisco de Almeida Lopes, um simpático e já falecido fotógrafo, que notabilizou-se por fotografar centros urbanos de cidades como São Paulo; Rio de Janeiro; Curitiba; Santos e muitas cidades interioranas paulistas e paranaenses.

Recomendo visita ao Blog mantido por seus familiares, onde muitas de suas fotos podem ser vistas :

http://almeidalopes.blogspot.com.br/
Esta minha matéria também foi reproduzida no Site : "Memórias do Rock Brasileiro", do produtor brasileiro radicado em Londres, Antonio Celso Barbieri, que acrescentou um rico adendo, ao trazer as suas memórias pessoais sobre a Feira. O seu site é sensacional, por conter muitas matérias de sua autoria a narrar sobre muitas memórias contraculturais em São Paulo, nos anos sessenta e setenta, portanto, eu recomendo a visita.

http://www.celsobarbieri.co.uk/index.php?option=com_content&view=article&id=759:a-praca-da-republica-e-a-feira-hippie-um-pouco-da-historia-de-sp&catid=28:tunel-do-tempo&Itemid=43
Matéria publicada inicialmente no Site / Blog Orra Meu, em 2015