sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Filme: The Doors (The Doors, o Filme) - Por Luiz Domingues


É inegável que a banda californiana, "The Doors", foi uma das principais de toda a história do Rock. Se a sonoridade da banda teve as suas particularidades interessantes (o fato de não ter tido um baixista na formação; a presença de um guitarrista com estilo "bluesy", e sobretudo pela criatividade do tecladista, Ray Manzarek, que não era nenhum virtuose ao instrumento, mas revelou-se muito inventivo), é quase impossível negar que a força motriz da banda residira no carisma de seu vocalista. E da substância de suas letras escritas sob a lisergia sessentista, e também pela erudição espontânea que Jim Morrison tinha por apreciar poetas franceses malditos oriundos do século XIX, e o cinema alternativo, visto que ele mesmo foi um estudante de cinema na universidade da Califórnia.
E naturalmente as performances ao vivo, da banda, é claro. Entrou para a história, as performances alucinadas de Morrison, ao causar frenesi entre os fãs, além de muitas confusões ocorridas com autoridades, a gerar prisões & perseguições, por conta de seu gênio intempestivo etc. 

O diretor, Oliver Stone, teve a ideia de produzir um longa-metragem, a narrar a biografia do The Doors, muitos anos antes da seua real concretização, no entanto.
Todavia, diversas inviabilizações burocráticas prejudicaram o seu intento, até que finalmente em 1990, ele pode vislumbrar a possibilidade, com o sinal verde vindo dos seus produtores. Tanto demorou, que anos antes, pensara fortemente no ator, John Travolta, para interpretar Jim Morrison. 

Com o passar dos anos, Travolta nem detinha mais o porte físico esperado para encarnar tal personagem.
Surgiu então a figura de Val Kilmer, um jovem ator revelado nos anos 1980. Segundo comentou-se à boca pequena, Kilmer teria trabalhado fortemente nos bastidores para convencer Oliver Stone a contratá-lo.
Em uma dessas investidas, conta-se que deixou uma fita demo com diversas canções dos Doors, com a voz dele inserida, para impressionar Oliver Stone. E deve ter impressionado, não só pelo dote vocal, mas pelo esforço em decorar letras e nuances de interpretação do Morrison.Todavia, Kilmer não foi a primeira opção para o papel e logo mais eu comento sobre essa particularidade da produção desse filme.

É bom salientar que Oliver Stone era fã do The Doors, desde os anos sessenta, quando esteve no Vietnã a servir ao exército norte-americano naquele conflito bélico. E como um diretor de cinema a mostrar-se bastante crítico do sistema, como sempre se apresentou em sua carreira, seria natural que nutrisse também um apreço à contracultura sessentista e por extensão, a conter admiração por muitos de seus agentes. Portanto, a despeito de  haver outros diretores que manifestaram interesse em filmar tal cinebiografia (Martin Scorsese, certamente foi um deles), Oliver tomou a dianteira.
A negociação para a liberação das músicas foi difícil, e também houve muita conversa com os membros remanescentes do The Doors e com os pais da falecida namorada de Jim Morrison, Pamela Courson, para que eles autorizassem a exposição de suas respectivas vidas, através da dramaturgia. Nos bastidores, conta-se que a família de Pamela Courson quis impor condições para assinar a autorização, entre elas, a conter o seu desejo de que houvesse uma adulteração forte no roteiro, a retratá-la como uma moça doce que fora levada a conviver com hippies por conta da sedução por parte de Morrison, como se ela fosse inocente e houvesse deixado-se ser conduzida a fazer coisas que normalmente não teria feito.

À medida em que as filmagens aconteciam, os pais de Courson  exerceram pressão ainda pior, ao criar muitos empecilhos a posteriori, para tentar interferir ainda mais na possível mudança no roteiro, sempre a favorecer a imagem de sua falecida filha. Ocorre, que quando Morrison morreu em 1971, Pamela ficou legalmente com os direitos  dos poemas que ele escreveu e quando a moça também faleceu, em 1974, os seus pais ficaram com tais direitos autorais. E como Oliver planejava usar alguns poemas no filme, essa questão foi usada como uma ferramenta em tom de artimanha da parte da família Courson para fazer valer as suas vontades. Como se não bastasse tais problemas, os pais de Jim Morrison somente liberaram uma menção à família, bem no início, em cena que mostra-se a persona de Morrison, ainda como criança a viajar com a sua família em uma estrada e quando ele presencia um acidente a ocorrer com estranhos, ocorre-lhe uma epifania com a presença de indígenas.
Sobre o ator que interpretou, Jim Morrison, se a intenção inicial de Oliver Stone fora contar com John Travolta e com o passar do tempo tal escolha perdeu completamente o seu sentido, as outras ações pensadas foram em torno de atores tarimbados tais como Tom Cruise,Johnny Depp e Richard Gere. Pensou-se também em cantores de Rock verdadeiros daquela atualidade, casos de Bono Vox, Michael Hutchence (vocalista do grupo Pop Rock australiano, "Inxs"), e Ian Astbury (vocalista do grupo britânico, "The Cult"). Por um triz, Astbury não ganhou o papel, pois além de ser um bom cantor, de fato, ele apresentava uma semelhança física muito grande com Jim Morrison. tanto que muitos anos depois, o The Doors mediante o seu trio remanescente, reagrupou-se para uma turnê (que visitou o Brasil, inclusive), e Ian participou a suprir os vocais e de fato, ele sempre se mostrou como um fã declarado do trabalho da banda e de Morrison em particular.

No entanto, em reação ao filme, ele simplesmente não gostou do roteiro e assim recusou o papel. Foi aí que a apostar em um ator ainda  não inteiramente consagrado, mas talentoso, concretizou-se com Val Kilmer e pode-se afirmar nos dias atuais, foi enfim uma boa escolha.
Sobre a escolha da atriz que interpretou, Pamela Courson, o processo dessa seleção foi ainda mais complicado. Segundo consta na história da produção desse filme, mais de sessenta atrizes fizeram testes, e entre elas, algumas famosas, caso de Patricia Arquette, no entanto, Oliver relutou muito em fazer a sua escolha final. Diz-se até que Patricia Arquette esteve com o papel em sua mão, pois fora muito elogiada pela preparadora de atores, Risa Bramon, mas Oliver decidiu-se por Meg Ryan, em sua resolução final. Esta atriz, por sua vez, mal conhecia a trajetória do The Doors e só foi pesquisar sobre a banda e o contexto em que ela atuou, a posteriori, como uma obrigação sua como laboratório de atriz. Ora, com muito respeito à atriz, que eu até considero uma boa profissional, mas a dúvida é inevitável: será que foi a melhor escolha para o papel? Pois ela atua bem, ao ver-se o filme, mas não teria sido muito melhor o desempenho com outra atriz que colocasse mais alma no papel, ou seja, alguém que detivesse apreço à contracultura, ao Rock e messo em relação ao trabalho do The Doors, particularmente? Pois eu penso que sim, teria sido muito melhor que outra atriz houvesse defendido o papel de Pamela Courson.
Sobre o roteiro em si, o filme abre com uma licença poética sobre a infância de Jim Morrison, ao evocar a importância do shamanismo em sua formação pessoal. Corta para o início da formação da banda, com os seus membros a conhecer-se no ambiente estudantil da universidade da Califórnia, e também usa de romantismo para mostrar o início da relação de Jim Morrison com a sua namorada e fiel escudeira, Pamela Courson (interpretada por Meg Ryan, ainda muito linda, mas nitidamente um pouco além da idade para o papel, mesmo que bem auxiliada pelos esforços da produção com maquiagem, fotografia e enquadramentos, ou seja, mais uma situação limítrofe para corroborar o que eu expressei acima sobre a escolha discutível dessa atriz em específico, para defender a personagem).
Segue-se os primeiros shows do The Doors, ainda como uma banda a lutar na condição como "ilustre desconhecida", mas já a chamar a atenção pelos temas fortes propostos pelas suas letras nada comuns, e a loucura cênica perpetrada por Morrison no palco. E o primeiro contato com o produtor, Paul A.Rothchild (interpretado pelo ator, Michael Wincott), que catapultou a banda ao sucesso etc.
Mais licenças poéticas misturam-se a histórias verdadeiras da banda. O encontro com o artista plástico, Andy Warhol, e a cena clássica de Morrison ao ser flagrado pela namorada em ato libidinoso com a vocalista do grupo de Rock/Art Pop, "The Velvet Underground" (Nico, interpretada por Christina Fulton), dentro de um elevador, por exemplo (fato verdadeiro, mas um tanto quanto edulcorado na sua representação dramatúrgica).
Outro fator: que Morrison enlouqueceu e causou muitos problemas à banda, com atrasos, faltas injustificáveis e sobretudo confusões em lugares públicos e mesmo durante os shows, não resta dúvida, e que o diga o baterista, John Densmore (interpretado no filme pelo ator, Kevin Dillon), que quase surtava de ódio com tais atos irresponsáveis do cometidos pelo seu colega na vida real.
Entretanto, muita gente reclama que o filme tornou-se inverossímil, mediante tantas licenças poéticas. E o engraçado é que existe insatisfação para todos os envolvidos da vida real. Por exemplo, Ray Manzarek, o tecladista do The Doors (que no filme foi interpretado por Kyle MacLachlan), foi convidado para ser o consultor oficial de Oliver Stone, na parte musical, mas este recusou-se terminantemente a colaborar. E quando o filme foi lançado, Manzarek criticou o filme, de uma forma acintosa, publicamente, ao taxá-lo como algo desastroso.  Por outro lado, o guitarrista, Robby Krieger (interpretado no filme por Frank Whaley), aceitou fazer essa consultoria... vá entender a percepção de cada um!
Rumores também correram, ao dar conta que a família de Morrison só aprovou o roteiro após cortar diversos itens pelos quais Oliver Stone teve que abrir mão. Portanto, não foi apenas  a restrição à menção da família que incomodou os familiares de Morrison. Se inserisse cenas que fossem consideradas muito pesadas, a família ameaçava processar a produção. Por outro lado, Manzarek que já estava insatisfeito pela parte musical, também disse que o filme ficara adocicado em demasia, e que não correspondia em nada à biografia verdadeira da banda.
A questão da fotógrafa, Patricia Kennealy (interpretada no filme por Kathleen Quinlan), também merece cuidado ao ser analisada. De fato ela era adepta de práticas sadomasoquistas, e praticava bruxaria em sua vida particular, mas no filme a atmosfera quase demoníaca que Oliver Stone imprimiu, pareceu um pouco caricata.

A desconstrução do mito em torno de Morrison, por ele mesmo, contudo, foi bem retratada, quando da ocasião em que ele, Morrison, engordara (ao final de 1970), propositalmente para chocar as fãs que o tinham como um mito sexual, e tal particularidade deve ter dado trabalho à produção e sobretudo ao ator, Val Kilmer. Para as cenas onde Morrison estava muito alterado pelo abuso das drogas alucinógenas, o ator, Val Kilmer usou uma lente de contato com pupilas dilatadas. Isso gerou-lhe uma questão alérgica após o lançamento do filme. Independente disso, disseminou-se um boato a dar conta de que tais lentes geravam algum tipo de efeito alucinógeno verdadeiro e dessa forma, muitas pessoas desejaram usá-las no cotidiano (Erasmo de Rotterdam nunca poderia supor que no século XX, o "Elogio à Loucura" teria outra contação...).

Aliás, cabe colocar que para justificar o subtítulo que os programadores brasileiros criaram para esse filme, "The Doors, o filme", gerou um novo séquito de fãs para a banda no início dos anos noventa. Com o sucesso do filme, The Doors voltou a ser uma banda popular após o seu lançamento, e isso gerou uma movimentação para que os seus discos voltassem a figurar nas listas (os chamados "charts") de mais vendidos, a gerar publicações, vendas de vídeos de shows/aparições de TV e outras imagens reais da banda a ser resgatados.
Junto ao movimento "Grunge" de Seattle, e o Guns n' Roses que dominava as atenções dos jovens, naquele início de anos noventa, The Doors pareceu ser novamente uma banda viva e em plena atividade, tamanho o interesse que despertou perante o público jovem dos anos noventa, por conta do filme. Tanto foi assim, que a rede de boatos agitou-se sobremaneira, ao ponto de insinuar que os componentes remanescentes voltariam oficialmente com as atividades da banda e com Val Kilmer a assumir os vocais!
De fato, ele cantou com a sua própria voz, muitos trechos de apresentações ao vivo encenadas no filme, mas não houve nenhum cabimento em considerar que ele largaria a sua própria identidade como ator, para viver na vida real uma reencarnação de Jim Morrison...
Cabe a menção honrosa da participação de John Densmore, o verdadeiro baterista do The Doors, sob uma singela participação especial ("ponta"), onde interpreta um técnico de som a trabalhar em um estúdio, quando grava algumas declamações de poesia de Jim Morrison.

O final do filme é triste, é claro, mas acredito que Oliver Stone acertou o tom ao mostrar sem exageros melodramáticos, os últimos suspiros de Morrison em uma noite em Paris. E apesar de um tanto quanto mórbido, o passeio da câmera pelas tumbas a exibir tantos sepulcros a conter a presença dos restos mortais de artistas famosos, no cemitério de Père-Lachaise, e a culminar na tumba de Jim Morrison, ficou digno, ao mostrar que ele repousou ao lado de diversos gênios da música, artes plásticas, cinema, filosofia e literatura, sobretudo.
Entre entusiastas e detratores do filme, eu posiciono-me no centro. Não acho que seja esta obra, um primor irretocável, enquanto uma cinebiografia do The Doors e de Jim Morrison em específico, mas também não o considero um desastre. Para quem não conhece a biografia do The Doors com precisão, é uma boa maneira para iniciar-se nessa matéria, e este representa um dos mais belos capítulos da história do Rock mundial, sem dúvida, trata-se de uma homenagem ao seu vocalista, Jim Morrison, um carismático e inquieto artista de seu tempo e para dimensionar melhor, na verdade, um dos maiores de todos os tempos. O grande poeta, xamã e Rei Lagarto.
Outros atores que participaram do filme e não citados anteriormente nesta resenha: Charlie Spradling (como o maquiador), Josh Evans (como Bill Siddons), Crispin Glover (como Andy Warhol), Kelly Hu (como Dorothy), Billy Idol (o "supla" norte-americano, digamos assim, como "Cat"), Michael Madsen (como Tom Baker), Costas Mandylor (como um Conde italiano), Mimi Rogers (como uma fotógrafa a serviço de uma revista), Debi Mazar (como uma groupie), Jennifer Rubin ( como  Sedwick), Sean Stone (como Jim Morrison, quando criança, e este então um ator mirim é filho do diretor, Oliver Stone), Jerry Sturm (como Mr. Morrison, o pai de de Jim Morrison), Gretchen Becker (como Mrs. Morrison, a mãe de Jim Morrison), Jennifer Tily (como uma "okie girl", ou seja, uma garota nascida no estado de Oklahoma), William Kunstler (como advogado de Jim Morrison), Floyd Red Crown Westerman (como o espírito de um índio, que Morrison enxerga em seus delírios lisérgicos/shamanicos), e outros atores de apoio.   

Além de John Densmore, o baterista do The Doors, outros artistas da música atuaram neste filme em participações especiais: Paul Williams (o famoso compositor/cantor e ator, vilão do filme, "The Phantom of the Paradise", cuja resenha faz parte deste livro, igualmente)., Paul Rothchild (o produtor fonográfico do The Doors), Eric Burdon (o fantástico vocalista do The Animals e também do grupo War), Sky Saxon (o irriquieto vocalista da banda psicodélica, "The Seeds"), e o próprio, Oliver Stone a interpretar em rápida cena no início da história, o professor de cinema na universidade UCLA, onde Jim Morrison estudou.
Sobre a trilha sonora, são inúmeras as músicas do The Doors, ali representadas. Muitas delas, contiveram a s ua gravação original de época e algumas foram remixadas a conter a voz do ator, Val Kilmer, e incrível, ele desempenhou muito bem a função, inclusive a lembrar muito o timbre, emissão e interpretação de Jim Morrison.

Ouve-se portanto, canções como: "Riders on the Storm", "Hello, I Love You", "Love Street", "Moonlight Drive", "Break on Through", "Light my Fire", "The Crystal Ship", "My Wild Love", "The End", "Alabama Song, "Strange Days", "Not the Touch the World", "Love me Two Times", "Wild Child", The Soft Parade", "Roadhouse Blues", "End of The Times", "Back Door Man" (esta, de autoria de Willie Dixon e Howlin' Wolf), "You're Lost Little Girl", "People Are Strange", "When the Music is Over", "Fire to One", "Touch Me", "Dead Cats, Dead Rats", "L.A. Woman", "Venus in Furs", "Severed Garden", "Indian Summer".

Em suma, um bom apanhado do repertório do The Doors. Constam também canções do The Velver Underground, The McCoys, Harmonica Fats, The Rivieras, The Chambers Brothers e Sir Douglas Quintet, ou seja, uma turma muito boa, e contemporânea do The Doors. Isso sem deixar de mencionar os temas eruditos, "Adagio de Albinone", de Tomaso Albinone e trechos da obra, "Carmina Burana", de Carl Orff. Pois com esse repertório, a trilha sonora ficou muito bem recheada, sem mencionar os poemas muicados de Morrison, que também aparecem no filme. Portanto, o CD com a trilha sonora ficou bem composto e de fato, vendeu bastante na ocasião em que o filme foi lançado, e impulsionou, por conseguinte, as vendas, em profusão surpreendente do catálogo inteiro do The Doors, como se a banda estivesse viva, em plena atividade artística. 

O resultado nas salas de cinema, foi excepcional, com as salas lotadas e como eu já observei anteriormente, tal obra foi capaz de angariar um renovado público para o The Doors. Já em termos de críticas, o filme não teve boas avaliações, porém é preciso dizer que havia uma má vontade generalizada com Oliver Stone por conta de suas convicções políticas, portanto, em termos de mídia versus parcialidade, fica sempre a desconfiança.
Isso não quer dizer que o filme seja perfeito e não mereça receber críticas sinceras, e eu mesmo já observei algumas questões nesse sentido, nesta resenha. Eis uma frase que eu pincei para ilustrar uma opinião negativa publicada na época: -"Uma ode ao pretensioso Rei Lagarto e a contar com atores a usar perucas ridículas para dizer coisas tolas". E uma positiva: -"Val Kilmer apresenta uma caracterização boa como um um dos mais incendiários nomes do Rock". De fato, Val Kilmer surpreendeu em sua interpretação e falhas a parte na roteirização da obra, a sua performance pessoal, como ator, foi muito boa.

Trata-se sim de um filme com alguns méritos, embora fique a ressalva que de fato houve uma infinidade de licenças poéticas e distorções da história, tanto que Ray Manzarek repudiou o filme de uma forma contundente em declarações feitas à imprensa. Já no livro autobiográfico escrito por John Densmore, "Riders on the Storm", ele diz com todas as letras que o filme foi concebido única e exclusivamente para enaltecer e glamorizar a figura de Jim Morrison.
Por exemplo, a cena onde Morrison tranca Pamela em um armário em chamas e na contrapartida, esta o ameaça com uma faca no almoço de "thanksgiving" (dia de ação de graças), foram desmentidos, assim como a passagem em que Morrison agride Manzarek, ao jogar-lhe um aparelho de TV, em sua direção. E de fato, como Densmore preconizou, o filme trata Jim Morrison com uma ênfase absoluta e exibe os demais membros como meros coadjuvantes, na maior parte do tempo.

Bem, passada a euforia nas salas de cinema, o filme entrou com tudo no circuito de TV a cabo: e a seguir também na TV aberta e neste caso, a observar restrição com horário, por conta das cenas a conter sexo e consumo de drogas. Quase que simultaneamente á entrada do filme no circuito da TV, saiu a sua versão em DVD, com direito a relançamento com novidades, a posteriori e certamente a culminar com o lançamento em Blu-Ray.

em termos de internet, receio que na atualidade de 2012, seja encontrado apenas  em portais pagos, tais como Amazon, Google Play e YouTube. Em versão gratuita, é encontrado em portais alternativos, como Tubitv, por exemplo.

Esta resenha foi publicada inicialmente na Rádio/Blog do Juma, em 2012. Posteriormente, foi revista e ampliada para fazer parte do livro: "Luz; Câmera & Rock'n' Roll" e pode ser lida através de seu volume II, a partir da página 13.

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Celular e Volante não Combinam ! - Por Luiz Domingues


Basta sair de sua casa e logo que vai atravessar a primeira rua, passa um carro à sua frente, com o motorista a dirigir afoitamente com uma só mão no volante do veículo, preocupado em segurar um indefectível telefone celular. O cidadão caminha mais um pouco e passa outro e depois outro, outro...
Basta observar nos cruzamentos das grandes avenidas e o fenômeno repete-se, aliás, multiplica-se. Essa compulsão em falar o tempo todo ao celular, parece não passar de uma mania. O argumento de que importantes recados não podem esperar de forma alguma, é estapafúrdio, no sentido simples de que a humanidade viveu sem esse recurso, por milhares de anos e por quê só a partir dos anos noventa, isso se tornou-se uma necessidade premente ?
Com a sofisticação cada vez maior dos celulares, o rol de distrações aumentou muito. Agora é comum ver motoristas a participar de chats na internet; disparar torpedos; consultar o Google, ou procurar por vídeos no You Tube... em suma : os motoristas fazem tudo, menos prestar atenção no trânsito, e sobretudo na condução de seu veículo. Vamos aos fatos : a informação que você processa ao dirigir e usar o celular, vai simultaneamente ao tálamo, para ser processada.
O próximo passo é ser filtrada no lobo frontal, onde uma das duas será priorizada. A seguir, o córtex cerebral vai decidir só por uma, e a outra ação é relegada a segundo plano. Se a prioridade é o que faz ao celular, a sua percepção ao dirigir, é reduzida drasticamente.  Isso sem contar certas nuances de cunho psicológico, que muito contribuem como agravantes. Não é raro ver pessoas enfurecidas ao volante, por estar a brigar com alguém ao telefone. Imagine você, ao receber uma bronca de seu chefe; brigar com a sua mulher; ou a receber uma notícia de falecimento de um ente querido. Isso altera a sua pressão sanguínea ou não ?
Sei que falei sobre situações extremas, mas mesmo se estiver em uma conversa amena sobre a última rodada do brasileirão, ou a criticar a última medida do ministro da Fazenda, esse uso de celular ao volante é inconveniente. Estou cansado de observar motoristas a conduzir o veículo em zigue-zague; não usar a seta para conversões e o pior, ao desrespeitar a mais básica das regras de trânsito, ao não parar nos semáforos vermelhos. Pobres pedestres que já sofrem para atravessar as ruas, com o costumeiro desrespeito de motociclistas e ciclistas nesse quesito.
O assunto é preocupante e ganha ares epidêmicos no sentido de que o Hospital das Clínicas de São Paulo está a abrir um departamento especial para tratar desse novo distúrbio, a compulsão em dirigir e usar o celular simultaneamente. Uma frase dita pelo jornalista norteamericano, William Powers, sobre esse assunto, cabe bem para fazer o leitor pensar : "sacrificar a vida para ler uma mensagem, vale a pena" ?
Matéria publicada anteriormente no Blog Planet Polêmica e republicada no Blog Pedro da Veiga, ambas em 2012

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Blindagem Excessiva - Por Luiz Domingues



O futebol é o mais popular esporte do planeta, por vários fatores. Um dos deles, sem dúvida, é o fato de ter regras extremamente simples, que são assimiladas por crianças. Com exceção da regra do impedimento, ou "off-side", que sucinta certas indagações e gera polêmica, quase sempre, o restante é muito simples.

Mesmo assim, ao seguir o exemplo de outros esportes com regras mais confusas, a questão da arbitragem pôs-se a ganhar contorno de uma disciplina rígida, ao longo dos tempos. Para visar tornar as decisões dos árbitros irrevogáveis e sobretudo a pensar na integridade moral e física dos mesmos, os órgãos controladores do futebol engessou cada vez mais a figura do árbitro (e de seus auxiliares, também), de uma forma militarizada, para outorgar-lhe status hierárquico de comando, e assim, não aceitar insubordinações de forma alguma por parte da "baixa casta", formada pelos jogadores.
Em primeira instância, fazia sentido dar esse poder todo ao árbitro. De fato, sem esse cuidado, estaria indefeso em meio às pressões de vinte e dois jogadores em campo, mais quatorze sentados nos dois bancos de reservas e além de outras pessoas a representar as suas respectivas comissões técnicas de cada time. Seria temerário demais não ter essa regulamentação que o protegesse de toda forma de protestos, quiçá agressões físicas em toda jogada polêmica onde um time sentisse-se prejudicado por sua decisão. Todavia, temos observado algumas distorções nessa regulamentação.
O primeiro ponto é óbvio : o árbitro também é um ser humano. Portanto, está passível em cometer erros, e no caso específico da arbitragem, o futebol pode apresentar situações dúbias, onde erros crassos são cometidos a todo instante. O segundo ponto, é que por ser humano, também, apresenta emoções e toda uma gama de precipitações psicológicas inerentes a qualquer um.
E o terceiro ponto, parece crucial nesse tabuleiro : toda a estrutura do futebol é profissional e envolve negócios na conta de milhões de reais; dólares ou euros, mas o único setor que permanece amador nessa cadeia bilionária, é o da arbitragem.
Então, por mais apaixonado que o sujeito seja pela sua nobre atividade, ele é a autoridade máxima naqueles noventa minutos, para decidir o futuro de centenas de pessoas que dependem daquele resultado diretamente, por estar envolvidas profissionalmente ali (fora os milhões que frustram-se indiretamente, os ditos torcedores), mas ele volta para a casa com um pequeno cachet no bolso (nem tão módico assim...), e no dia seguinte vai trabalhar no seu escritório; clínica; comércio; repartição pública. Com essa completa falta de compromisso com a estrutura monstruosa que envolve o futebol, política e financeiramente a falar, ele simplesmente toca a sua vida particular, sem perder o sono com eventuais prejuízos causados por seus erros terríveis, e só volta a pensar no futebol no próximo jogo.
Profissionalizá-los, seria a melhor medida para que dedicassem-se em horário integral à sua capacitação, e não somente a ficar restritos a cursinhos de fim de semana, sob um primeiro momento de sua preparação para a função. E posteriormente, responsabilizados por seus atos, de forma funcional. Fora tudo isso, como ser humano ele está sujeito às intempéries de seu ego e daí, todo esse poder inebria, em muitos casos.
O excesso de blindagem que recebem, torna-os muitas vezes, prepotentes, arrogantes... e tal como imperadores romanos tresloucados, sentem-se poderosos ao advertir atletas; expulsá-los; humilhá-los publicamente, e se for o caso de um clássico televisionado e assistido por milhões de pessoas, então...
A Fifa reluta em usar a tecnologia para auxiliar os árbitros em jogadas polêmicas. Dá-se um desconto enorme para o lado humano deles, em ter que decidir sob uma fração de segundos um lance duvidoso que todos vemos claramente, mediante infinitas repetições auxiliados pela visão do vídeotape das transmissões da TV. No entanto, por outro lado, se é notoriamente difícil para um ser humano (mesmo que supostamente capacitado para a função), tomar uma decisão dessas, em segundos, por que a Fifa não adequa à arbitragem ao século XXI, e não usa enfim a tecnologia em casos duvidosos ?
E isso evitaria a enorme insatisfação de quem é prejudicado decisivamente em uma partida, ao amargar maus resultados que geram consequentes prejuízos financeiros enormes, aos clubes.
E estabeleceria uma relação mais humana entre árbitros e jogadores, ao evitar assim essas manifestações marcadas pela extrema prepotência de árbitros que julgam-se Deuses inatingíveis, por ter o poder da vida e da morte, no uso de seus malfadados cartões, amarelo e vermelho, distribuídos a esmo, além das súmulas que redigem, onde somente as suas palavras são levadas em consideração nos tribunais esportivos, sem direito ao contraditório. Respeito à autoridade do árbitro, sim, mas intransigência exercida mediante uma couraça de aço, não !

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Roberto Piva, Beatnick da Paulicéia - Por Luiz Domingues


Mesmo através de uma época onde as comunicações deixavam a desejar no quesito velocidade, podemos afirmar que o movimento Beatnick não chegou com grande atraso à terra tupiniquim. E dessa forma, a literatura libertária produzida por escritores como : Jack Kerouac; Allen Ginsberg; William Burroughs, entre outros, espalhou-se quase simultaneamente entre alguns jovens paulistanos, a produzir uma vontade imediata, pela identificação causada, em extravasar no papel, a sua veia literária e libertária, digamos. Roberto Piva foi um deles.

Nascido em São Paulo, em 25 de setembro de 1937, Roberto Piva teve outras influências marcantes na sua juventude, além da Beat Generation, que mescladas, imprimiu-lhe uma sólida base.

A começar pelo Marquês de Sade, que certamente apontou-lhe a trilha do erotismo, e passar pelos malditos da literatura francesa oitocentista, com Rimbaud e Baudelaire na cabeceira.

O teatro de Antonin Artaud e o cinema de Pier Paolo Pasolini, também impressionou-lhe fortemente, sem dúvida e tudo condimentado devidamente pela poesia de Álvaro de Azevedo e Jorge de Lima. Sem contar que Piva foi um dos maiores especialistas em Dante Alighieri, cuja obra estudou à exaustão, no Instituto Cultural Ítalo-Brasileiro.
Também entusiasta do surrealismo, foi um dos poucos (ao lado de Claudio Willer e Sérgio Lima) a ser resenhado pela revista francesa : "La Breché Action Surrealisté", editada por André Breton. Com tudo isso a reverberar decisivamente em sua imaginação, foi evidente que o impacto da literatura Beat imprimiu-lhe a dose final para que pudesse formatar a sua obra contundente.
A sua primeira obra publicada constou na antologia de novos poetas : "Antologia dos Novíssimos", de 1961 (Editora Massao Ohno).
Mas foi através de seu livro, "Paranoia", de 1963, que ele ganhou o destaque que tratou em torná-lo verdadeiramente conhecido e respeitado no meio literário brasileiro. A riqueza de suas múltiplas influências certamente abriu-lhe um diferencial em relação ao modus operandi dos poetas Beat, norteamericanos. Ao invés de seguir a marca registrada das impressões colhidas nas ditas "Road Trips", Piva concentrou-se nas imagens paulistanas que rodeavam-no. A sua substância poético forjou-se em meio a viagem pelas ruas da Pauliceia e o encontro com seus meandros; submundos e tipos.

De certa forma a redescobrir São Paulo, após Mário de Andrade já ter passado por essa epifania nos anos vinte, Piva agora a via pelas lentes do movimento Beat, com muito Jazz; anfetaminas e sexualidade lasciva. E assim, evoca em sua obra as "locomotivas uivantes", "cadillacs sem sangue" e "a garoa cinza que engrossa num céu de cimento"... as portas da percepção escancaram-se através dos Beatnicks, para antecipar a lisergia contracultural dos Hippies que viriam a seguir.
Seguiu-se : "Piazzas" (1964); "Abra os Olhos e diga Ah !" (1975); "Coxas" (1979), e "20 Poemas com Brócoli" (1981), entre outras obras significativas. Tornou-se admirado pelas gerações posteriores, protagonizou diversos encontros literários; saraus & palestras, sempre animadas pela sua declamação inflamada. Nos seus últimos dias, mostrou interesse pelo tema do xamanismo.
Roberto Piva deixou-nos em 3 de julho de 2010, ao abrir uma lacuna difícil para ser preenchida na literatura paulista e brasileira.

Matéria publicada inicialmente no Site / Blog Orra Meu, e republicada no Blog Pedro da Veiga, ambas em 2012