É sempre um caminho
perigoso a ser percorrido, quando se sugere a linha de um musical como condução de uma produção cinematográfica. E agrava-se muito mais quando a
experiência é montada em torno do Rock, pois o público Rocker é geralmente
muito mais exigente que o formado por uma plateia comum, que não cria maiores expectativas
em torno de um filme qualquer, além da questão do seu entretenimento puro e simples.
Nesses termos, ou a produção assume a preocupação em buscar uma substância mais
avantajada para satisfazer uma audiência especialista no assunto, ou pelo
contrário, decide praticar um pastiche a mostrar uma visão estereotipada do que
realmente representa o Rock.
No caso de “Rock
of Ages” (“Rock of Ages, o Filme”), a opção escolhida foi pela simplificação do
formato, sem dúvida alguma, no entanto, apesar do caráter popularesco observado
pela sua produção, o filme não é um completo desastre ao ponto de ser
considerado um pastiche e pasmem, contém até certos atrativos.
Primeiramente, é
preciso destacar que a produção é muito caprichada em praticamente todos os
quesitos técnicos imagináveis e nesses termos, com um aparato desses em mãos,
mesmo um filme fraco, fica tão encorpado visualmente a falar, que tende a
encobrir a sua falta do que expressar em termos de texto.
Segundo ponto e ainda
a reforçar a ideia da boa produção, é a questão do bom elenco disponibilizado
para o diretor trabalhar. Com atores tarimbados mesclados a jovens valores, o
filme também subiu o seu nível. E veja bem, possuir um grande elenco à disposição,
nem sempre garante um bom resultado artístico e há exemplos de filmes
produzidos com elencos recheados por astros e que naufragaram tanto na avaliação
dos críticos, quanto na recepção do grande público.
E mais um aspecto, ao
tratar-se de um musical, é óbvio que a produção se certifica de contratar atores
que tenham experiência específica nesse gênero, ou seja, que não apenas interpretem,
mas que também cantem e dancem a contento. E de preferência, que também
detenham experiência com musicais no teatro. Não foi o caso de alguns atores famosos
que atuaram neste filme, que comprovadamente são bons atores e consagrados por
executar diversos estilos de papeis, no entanto, com pouca experiência no gênero
musical. E a despeito do grande risco assumido, neste caso, o resultado final surpreendeu
positivamente.
O terceiro
ponto foi a escolha do tema, que mostrou-se fechado em um estilo musical e também
especificamente em uma época. Portanto, tirante os fãs do Hard-Rock
californiano e oitentista, a chance para que este filme pudesse atingir um público
mais abrangente, reduziu-se drasticamente. Dessa maneira, foi um risco muito grande
assumido pela produção.
Não teria sido surpreendente que ao chegar à tela do cinema,
a opção por uma modificação drástica fosse adotada, para evitar-se o estigma
anacrônico, para que dessa forma a obra fosse diluída, entretanto, o que
se observou foi a manutenção do mote original, visto que este musical fora
criado nesses moldes para o teatro, em 2005 (escrito por Chris D’Arienzo).
Pois
muito bem, se o espectador deste filme foi adolescente nos anos oitenta, é
grande a chance de gostar muito desta obra; de sua abordagem e sobretudo pelo
material musical proposto através das canções executadas ao longo da história;
além da sua trilha sonora, música incidental e também nas várias menções feitas
em prol de tal espectro do Hard-Rock, do Pop-Rock e do Aor-Rock norte-americano
produzido nessa década, sobretudo na Califórnia.
Postas tais
observações preliminares, a história em si é simples e certamente já bem explorada
em outros tantos filmes, ou seja, a história de uma garota de um estado mais
afastado dos grandes centros culturais norte-americanos e que sonha em buscar a
oportunidade em alçar um voo rumo à construção de uma carreira artística. Daí,
é inevitável fazer com que o espectador
a enxergue ao criar coragem; deixar a sua cidade pequena e agrícola e partir para a
meca do momento, como uma tática certeira de se angariar a empatia com a
personagem.
No caso, a sua meta é chegar em Los Angeles, onde tal vertente do
Rock mais pesado, porém bem Pop, estava a explodir naquela década. É nessa
prerrogativa que a sonhadora, Sherrie Christian (interpretada por Julianne Hough),
sai do estado do Kansas rumo à Los Angeles na Califórnia, para batalhar por uma
carreira como atriz e cantora. Já nas primeiras cenas, é possível delinear isso
muito bem, visto que dentro do ônibus de linha em que segue viagem, ela abre uma
mala e suspira ao examinar diversas capas de discos de bandas de Rock desse
período e isso já mostra o cartão de visitas do que será exibido nesse filme,
com capas de discos de bandas famosas dessa década, a transitar entre o Hard-Rock, Pop-Rock e o AOR-Rock oitentista.
E também já deixa claro o aspecto de vir a
ser um musical clássico, com a cantoria a acontecer dentro do ônibus, inclusive
com a interação de pessoas comuns, portanto a confirmar a abordagem clássica
desse gênero cinematográfico, onde espera-se que as pessoas comuns cantem em
qualquer instante e circunstância e acredite, não é todo espectador que aprecia
esse tipo de abordagem, portanto, a depender da situação, é grande a chance de
haver uma debandada instantânea dos insatisfeitos, a evadirem-se da sala de cinema.
O filme
segue, com a garota a chegar em Los Angeles e o inevitável choque com a
realidade ocorre, mal ela tenha descido do ônibus, ao tornar-se alvo fácil para
todo tipo de gatunos, golpistas & cafajestes de plantão pelas esquinas.
Mesmo a passar pelo perigo inevitável, ela vê um garoto a carregar o lixo para
uma caçamba, perto de uma casa noturna e eles simpatizam um com o outro.
Tal
rapaz também é um aspirante a artista (Diego Boneta, como Drew Boley), que atua
em uma obscura banda chamada: “Wolfang Von Colt”. Ele trabalha como
funcionário na casa de shows, “Bourbon Room” e a convida a entrar. Lá, bandas
de Rock apresentam-se regularmente, com aquele clima oitentista bem expresso na
sonoridade e sobretudo nos figurinos. Enquanto dentro da casa o delírio do
público é geral, os seus dois gerentes, esboçam que trabalham bastante, mas sob uma
indisfarçável pusilanimidade.
Trata-se da dupla formada por Lonny Barnett (interpretado
por Russell Brand) e Dennis Dupree (interpretado por Alec Baldwin). Logo no
início, não, mas ao longo do filme, eles insinuam tendências homossexuais e de
fato, assumem um romance, inclusive marcado por um número que cantam em duo.
O
contraponto dá-se com a presença da personagem, Patricia Whitmore (interpretada
por Catherine Zeta-Jones), que e a esposa do prefeito, Mike Whitmore
(interpretado por Bryan Cranston), e que lidera uma cruzada em prol da “moral e
dos bons costumes” e assim, mediante outras simpatizantes, organiza protestos
na porta da referida casa, mediante o objetivo de articular-se para banir o
Rock da cidade. Bem, na vida real, em Sunset Strip, as autoridades de Los
Angeles tentam acabar com o Rock desde 1966, isso não é uma novidade naquela
cidade.
Sherrie
aceita o trabalho, certamente, e engata um namoro com Drew. Ambos são aspirantes
à vida artística e enquanto não surge alguma boa oportunidade, sobrevivem com
postos subalternos dentro do Bourbon Room. Cenas com diversas menções ao Rock
oitentista, sucedem-se e com direito até a uma cantoria ocorrida dentro de uma
unidade da famosa, “Tower Records”, uma rede de lojas de discos que fez
história no comércio norte-americano, por décadas e claro, com total ênfase a
retratar a década de oitenta. Aliás, a ação do filme desenrola-se no ano de
1987, segundo consta na narrativa da história.
Outra cena bem clichê, ocorre quando o personagem, Stacee Jaxx, confronta
e debocha bastante da senhora primeira dama, defensora da moral. Stacee é um
Rock Star extremamente temperamental, arrogante e muito fora da realidade, ao
exibir trejeitos de um monarca absolutista, por tratar a todos como subalternos
ou melhor a dizer, vassalos. Interpretado por Tom Cruise, um ator versátil que
já compôs personagens os mais variados, ei-lo aqui a interpretar um Rock Star
decadente e histriônico, e diga-se que no qual ele o conduziu muito bem. É inevitável, o personagem a parecer-se
com muitos tipos da esfera do Hard-Rock dos anos oitenta. Não é o meu caso,
pois este gênero desagrada-me pessoalmente, no entanto, aos mais versados por
tal estilo, será inevitável estabelecer diversas comparações, de Vince Neil a
Dee Snider e muitos outros contemporâneos de ambos.
De resto,
vê-se Stacee em camarins faraônicos, envolto em orgias; drogas e muitas
mulheres seminuas, a reforçar o estereótipo do Rock Star a revelar-se catatônico em seu
próprio hedonismo. Claro que muitos assim comportam-se na vida real, porém tal
tipo de comportamento não é exclusivo dos Rockers. Basta haver fama &
dinheiro e o deslumbramento atinge outros artistas, em outras vertentes
musicais, atores, jogadores de futebol, subcelebridades alavancadas pela TV e
em outros setores da sociedade, que eu não vou mencionar, mas o leitor
certamente vai deduzir sobre quais segmentos eu refiro-me veladamente.
Há o
lado humorístico e isso é divertido, na figura do macaco, Mickey, que é
apelidado como: “Hey, Man”. Pois “Hey, Man” é uma espécie de mordomo de Stacee
e dessa forma, proporciona boas piadas ao filme.
Stacee chega
ao Bourbon Room e garotas entram em frenesi, inclusive com direito a desmaios, mas
Stacee mantêm-se a flutuar em sua soberba. Uma repórter da revista Rolling
Stone solicita-lhe uma entrevista (Constance Sack, interpretada por Malin
Akerman). Em princípio, Stacee a esnoba bastante, mas posteriormente, investe sobre
ela e a seduz. Nesse show, o aspirante a Rock Star, Drew Boley terá uma grande
chance, pois fará o show de abertura com a sua banda. Ele entra com timidez no
palco, mas apesar da frieza inicial da plateia, consegue cativá-la e encerra a
sua apresentação com uma ovação. O empresário de Stacee (Paul Gill,
interpretado por Paul Giamatti), presta atenção nesse detalhe e logo aborda
Drew, a oferecer-lhe uma chance, mas no decorrer da história, isso revela-se
como um embuste.
O folhetim
tradicional é inevitável, ainda mais em um musical tradicional e assim, por uma
mera confusão, Drew vê a sua namorada, Sherrie a sair do camarim de Stacee e
interpreta tal visão como um ato de traição. O namoro encerra-se e Sherrie
abandona o emprego no Bourbon Room, para ficar errante pelas ruas de Los
Angeles, até que arruma um emprego como garçonete em um clube que tem como
atração, a prática do pole dance. Obviamente que em tal passagem, as cenas
carregam na sensualidade das moças, inclusive da própria personagem, Sherrie,
pois ela adota um visual sexy como garçonete desse estabelecimento e em algum
momento, vai atuar no pole dance, certamente.
Nesse
ínterim, Drew pensa que o empresário Paul irá impulsioná-lo em uma carreira
como ele sonha, a apresentar-se como um guitarrista e cantor Rocker, mas demora
um pouco a perceber a intenção nefasta do empreendedor. Tanto que Drew e Sherrie
encontram-se por acaso e ela estranha o visual novo do rapaz, mais a parecer um
galã de seriado de TV (irônico, o ator em questão, Diego Boneta, que é mexicano
de nascimento, ficou famoso em seu país ao participar do elenco da novela
adolescente: “Rebelde”). Stacee, por sua vez, parece haver impressionado-se
com a repórter, Constance, pois ele liga para a redação da revista a procurá-la.
Os protestos na porta do estabelecimento, liderados pela esposa do prefeito,
acirram-se, mas claro, culmina em um número musical até divertido, em formato “mashups”,
que vem a ser uma mistura entre duas canções diferentes.
Um novo show
de Stacee vai ocorrer e desta feita a nova banda de Drew irá fazer a abertura,
mas o que observa-se é uma ridícula “Boy Band”, com Drew e mais alguns rapazes
a dublar um som ultra pasteurizado, a constituir-se de um Pop descartável de
quinta categoria. Pior ainda que a música insossa, o visual usado pelos
componentes do grupo é ridículo e a coreografia empregada, medíocre. Claro que
o público que é essencialmente entusiasta do Rock oitentista, rejeita de pronto
e Drew sente-se envergonhado.
O empresário, Paul, abandona a Boy Band ridícula
que criou (“Z-Guys”) e o macaco, “Hey, Man”, o agride. Drew apanha uma guitarra
e tenta remediar o vexame ao simbolizar estar a voltar para o Rock, junto à sua
antiga banda.
Ele e Sherrie cantam uma canção do “Journey” (“Don’t Stop Believin”,
é lógico), e tudo acaba em euforia, com direito à participação da esposa do
prefeito, vestida com uma roupa de couro e a mostrar-se uma entusiasta do Rock e
a jornalista, Constance, a mostrar-se grávida e demonstrar por dedução, que o
Rock Star, Stacee Jaxx, irá acalmar o seu ímpeto histriônico doravante, assim
que tornar-se um feliz e responsável papai.
Em suma, trata-se
de um musical com uma estrutura de roteiro bem tradicional, a conter os
elementos típicos do romance, para usar o recurso do mal-entendido para abalar
relações amorosas e certamente após resolver os conflitos inerentes que dão
sustentação à história, culminar em um final feliz. Há o elemento do humor, em
várias matizes, do pastelão ao deboche e a música chama a atenção por conter
mega sucessos da época retratada, e mesmo que o espectador não seja um fã
incondicional de tal estética e de seus artistas, há por reconhecer grande
parte das canções executadas, nem que seja por osmose.
A opção pelo Hard-Rock e
Pop-Rock oitentista, faz parte do
libreto original que chegou aos teatros e manteve-se na versão cinematográfica
e há um elemento a mais que eu não expliquei com maiores detalhes anteriormente,
mas faz parte: o estilo “AOR” (Adult Oriented Rock), uma típica vertente do
final dos anos setenta e que avançou pelos anos oitenta a influenciar bastante
o pessoal que militou no Hard-Rock dessa década, ou seja, o filme mostra, em
via de regra, o que seria o conceito “AOR”: uma música feita para ser tocada
em grandes estádios, por artistas que tocavam maciçamente em estações de rádio,
portanto a tornarem-se super populares e a atingir um público mais velho, não
adolescente, mas adulto jovem, com um poder aquisitivo mais elevado e independente,
financeiramente. Outra característica do Rock AOR, é justamente uma espécie de
fusão sonora entre os estilos do Hard-Rock e do Pop-Rock. Enfim, esse filme
trata disso, principalmente quando aborda o personagem de Stacee Jaxx.
Como eu já
mencionei no início, o grande trunfo é a produção bastante esmerada. Neste
caso, com figurinos, direção de arte, boa trilha sonora, fotografia e bons
atores a atuar bem, o fato da história ser banal, não desabona o filme. Tirante
os artistas consagrados, a dupla romântica formada por Julianne Hough e Diego
Boneta, tem dotes vocais. Julianne é também uma cantora Country-Rock, em paralelo à
carreira de atriz, além de dançarina. E Diego também canta e dança.
Os atores
não acostumados a cantar, como Tom Cruise, Catherina Zeta-Jones, Alec Baldwin e
Bryan Cranston, certamente usaram do recurso de estúdio do auto-tune para
corrigir desafinações, mas dizem que Tom Crise não utilizou o efeito e cantou
Hard-Rock rasgado com a sua própria voz. Se isso for verdade, ele poderia
pleitear uma vaga em alguma banda Hard-Rock, tranquilamente.
Por falar em
trilha, a despeito do filme lembrar bastante o seriado de TV, “Glee”, a
predominância do Rock é nítida. Ouve-se muitas bandas, tanto na trilha quanto
nas canções vocalizadas na trama pelas personagens, com o som oitentista de artistas
tais como: Bon Jovi, Skid Row, Def Leppard, Guns’n‘ Roses, Poison, Europe,
Twisted Sister, Warrant, Night Ranger, Pat Benatar, Extreme e muitos outros.
Inclusive alguns setentistas que avançaram sobre o AOR, como o Aerosmith, Foreigner,
Joan Jett, Reo Speedwagon, Whitesnake, Scorpions e o Journey.
Dirigido por
Adam Shankman, foi lançado em junho de 2012, e fez bastante sucesso nas salas
de cinema. Está a rodar até os dias atuais em canais de TV a cabo, e também
disponibilizado em formato DVD/Blue-Ray para a aquisição. Em portais pela
Internet, só existe fragmentos, a não ser em um obscuro portal polonês, chamado
CDA.PL, onde é possível assisti-lo na íntegra, mas aviso que o método polonês
de dublagem é sui generis. Um locutor narra por cima das vozes originais, todas
elas. Não há interpretação individual de cada personagem a seguir a naturalidade
dos diálogos, mas simplesmente o locutor repete monocordicamente todas as
falas, masculinas e femininas, como se fosse um narrador ou contador de histórias
e isso é bem irritante, pois o inglês original fica quase imperceptível para
tentar se entender e o polonês é um idioma muito distante da nossa raiz,
portanto, é uma experiência difícil. Ainda bem, nas partes cantadas, ouve-se o
áudio original sem interferências.
Esta resenha faz parte do livro: "Luz; Câmera & Rock'n' Roll" em seu volume III e está disponível para a leitura a partir da página 106