sábado, 29 de fevereiro de 2020

Filme: Permissive - Por Luiz Domingues


Em 1970, duas produções cinematográficas, oriundas da Inglaterra, foram lançadas praticamente a abordar o mesmo tema: “Groupie Girl” e “Permissive”. O mote das groupies, em relação às bandas de Rock, estava na ordem do dia e nos dois casos, a questão é abordada com a significativa atenção a abalizar a recôndita reprovação moral sobre o que representou e ainda representa, a presença dessas meninas a compor a entourage de bandas de Rock, e não é algo para espantar-se, visto que, sim, há toda uma questão a envolver a desvalorização da mulher em torno de seu uso como objeto sexual descartável, e nesses termos, entra em voga fortemente a questão do machismo, porcochauvinismo, misoginia, feminismo etc. e tal. 

Em ambas as produções, há uma carga erótica, e no caso de “Permissive”, pesa ainda mais por mostrar-se sob uma aura mais soturna, sem dúvida alguma. Tanto, que nos dois filmes, recorreu-se a diretores e técnicos que tinham experiência em produção de filmes eróticos, embora não seja o caso explícito destas películas que assumem-se como filmes de arte e são consideradas como : “Rock Movies”, para todos os efeitos. Sobre “Groupie Girl”, eu já opinei em sua respectiva resenha e ao leitor, deixo a ressalva que basta procurar por tal texto, no índice do livro impresso tradicional, ou para quem estiver a ler via internet, no arquivo deste meu Blog 1.

Sobre “Permissive”, a história mostra a trajetória de Suzy (interpretada por Maggie Stride), uma moça que vaga por Londres à cata de uma oportunidade e tem como única referência na capital britânica, uma amiga chamada: Fiona (vivida por Gay Singleton). Fiona é uma groupie que vive na estrada a trocar de grupos de Rock (como quase toda groupie fazia ali naquela fase de ouro do Rock britânico, no período conhecido como “Late Sixties/Early Seventies”), e naquele momento, Fiona estava na entourage do grupo, “Forever More”. 

Esse grupo não foi inventado como banda fictícia especialmente para o filme, e de fato existiu na vida real, embora tenha sido bastante obscuro a grosso modo e somente os Rockers muito estudiosos desse período e sobretudo os colecionadores de discos, conhecem a sua existência. Apesar de mostrar-se bastante tímida, Suzy não choca-se com o ambiente promíscuo, ao ponto de evadir-se assustada, mas claro que demora um certo tempo para acostumar-se com a rotina regada a sexo livre; drogas; bebedeiras e também pela dura realidade de uma banda de pequena proporção na estrada, a viver em hotéis de terceira categoria; tocar em pequenos clubes e a usar camarins sujos, em via de regra.
Em princípio, Suzy envolve-se mais com o baixista, Lee (na verdade, Alan Gorrie, que usou nome fictício no filme e pouco tempo depois dessa película ser lançada, deixou o “Forever More” na vida real e fundou a “Average White Band”, uma excelente banda escocesa, orientada pelo R’n’B/Soul Music). Entretanto, nenhuma “groupie” é namorada de um membro apenas da banda, e estava ali para servir a todos. 

Além disso, mesmo sendo uma questão consensual, a rigor, a existência de ciúmes sempre foi algo inerente, tanto em relação aos músicos da banda e digo isso em qualquer banda e não somente no caso da Forever More, neste filme, quanto em relação às groupies, em torno de eventualmente apaixonar-se por um membro da banda em específico, portanto, brigas eram costumeiras nos bastidores da vida real no meio Rocker e Jimmy Page, o mítico guitarrista do Led Zeppelin que o diga, visto ser famosa a sua satisfação em assistir as groupies da banda a brigar por causa dele. 

Então, Fiona, que sentiu-se preterida, não gostou nem um pouco em verificar que a sua outrora tímida amiga principiante, tornou-se a predileta do baixista, Lee, e também do empresário da banda, Jimmy (interpretado por Gilbert Wynne), este inclusive, a mostrar-se mais um cafetão do que um manager de banda de Rock, pela maneira com a qual lida com as groupies do Forever More, e claro, a usufruir de suas benesses sexuais, igualmente.

Então a banda sai em turnê e Suzy não participa desta vez. Ela passa a perambular por Londres, quando encontra um Hippie com o qual envolve-se (“Pogo”, interpretado por Robert D’Aubigny). Há uma curiosa cena onde ambos entram em uma igreja e o rapaz tem o impulso em subir ao púlpito e proferir um discurso inflamado. Um rapaz que estava ali dentro a meditar, sai e chama a polícia, que logo prende o rapaz, sob a suposta alegação de perturbação da ordem, mas logo a seguir, ele é liberado na delegacia. Entretanto, por uma fatalidade do destino, “Pogo” é atropelado e morre tragicamente. Suzy vê-se sozinha, novamente. 
De volta a conviver com a banda, Forever More, ela segue a rotina a entregar-se sexualmente; prestar serviços domésticos e ser maltratada, normalmente e como em “Groupie Girl”, tais sutilezas certamente são mostradas a criticar o machismo inerente. 

Em “Groupie Girl”, isso é mais acentuado e em “Permissive”, percebe-se que o foco, no entanto, foi buscar a mesma temática por um ângulo ligeiramente diferente, ou seja, a mostrar o sexo, mais acentuadamente, para provocar o choque como reflexão ao espectador. Tanto que o filme obteve uma classificação mais rigorosa, ao ser considerado “erótico”, até mesmo para o usuário do YouTube, que precisa estabelecer o “Login” para poder acessá-lo e confirmar dessa forma, ter mais de 18 anos de idade para assisti-lo.
Daí em diante, vem uma sucessão de cenas fortes nesse sentido, porém mescladas aos aspectos mais ligados à rotina da banda, com cenas de ensaios; shows ao vivo e gravação em estúdio, que aliás, são boas, se consideradas as condições dessa produção, para os padrões da época. E sobre a música em si, além do som da “Forever More”, vemos e ouvimos também o som de duas bandas igualmente obscuras da cena britânica de 1970, mas muito interessantes: “Titus Groan” e “Comus”. Portanto, entre as três, o som apresenta bastante qualidade, ao exibir um misto entre o Blues-Rock, Hard-Rock, Folk-Rock e o Rock Progressivo, pela vertente mais experimental, quase a esbarrar no “Space-Rock”. 

Portanto, bem condizente com algumas das múltiplas vertentes que estavam em voga, fortemente no Reino Unido, nessa época. Vale muito a pena assistir, também por essa questão sonora. E certamente pelo aspecto do figurino, absolutamente incrível para todos, rapazes e moças, a mostrar que o Rock foi e na verdade, a revelar-se como uma outra realidade muito distinta do que veio a tornar-se nas décadas posteriores, mediante deturpações odiosas.
Ao final da história, após brigas generalizadas, eis que Suzy encontra a sua ex-amiga, Fiona, no banheiro de um quarto de hotel, onde a banda está a evadir-se, mergulhada em meio ao seu próprio sangue, visto que cortara os seus pulsos com a intenção deliberada de não mais viver. Suzy tem uma atitude blasé em apenas olhar tal cena e fechar a porta para abandoná-la, sumariamente, enquanto ela desfalece. E naturalmente que tal metáfora tem várias conotações, ao mostrar a total efemeridade dessa vida vazia e isso refere-se tanto para Suzy, quanto para Fiona, em seu ato suicida.
Lançado em 1970, com roteiro por Jeremy Greg Dryden. Produção por Jack Shulton. “Permissive” foi dirigido por Lindsay Shonteff, um canadense radicado na Inglaterra e que notabilizou-se por assinar filmes com baixo orçamento, notadamente películas com teor erótico. “Permissive”, assim como “Groupie Girl”, teve apoio de groupies da vida real, em termos de assessoria para escrever-se o roteiro. Chocou a sociedade em sua época, 1970, naturalmente pela temática. Hoje é uma peça documental interessante para a reflexão histórica e tem o mérito em conter uma representação muito boa da atmosfera desse período, embora com uma carga deveras melancólica, por força das suas circunstâncias.

Foi lançado em versão DVD, apenas em 2010 (existe no formato Blue Ray, igualmente), e é encontrado em sites de vendas virtuais. Desconheço sobre cópias dubladas ou com legendas em português, no entanto. Porém, mesmo para quem não domine o idioma inglês perfeitamente, e sobretudo sob o sotaque e gírias britânicas da época, mesmo assim, creio que não terá problema para entender bem os diálogos. Mesmo por que, as situações falam por si só. E existe a disponibilidade no YouTube, todavia só acessível para maiores de idade, por conta da sua classificação como filme erótico.
Esta resenha foi escrita para fazer parte do livro: "Luz; Câmera & Rock'n' Roll, e encontra-se alojada em seu volume II, a partir da página, 29

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

Filme: Shake; Rattle and Roll - Por Luiz Domingues


O fenômeno do Rock and Roll ainda não estava bem entendido na metade dos anos 1950, aliás, bem longe disso e por diversos fatores. Na questão meramente musical e também no âmbito cultural em geral, mostrava-se ainda imprecisa qualquer tentativa para classificar de onde vinha e o que representava, realmente. Percebia-se que nascera de uma então improvável fusão entre a música dos “negros” com raízes no Blues e a música dos “brancos", sob a égide da Country Music. 

Ora, algo muito vago, visto que tanto o Blues quanto a Country Music, são árvores frondosas com inúmeras ramificações e cujas respectivas raízes não são espontâneas por si só, visto que o Blues é derivado de antigas tradições africanas que também adaptaram-se às influências dos colonizadores europeus em algum momento da história e a música Country, idem, por ser o resultado de múltiplas miscigenações oriundas de diversas matizes da música folk europeia e esta, por sua vez, também recebera em algum momento a carga da música  do Oriente Médio ou do extremo Oriente. 

Posto isso, há o aspecto sócio/comportamental que o Rock trouxe como uma bagagem extra ao espectro do mundo cinquentista, expresso notadamente pela questão da dança e nesse sentido, todo o conservadorismo puritano das sociedade norte-americana, sobretudo, chocou-se e preocupou-se em demasia, visto que pela compreensão da opinião pública da época, tal dança mostrava-se escandalosa, portanto inapropriada para ser empreendida pelas ditas “pessoas de bem”. E naturalmente que os pais preocuparam-se muito em ver os seus filhos a empolgar-se com tal modismo que se dependesse deles, seria passageiro, e certamente que não foi apenas a questão da suposta lascividade da dança que os preocupou, mas um outro componente muito detestável esteve em jogo, a envolver o racismo explícito, pois tal segmento da sociedade inconformou-se em ver que seus filhos estavam a gostar da música de um outro segmento racial do qual nutria-se um preconceito terrível. Enfim, uma questão pesada mas que, no entanto, tal mote ao constituir-se em uma questão pesada, no entanto, tal mote deu margem a uma abordagem cinematográfica sob extrema ingenuidade, através do filme : “Shake; Rattle and Roll”, lançado em 1956.

Dirigido por Edward L. Cahn, a história gira em torno de um Disk Jóquei (Garry Nelson, interpretado por Mike Connors), que promove um programa de TV, em que artistas tocam Rock e jovens dançam na pista. A ideia é promover um clube, que seria o “Teen Town Concert”. 

Tudo vai bem, com jovens empolgados pelos concursos de dança e artistas a tocar ao vivo, mas a ala retrógrada assiste pela TV e irritada, conspira contra. Idosos revoltados assistem a aparição pela TV e revoltados, prometem mobilizar os setores conservadores da sociedade, a envolver incluso a polícia e a justiça, para tirar do ar o programa e não deixar o clube em questão prosperar.

Ocorre que a despeito de ser um tipo de atitude abominável em favor do retrocesso, não é possível nutrir raiva desses idosos, pois são absolutamente caricatos em sua composição enquanto personagens, portanto, as cenas que protagonizam são risíveis, ao melhor estilo do humor besteirol. As suas falas e trejeitos exagerados causam riso, ainda mais ao vermos o filme com esse enorme distanciamento histórico, isso sem contar a dose de canastrice envolvida, visto que até na época do seu lançamento, os críticos alertaram sobre tal fator, em diversas resenhas publicadas em jornais e revistas. Entre as pérolas que destilam em seus diálogos, eis algumas, em relação ao que achavam do programa; da atuação dos jovens a dançar e da música, sobretudo: “revoltante”, Isso é uma moda que vai passar”, “nojento”, “juventude corrompida” (o que prova que isso vem de longe, vide o que usou-se para acusar, julgar e condenar o filósofo, Sócrates, na antiguidade grega) etc.

Então, imbuídos da vontade de destruir tudo, os idosos vão à luta e usam métodos não recomendáveis, até, mas reitero, é tudo encenado de uma forma absolutamente ingênua, mesmo em cenas mais pesadas a envolver cenas mediante brigas generalizadas, ao lembrar os filmes dos irmãos Marx, ou para comparar-se a um exemplo brasileiro, às chanchadas da produtora Atlântida, por coincidência, uma contemporânea dessa produção cinquentista.

Daí em diante, seguem-se mais cenas engraçadas, como por exemplo quando a senhora mais virulenta da turma conservadora que entra na pista de dança por conta de seu antiquado chapéu espalhafatoso ter caído e ao tentar apanhá-lo no piso, é envolvida na dança dos jovens; além do seu marido que está a apoiar a cruzada moralista, mas quase não disfarça que fica alucinado pela beleza das garotas jovens. 

Bem, as sabotagens ocorrem e a imagem do Disc-Jóquei, é arranhada, vide as manchetes de jornais a denegri-lo como um agente da perversão e também por insinuar-se que comete-se orgias regadas a Rock’n Roll nos bastidores do salão etc.

Vem um julgamento a seguir, transmitido ao vivo pela TV e os conservadores usam todas as ferramentas para arruinar, via condenação, o DJ e o seu programa. Surge como argumento, até um pianista clássico e uma bailarina, que apresentam-se na corte para “provar” que a cultura tradicional é superior, mas tudo vem abaixo quando o próprio pianista toca o mesmo tema erudito sob arranjo "Boogie-Woogie" e um casal de dançarinos, Rock’n' Roll, dança e provoca histeria no salão. 

Porém, a prova cabal aparece, quando descobre-se um velho filme proveniente dos anos vinte, quando jovens dançavam o “Charleston”, um ritmo que em sua época também fora vilipendiado por ter sido supostamente um agente da corrupção da juventude nessa ocasião, e identifica-se a senhora Georgiana Fitzdingle (interpretada por Margaret Dumont), a mais contundente das senhoras opositoras, a dançar em frenesi, quando fora jovem.

Desmascarada a hipocrisia, o clube de Rock’n' Roll, triunfa. É bom registrar-se que Margaret era na ocasião, uma veterana comediante e que participara com destaque em alguns filmes dos Irmãos Marx, nos anos trinta, portanto, tinha o dom e o tom da comédia.

Um dado adicional, o termo “square”, que no Brasil também foi bem usado pelos jovens nas décadas de sessenta e setenta, é proferido em profusão no filme, a designar pessoas mais velhas que mostram-se obsoletas em seus valores. Trata-se do popular, embora hoje em dia esquecido, “quadrado”, na tradução literal. 
E a parte musical da película, é sensacional, pois em meio à trama e às piadas propostas, é um luxo ver um artista do calibre de Fats Domino e a sua banda a tocar e cantar. Canções como “I’m Love Again”, “Honey Chile”e “Ain’t That a Shame” são pérolas  de seu repertório e que valorizam demais o filme. Tem também, Big Joe Turner, um artista ligado ao Blues, com números tais como “Feelin’ Happy”, “Lipstick-Powder and Paint”, “The Choker”, “Rock Rock Rock”, “Sweet Love of my Mind” e “Rockin’ on Saturday Night”. O famoso saxofonista, Choker Campbell, toca na banda de Big Joe Turner e a cantora, Anitta Ray, canta: “Slum Teen”.

Em relação ao elenco, houve também destaque para os atores: Lisa Gay (como Julia Fitzdingle), Sterling Holloway, como Albert “Axe” Mcllister, Douglass Dumbrille, como Eustace Fentwick III, Raymond Hatton, como Horace Fitzdingle. Além do também famoso, DJ Tommy Charles, que atua como ele próprio, em meio à trama. E muitos outros atores de apoio.
A crítica não recebeu o filme na época, ao tratá-lo como uma obra menor e isso é compreensível dada a sua produção "classe B", no tocante ao orçamento; fragilidade no argumento e atuação dos atores em tom de "pastelão". E mesmo a parte musical, que é o ponto forte, sem dúvida alguma, não contava com a simpatia da mídia conservadora da ocasião, daí a tratá-la com o seu devido desdém, nada velado, uma pena. O que importa, no entanto, é que trata-se de um documento vivo dos primórdios do Rock, em meio ao calor da efervescência cinquentista, portanto, por isso e pela ótima música que contém, é claro que vale a pena utilizar um pouco mais de setenta minutos de sua vida, amigo leitor, para assisti-lo. 
Escrito por Lou Russof. Produzido por Alex Gordon e James H. Nicholson. Dirigido por Edward L. Cahn. Foi lançado em abril de 1957. 

Tal filme deteve um resultado de bilheteria razoável, na ocasião e ainda nos anos cinquenta, já estava a ser exibido na TV, com muitas reprises. Passou bastante em mais reprises ao longo dos anos sessenta, onde inclusive eu tive o prazer em assistir pela primeira vez. E paulatinamente pôs-se a sumir da grade televisiva, já a partir dos anos setenta e só teve sobrevida com canais da TV a cabo, especializados em filmes vintage. Foi lançado nos formatos VHS e DVD, mas eu não tenho certeza sobre a existência em formato Blu-Ray. Na Internet, a sua cópia na íntegra e gratuita, encontra-se com tranquilidade no You Tube, nos dias atuais de 2020.

Esta resenha faz parte do livro: "Luz; Câmera & Rock'n' Roll", e encontra-se disponível em seu volume II, a partir da página 24