A história está recheada por exemplos de
empreendedores que sem recursos, foram ignorados, retumbantemente. Pior que isso, são os boicotes e
sabotagens perpetrados pelas ditas “forças ocultas” sempre prontas a atrapalhar
a vida de pessoas humildes que só desejam melhorar a vida da coletividade, seja
lá em que área for, da arte à ciência.
Não é preciso recuar muito no tempo
para que lembraemo-nos do exemplo de Preston Tucker, um empresário que ousou criar
uma linha de automóveis com tecnologia e desempenho econômico muito maior do
que os bólidos criados pelas montadoras tradicionais, e a maneira pela qual ele foi
esmagado pelo “trust”, e com a conivência vergonhosa do poder público mancomunado.
No Brasil, sob uma escala menor, mas
semelhante, Amaral Gurgel fez o mesmo, e nesses termos, o automóvel que ele criou, o “Gurgel”, que prometia
baratear o custo da absurda tabela com a qual a indústria automobilística
trabalha no Brasil, foi duramente combatido até chegar à extinção. Não adianta ser ingênuo, uma pessoa sem
recursos e sobretudo sem influência no mundo corporativo e político, quando
tenta lançar algo que beneficie a população, mas quebra os interesses dos
poderosos, é duramente atacada, até a extinção de seu intento.
Talvez não contasse com isso, devido à
sua popularidade que era grande na década de sessenta, mas infelizmente, o
comediante, José de Vasconcelos foi mais uma vítima do boicote que toda
formiguinha cheia de boas intenções, sofre da parte dos mastodontes que julgam-se como os donos do mundo...
José de Vasconcelos entrou para a
história do humorismo brasileiro, por ter sido uma dos precursores do estilo,
“Stand Up Comedy”, no país.
Foi também o primeiro humorista
nacional a explorar o filão dos LP’s, ao fazer sucesso com discos gravados ao
vivo de suas apresentações em tom de "Stand up", ou seja, os famosos discos de piadas.
Atuou com muita contundência na TV;
teatro e cinema, ao criar personagens hilários. Além de ser um bom artista performático, como ator /comediante; era também um bom redator de humor, ao criar o seu próprio texto, e acumulou com
muito sucesso a produção de seus espetáculos, ao dar-lhe uma certa tarimba
empresarial para lidar com o show business.
Nos anos sessenta, ele estava muito famoso
e graças à sua habilidade empresarial própria, adquiriu uma segurança
financeira excelente e rara entre artistas brasileiros que tendem a “torrar”
todo o dinheiro obtido em tempos de bonança na carreira, e quando a decadência bate na
porta, ficam à míngua.
Por volta de 1964, Vasconcelos viajou aos Estados
Unidos e teve um “insight” em sua mente, quando visitou o parque Disney. Em uma época em que não havia parques
temáticos no Brasil, e a “Disneyland” exercia uma capacidade enorme de
admiração e deslumbramento no imaginário terceiromundista do brasileiro médio,
Vasconcelos vislumbrou uma possibilidade rara. Daí em diante, a ideia cresceu em seu íntimo, e a usar de seu caixa pessoal, comprou um terreno gigantesco na cidade
de Guarulhos, localizada na região metropolitana da grande São Paulo, com mais de um
milhão de metros quadrados.
A sua ideia foi criar um parque temático
ao estilo Disney, com diversas atrações, mas a garantir um toque de brasilidade,
naturalmente, ao aproximar-se de nosso espectro cultural, e não a imitar o padrão
americanizado de Walt Disney. Em sua concepção, Vasconcelos sonhava
com brinquedos coletivos de última geração; atrações náuticas para aproveitar o
lago artificial que ambicionou construir; piscinas, restaurante & lanchonete;
um cinema ao estilo Drive-in; teatro; maquetes gigantes de cidades brasileiras;
e uma linha de trem, que circularia pelo parque inteiro, para transportar os seus
visitantes em meio à todas as atrações disponíveis.
Esteve muito empolgado com o seu plano e julgou
que ganharia facilmente a simpatia das autoridades pelo empreendimento, assim
como de empresários que entrariam juntos em seu sonho, a disponibilizar robustas verbas como
patrocínio etc. Como receita extra, também criou um plano
de inclusão de sócios, no esquema semelhante ao de um clube socioesportivo.
Mas o tempo passou e sem nenhum
apoio, ele não recebeu apoio e assim, foi a investir as suas economias pessoais, e além de ter desembolsado uma
fortuna pela aquisição do terreno, bancou igualmente todo o trabalho de terraplanagem e
construção das instalações básicas iniciais, e o dinheiro simplesmente pôs-se a acabar, sem que
nenhum apoio de fora o ajudasse. Nessa altura, o projeto de seu parque mostrava-se engavetado nas repartições públicas. Ninguém da Embratur empolgara-se
com a ideia de um parque temático ser construído no Brasil, a revelar uma falta de visão
e empenho, impressionante.
Procurou-se então o apoio estrangeiro, quando Vasconcelos visitou
grupos empresariais alemães e japoneses, mas ambos desistiram de fechar a parceria
quando viram que a estrada de acesso para o parque não era pavimentada, e o
governo não apresentara nenhum projeto para providenciar tal melhoria na infraestrutura pública adjunta. Então, Vasconcelos apelou para a sua
fama pessoal como artista. Ao viver um auge de popularidade, compareceu em tudo quanto é programa de TV, para
falar de seu projeto.
Entre 1968 e 1970, principalmente,
lembro-me em vê-lo a explanar sobre o seu Parque, e o quanto os seus olhos brilhavam, quando empolgava-se em falar sobre planos nesse sentido. Ele exibia maquetes e até plantas arquitetônicas para
explicar a sua realização.
Eu, como criança na época, convencia-me
facilmente que seria sensacional, e mal via a hora do Parque ficar pronto e
aberto ao público, a funcionar a todo vapor e ao mesmo tempo, achava exótico
vê-lo a falar sério, visto estar acostumado a enxergá-lo somente como comediante,
a estabelecer as suas expressões faciais tresloucadas, para marcar a sua interpretação de seus tipos
malucos.
Simultaneamente, ao perceber que nem o
governo, nem a classe empresarial o ajudavam, Vasconcelos aproveitou um bom
momento na Bolsa de Valores e vendeu papéis de seu parque em construção, o que deu-lhe um pequeno respiro financeiro, mas na gangorra ingrata que é o mercado
de ações, claro que durou pouco esse alívio e a sua situação tornou-se um pesadelo a posteriori.
No início dos anos setenta, com a falta
de recursos e apoio, Vasconcelos começou a enfrentar também o descrédito, e a
galhofa dos maldosos de plantão. Muita gente insatisfeita com a demora
do parque em materializar-se integralmente, e com um título de sócio em mãos,
começou a reclamar.
Concomitantemente, os maldosos por
ofício, começaram a lançar pilhérias que espalharam-se no ar, como pólen. Ao ridicularizar-se o sonho de Vasconcelos,
toda uma gama de piadas de péssimo gosto tratou em criar no imaginário
público, a ideia do fracasso. Até a escolha do nome do parque caiu na
berlinda, ao ser objeto de piadas sobre o caráter “megalomaníaco” de seu
significado. Pior ainda que isso, uma culpabilidade
odiosa, ao dar-se a entender que a Vasconcelândia fracassara pela incompetência pessoal de
José de Vasconcelos.
Pura intriga maledicente, pois
Vasconcelos deu todo o seu empenho e recursos pessoais para o empreendimento
lograr êxito e se não deu, foi por absoluta falta de apoio. Inacabado, o parque manteve-se com
muita dificuldade, e sub-aproveitado, pois a locação para eventos particulares
tornou-se a única solução para cobrir as suas despesas operacionais mínimas. Casamentos; festas de aniversário;
congraçamento de funcionários de empresas, enfim, o subaproveitamento da área. Até que o terreno (e os seus poucos
equipamentos disponíveis), foi vendido para uma empresa de panificação
industrial, que o mantém até os dias atuais.
Vasconcelos nunca mais foi o mesmo.
Mesmo ao haver mantido uma boa sobrevida como comediante, ao ingressar no time da
“Escolinha do Professor Raimundo”, de Chico Anysio, nos anos noventa, a sua
frustração com a não concretização de seu parque temático, o amargurou até seus
dias finais, em 2011, quando partiu para o descanso definitivo. Anos depois de ser ironizado e até
tachado como um Quixote ingênuo, os parques temáticos vingaram no Brasil. Beto Carrero World; Playcenter; Parque
da Mônica; Parque da Xuxa, e tantos parques aquáticos pelo país inteiro...
José de Vasconcelos não merecia ter sido
ironizado daquela forma.
Empreendedor criativo, a sua intenção fora
a melhor possível e no afã em fazer acontecer, gastou as suas economias pessoais e
desgastou o seu prestígio como artista ao lutar sozinho contra os moinhos de
vento. O seu pecado ? Não ter sido milionário e
sobretudo, não fazer parte dos conluios odiosos. Em meu imaginário pessoal, fica a minha admiração por
ele ter sonhado, e lutado pelo seu sonho.
Matéria publicada inicialmente no Site / Blog Orra Meu em 2016