É a primeira que vez que elaboro uma resenha póstuma e não
posso deixar de registrar que ao ouvir o trabalho em questão, fiquei dividido
entre a tristeza e a alegria. Parece bem óbvio o que quero exprimir, mas acho conveniente
deixar bem claro para não dar margem alguma à interpretação errônea da parte do leitor. É o seguinte: alegre por ouvir um trabalho ótimo que mostra-se consistente enquanto peça
artística; bem gravado, executado, arranjado e com muita expressividade.
Todavia, triste por ter que constatar que trata-se de um trabalho póstumo da
parte de um artista de primeira linha que deixou-nos há muitos anos atrás e não
há sentimento de resignação que suplante a ideia de que ele nos faz falta, e o
ideal seria que estivesse entre nós, a atuar e criar, sem parar.
Ivo Rodrigues no QG de sua banda nos anos setenta, "A Chave". Acervo e cortesia de Carlos ("Carlão") Augusto Gaertner
Falo sobre, Ivo Rodrigues, um artista com muitos atributos, por ter sido um cantor com incrível poder de interpretação e qualidade na voz, mas também um ótimo instrumentista e sobretudo, um compositor de mão cheia. Ivo foi um dos principais nomes do Blues e do Rock paranaense, de todos os tempos, tendo feito história em duas bandas seminais daquele pujante estado sulista, e que estão na história do Rock Brasileiro: “A Chave” e “Blindagem”.
Com "A Chave", foi um desbravador ao lado de seus valorosos e talentosos companheiros de jornada, mediante a construção de um currículo em numa época onde as dificuldades foram enormes. Falo dos anos setenta, onde o Rock não era reconhecido na grande mídia e por haver como agravante a ditadura em voga no país, nada simpática aos "cabeludos em geral", digamos assim, e mais um dado, ao acrescentar o fato de ser uma banda fora do Eixo Rio-São Paulo, portanto, com menos oportunidades ainda.
Mesmo assim, A Chave fez muito em sua carreira, ao colocar-se com méritos no panteão do Rock Brasileiro, onde deixou o seu legado inquestionável. Tenho uma lembrança pessoal muito boa, por ter visto a banda ao vivo uma vez, no Teatro Bandeirantes de São Paulo, no hoje longínquo ano de 1977, e apesar da distância temporal elástica, a minha recordação sobre, A Chave, é muito querida, no sentido de ter reconhecido naquele palco, uma banda vigorosa da escola do Blues-Rock e que em nada ficava a dever para bandas similares de origem norte-americana ou europeia, em geral.
Ivo Rodrigues impressionava por seu vozeirão, ao centro do palco e oa seus colegas eram igualmente ótimos, caso dos grandes, Carlos Gaertner no baixo; Orlando Azevedo na bateria e Paulo Teixeira na outra guitarra.
Já na década de oitenta, Ivo Rodrigues foi fazer parte de uma outra banda paranaense de muita categoria. Eis que ele integrou o “Blindagem”, que manteve a velha pegada Blues-Rock, mas essa banda teve mais chances, por estar a atuar em uma época onde a mídia deu abertura para o Rock e na vácuo de artistas que chegaram ao estrelato mainstream, o Blindagem escreveu uma história tão forte quanto A Chave, artisticamente a falar, porém, com maior alcance ante as circunstâncias externas mais favoráveis.
E mais uma lembrança boa, de cunho pessoal, quando eu fui componente oficial da Patrulha do Espaço entre 1999 e 2004, tive o prazer de tocar ao vivo, uma música e até a gravado (versão ao vivo extraída de um show realizado em 2004, mas que está disponível no CD coletânea: “Aventuras Rockeiras no Século XXI”, lançado em 2016), de autoria do Ivo em parceria com os seus companheiros d'A Chave, que a Patrulha do Espaço gravou e incorporou ao seu repertório (“Vampiros”).
O Rolando Castello Junior, baterista e único remanescente original desde a fundação da Patrulha do Espaço, sempre citou o Ivo com muito carinho, a enaltecer as suas qualidades artísticas, mas igualmente a falar bem dele, como pessoa. Não o conheci pessoalmente, mas baseado nesses depoimentos que ouvi da parte do Rolando, formulei a melhor imagem possível de sua pessoa. Segundo o Rolando (e eu acredito nisso, mesmo por que, a obra artística deixada pelo Ivo, confirma tal preceito), ele era um Rocker genuíno, “um dos nossos”, na acepção do termo. Mas eis que a finitude humana o chamou muito mais cedo do que esperaríamos e assim, Ivo Rodrigues deixou-nos muito precocemente em 2010, para abrir uma lacuna irreversível, digo com pesar.
Já em plena época de amizades construídas através das redes sociais da Internet, eis que fiquei amigo da viúva de Ivo, Suka Rodrigues, que falou-me muitas coisas sobre a obra de Ivo e o legado todo, sobre a sua atuação com “A Chave” e “Blindagem”, a parceria com o poeta, Paulo Leminski e a sua própria parceria com ele, visto que Suka também é uma poetisa. Como se não bastasse, um dos filhos do casal (Ivan Rodrigues), é um grande músico nos dias atuais e envolvido igualmente na produção musical.
Para incrementar ainda mais, estreitei amizade com o excepcional baixista, Carlão Gaertner, que foi companheiro de Ivo, n’A Chave. Aliás, tive um grande prazer em entrevistá-lo no meu Blog 2, onde ele fez um relato impressionante sobre a sua trajetória na música, e claro, quando cita a sua passagem pela “A Chave”, mencionou a persona de Ivo Rodrigues muitas vezes, e eu convido o leitor a procurar tal relato impressionante, uma verdadeira aula sobre a história do Rock e do Blues do Paraná, mediante o link abaixo:
Bem, eis que em 2017, esforços foram empreendidos e um
álbum com material inédito do grande, Ivo Rodrigues é anunciado e a minha amiga,
Suka Rodrigues, enviou-me gentilmente uma cópia para a minha apreciação. Logo que mirei a
capa e vi a foto em close-up de Ivo a cantar diante de um microfone, já senti a
força do intérprete sensacional que ele foi em vida (foto aliás, do Ivo a atuar com A Chave ao vivo, em 1975).
Bastava colocar o CD no aparelho de som para constatar o que já fora presumível, ou seja, trata-se de uma bela coleção de canções de sua autoria (nem todas, tem uma do compositor italiano, Vasco Rossi), sendo a maioria, somente dele, e algumas com parcerias. O nome do disco é o mesmo de uma canção do álbum, e revela uma verdade implícita: “O Velho Homem do Folk”. É isso mesmo, Ivo era Rocker e bluesman por natureza, mas esse lado “Folk” também caía-lhe bem enquanto compositor e cronista do cotidiano. Tal trabalho foi gravado em algum momento do primeiro semestre de 2009, em um estúdio caseiro, segundo consta na ficha técnica do álbum, mas apresenta um áudio muito bom em minha avaliação, para dignificar a memória de Ivo e a se constituir, portanto, em um item vital na coleção de quem o admirava pela sua atuação nas bandas em que foi componente. Trata-se de uma compilação com nove canções muito interessantes, para fornecer um alento aos seus fãs, carentes, desde que ele deixou-nos.
Bastava colocar o CD no aparelho de som para constatar o que já fora presumível, ou seja, trata-se de uma bela coleção de canções de sua autoria (nem todas, tem uma do compositor italiano, Vasco Rossi), sendo a maioria, somente dele, e algumas com parcerias. O nome do disco é o mesmo de uma canção do álbum, e revela uma verdade implícita: “O Velho Homem do Folk”. É isso mesmo, Ivo era Rocker e bluesman por natureza, mas esse lado “Folk” também caía-lhe bem enquanto compositor e cronista do cotidiano. Tal trabalho foi gravado em algum momento do primeiro semestre de 2009, em um estúdio caseiro, segundo consta na ficha técnica do álbum, mas apresenta um áudio muito bom em minha avaliação, para dignificar a memória de Ivo e a se constituir, portanto, em um item vital na coleção de quem o admirava pela sua atuação nas bandas em que foi componente. Trata-se de uma compilação com nove canções muito interessantes, para fornecer um alento aos seus fãs, carentes, desde que ele deixou-nos.
Logo na primeira canção, homônima ao título do disco, matamos a saudade do velho Ivo, a ouvir sua voz potente, com aquela verdade implícita na sua maneira de interpretar. Sim, o “O Velho Homem do Folk” vive em sua poesia imortal. Senti um verdadeiro híbrido, no ótimo sentido da palavra, entre o Folk norte-americano e o Folk sulista do Brasil e na prática, mesmo não sendo um musicólogo a prestar um parecer técnico bem embasado, tenho em mente que a música Folk é igual em qualquer lugar do planeta, em sua essência e o que muda, na verdade, são as nuances étnicas & culturais de cada região/nação. Gostei muito dessa canção com arranjo simples, porém muito feliz no uso de violões, banjo, baixo e bateria. Tem também uma boa intervenção de gaita e a voz do Ivo está muito límpida no tratamento de áudio dessa produção, ao usar-se o mínimo de processamento, e assim a privilegiar o seu timbre e emissão natural. Ivo canta:
"Quanta saudade vou deixando / sonhos de infância, rancho e banjo...pra saber que a resposta vem com o vento / pra saber que a resposta vem como vento".
“Inspiração” (em parceria com Luiz Rettamozo), é uma faixa deliciosa. Lembrou-me o trabalho da banda gaúcha, "Almôndegas", nos anos setenta. Aquele sentido do Folk-Rock que é raro, para não dizer inexistente nos dias atuais, infelizmente.
É muito bom o passeio de slide-guitar nesta faixa. Nada mais silvestre e de fato, inspirador.
“Vento”, a terceira faixa, traz um bom arranjo de piano em perfeita sincronia com os violões. Apreciei os backing vocals, muito pertinentes. Ivo investe na delicadeza poética:
"Vento, ouço você chamar / Folhas caem dos teus olhos"...
“Diga-me Onde Mora”, a faixa seguinte, é um Country-Rock muito bom. Gostei bastante dos vocais, da condução da boa "cozinha" (baixo e bateria), e mais uma intervenção criativa do slide-guitar. Senti-me a ouvir um bom disco dos "Byrds"; "Quicksilver Messenger"; "Flying Burrito", enfim, essas e outras tantas bandas norte-americanas sessentistas e muito boas, que praticavam essa seara rural do Rock.
“Típicos” (em parceria com Raymundo Rolim), é um Blues, ao estilo “slow”, belíssimo. Gostei de tudo nessa faixa, a começar pelo órgão com pegada Hammond; guitarras, e mais uma condução perfeita de baixo & bateria. Ivo arrebenta com o seu vozeirão.
A letra é forte, a investir na crítica ao comportamento humano em sociedade, mas com elegância, sem nenhuma apelação, o que é notável, visto que tem muito artista que deseja enveredar por tal tipo de denúncia sócio-comportamental, mas apela para grosserias que beiram a raiva recôndita, através dos seus recalques pessoais que tais. Não foi o caso dessa letra, que tratou tal questão com uma maior classe. Eis um exemplo:
"Que essa gente maltratada pela vida / é tão jovem e tem suficiente idade pra morrer de tédio pelas ruas da cidade / sem direito ao sorriso ou ao juízo"...
A próxima canção, “Comigo não tem Vacilo”, é a mais balançada do álbum. Tem muito do R’n’B e da Soul Music e também agradou-me bastante os belos desenhos melódicos executados pelo violão.
“Voyeur Amigo” é uma parceria com sua esposa, Suka. É um reggae
em linhas gerais, pelo arranjo a apresentar as típicas acentuações em contratempo, mas é
ao mesmo tempo, Pop, com vocação radiofônica. E no texto, contém um teor erótico, como sugere o seu
título, no entanto, com bom gosto, sem passar do ponto.
A penúltima música chama-se: “Vivendo por Dois”. É um blues em tese, mas contém nuances do R’n’B e do Rock’n" Roll cinquentistas, ao longo do seu desenrolar. Gostei bastante do piano e do belo solo de guitarra, com timbre limpo, provavelmente advindo de uma Fender Stratocaster, pelo seus estalos de harmônicos bem agudos, um fator belo, por sinal.
O disco encerra-se com “Vida Gozada”, em uma versão bem "Classic" Folk, mesmo, com voz e violão, apenas. Trata-se de uma versão da música: “Vita Spericolata”, do excelente compositor italiano, Vasco Rossi, que o Blindagem já havia gravado em disco de estúdio e também fora apresentada posteriormente em meio a uma versão grandiloquente, com apoio de uma orquestra sinfônica, ao vivo e com Ivo Rodrigues a estabelecer uma linha de interpretação, de arrepiar. Aqui, apesar desta versão ser bem mais comedida no seu arranjo, a interpretação é também, belíssima. É o tipo de faixa que não dá para ouvir e simplesmente desligar o CD Player, mas que pede mais uma nova audição, pelo menos.
Para sintetizar, “O Velho Homem do Folk” é muito mais que uma bela homenagem ao saudoso, Ivo Rodrigues, mas um sopro de vida, por revelar-se como um verdadeiro presente que ele ofereceu-nos, tantos anos depois de sua partida. Ao ouvi-lo, fica a certeza de que Ivo Rodrigues vive e continua a ser um artista que tem o que dizer, e muito bem dito.
A capa do álbum é sóbria e o encarte segue o mesmo padrão. A foto de Ivo a cantar ao vivo, é dos anos setenta, no tempo em que ele atuava com A Chave. O uso de uma matiz de verde musgo profundo, mesclou-se à foto em preto e branco, de forma magnífica. Remeteu-me ao aspecto silvestre do campo, às raízes camponesas, portanto tudo a ver com o conceito do menestrel “folk”.
Gravado em estúdio caseiro - 1º semestre de 2009
Direção musical a cargo de Ivo Rodrigues e Neto Nonino
Técnico de gravação e pré-mixagem: Neto Nonino
Mixagem : Neto Nonino; Charlie e Claudio Thompson
Mixagem final: Neto Nonino e Ivo Rodrigues
Mixagem da música “Vida Gozada” : Alberto Rodriguez Ovelar
Masterização: Virgílio Milléo
Foto: Nelida Kurtz Retamozo
Projeto gráfico: Bruno Pianaro Souto
Produção Geral: Rafael Martins e Ivan Rodrigues
Prefácio do encarte: Sandro Moser.
Selo independente, com apoio da Prefeitura Municipal de
Curitiba / Fundação Cultural de Curitiba
Ivo Rodrigues: Voz & violão
Músicos convidados:
Neto Nonino: Violão/banjo/guitarra
Rodrigo Panzone: Baixo/teclados
Vander Ferreira: Bateria
Bene Chireia: Gaita
Paulo Teixeira: Guitarra
Charlie Thompson:
Violão/guitarra/teclados
Claudio Thompson:
Percussão
Christopher Michael:
Teclados
Gerson Marçal: Baixo
Agradeço à Suka Rodrigues, pelo envio de uma cópia do álbum.
Para conhecer a trajetória completa de Ivo Rodrigues, consulte o site: "Nave dos Deuses". Abaixo, os links da sua discografia básica:
A Chave:
Blindagem:
"O Velho Homem do Folk", de Ivo Rodrigues, na íntegra:
Ivo Rodrigues no Wikipedia: