O “Bugs” é uma banda formada no início dos anos dois mil (2002, para ser específico), em Natal, Rio Grande do Norte e que desde o começo das suas atividades, se mostrou comprometida com um trabalho versado pelo Garage Rock sessentista em essência.
“Je Suis um Révolutionnaire” foi o seu primeiro registro fonográfico, lançado no mesmo ano, mas logo a seguir, o grupo preparou uma versão revista e aumentada a acrescentar mais faixas em 2003 e assim, se chegou a esta revisão do primeiro trabalho, doravante denominado apenas como “Bugs” ou seja, a se caracterizar como um disco homônimo.
Neste caso, tal trabalho foi realizado mediante a formação da banda na época, centrada em um “Power-Trio”, a conter os seguintes componentes: Joab (bateria), Paolo (baixo e voz), e Denilton (guitarra).
A confirmar o que eu já citei anteriormente, a sonoridade é o Garage Rock de sabor sessentista como referência principal, mas no bojo das influências, outros estilos derivados e/ou contemporâneos se mostram presentes, como o Acid-Rock, a psicodelia, experimentalismo, Rock’n Roll visceral e que tais.
No próprio release presente no encarte do disco, os membros do “Bugs” deixam tal premissa muita clara, inclusive a citar artistas sessenta-setentistas do Rock e da MPB que admiram e a acrescentar influências ótimas advindas do cinema e da literatura, ou seja, um conteúdo de alto quilate que essa banda demonstra possuir com sobra.
Por falar em literatura, as letras se mostram muito interessantes, com poesia bem condizente com os poetas que eles cultuam e citam no release e de fato, eu apreciei a verve poética apresentada nas composições.
Sobre a arte gráfica da capa, a opção pela pintura abstrata a predominar tons de azul é bem bonita e a parcimônia a conter apenas o nome da banda (e homônimo ao título do álbum), certamente foi bem colocado por uma questão de coerência e ao mesmo tempo, praticidade.
No encarte, a presença das letras é muito salutar, porém, nota-se uma ficha técnica modesta, que poderia conter mais dados sobre a produção em si. Para compensar a falta de mais informações sobre o álbum, há a inserção do release a conter uma breve biografia do grupo e mais duas ilustrações a tornar esse aparato gráfico, mais atrativo.
O “Bugs” mudou de formação tempos depois e se tornou um quarteto, lançou mais discos, participou de festivais em várias partes do Brasil e ganhou prêmios em reconhecimento ao seu trabalho, eu devo acrescentar.
Sobre este primeiro trabalho, é preciso esclarecer que a concepção da banda em termos de áudio, foi optar pelo som cru, sem muito tratamento de áudio, propositalmente no sentido da banda soar como uma Garage Rock dos anos sessenta e nesse sentido, a questão da psicodelia a ser realçada forçou uma mixagem com a voz obscurecida pelo instrumental de uma maneira geral.
Nesse caso eu penso que há beleza embutida no tratamento de voz desse áudio a conter um reverber profundo, exatamente para buscar a alma sessentista mais próxima do som das bandas de garagem.
Tal opção foi criticada por alguns jornalistas na ocasião do lançamento, no entanto, eu penso que neste caso, apesar de haver gerado uma certa dificuldade no tocante à inteligibilidade das letras em termos de dicção, a banda privilegiou o conceito como forma de demarcar a sua expressão inspirada nessa estética sessentista e difusa por natureza.
Portanto, pode parecer contraditório se as letras são comprovadamente poemas criativos que precisam ser bem escutados, no entanto, o apoio das letras impressas no encarte, supre tal necessidade, ao menos em tese (pois é, e quem não tem o encarte do disco em mãos?).
Sobre as músicas, cabe trazer à baila mais algumas considerações:
“Náuseas”, a primeira faixa, mostra uma linha de baixo agressiva a lembrar o The Who nos seus primórdios e tanto é assim que na sua parte final há espaço para uma digressão extensa e expressiva. Já na sua letra, há ecos do poeta Augusto dos Anjos como influência, ao menos na minha percepção pessoal, quando se diz:
“Perpetuando um gozo lúdico e apodrecendo/ Tudo isso é uma sátira moral digerida a leite”.
“Laydee” investe no efeito do “looping” psicodélico como condução base e a sustentar a melodia dividida em sua métrica de uma maneira criativa.
Mais uma vez a se mostrar inspirado na poética, a banda destila trechos como:
“Dentre suas gengivas cintilantes ofuscam meus olhos morgados ao encontrar-se com o sol”
“Bella Kiss” lembra bastante o trabalho de bandas sessentistas como o “The Music Machine”, “The Seeds” e “The Chocolate Watchband” com um tipo de vibração peculiar nesse sentido. O solo de guitarra insano (em alguns momentos a se mostrar duplo), reforça tal sentimento.
“Passageiro Feliz” lembra muito os primeiros trabalhos dos “Mutantes”, com uma linha melódica bem feliz e muitos elementos psicodélicos, incluso o som "fuzz" de guitarra, tão característico da verve sessentista.
“Perfume Noturno” é um Rock visceral que remete ao trabalho do grupo norte-americano, “MC5”, sem dúvida alguma, mas é compreensível que na percepção dos ouvintes mais modernos ou no mínimo de quando esse disco foi lançado, em 2003, tenha sido classificado como “Stoner Rock”, “Indie-Rock” ou “Proto-Punk”.
“Olhos Nervosos” também investe forte no efeito “looping” e tem como reforço os vocais onomatopaicos que ornam a boa melodia defendida pelo vocalista, Paolo.
É interessante a reflexão proposta na sua letra:
“Seria como seus olhos/Revelassem as palavras/Pensando em Fugir?/Pensando em Fugir?”
Gostei do bom uso do wah-wah pela guitarra e também da dinâmica empregada ao final, além da estranheza proposital inserida para encerrar o tema.
“Vida Conjugada” é puro “Pink Floyd na sua fase “Barrettiana” pela sua constituição. A harmonia com bastante incidência de passagens cromáticas, muito wah-wah na guitarra, vocais a buscar o som pop “bubblegum” mas com bastante aspereza melódica a propor o contraste e muito experimentalismo agregado a elementos “Jazzy”, que também soma muito bem para formatar a loucura explícita e muito bem-vinda.
“Edgar”, a próxima faixa, é bem Rock’n’ Roll e soa mais moderna a grosso modo, mas na prática, também tem a sua raiz vintage. Neste caso, é inevitável não pensar nos trabalhos solo de Lou Reed e Iggy Pop no início dos anos setenta, ao ouvir esta música.
“Doce Avenida” é a nona faixa, e se inicia mediante uma declamação amparada por um arpejo de guitarra, além da base de baixo e bateria fincados sob um certo sentido Blues-Rock. O apoio do Backing vocal é bastante incisivo como contribuição e lembra bastante o trabalho de grupos sessentistas versados pela psicodelia britânica de Canterbury.
“Je Suis un Révolutionnaire” é na verdade uma vinheta rápida e certamente que denota o apreço da banda pela “Nouvelle Vague”, Jean-Luc Godard e os fatos ocorridos em maio de 1968 em Paris como uma expressão de vanguarda revolucionária. Experimentalismo é o que não falta nessa faixa, sem deixar de mencionar a sua contundência acentuada.
“Leite de Estela” tem a declamação como um recurso ao início do tema e mediante uma batida bem tribal na bateria, gera uma tensão interessante. E assim, a música avança, com intervenções de guitarras melódicas e simultaneamente com ruídos não usuais para causar um efeito de contraste bem criativo.
Em sua letra, destaca-se um verso como amostra:
“Cante pra mim no deleite das horas mortas/Na excelência cardíaca e descompassada essa canção triste e epilética”...
O Bugs ao vivo, porém com uma formação diferente, como quarteto, algum tempo depois do lançamento do primeiro álbum aqui resenhado. Click: Rafael Passos
“Mantra 9” (“Kraftablack”) é a décima segunda faixa e tem uma proposta mais atual em sua sonoridade ao insinuar a música eletrônica pós-anos 1990.
E para encerrar o disco, há uma segunda versão de “Laydee”, com uma sonoridade sutilmente diferente a sugerir uma nova mixagem feita sob outros parâmetros de áudio.
Em suma, o "Bugs" fez um bom trabalho de estreia, ao elencar muitos aspectos salutares em sua obra e a se destacar a sua opção explícita, ou seja, a se basear na estética dos anos 1960 como um farol a ser seguido e também na boa elaboração das letras a denotar o apreço desses artistas pela poesia mais sofisticada.
Ouça o álbum “Bugs”, homônimo da banda, através desse link do YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=xiyEdFORpK8
(agradeço ao canal de Luiz Felipe Medeiros no YouTube, que contém o álbum em sua íntegra para a audição)
Gravado, mixado e masterizado no Ícone Studio de Natal-RN no segundo semestre de 2003
Técnico de áudio (captura): Vlamir Cruz
Técnicos de mixagem: Joab e Vlamir Cruz
Arte de capa e encarte: Bugs
Arranjos e produção musical: Bugs
Produção geral: Bugs
Gravadora Mudernage
Lançamento: 2003
Formação do Bugs nesse álbum:
Joab: Bateria
Paolo: Baixo e voz
Denilton: Guitarra
Para conhecer melhor o trabalho do Bugs, acesse:
Site Muzplay:
https://www.muzplay.net/musica/bugs
Site Wiplash:
https://whiplash.net/materias/cds/003462-bugs.html
Last.FM:
https://www.last.fm/pt/music/Bugs/+wiki