terça-feira, 14 de dezembro de 2021

Filme: Get Crazy (Na Zorra do Rock) - Por Luiz Domingues

Este filme nasceu em torno de uma ideia interessante, no entanto, o tom proposto em torno da comédia, tratou por arrasar a intenção inicial que foi nobre, em tese. Pior ainda, a estética visual usada pela direção de arte, mediante o predomínio do conceito “kitsch”; extremo histrionismo adotado pela atuação dos atores profissionais e/ou amadores a atuar, o texto mal elaborado e direção equivocada, foram itens negativos que somados, depõe contra a obra. Pois então, sobra alguma coisa para ser considerada positiva? Sim, existe algo de bom neste filme, embora seja realçado sob uma proporção ínfima.
 
Primeiro ponto : algumas piadas são engraçadas, não todas, portanto, poder-se-ia ser levado em consideração o fato desta película ser considerada uma comédia escrachada e assim, diminuir-se-ia bastante qualquer grau de exigência dos críticos regulares de cinema e principalmente em relação ao público Rocker em suas expectativas mais detalhistas. Nesse aspecto, é preciso ser bastante paciente ao considerar também, que trata-se de uma produção concebida nos anos oitenta, portanto, pelo fato do Rock em si, vivia-se uma Era pautada pelo vilipêndio ideológico ao passado do próprio gênero. Já pelo fator cinematográfico propriamente dito, a expansão de um tipo de comédia nesses termos, ou seja, a privilegiar o pastelão exagerado, estava em alta voga, portanto, foi baseado em tais premissas que o filme foi produzido. Segundo aspecto: há uma trilha sonora que mesmo que não seja considerada espetacular, pelo menos minimamente preserva o filme do desastre total, ainda bem.
Qual teria sido então a nobre intenção que motivara a criação da obra, e que eu mencionei no início da resenha? Pois o diretor, Allan Arkush, detinha uma cultura Rocker/contracultural em sua formação pessoal e mais do que isso, fora um ex-funcionário do auditório Fillmore East, nos idos do final dos anos sessenta e início dos setenta. Como cineasta, também contabilizava o fato de ter iniciado a sua carreira como membro da equipe de produção do diretor, Roger Corman, este, um especialista em cinema de terror, mas que nos anos sessenta, tivera uma interessante incursão ao cinema contracultural, ou seja, lidar com Freaks, foi algo que Arkush acostumara-se desde a década de sessenta. Allan Arkush, portanto, teve como intenção ao propor filmar, “Get Crazy”, prestar uma homenagem aos auditórios Fillmore (East e West), capitaneados pelo grande empreendedor contracultural, Bill Graham. 
Que ótimo, tais teatros foram importantíssimos para a história da contracultura, principalmente para o Rock e demais vertentes musicais derivadas e paralelas, naqueles anos de ouro. Nada mais nobre, portanto, ao trazer à baila uma homenagem para essas casas que tanto contribuíram para a música, contracultura, Rock & afins. No entanto, infelizmente, eis que todos os fatores negativos que eu arrolei anteriormente somaram-se, e assim, com tal carga, ficou inviabilizado que a tal boa intenção do diretor, Allan Arkush, fosse honrada.
E a história, do que trata-se afinal de contas, o “Get Crazy?”Bem, o Teatro Saturn vai produzir um show de Rock com vários artistas para celebrar o Reveillon de 1982. No entanto, apesar de estar desde 1968, nas mãos de um abnegado curador, paira a ameaça dessa concessão ser encerrada e nesse ínterim, um mega investidor (e que seria um alienígena com péssimas intenções), oferece uma quantia irrecusável para comprar o teatro, quando o dono fica possesso pelo assédio e tem um ataque cardíaco. Eis que o sobrinho e virtual herdeiro desse maioral, não tem o mesmo apego ao estabelecimento e rapidamente mostra-se propenso a aceitar a oferta. Todavia, como ainda não poderia tomar sozinho tal decisão, fica combinado de que até a meia noite, portanto, antes do ano de 1983, iniciar-se oficialmente, esse sobrinho teria que fazer com que o seu combalido tio assinasse o contrato para celebrar a venda.
Nesse ínterim, a produção para o show de reveillon mostra a contratação dos artistas convidados e rende algumas boas piadas, se analisado pelo lado estrito do humor, entretanto, se a intenção foi homenagear a  instituição dos auditórios Fillmore, desaponta qualquer Rocker com uma mínima consciência de sua importância na vida real, pois tudo é tratado como se fosse um programa de humor popular da TV. Feita a ressalva, se o espectador não ofender-se, pode até rir como se estivesse a ver um programa humorístico sem compromisso com nada mais do que proferir-se asneiras a esmo.
 
O filme segue, com o sobrinho mal-intencionado que arquiteta uma sabotagem, ao mandar instalar uma bomba no auditório e através da tragédia, obter a sua sonhada vantagem. Bem, se fosse um episódio do desenho animado: “Corrida Maluca” e isso fosse a meta da maquiavélica dupla de malfeitores formada por Dick Vigarista & Muttley, creio que não incomodaria nenhuma criança até o limite dos sete anos de idade, todavia, usar isso como mote para um filme, mesmo sob a égide do humor escrachado, realmente foi algo bem forçado, convenhamos. 
Então, foi isso, a ação toda transcorre em torno desse dia 31 de dezembro de 1982, entre os preparativos para o show, as sinistras ações de sabotagem e as loucuras perpetradas por artistas temperamentais ou lunáticos contumazes.
 
E o elenco musical é bem dispare, pois apresenta desde um Bluesman tradicional (admito que é hilária a estupefação do artista ao descobrir que será acompanhado por uma banda temática, toda inspirada no judaísmo), uma banda a celebrar o Rock oitentista em voga, regida por todos os signos da New Wave, um cantor britânico desengonçado e a exibir uma espécie de Hard-Rock Pop oitentista, pleno em clichês, um punk completamente ensandecido a mostrar-se um revoltado em tempo integral, um conglomerado de Hippies anacrônicos, devidamente ridicularizados (ao seguir a praxe oitentista), e finalmente, um cantor/guitarrista solo que é temperamental e arredio, que devido ao trânsito, chega atrasado e faz a sua apresentação após o show ter sido encerrado.
Ainda a falar sobre essa parte musical, a parte do Bluesman é um dos pontos altos do show (e do filme, acredito), apesar do clima em tom de sátira, proposto em geral. Bem, tratou-se de Bill Henderson um cantor de respeito no mundo do Blues e do Jazz, e que interpretou, o cantor: “King of Blues” (inspirado em BB King?) . A despeito das piadas, a parte musical soa bem, pois dois blues de respeito são tocados, com as releituras de Blues clássicos de autoria de Muddy Waters e Willie Dixon, respectivamente.
 
Em relação ao grupo New Wave, todo modernoso, a cantora, “Nada”, foi interpretada por Lora Eastside, que de fato cantava no grupo oitentista, “Kid Creole and the Coconuts (este por sua vez foi um grande inspirador de Julio Barroso no Brasil, quando tal finado artista criou a sua: “Gang 90 e as Absurdettes”). No filme, tal grupo é um pastiche ao estilo de grupos reais em voga, tais como: B52’s; Go-Go’s; Bangles etc. 
E para piorar tudo, tal grupo recebe como convidado especial, o truculento punk a simular estar sob ataque epilético crônico, chamado como: “Piggy” e que foi interpretado por um vocalista punk de fato e que na vida real não tinha um comportamento muito diferente, na figura de Lee Ving, que atuava com a banda Punk, LA Fear... que medo...
Sobre os hippies, segundo consta na sinopse do filme, a intenção foi homenagear uma banda sessentista verdadeira, o “Strawberry Alarm Clock”. O líder da banda fictícia, foi interpretado por Howard Kaylan, ninguém menos que um dos vocalistas do bom grupo sessentista da vida real, “The Turtles” e também com passagem pelo “Mothers of Invention” de Frank Zappa. No filme, ele interpretou o seu personagem a seguir a caricatura proposta, como o “Hippie Stoned” a não falar nada inteligível, bem naquela perspectiva pela qual o do humorismo em geral, enxergava o movimento Hippie, vide o personagem, “Lingote”, criado por Chico Anysio.
Reggie Walker foi o tal cantor inglês fictício e aqui pareceu que a intenção da produção foi satirizar, Ozzy Osbourne. Sujeito um tanto quanto fora do prumo, digamos assim, foi interpretado pelo bom ator britânico, Malcolm McDowell, e em certas cenas a conter insinuações sexuais (orgias com groupies e a conversar com o seu próprio pênis, quando sob efeito de LSD), Malcolm pareceu ter ficado a vontade para dar continuidade à linha de interpretação em que concebera o personagem do Imperador Romano, Calígula, que ele havia recém lançado nas telas de cinema. 
Caricato, principalmente nas cenas do show ao vivo (ele cantou de fato, e com a sua voz bem desafinada, só aumentou a canastrice de sua interpretação), isso só reforçou a ideia de que esse filme buscou o humor, mas passou do ponto. Outra presença surpreendente, ocorreu com o baterista do The Doors na vida real, John Densmore, que interpretou o baterista da banda do cantor, Reggie e o seu personagem proporciona uma cena ridícula ao fazer um solo de bateria, e abusar da sua comicidade duvidosa. Designado como o personagem, “Toad” (sapo), é difícil acreditar que tenha sido ele mesmo a participar ali, ao considerar-se o quanto era sisudo ao atuar com o The Doors, na vida real. Tomara que tenha divertido-se, pelo menos, em filmar tal cena constrangedora.
E para fechar as considerações sobre a parte musical, Lou Reed interpretou o tal cantor/guitarrista solo e mal-humorado, chamado “Auden” (inspirado em Bob Dylan, mas convenhamos, muito mais nele mesmo, ora, ora). Reed, como “Auden” toca e canta sozinho, “Little Sister”. 
Bem, de confusão em confusão, a tal bomba culmina em explodir bem no colo do vilão mor, o teatro salva-se e o Hippie defendido por Howard Kaylan (designado como “Captain Cloud”), comanda um número final a envolver todos os demais artistas e o público junto, a cantar o clássico tema de reveillon nos Estados Unidos : “Aulde Lang Syne” e assim dar a boa vinda para o ano de 1983.
Quando o filme estreou nas salas de cinema, eu não fui vê-lo. Parece algo preconceituoso de minha parte, mas a julgar pelas críticas que eu havia lido na imprensa, à época, eu senti que tratava-se de uma bobagem que não mereceria ser paga para assistir-se. Só assisti quando entrou na grade da TV, bem depois e constatei que eu fizera bem em não ter gasto o meu dinheiro. Sei que muitas vezes as opiniões do críticos profissionais da grande imprensa não podem ser levadas à risca. Tem muita idiossincrasia a conspurcar as análises que deveriam ser isentas e técnicas, em tese, eu sei disso, porém, acho que desta vez eles avaliaram corretamente.
Tal obra saiu em formato VHS, ainda nos anos 1980, mas não consta que tenho sido lançado em formato DVD, posteriormente. Foi bastante exibido na grade das TV’s abertas nos anos oitenta, mas em horários mais avançados, pois a despeito de ser uma comédia baseada no besteirol total, as cenas a conter nudez e insinuar sexo e uso de drogas, impossibilitaria a exibição na “Sessão da Tarde”. 
 
Na TV fechada foi programada para ser exibido nos canais especializados em filmes humorísticos, e também é fácil para acessá-lo no YouTube.
Atores tarimbados participaram desta comédia. Além dos que já citei, vale acrescentar: Alen Garfield (Max Wolfe), Daniel Stern (Neil Allen), Gail Edwards (Willy Loman), Miles Chapin (Sammy Fox), Ed Begley Jr. (Colin Beverly, o vilão), Stacey Nelkin (Susie Allen), Clint Howard (Head Usher) e outros. Direção de Allan Arkush e lançado em agosto de 1983.
O diretor, Allan Arkush a cumprimentar um bizarro personagem do filme: Get Crazy
 
Para encerrar, há por destacar-se que uma tarja aparece ao final para agradecer a equipe de produção do auditório “Fillmore East”, que durante o período entre 1968 e 1971, proporcionara ao diretor, Allan Arkush, as boas memórias que este acumulou durante a sua convivência. Sei que passou muito tempo, mas Arkush ainda está vivo e deveria produzir um filme, ou no mínimo um documentário para honrar tal memória, visto que esse “Get Crazy” foi tudo, menos um tributo à altura do Fillmore East.
 
Esta resenha está publicada no livro: "Luz; Câmera & Rock'n' Roll e está disponível para a leitura em seu volume II, a partir da página 174.