Fundada em 2009, a Confraria Fusa é uma banda que apresenta dois pilares básicos em sua forma de ser: a abrangência musical ampla em seu rol de influências e a preocupação com a poesia, haja vista que o seu fundador e compositor de todas as músicas, é o guitarrista Paulo Sá, que também é um homem das letras, a se mostrar como um experiente redator, diagramador, revisor e acima de tudo, escritor e poeta.
Portanto, apenas por tal credencial, a banda já despertaria a atenção, de uma forma natural, como um trabalho a conter substância musical e literária.
No campo das influências, a banda declara o seu apreço pelo Rock, Blues e MPB. Tais árvores frondosas contém inúmeros galhos, portanto, a Confraria Fusa tem um rol de possibilidades gigantesca para estabelecer a sua criação e forjar a sua identidade própria, por conseguinte.
Na prática, ao ouvir o trabalho da banda, são nítidas as influências citadas no cômputo geral e dessa forma, o som que produz tem o balanço da MPB em sua brasilidade, talvez não escancarada, mas sutil e também a raiz do Blues bem delineada, além de interação com o Rock em diversas nuances, a se destacar o espectro do Soft-Rock setentista mais sofisticado, com apuro harmônico e no quesito dos arranjos. E sim, o Rock’n’ Roll in natura acontece, há a porção R'n'B e até mesmo o Pop-Rock com um certo apelo radiofônico e assim, o trabalho flui de uma forma agradável.
O guitarrista, cantor, compositor e poeta, Paulo Sá. Foto: Carlos Monteiro
No campo das letras, Paulo Sá afirma receber influência de Ferreira Gullar, Augusto dos Anjos, Walter Franco e Ronaldo Bastos, mais efusivamente, segundo ele mesmo deixa claro.
Ora, falamos sobre quatro poetas de estilos bem distintos entre si, portanto, é nessa riqueza de referências que ele buscou a sua criação própria, ao misturar o messianismo esotérico de Walter Franco em conluio com as metáforas sombrias de Augusto dos Anjos. De Ronaldo Bastos, certamente ele absorveu o apreço pelas questões existenciais mais profundas, a esbarrar no aspecto sociopolítico e de Ferreira Gullar, o prazer pela crônica do cotidiano, de uma forma livre, leve e solta, ou seja, exatamente como alguém que caminha pela rua, observa tudo ao seu redor e extrai conclusões precisas, mediante uma análise muito bem executada do ambiente social.
O álbum “De Suma Importância” traz doze canções bem compostas, arranjadas e gravadas, a garantir uma audição prazerosa da parte do ouvinte. Em termos de formação, neste disco a banda se apresenta apenas como um trio, apoiado por alguns músicos convidados, embora normalmente se apresente como um quinteto em suas apresentações ao vivo.
Sobre o trabalho de capa e encarte, eu gostei da ilustração principal a destacar um sapato feminino ao estilo “scarpin” ostensivamente colocado sobre a escala de uma guitarra e a ter como fundo, um tecido de seda azul. Ou seja, foram usados elementos alegóricos a insinuar sofisticação, leveza, feminilidade, sensualidade e musicalidade, portanto algumas das impressões que delineiam bem a intenção da obra criada pela banda.
No encarte, todas as letras estão disponíveis e não poderia ter sido de outra forma, ao se levar em consideração que tal quesito literário é de suma importância para com o trabalho, mediante o devido perdão pelo trocadilho a envolver o próprio nome do disco.
Há também a presença de fotos do trio básico de músicos envolvidos na gravação e da esposa de Paulo Sá, a sua musa inspiradora e assim, se trata de uma bela homenagem para quem lhe apoia incondicionalmente. E se apresenta igualmente a foto do seu cão de estimação, um amigo fiel e que mereceu a deferência, certamente. Além da ficha técnica bem enxuta mas sempre necessária para qualquer disco.
Sobre as canções, cabem mais algumas observações.
“Nada Além do Tempo” abre o álbum e traz em sua formulação a presença do Blues-Rock acelerado, em nuances de mudanças bem acentuadas no seu decorrer, o que faz com que a música soe vibrante como um todo e instigante ao mesmo tempo por apresentar uma diferenciação acentuada entre as suas partes no quesito rítmico, ao misturar uma parte com balanço no padrão da escola R’n’B.
Gostei da linha melódica, interpretação, arranjo geral, timbres e do solo de guitarra bem melódico.
Na letra, a divagação existencial se faz presente com imagens muito interessantes através da formulação do jogo de palavras. Destaco um trecho:
“Além do nada, o princípio/extremo sentido é nada/o beijo na boca é nada/nada além de um coração mudo”
A segunda música é: "À Espera” e é bem clara a sua influência em torno do estilo Country-Rock. Gostei bastante da sua vibração e do bom uso do slide a garantir colorido para a canção.
Terceira faixa, "Silêncio” é mais um Blues-Rock acelerado e com forte apelo dançante. Gostei bastante da linha melódica e das intervenções da guitarra.
Em sua letra, a reflexão sobre o silêncio é muito rica ao analisar tal recurso sob diferentes prismas. Acho que é cabível que eu reproduza a letra por completo, neste caso:
“Silêncio! Peço silêncio! Um momento que seja/um instante ao menos/silêncio! Quero silêncio!/eu berro pros cantos/aos longínquos recantos.
Pra ruminar/pra refletir/pra matutar/pra deglutir
Silêncio!/traço silêncio!/eu decreto segredo/dos ruídos do medo/silêncio!/faço silêncio!/uma hora me escondo/noutra logo me encontro
Só pra pensar/só pra sofrer/Só pra chorar/só pra morrer/No silêncio me silencio e penso!”
“De Suma Importância” se apresenta como um R’n’B super balançado. Com a cozinha a observar o “groove” em alta potência, presença de um órgão Hammond bem executado e percussão, a música ganhou um apelo dançante irresistível. E vai além ao apresentar uma bela linha melódica.
“Espero que Você Esteja Aí”, trabalha com uma linha tênue e muito interessante entre o Blues, o Folk-Rock e a MPB. Trata-se outrossim de uma balada rica em sua harmonia e melodia. Gostei das duas partes, a amena e a mais intensa, além do belo solo de guitarra, econômico e melódico na dosagem ideal.
A letra trata sobre o aspecto da solidão e neste caso serve como um alento para qualquer pessoa que uma sinalização de apoio esteja próxima, mesmo que não exatamente de uma forma física da parte de alguém. Eis um interessante trecho da letra:
"Mas se você não estiver/me dê assim mesmo um alô qualquer/me acomode para que vier/só quero que você esteja aí".
A sétima faixa, se chama: “Fumaça“ e apresenta um som bem calcado no R’n’B de início dos anos setenta, com bonitas convenções de apoio e a se observar um balanço gostoso de ouvir.
“Fome” tem temática forte, como o título da canção sugere. No entanto, a sua base é alegre, mediante o uso do estilo do Country-Rock sob andamento acelerado. Entretanto, há uma parte desdobrada inclusa, para o ouvinte poder respirar e assim deslizar na melodia.
De fato, a letra traz a crítica sociopolítica como mote. Eis um trecho:
“Fome por onde passo/eu vejo fome”.
“Não Desperdice este Blues” honra as tradições do estilo ao apresentar um belo “slow blues”, bastante encorpado pelo arranjo. Gostei da melodia e interpretação da cantora, Silvia Figueiredo e também da atuação da guitarra
A nona faixa, “Passar por isso Nunca Mais” é muito saborosa ao trazer uma atmosfera entre o vaudeville e o swing vinte-trintista em essência, ou seja, uma tradição que as bandas de Rock das décadas de sessenta e setenta usavam muito, mas que infelizmente as gerações posteriores perderam contato. Dentro de uma metragem curta, a canção soa muito bem com esse sabor retrô delicioso.
“Saudade”, a décima faixa é um Rock bem setentista na sua concepção. O embalo é excelente, a música empolga desde o seu início. E sobre a interpretação, esta é muito boa da parte da cantora.
Gostei também da parte B, com antecipação de acento na divisão rítmica e um ótimo solo com o timbre mais sujo da guitarra.
O tema da letra versa sobre sonho, epifania e reflexão, a grosso modo. Veja um trecho:
“Não sonho, apenas durmo/nas rugas do lençol, simplesmente sumo!”
“Seja Breve" é a próxima canção e mais uma vez recorre ao Rock setentista a grosso modo. Gostei muito da melodia, com direito a uma parte B com um desenho melódico rico. Apresenta convenções interessantes também e boa participação da guitarra.
A faixa que encerra o disco, se chama: “Um Sax Para John Coltrane” e como o seu título explicita, a ideia foi homenagear o genial músico de Jazz, que entrou para a história como um dos maiores do gênero e inclusive a extrapolar as fronteiras do estilo.
É claro, a opção foi pela linguagem do Jazz e a banda executa muito bem o tema a evocar as suas tradições em termos de harmonia, divisão rítmica e arranjos individuais.
Na letra, há a construção de uma ode a conter a exaltação do gênero, ao serem citadas inclusive, nomes de músicas do artista homenageado, como por exemplo no verso:
“A love supreme in giant steps/bepbop in jazz versificam”.
Ao final, sobra o áudio de uma gravação original do músico citado, portanto, a homenagem se mostrou completa.
Para encerrar a minha reflexão sobre essa obra, afirmo que o CD “De Suma Importância” da banda “Confraria Fusa”, tem substância musical e poética, sob a égide do bom gosto, portanto, se trata de uma audição muito agradável, que eu recomendo.
Por enquanto, só existe uma música disponível para a escuta em plataforma “streamin”. Trata-se de: “Nada Além do Tempo”:
Eis o link para acessar:
https://paulosanet.com/wp-content/uploads/2019/08/Nada-Al%C3%A9m-do-Tempo.mp3
Gravado no estúdio Leonardo Giordano
Técnico de som e mixagem: Leonardo Giordano
Técnico de mixagem: Leonardo Giordano
Auxiliar de mixagem: Paulo Sá
Capa e encarte - criação: Marcos Puntel (estúdio Graf co Design
Capa e encarte - Lay-out: Carlos Monteiro
Fotos: Carlos Monteiro
Composições, letras e arranjos: Paulo Sá
Produção musical: Leonardo Giordano
Produção: PS Produções
Apoio: Sagitta Music
Produção geral: Paulo Sá
Formação da Confraria Fusa neste disco:
Paulo Sá: Guitarra, slide, vocais e percussão (palmas em “À Espera”)
Silvia Figueiredo: Voz e arranjos vocais
Zé Vicente Frascino: bateria
Músicos convidados:
Alex Bauer: Baixo
Leonardo Giordano: Bateria (faixas: “De Suma Importância” e “Um Sax para John Coltrane”), teclados (faixas: “De Suma Importância” e “Não Desperdice este Blues”) e percussão (palmas em “À Espera”)
Wagner Ferreira: Guitarra (solos nas faixas: “À Espera”, “Silêncio”, ‘Espero que Você Esteja Aí”, “Fumaça” e “Fome”.
Para conhecer melhor o trabalho da Confraria Fusa e também de Paulo Sá, acesse:
Site Palavras & Sons:
Facebook:
https://www.facebook.com/Confraria-Fusa-103239174489747
Canal do YouTube:
https://www.youtube.com/user/confrariafusaoficial/videos
Contato direto com a banda: