sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

Filme: FM - Por Luiz Domingues

Esse filme reflete diretamente o que o seu título sugere, isto é, uma trama construída a mostrar o ambiente cotidiano de uma emissora de rádio e o quanto tal espécie de órgão de imprensa foi (ainda o é, mas em menor grau de importância), um pilar da máquina arquitetada pela indústria fonográfica para gerar (muito) dinheiro. Filmes ambientados em estúdios de emissoras radiofônicas já existiam anteriormente e muitos outros seriam produzidos no futuro em relação à esta produção, é bom que se registre. 
 
No caso específico, deste “FM”, a ideia foi edulcorar o suposto engajamento idealista de uma emissora, inflamado por seus locutores a defender a ideia da minimização do espaço publicitário em prol de aumentar-se o tempo para a música e mais ainda, absolutamente livre de pressões exercidas por gravadoras, empresários e marqueteiros em geral, ou seja, a liberdade para executar-se o som de artistas a observar o talento de cada um deles, tão somente, como critério isento, baseado  na romântica ideia da meritocracia do artista. 
Bem, essa seria uma perspectiva ideal para um mundo justo, onde a arte fosse tratada livremente, sem nenhuma ação mafiosa em seus bastidores, no entanto, no mundo real e cruel em que vivemos, não é assim que o dito, “show Business” opera, isso é patente.
 
Bem, o filme “FM” tem os seus méritos, apesar da premissa irreal. De fato, qualquer órgão de comunicação que observa uma linha editorial engessada, imposta pela sua cúpula administrativa e coadunada com o sistema, pode contar eventualmente entre os seus quadros, com funcionários idealistas que não concordam com esse tipo de conluio vergonhoso, isso é um fato, daí ser injusto não observar a ressalva de que certos jornalistas/radialistas não são exatamente canalhas por trabalharem em órgãos com esse tipo de conduta não ilibada, mas apenas estão ali a preservarem os seus respectivos empregos, para pensar na subsistência de suas próprias famílias, ou seja, é no mínimo discutível colocar tais profissionais no mesmo balaio formado por dirigentes inescrupulosos e contumazes em sua ação predatória.
A história do filme é essa, em suma. Uma emissora localizada em Los Angeles (“QSKY” FM), ao final dos anos setenta, tem em sua gerência, um idealista, chamado: Jeff Dugan (interpretado por Michael Brandon). Ele comanda uma equipe de locutores com estilos diferentes de ação ao microfone, mas todos a mostrar-se bem à vontade para expressarem-se com autonomia e liberdade. 
Entre eles, é bom destacar, há o personagem: “Prince of Darkeness”, (interpretado pelo ator, Cleavon Little), que já havia participado de um outro filme muito importante dos anos setenta, o road movie, “Vanishing Point”, de 1971, onde tal personagem expressava-se ao vivo em uma emissora de rádio, para narrar a fuga espetacular pelas estradas norte-americanas, de um sujeito a bordo de um carro em alta velocidade). Aliás, eu recomendo muito tal filme, pois ele contém uma trilha sonora espetacular e também, algumas surpreendentes participações de artistas importantes da música a apresentarem-se.
A pressão na rádio QSKY, é para conter o ímpeto dos locutores idealistas que não querem aumentar o espaço publicitário proposto por sua cúpula e assim tocar-se mais músicas, e isso ocorre através de um agente infiltrado pelo dono da emissora, que ali foi colocado para sabotar a liberdade desses profissionais. Mais pesado ainda, é quando revela-se também, que uma pressão é exercida para que a emissora adotasse uma posição política, a defender os interesses do governo.
Bem, a despeito da trama mais pesada, a caracterizar o embate entre “bandidos & mocinhos”, o grande mérito do filme é obviamente a parte musical. É óbvio que a trilha sonora tem um peso muito grande, para garantir um bom verniz ao filme. Não apenas a trilha propriamente dita, mas as referências são muito boas no âmbito subliminar, igualmente, como por exemplo, os personagens a segurar em mãos, muitas capas de discos reais e importantes da época, os inúmeros posters de tais artistas em voga, devidamente pregados pelas paredes das instalações da emissora, ações de lançamento de discos e noite de autógrafos e um luxo, acredito, a interação direta com artistas, como por exemplo a cena sensacional onde o gerente da emissora vai pessoalmente a um show verdadeiro e também quando a emissora recebe um artista da vida real em seu estúdio, para uma entrevista. Nessa cena do show, é bom salientar que tratou-se de um ardil, pois o tal gerente transmitiu ao vivo o concerto, que na verdade era patrocinado por uma estação de rádio concorrente na trama.
 
Cabe um parêntese a mais, portanto, para descrever tais situações descritas acima. Nesse show mencionado, sem dúvida que foi um grande acerto para o filme, ter incluído cenas reais e muito bem filmadas desse show, pois essa iniciativa engrandeceu a obra. Vê-se portanto as atuações de Jimmy Buffet e sua banda, que é boa, mas sobretudo a apresentação de Linda Ronstadt, em espetacular forma artística e amparada por uma banda de primeira qualidade, com destaque para o guitarrista, Waddy Watchel. Já a cena de lançamento de disco, mostra os componentes do bom grupo, Reo Speedwagon,  e o astro presente em entrevista no estúdio, é o guitarrista/cantor e compositor, Tom Petty.
Há o lado do humor e também do amor, a costurar tal roteiro e assim, entre piadas & paqueras, o filme ganhou uma substância para sustentar a história com os seus devidos elementos análogos. É o caso do locutor que é o galã da companhia, Eric “Swan” (interpretado por Martin Mull), e que proporciona os momentos mais picantes do filme, por exemplo ao usar a sala da técnica da rádio para empreender as suas aventuras sexuais (claro que com tal perspectiva, automaticamente gerou-se a piada óbvia de uma de suas investidas com uma mulher ser revelada publicamente através do microfone da técnica, então aberto e a transmitir os ruídos inevitáveis pelo embate sexual, ao vivo no ar). 
Há também a interessante personagem chamada como: “Mother”, defendida pela experiente atriz, Eillen Brennan, que mostra-se como uma veterana no ramo e também, Doc Holiday, interpretado por Alex Karras, o locutor mais coadunado com o aspecto popularesco da emissora.
A trama atinge o seu pico quando os locutores rebelam-se contra a pressão exercida pelo seu mandatário e assumem uma resistência radical ao invadirem as instalações da emissora durante a madrugada e a iniciar-se assim, uma transmissão apócrifa, para denunciar a situação. Os ouvintes solidarizam-se ao lotar a rua em frente ao prédio onde localiza-se a emissora, para o total desespero de seus oponentes. A polícia é acionada e uma cena bem padronizada ao estilo do cinema norte-americano é montada para dramatizar ao máximo a situação. 
Por fim, o mandatário da emissora cede em sua determinação e para a estupefação de seus pares e da própria polícia, adere repentinamente à causa defendida pelos seus funcionários, os locutores rebelados, ao revogar a sua intenção inicial, para o delírio da massa que aglomerou-se na rua. Simples assim? Capitalistas convictos deixam de importar-se com dinheiro, em fração de segundos e saem abraçados com libertários amantes da música? Ora, absolutamente inverossímel, mas tudo bem, o filme vale a pena pela sua ótima trilha e inerentes insinuações sobre vários artistas da época.
Sobre a trilha, por sinal, a música tema é a canção “FM”, composta e gravada pelo excepcional duo, Steely Dan. Considero um luxo para qualquer filme, ter uma canção de Steely Dan como tema principal de abertura, pela evidente excelência musical praticada por tal grupo. Ouve-se também: Billy Joel, Eagles, Queen, Steve Miller Band, Boz Scaggs, James Taylor, Bob Seger and The Silver Bullet Band, Boston, The Outlaws, BB King, Joe Walsh, Foreigner, Fleetwood Mac, Neil Young, The Doobie Brothers Band e muitos outros. Em síntese, um rol de artistas da pesada a justificar plenamente que vale a pena assistir tal película somente por tal aspecto, independente de apreciar-se ou não a trama proposta.
Cabe destacar mais alguns atores do elenco, tais como: Laura Cox (a interpretar, Cassie Yates), Jay Fenichel (como Bobby Douglas), Tom Tarpey (como Regis Lamar, o espião lacaio), James Keach (como o tenente Reach), Jane Brandt (como Alice) e mais alguns. 
 
Uma menção super honrosa deve ser oferecida ao veterano ator, Norman Llloyd (como Carl Billings, o terrível magnata, dono da emissora). Norman, além de ter tido uma carreira enorme e ter falecido com incríveis 104 anos de idade (em 2014), ostentou um currículo artístico espetacular, a contar com inúmeros filmes importantes, entre eles, “Saboteur” e “Spellbound”, duas obras assinadas pelo mestre do suspense, Alfred Hitchcock. Em “Saboteur”, ele interpretou o personagem, “Fry”, o sabotador em questão, membro de uma organização secreta em prol do nazismo e a cena em que é desmascarado nesta obra e morre em seguida, tornou-se épica na história do cinema, ao despencar, literalmente, do alto da estátua da Liberdade, em Nova York.  
A recepção da crítica ao filme “FM”, à época, foi bem ruim. Alguns críticos melindraram-se, ao negar que os seus colegas radialistas sofressem tal tipo de pressão por parte dos executivos das emissoras, certamente ao afirmar por conseguinte, que a imprensa escrita também não sofresse com linhas editoriais pautadas pela política e interesses a ser defendidos pelos respectivos proprietários de órgãos de comunicação, ou seja, um autêntico recibo de culpabilidade.
Outros, ironizaram a quixotesca posição assumida por alguns personagens locutores da emissora retratada. Uma jornalista chegou a escrever em sua resenha : -“certo, pelo direito de tocar livremente o som "libertário" de Olivia Newton John”... isto é, uma ironia bem exagerada e munida por um desdém sob via dupla, visto que sim, Olivia fora uma artista incensada na ocasião (final de anos setenta em diante), e claramente a revelar-se descartável por sua obra musical insípida, mas neste caso, a jornalista quis usá-la para debochar do mote do filme e a desrespeitou por extensão.
 
Sob a produção de Randy Holston e escrito por Ezra Sacks, o filme teve um profissional da indústria fonográfica, como assessor para dar embasamento ao roteiro, na figura de Irving Azoff, que ao notar o rumo que as filmagens tiveram, arrependeu-se de sua colaboração e pediu para o seu nome ser retirado dos créditos, por temer uma possível retaliação via processo judicial, visto que poderia ficar nítida a semelhança da história com a vida real de algum radialista, isso sem contar que uma série de TV montada no mesmo molde (“MKRP”), também poderia sentir-se prejudicada com a existência do filme etc. e tal.
 
Com direção de John A. Alonzo, “FM” foi lançado em abril de 1978 e teve uma recepção morna do público. Infelizmente a obra caiu no esquecimento rapidamente por parte das pessoas em geral, talvez influenciadas pelas críticas negativas que foram publicadas. Está disponível em versão DVD, e passou timidamente pelos canais de TV a cabo e encontra-se no YouTube, à disposição para a audiência.
Esta resenha foi escrita espacialmente para fazer parte do livro: "Luz; Câmera & Rock'n' Roll" e está presente no seu volume II, a partir da página 231

segunda-feira, 19 de dezembro de 2022

Filme: The Runaways (The Runaways - Garotas do Rock) - Por Luiz Domingues

Eis aqui uma tentativa boa em empreender uma cinebiografia de uma banda, que se não foi uma mega estrela incontestável na história do Rock, ao menos teve o seu momento com razoável exposição, ainda que tenha sido curto e além disso, o artista retratado apresenta alguns méritos musicais e artísticos, sem dúvida. Falo sobre o grupo de Rock, The Runaways, que teve o seu início e apogeu na segunda metade dos anos setenta. 
Para início de conversa, não é correto afirmar-se que foi o primeiro grupo inteiramente feminino na história do Rock, pois outras bandas e inclusive bem mais consistentes, musicalmente a falar, já haviam construído carreiras robustas, caso por exemplo dos grupos: Pleasure Seekers, Ladybirds, Birtha e do Fanny (estas duas últimas bandas citadas, aliás, foram espetaculares e que perdoem-me os fãs das Runaways, mas não há termos de comparação). Isso sem deixar de mencionar que contemporânea do The Runaways, a banda britânica, Girlschool, também chamou a atenção nesse sentido (e com um som ainda mais pesado, no limiar do Heavy-Metal), e claro, Suzi Quatro não pode ser esquecida nesse bojo, embora fosse o caso de uma mulher a atuar com homens em uma banda unissex e nesse sentido, a lista é enorme de exemplos a serem citados, nos mesmos moldes.
Bem, The Runaways teve o mérito de ter sido formada por meninas muito jovens, é bem verdade. Ali na média entre quinze anos de idade, não posso deixar de dizer que a sua formação e ascensão não tenha sido meritória, certamente, mesmo com a proposta da banda em ater-se ao Rock mais básico, sem nenhum voo musical mais sofisticado. As meninas mostraram firmeza e foram para o palco com coragem, não é possível negar-se esse fato histórico e talvez resida aí o seu grande feito, além de ter revelado o talento individual das guitarristas, Joan Jett e Lita Ford, quando ambas obtiveram carreira solo mais sólidas, quando adultas, no decorrer dos anos 1980, em diante. 
Sobre o filme, existem algumas informações interessantes para embasá-lo. O primeiro ponto é a sua referência como roteiro, que deu-se com o livro autobiográfico da vocalista, Cherrie Currie, chamado: “Neon Angel” (The Cherie Currie Story). Outro ponto crucial para a elaboração do roteiro foi que a guitarrista, Joan Jett, tomou as rédeas dessa assessoria direta, ao assumir a produção do filme. Nesses termos, Joan manipulou bastante o roteiro, para contar a história em comum com as suas ex-companheiras, no entanto a valorizar a sua visão dos fatos e mais do que isso, diminuir bastante a importância das demais e por conseguinte, enaltecer acintosamente a sua presença na história da banda.
O terceiro ponto interessante, dá-se com a figura do empresário das Runaways, responsável pelo seu recrutamento; preparação para enfrentar as agruras de uma banda de Rock em início de carreira (sobretudo por tratar-se de meninas em meio a um mundo super masculinizado e misógino/sexista quase que inteiramente). Muito bem, esse empresário teve de fato esse papel na carreira da banda, mas no filme, ele não é retratado à altura de sua real importância, e quem não tem maiores conhecimentos da história do Rock, não tem como imaginar que o empresário, Kim Fowley, quando conheceu essas meninas, já acumulava muita história nos bastidores do show business, mundo fonográfico e radiofônico e fora empresário de inúmeros artistas expressivos. 
Para ir além, digo que Kim Fowley merece ter uma cinebiografia exclusiva e não ficar apenas restrito à imagem de um freak excêntrico que inventou as Runaways, como passa a sua imagem neste filme. Somente para resumir e não fugir do assunto, Kim era filho de atores Hollywoodeanos famosos (Douglas Fowley e Shelby Payne); foi assistente do famosíssimo radialista, Alan Freed, em 1959; atravessou os anos sessenta a produzir artistas (o mega sucesso Pop, “Papa-Oom-Mow-Mow” do The Rivingstones, foi uma de suas produções, por exemplo); trabalhou com Phill Spector e também com The Byrds, PJ Proby, The Lancasters, Cat Stevens, Frank Zappa and The Mothers of Invention, The Seekers, Soft Machine e já no avançar dos anos setenta, com Alice Cooper; Kiss e Leon Russell, portanto, a ostentar uma enorme profusão de trabalhos realizados.
Bem, o filme começa com um pequeno perfil de Cherrie Currie (interpretada por Dakota Fanning, a atriz prodígio), como uma fanática fã de David Bowie, a sonhar em imitá-lo. Ela pinta-se como como o Bowie retratado na capa do LP Alladin Sane e canta em um festival escolar a dublar a canção: “Lady Grinning Soul”, do grande camaleão britânico. Apesar de um pouco hostilizada pela petizada da escola, ela segue corajosamente em sua imitação singela. Joan Jett (interpretada por Kristen Stewart, desta feita a criar uma personagem bem mais forte do que a menina frágil da saga “Crepúsculo”, e que fica indecisa entre namorar um vampiro ou um lobisomem...), por sua vez, mostra-se bem mais agressiva, a usar roupas de couro e não ter vergonha de exibir a sua masculinidade recôndita em público e sendo assim, sonha em ser uma Rocker a la Suzi Quatro, com atitudes como cuspir na rua igual aos meninos e que tais. 
Joan toma coragem e aborda o empresário, Kim Fowley, a dar a entender que sabe de sua importância no meio, mas no filme, como eu já alertei sobre tal fato, essa informação não passa adequadamente como um dado histórico. Ela afirma-lhe que deseja tocar em uma banda de Rock, mas ele, apesar de certamente tê-la considerado como uma mera pirralha, gosta da sua atitude e lembra-se que conhece uma garota da mesma idade de Joan, que toca bateria e também quer formar uma banda, na figura de Sandy West (interpretada por Stella Maeve). Eis que o estopim foi acionado e Fowley (que é interpretado por Michael Shannon), passa a orientar as meninas e logo arruma uma segunda guitarrista e uma baixista. A banda encorpa, e só falta achar uma vocalista com voz, carisma & atitude para assumir a importante posição de "frontwoman" da banda. 
Nesse ponto, mais uma observação é importante: a guitarrista, Lita Ford (interpretada por Scout Taylor Comptom), é retratada de uma forma quase desrespeitosa na trama. Ou seja, Lita Ford parece uma componente secundária na banda, quando na verdade, na prática da vida real, foi a melhor musicista da banda e teve uma importância muito maior. No entanto, cabe explicar que por ocasião do lançamento do livro de Cherrie, Lita já havia protestado e quando o filme entrou em processo de produção, ela recusou-se a dar o seu aval, inteiramente contrariada com a forma pela qual seria retratada, baseada no que já lera no livro. 
E convenhamos, na vida real, Lita nutria muita insatisfação com as ex-companheiras, desde sempre. Outra questão, a baixista da banda, chamada no filme como: “Robin” (interpretada por Alia Shawkat), foi uma personagem fictícia a representar simbolicamente as várias baixistas que passaram pela formação real da banda. De fato, a primeira baixista, Susan Nancy Thomas, mais conhecida pelo seu apelido, “Michael Steele” (e que nos anos oitenta seria componente do grupo, também feminino, “The Bangles”), ficou muito pouco na banda. Jackie Fox veio a seguir e ficou mais famosa na formação “quase” original e a sua imagem é a que mais marcou nas fotos da banda, no tempo áureo da carreira. E outra garota, Laurie McAllister, figurou nos tempos finais da fase boa da banda, até 1979. Enfim, em meio a essa confusão que a banda teve em sua biografia oficial, a solução em inventar uma baixista fictícia para atuar no filme e passar despercebida na trama, foi mais uma maneira para jogar a história real para debaixo do tapete e assim, valorizar-se ainda mais as figuras de Joan Jett, em uma primeira instância e Cherrie Currie, posteriormente. 
Cenas engraçadas e perpetradas pelo nada convencional empresário, são boas para garantir a parte humorística do filme. A presença de um banda de garotos pré adolescentes e contratados por Kim Fowley para hostilizar as meninas durante o ensaio, é tratado como um treinamento pelo empresário, para supostamente preparar as meninas para a vida dura na estrada. Enquanto elas tocam, os garotos arremessam dejetos nojentos e as xingam, sem parcimônia.
Bem daí em diante, o filme segue o padrão de uma Rock cinebiografia tradicional, a mostrar os tempos iniciais difíceis e de fato, a tratar-se de uma marca comum para qualquer artista, salvo as raríssimas exceções. Alguns pontos interessante são mostrados, como por exemplo a primeira turnê com as meninas a sofrer todo o tipo de desconforto na estrada, a tocar em um circuito minúsculo; viajar com um carro comum e ter pouco apoio de uma equipe técnica semi profissional, tocar em espeluncas e claro, serem hostilizadas por serem mulheres, muito novas e inexperientes. 
Há uma passagem significativa quando brigam em um trabalho de soundcheck vespertino e são bastante intimidadas pela banda maior que seria o headliner da noite. Boatos dão conta de que essa banda possivelmente tenha sido o "Rush" na vida real, mas essa informação não é confirmada e convenhamos, pelo que conhece-se da biografia dessa boa banda canadense, não há em princípio, menção ao tal ocorrido e causa estranheza também, na medida em que os componentes desse Power-Trio canadense, são reconhecidos pelo padrão de educação pela qual tratam as pessoas em geral, em via de regra e por conseguinte não adotam o estilo de Rockers toscos.
Bem, o filme segue e advém a surpreendente ascensão e de fato, é compreensível que o som mais rude das Runaways tenha alcançado tal patamar de popularidade naqueles anos de 1977 em diante, de acordo com o enaltecimento da estética rude imposta pelo Punk Rock em voga. Isso fica claro quando as meninas parecem coadunar-se com os ventos que vieram da Inglaterra e soltaram os seus gritos em manifestação de ode aos "Sex Pistols" e sobretudo por conta das suas ideias em torno do Rock a ser relegado ao ultraje puro e simples. Que a verdade seja dita, as Runaways soavam muito melhor que os Sex Pistols, ao praticar um Rock bem cru, mas não deliberadamente mal tocado, portanto, muito mais próximo da sonoridade do "New York Dolls", um grupo contemporâneo seu.
A reboque, vem o deslumbramento, crises de ego, drogas & bebedeiras a granel e sim, sexo, incluso a prática homossexual entre componentes da banda (Joan e Cherrie), pois essas meninas não furtaram-se aos típicos excessos do mundo do Rock, somente por serem representantes do sexo feminino e muito pelo contrário, mergulharam com tudo nessas tentações hedonistas, todas.
Uma parte importante da carreira da banda é mostrada quando viaja ao Japão para uma turnê e lá, o sucesso delas mostrara-se retumbante. De fato, isso correspondeu à realidade, portanto, que bom que foi mostrado.
Entretanto, o ego falou mais alto e quando uma percebeu que poderia ganhar mais dinheiro do que as outras e não apenas pela questão musical, tudo arruinou-se. Cherrie era bonita (Lita, mais ainda, embora no filme essa faceta não seja realçada e creio que propositalmente para não enaltecê-la). E assim, mediante uma proposta para realizar um ensaio sensual para uma revista masculina, as demais não gostaram nem um pouco da atitude tomada pela sua vocalista, sem uma consulta prévia e sobretudo a considerar o quanto isso refletir-se-ia negativamente na imagem da banda. Em meio às gravações de um novo álbum, as meninas brigam também por conta de arranjos e maior ou menor crédito pela autoria das canções. Cherrie surta e sai da banda.
Cherrie volta para a sua casa, onde vai cuidar de seu pai seriamente doente, junto à sua irmã gêmea. Ela também sofre por conta das drogas e passa por um tratamento. Um lapso de tempo não mostra como a banda prosseguiu mais um pouco, mediante uma troca de formação a arrastar-se aos trancos e barrancos, mas apenas propõe um salto para oito anos no futuro. Cherrie agora trabalha humildemente como uma funcionária de uma confeitaria e um dia ouve a canção: ”I Love Rock’n Roll” oriunda de um disco solo de Joan Jett, a tocar no rádio e descobre que Joan ficara ainda mais famosa e naquele instante estava presente no estúdio da emissora para uma entrevista. Cherrie tem o impulso em telefonar para o estúdio da emissora e conversa ao vivo com Joan, no entanto, o diálogo é muito esquisito, pelo completo constrangimento generalizado e isso mesmo com o locutor tendo reconhecido a voz de Cherrie e feito uma introdução calorosa pelo inusitado dessa situação espontânea.
E fica por aí o filme, sem muito a acrescentar além de que Cherrie Currie largou tudo e Joan Jett triunfou em carreira solo, doravante. Ou seja, Lita Ford foi mais uma vez ignorada e também a baterista, Sandy West, além das baixistas todas que passaram pela banda, mais ainda. Conclusão, o filme é sobre a carreira das Runaways, mas toda a glória foi montada para enaltecer Joan Jett, por sua condução nada isenta como produtora.
O filme, apesar de tais distorções nada elogiáveis, tem o seu mérito em mostrar as cenas musicais bem produzidas, na medida das suas necessidade cênicas, o elenco é bom e a trilha sonora com o som das Runaways e alguns artistas de época (David Bowie, The Stooges, Sex Pistols e outros), agradável. Tirante as ressalvas que eu arrolei ao longo da resenha, creio que é válido e merece ser assistido.
Tal obra teve relativo sucesso em termos de público, entretanto, a crítica foi mais dura pelo aspecto cinematográfico em si, em detrimento das falhas na biografia da banda, pois insistiu que a então estreante diretora, Floria Sigismondi, foi muito pouco ousada, ao fazer uso de uma direção conservadora, no sentido de seguir a cartilha das cinebiografias típicas para Rock Stars. Isso é verdade e eu concordo com tal observação, no entanto, há por descontar-se o fato notório que o roteiro baseado no livro de Cherrie e sobretudo a mão pesada de Joan Jett, em pessoa, não permitiu que a diretora fosse mais arrojada.
Canções clássicas do repertório da banda estão ali representadas, como “Cherry Bomb” e louva-se o esforço das atrizes em aprender a segurar adequadamente os instrumentos e assim conferir uma fidedignidade mínima à credibilidade das cenas de shows; ensaios ou sessões de gravação. A maioria das versões são originais da banda, mas as atrizes, Dakota Fanning e Kristen Stewart, também cantaram algumas, com um bom resultado.
Além dos atores já citados, acrescento: Tatum O’Neal (como Marie Harmon); Brett Cullen (como Mr. Currie, o pai de Cherrie) e outros. Foi dirigido por Floria Sigismondi e lançado em 2010.

O filme foi disponibilizado nas versões em DVD & Blue Ray e rapidamente seguiu a cadeia tradicional da peregrinação pelas TV’s fechada e aberta. É encontrado com facilidade igualmente no You Tube.

Esta resenha foi escrita para fazer parte do livro: "Luz; Câmera & Rock'n' Roll", através de seu volume II e está disponível para a leitura a partir da página 223