Esse filme
reflete diretamente o que o seu título sugere, isto é, uma trama construída a
mostrar o ambiente cotidiano de uma emissora de rádio e o quanto tal espécie de
órgão de imprensa foi (ainda o é, mas em menor grau de importância), um pilar
da máquina arquitetada pela indústria fonográfica para gerar (muito) dinheiro.
Filmes ambientados em estúdios de emissoras radiofônicas já existiam
anteriormente e muitos outros seriam produzidos no futuro em relação à esta
produção, é bom que se registre.
No caso específico, deste “FM”, a ideia foi edulcorar
o suposto engajamento idealista de uma emissora, inflamado por seus locutores a
defender a ideia da minimização do espaço publicitário em prol de aumentar-se o
tempo para a música e mais ainda, absolutamente livre de pressões exercidas por
gravadoras, empresários e marqueteiros em geral, ou seja, a liberdade para
executar-se o som de artistas a observar o talento de cada um deles, tão
somente, como critério isento, baseado na romântica ideia da meritocracia do artista.
Bem, essa seria uma perspectiva ideal para um
mundo justo, onde a arte fosse tratada livremente, sem nenhuma ação mafiosa em seus
bastidores, no entanto, no mundo real e cruel em que vivemos, não é assim que o
dito, “show Business” opera, isso é patente.
Bem, o filme
“FM” tem os seus méritos, apesar da premissa irreal. De fato, qualquer órgão de
comunicação que observa uma linha editorial engessada, imposta pela sua cúpula administrativa
e coadunada com o sistema, pode contar eventualmente entre os seus quadros, com
funcionários idealistas que não concordam com esse tipo de conluio vergonhoso,
isso é um fato, daí ser injusto não observar a ressalva de que certos
jornalistas/radialistas não são exatamente canalhas por trabalharem em órgãos
com esse tipo de conduta não ilibada, mas apenas estão ali a preservarem os seus
respectivos empregos, para pensar na subsistência de suas próprias famílias, ou
seja, é no mínimo discutível colocar tais profissionais no mesmo balaio formado
por dirigentes inescrupulosos e contumazes em sua ação predatória.
A história do
filme é essa, em suma. Uma emissora localizada em Los Angeles (“QSKY” FM), ao
final dos anos setenta, tem em sua gerência, um idealista, chamado: Jeff Dugan
(interpretado por Michael Brandon). Ele comanda uma equipe de locutores com
estilos diferentes de ação ao microfone, mas todos a mostrar-se bem à vontade
para expressarem-se com autonomia e liberdade.
Entre eles, é bom destacar, há o
personagem: “Prince of Darkeness”, (interpretado pelo ator, Cleavon Little), que
já havia participado de um outro filme muito importante dos anos setenta, o
road movie, “Vanishing Point”, de 1971, onde tal personagem expressava-se ao
vivo em uma emissora de rádio, para narrar a fuga espetacular pelas estradas norte-americanas,
de um sujeito a bordo de um carro em alta velocidade). Aliás, eu recomendo muito tal filme, pois ele contém uma trilha sonora espetacular e também, algumas surpreendentes participações de artistas importantes da música a apresentarem-se.
A pressão na
rádio QSKY, é para conter o ímpeto dos locutores idealistas que não querem
aumentar o espaço publicitário proposto por sua cúpula e assim tocar-se mais músicas, e isso ocorre através
de um agente infiltrado pelo dono da emissora, que ali foi colocado para
sabotar a liberdade desses profissionais. Mais pesado ainda, é quando revela-se
também, que uma pressão é exercida para que a emissora adotasse uma posição política,
a defender os interesses do governo.
Bem, a
despeito da trama mais pesada, a caracterizar o embate entre “bandidos &
mocinhos”, o grande mérito do filme é obviamente a parte musical. É óbvio que a
trilha sonora tem um peso muito grande, para garantir um bom verniz ao filme.
Não apenas a trilha propriamente dita, mas as referências são muito boas no âmbito
subliminar, igualmente, como por exemplo, os personagens a segurar em mãos,
muitas capas de discos reais e importantes da época, os inúmeros posters de
tais artistas em voga, devidamente pregados pelas paredes das instalações da
emissora, ações de lançamento de discos e noite de autógrafos e um luxo,
acredito, a interação direta com artistas, como por exemplo a cena sensacional
onde o gerente da emissora vai pessoalmente a um show verdadeiro e também
quando a emissora recebe um artista da vida real em seu estúdio, para uma
entrevista. Nessa cena do show, é bom salientar que tratou-se de um ardil, pois
o tal gerente transmitiu ao vivo o concerto, que na verdade era patrocinado por
uma estação de rádio concorrente na trama.
Cabe um parêntese
a mais, portanto, para descrever tais situações descritas acima. Nesse show mencionado,
sem dúvida que foi um grande acerto para o filme, ter incluído cenas reais e
muito bem filmadas desse show, pois essa iniciativa engrandeceu a obra. Vê-se
portanto as atuações de Jimmy Buffet e sua banda, que é boa, mas sobretudo a apresentação
de Linda Ronstadt, em espetacular forma artística e amparada por uma banda de
primeira qualidade, com destaque para o guitarrista, Waddy Watchel. Já a cena
de lançamento de disco, mostra os componentes do bom grupo, Reo Speedwagon, e o astro presente em entrevista no estúdio, é
o guitarrista/cantor e compositor, Tom Petty.
Há o lado do
humor e também do amor, a costurar tal roteiro e assim, entre piadas &
paqueras, o filme ganhou uma substância para sustentar a história com os seus
devidos elementos análogos. É o caso do locutor que é o galã da companhia, Eric “Swan”
(interpretado por Martin Mull), e que proporciona os momentos mais picantes do
filme, por exemplo ao usar a sala da técnica da rádio para empreender as suas
aventuras sexuais (claro que com tal perspectiva, automaticamente gerou-se a piada
óbvia de uma de suas investidas com uma mulher ser revelada publicamente
através do microfone da técnica, então aberto e a transmitir os ruídos
inevitáveis pelo embate sexual, ao vivo no ar).
Há também a interessante personagem
chamada como: “Mother”, defendida pela experiente atriz, Eillen Brennan, que
mostra-se como uma veterana no ramo e também, Doc Holiday, interpretado por
Alex Karras, o locutor mais coadunado com o aspecto popularesco da emissora.
A trama
atinge o seu pico quando os locutores rebelam-se contra a pressão exercida pelo
seu mandatário e assumem uma resistência radical ao invadirem as instalações da
emissora durante a madrugada e a iniciar-se assim, uma transmissão apócrifa, para denunciar
a situação. Os ouvintes solidarizam-se ao lotar a rua em frente ao prédio onde
localiza-se a emissora, para o total desespero de seus oponentes. A polícia é
acionada e uma cena bem padronizada ao estilo do cinema norte-americano é
montada para dramatizar ao máximo a situação.
Por fim, o mandatário da emissora
cede em sua determinação e para a estupefação de seus pares e da própria
polícia, adere repentinamente à causa defendida pelos seus funcionários, os
locutores rebelados, ao revogar a sua intenção inicial, para o delírio da massa
que aglomerou-se na rua. Simples assim? Capitalistas convictos deixam de
importar-se com dinheiro, em fração de segundos e saem abraçados com
libertários amantes da música? Ora, absolutamente inverossímel, mas tudo bem,
o filme vale a pena pela sua ótima trilha e inerentes insinuações sobre vários artistas
da época.
Sobre a
trilha, por sinal, a música tema é a canção “FM”, composta e gravada pelo excepcional
duo, Steely Dan. Considero um luxo para qualquer filme, ter uma canção de
Steely Dan como tema principal de abertura, pela evidente excelência musical
praticada por tal grupo. Ouve-se também: Billy Joel, Eagles, Queen, Steve
Miller Band, Boz Scaggs, James Taylor, Bob Seger and The Silver Bullet Band,
Boston, The Outlaws, BB King, Joe Walsh, Foreigner, Fleetwood Mac, Neil Young,
The Doobie Brothers Band e muitos outros. Em síntese, um rol de artistas da
pesada a justificar plenamente que vale a pena assistir tal película somente
por tal aspecto, independente de apreciar-se ou não a trama proposta.
Cabe
destacar mais alguns atores do elenco, tais como: Laura Cox (a interpretar, Cassie
Yates), Jay Fenichel (como Bobby Douglas), Tom Tarpey (como Regis Lamar, o espião
lacaio), James Keach (como o tenente Reach), Jane Brandt (como Alice) e mais
alguns.
Uma menção super honrosa deve ser oferecida ao veterano ator, Norman
Llloyd (como Carl Billings, o terrível magnata, dono da emissora). Norman, além
de ter tido uma carreira enorme e ter falecido com incríveis 104 anos de idade
(em 2014), ostentou um currículo artístico espetacular, a contar com inúmeros filmes
importantes, entre eles, “Saboteur” e “Spellbound”, duas obras assinadas pelo
mestre do suspense, Alfred Hitchcock. Em “Saboteur”, ele interpretou o
personagem, “Fry”, o sabotador em questão, membro de uma organização secreta em
prol do nazismo e a cena em que é desmascarado nesta obra e morre em seguida,
tornou-se épica na história do cinema, ao despencar, literalmente, do alto da
estátua da Liberdade, em Nova York.
A recepção da
crítica ao filme “FM”, à época, foi bem ruim. Alguns críticos melindraram-se, ao
negar que os seus colegas radialistas sofressem tal tipo de pressão por parte
dos executivos das emissoras, certamente ao afirmar por conseguinte, que a
imprensa escrita também não sofresse com linhas editoriais pautadas pela
política e interesses a ser defendidos pelos respectivos proprietários de
órgãos de comunicação, ou seja, um autêntico recibo de culpabilidade.
Outros, ironizaram a quixotesca posição assumida por
alguns personagens locutores da emissora retratada. Uma jornalista chegou a escrever
em sua resenha : -“certo, pelo direito de tocar livremente o som "libertário" de Olivia
Newton John”... isto é, uma ironia bem exagerada e munida por um desdém sob via
dupla, visto que sim, Olivia fora uma artista incensada na ocasião (final de
anos setenta em diante), e claramente a revelar-se descartável por sua obra
musical insípida, mas neste caso, a jornalista quis usá-la para debochar do
mote do filme e a desrespeitou por extensão.
Sob a produção
de Randy Holston e escrito por Ezra Sacks, o filme teve um profissional da indústria
fonográfica, como assessor para dar embasamento ao roteiro, na figura de Irving
Azoff, que ao notar o rumo que as filmagens tiveram, arrependeu-se de sua
colaboração e pediu para o seu nome ser retirado dos créditos, por temer uma possível
retaliação via processo judicial, visto que poderia ficar nítida a semelhança
da história com a vida real de algum radialista, isso sem contar que uma série
de TV montada no mesmo molde (“MKRP”), também poderia sentir-se prejudicada com
a existência do filme etc. e tal.
Com direção
de John A. Alonzo, “FM” foi lançado em abril de 1978 e teve uma recepção morna
do público. Infelizmente a obra caiu no esquecimento rapidamente por parte das
pessoas em geral, talvez influenciadas pelas críticas negativas que foram
publicadas. Está disponível em versão DVD, e passou timidamente pelos canais de
TV a cabo e encontra-se no YouTube, à disposição para a audiência.
Esta resenha foi escrita espacialmente para fazer parte do livro: "Luz; Câmera & Rock'n' Roll" e está presente no seu volume II, a partir da página 231