Cracker Blues é uma banda paulistana orientada pelo Blues-Rock, em sua constituição generalizada, mas cabe dizer que tal vertente é oriunda de um galho importante de uma frondosa árvore, cuja sólida raiz é o Blues como alicerce e o gênero em si abre caminho para novos galhos e assim, quando falamos sobre o Blues-Rock, na verdade se trata de uma generalização para designar diversas vertentes e todas elas, muito ricas pelo ponto de vista musical e muito importantes no âmbito cultural.
Falo isso na introdução desta resenha para salientar que a banda Cracker Blues passeia com muita desenvoltura por tais nuances do Blues-Rock e a excelência técnica e artística desse grupo é inquestionável.
Formada em 1999, a banda tocou desde então muito pelo circuito de shows de São Paulo e em diversas cidades interioranas, teve também boas críticas advindas da imprensa especializada e certamente formatou um público fiel ao seu trabalho.
Antes deste CD Prata do Carrasco, lançado em 2014, a Cracker Blues já havia lançado os CD’s: “Cracker Blues”, homônimo de 2008 e o CD “Entre o México e o Inferno” de 2009, todos a demonstrar comprometimento fechado com o melhor do Blues-Rock como uma rota firme e a trazer em seu bojo uma paleta de matizes derivadas, a enriquecer a sua obra de uma maneira contumaz.
Nesses termos, o Blues-Rock mais pesado divide espaço fraternalmente com o Blues Roots, Blues Grass, Blues-Jazz de New Orleans, o Southern Rock que por sua vez traz no bojo o Country-Rock & Folk-Rock e também a abrir espaço para o Pop com o sabor do R’n’B e Soul Music. E claro, Rock’n’ Roll na acepção do termo.
Enfim, a música da Cracker Blues é rica em essência e muito competente na prática, portanto, é o tipo de banda que jamais desaponta os seus admiradores tanto em estúdio, quanto ao vivo.
Neste terceiro trabalho em particular, o CD “Prata do Carrasco”, a banda mostrou a sua potência sonora ao longo de onze temas fortes, bem compostos, arranjados e produzidos em estúdio, o que tornou este álbum, uma agradável oportunidade de se receber uma carga sonora da melhor qualidade.
Predominam além disso, as imagens de esqueletos de animais no entorno (a começar pelo seu próprio cão de estimação, o que reforça a ideia da fidelidade) e também a sugerir as ambientações sulistas dos Estados Unidos cuja geografia se mostra de uma forma desértica ou pantanosa em muitos ambientes espalhados por tais estados que foram o berço do Blues.
Ainda a comentar sobre os aspectos visuais da capa, eu destaco que a face frontal mostra uma bela concepção de fundo levemente esverdeado a realçar a figura esquelética do Blues-Man e de seu cão, com os caracteres bem estilizados e a buscar um outro tom de verde e assim compor uma harmonia muito interessante, sem deixar de mencionar os ornamentos a emoldurar a persona central ali caracterizada, com traços muito bem-feitos.
A capa abre em compartimentos a denotar o sentido do encarte e contém todas as letras das músicas neles inseridos, ou seja, uma iniciativa ótima da parte do artista e eu realço que esse item é, ou deveria ser, essencial para todo disco. E no último compartimento há uma sucinta, porém, providencial ficha técnica sobre a produção do álbum, ou seja, outro item que eu valorizo muito, pois é fundamental para se registrar a história e enaltecer todos os profissionais que trabalharam com a banda.
E para encerrar, a contracapa mostra uma bela foto promocional do grupo. E há também a relação completa do repertório exibido no disco.
Outro dado importante, é a constatação de que sobe ainda mais o conceito ao sabermos que a ilustração foi concebida e produzida em sua arte-final por um membro da banda, no caso, a se tratar do vocalista e gaitista, Paulo Coruja, portanto, parabéns pelo talento extra do músico. E o belo logotipo da banda também é uma concepção gráfica de outro componente, no caso, obra do baterista, Jefferson Gaúcho, portanto, parabéns a ambos pelo bom trabalho e talento extra demonstrado.
Sobre o disco em si, falo a partir deste ponto sobre as suas faixas.
Eis o link para assistir no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=A2filL4OFDA
“Trem do Inferno ao Paraguai” inicia o álbum. Percebe-se que apesar da sonoridade Blues bem característica, há uma produção de áudio bem moderna, como nos discos mais modernos de grupos tais como o “ZZ Top” e "Blackberry Smoke", por exemplo. E devo salientar que há uma série de convenções muito bem engendradas para enriquecer o arranjo, certamente.
A slide guitar, que é um grande trunfo normalmente da Cracker Blues funciona com o brilhantismo de sempre, além do também sempre bom uso da gaita e a “cozinha” (baixo e bateria), trabalha com a firmeza de uma locomotiva, para manter a banda nos trilhos, com muita precisão.
Eis o link para assistir no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=I4Mic79n0Oo
E lá vem a segunda faixa, denominada: ”Canto Obscuro de um Bar”, com uma linha melódica que trabalha em partes apenas com o apoio do baixo e bateria e a deixar a guitarra livre para interagir nos contra-solos, o que é um recurso bastante interessante. E quando vem o solo para valer, ele tem o ímpeto Rocker bastante contundente.
https://www.youtube.com/watch?v=2bvpzY0UA_U
“Chorando Sobre Cafeína” vem a seguir e logo de início a linha de baixo e a gaita interagem muito bem a nos proporcionar o sabor do Blues in natura.
É belo o solo de gaita e a abordagem da letra é muito interessante, ao propor a metáfora da bebida amarga para falar sobre a desilusão do Ser Humano ante as suas frustrações no âmbito da vida e a fazer um paralelo também com a tendência de grande parte das pessoas em afogar mágoas com as bebidas alcoólicas. Eis um trecho:
“Não me Ofereças Whisky/Não me entorpeças com Rum/Afasta de mim tuas bênçãos/ Tira os pregos desse teu vodu/Chorando sobre cafeína”
Eis o link para assistir no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=Sv66-7-c0RM
“Toada para o Cão Ernesto” é a quarta faixa do álbum e traz a raiz do Blues como mote, ao usar muito bem o slide no violão Dobro e a gaita a interagirem de uma forma muito boa, portanto, empolga justamente por isso. Na sua letra, é isso mesmo o que sugere o título, ou seja, uma ode ao cão chamado “Ernesto” e que certamente foi muito querido pelo seu dono e vice-versa.
Eis o link para assistir no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=wAHcORM_G8s
“Caveira Chicana” é um Blues-Rock bastante intenso, com ótimo riff, amparado pela marcação forte de baixo e bateria. Há um interlúdio muito interessante proporcionado justamente pela bateria e baixo e nesse caso eu gostei muito dessa intervenção, a se provar bastante criativa por si só e que revelou um belo timbre de baixo. E gostei muito da convenção final, ao melhor estilo do Texas Blues de Johnny Winter ao menos na minha percepção idiossincrática.
Eis o link para assistir no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=5RC4KBoNDNE
A sexta faixa, “A Discreta Arte do Mau-Olhado” tem um riff muito bom, é bem articulada ritmicamente e convida o ouvinte à dança, automaticamente.
Na sua letra, há uma proposta criativa em torno da ode ao próprio blues, quando se fala da personalidade mítica de Robert Johnson (caso o leitor não saiba quem foi esse artista e o que ele representa na história do Blues, convido-o a buscar informações ao seu respeito), com bastante bom humor e a citar as superstições e misticismo, que são inerentes ao Blues sulista norte-americano por excelência. Veja um trecho:
“Perguntei pra Robert Johnson/Se ele era como eu/O velho sacripanta ainda não me respondeu/Mas ouço ele tossindo no meu braço tatuado/Roubando minha pinga/Botando mau-olhado/Todo o Blues que Houver no Mundo/Queira Deus seja o Bastante”
Eis o link para assistir no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=VU9FAqOPbl4
“Lágrima para Ernest Borgnine” é a sétima faixa do disco e se trata de um tema instrumental. Musicalmente é um Blues-Rock muito intenso, com andamento acelerado, ótimas convenções e extremo brilho da parte dos instrumentistas da banda para propor um tema tão empolgante.
O ótimo ator, Ernest Borgnine, quando recebeu o seu prêmio Oscar de melhor ator de 1955, através do filme: "Marty"
É preciso destacar neste caso que Ernest Borgnine foi um ator norte-americano que viveu entre 1917 e 2012, que fez uma infinidade de filmes muito bons e também teve trabalhos na TV. Geralmente associado aos Westerns, a interpretar cowboys, sheriffs & afins ou “filmes de guerra”, a atuar como personagem militar, ele na verdade foi um ator eclético que atuou em outros gêneros também e eu aproveito para citar um trabalho dele que eu gosto muito, o filme: “Marty” de 1955, que foge aos dois estereótipos acima assinalados e cuja atuação dele é muito boa na minha opinião e creio que tal impressão representa uma tendência de uma forma generalizada, haja vista que lhe rendeu o “Oscar” de melhor ator do ano posterior, 1956.
Portanto, o fato dos membros do Cracker Blues terem dedicado esta música instrumental ao saudoso e bom ator, me surpreendeu muito positivamente, cinéfilo assumido que eu sou também.
Eis o link para assistir no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=dWTf2V_QHMs
“Jaula Enferrujada” é a próxima música. Trata-se de um Blues-Rock soturno em princípio. Logo vem uma parte mais ritmada com uma cozinha firme ao extremo e um belo solo de slide guitar. Ao final, a banda evolui em uma harmonia mantida no sentido do “looping” com proposta mais intensa e que encerra o tema em grande estilo.
Eis o link para assistir no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=_UzXPWF_8gQ
“O Chão Sob Minhas Botas” é também um Blues-Rock bastante ritmado. Essa música tem um apelo muito forte de apresentação ao vivo pela proposta de interação que estabelece com o ouvinte, certamente.
Eis o Link para assistir no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=yCJpox-Q8p4
“Óleo”, a décima faixa, também trabalha com um riff bastante balançado mais uma vez, ao usar muito bem as pausas estratégicas que jogam toda a atenção para a linha melódica que desempenha muito bem a sua função. É excelente o solo de guitarra, gostei muito. A gaita ao final também sola com desenvoltura e sentido melódico muito bom.
Eis o link para assistir no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=0CGDaScSk18
“Ciganos Velhos & Músicas Tristes” fecha o álbum com uma linha de composição a evocar as tradições do Blues e do Country, bem rurais. É uma bela interpretação acústica da banda a honrar as suas mais belas tradições.
Com violão/slide, gaita e harpa de boca (instrumento esse também conhecido como “Jaw Harp” na cultura norte-americana), ao fechar os olhos e só escutar o tema, certamente o ouvinte vai se sentir em um set de filmagem de uma película ambientada no velho oeste norte-americano.
E assim, eis aí um trabalho que eu recomendo muito, feito com brilhantismo e sobretudo, amor ao Blues primordial e seus muitos derivados.
Eis a formação da Cracker Blues presente neste disco:
Marceleza “Bottleneck”: Guitarra, Dobro e Violão
Paulo Coruja: Voz e Gaita
Jefferson Gaúcho: Bateria, Percussão e Backing Vocals
Paulo Krüger: Baixo e Backing Vocals
Gravação, mixagem e produção geral: Edu Gomes
Masterização: Daniel “Lanchinho”
Capa: Ilustração e lay-out final: Paulo Coruja
Logotipo da banda: criação e arte final de Jefferson Gaúcho
Fotos: Victor Daguano
Arranjos: Cracker
Letras de Paulo Coruja (acrescentam-se os colaboradores: Solange De-Ré, Luiz Marcondes e Vanessa Yasbek)
Apoio: Big Papa Records e Lost Dog
Lançamento: 2014
Para conhecer melhor o trabalho da banda, acesse:
YouTube:
https://www.youtube.com/channel/UC6dg-5KgtUWDpeg-4xsRReQ
Spotify:
https://open.spotify.com/artist/1ZML4gkxWDhCs9KPt5t0ns?autoplay=true
Deezer:
https://www.deezer.com/br/artist/1337266?autoplay=true
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