segunda-feira, 30 de janeiro de 2023

Filme: Oz, A Rock'n' Roll Road Movie - Por Luiz Domingues

Eis aqui um bom exemplo de um filme obscuro que compensou a sua falta de uma maior visibilidade em termos de grande público, com a aura adquirida a posteriori, no sentido da obra ter torna-se um objeto de culto para colecionadores, entusiastas da contracultura e cinéfilos em geral.

A ideia para tal produção foi buscar a inspiração direta na história contada no livro escrito em 1900, por L. Frank Bum e popularizado muito mais pelo advento do filme produzido em 1939, sob direção de Victor Fleming, onde a cantora/atriz, Judy Garland brilhou, sem dúvida, no papel de Dorothy: “The Wizard of Oz” (O Mágico de Oz).

No caso de “Oz, A Rock’n’ Roll Road Movie”, este filme de origem australiana, lançado em 1976, a opção por um misto de conceitos foi grande. Primeiramente pelo aspecto em manter a história próxima do Rock. O segundo ponto para ser observado, foi sobre a clara intenção de imprimir uma aura em torno de uma obra tipicamente versada pelo padrão de um Road Movie. E o terceiro aspecto, também por uma questão de opção, em torno de um aparato visual bem rústico. Os pilares da história original são observados sutilmente, pois tirante o par de sapatos vermelhos e reluzentes que a personagem, Dorothy, usa ao longo da história e os momentos inspirados na estética do Glam-Rock, que são pontuais, toda a ambientação é rústica, dentro da perspectiva de um Road Movie e nesse aspecto, é óbvio que o fato do filme ser australiano, auxilia-o em termos visuais, visto que as cenas de estrada, mostram uma ambientação árida, que muito assemelha-se, geograficamente a analisar-se, aos desertos do oeste norte-americano.

Outro ponto importante, o filme tem uma produção muito simples, no entanto, observa em seu bojo, alguns surpreendentes aspectos positivos. A música, por exemplo, mostra qualidade. Tal trilha que garante essa boa sonoridade foi composta por membros do grupo, Daddy Cool, que foi razoavelmente famoso na Austrália, no início dos anos setenta, e também por algum material de um outro grupo, derivado do primeiro citado, chamado, Jo Jo Zep and the Falcons.

A história inicia-se com duas garotas que aproximam-se de uma banda de Rock bastante incipiente, que apresenta-se em um salão localizado em algum lugar remoto de beira de estrada. Ambas são nitidamente groupies em busca de aventuras sexuais com os componentes do grupo. Enquanto a banda toca, observa-se o ambiente praticamente vazio e entre as poucas pessoas presentes, três ou quatro apenas a demonstrar estar a gostar da apresentação. Tal grupo fictício, chama-se: Wally and The Falcons, formado por quatro componentes que serão identificados ao longo do filme, como alguns dos principais personagens a interagir mais incisivamente na história. A banda toca muito mal, no entanto, e sendo assim, é claramente uma ação proposital para o desenvolvimento da história. Trata-se de um Rock rude, a flertar com o indefectível Punk-Rock e a beirar a cacofonia explícita.

As garotas flertam com os músicos, acintosamente e assim, quando a apresentação, termina, ajudam a banda a alojar o equipamento na Kombi dos artistas, e em seguida, partem junto com eles. Um acidente ocorre e aparentemente todos morrem (ou desmaiam, isso não fica claro). Dessa forma, em meio aos escombros, uma das garotas, que chama-se: Dorothy (interpretada por Joy Dunstan), para seguir a sua inspiração explícita na história clássica, acorda e em meio ao torpor, após verificar que todos estão desmaiados ou mortos em meio aos destroços, sai a caminhar e chega então a uma cidade. O filme adquire um aspecto misterioso que poderia sugerir o advento do estilo terror ou do Sci-Fi, visto que a cidade aparenta estar abandonada e nesses termos, a garota a caminhar ali, poderia encontrar múltiplos perigos.

Então ela chega a uma boutique, que visualmente parece ser uma loja toda decorada sob uma atmosfera hippie. Eis que o dono da loja surge a configurar-se como um homossexual bastante afetado e claramente inspirado na estética do Glam-Rock setentista. Trata-se da personagem: Glin, The Good Fairy (interpretado por Robin Ramsay), ou seja, a fada boa, Glinda, da história original, que oferece roupas para Dorothy e também os famosos sapatos vermelhos, com poderes mágicos, que ela prontamente aceita por ter perdido os seus, no acidente. Subitamente, uma pequena multidão formada por idosos surge na porta da boutique, a denotar desaprovar a presença de Dorothy na localidade, mas Glin, o dono da boutique, minimiza e continua a tratar bem a moça. 

Eis que um homem rude surge a fazer uma acusação grave, ao dar conta que o acidente em que Dorothy esteve envolvida, gerou a morte de seu irmão. Ele apresenta-se como o “caminhoneiro” e que aliás, também fora o segurança da casa de espetáculo ao início da história (neste filme, interpretado por um ator creditado como: “Ned Kelly”). Ora, que delírio se isso foi proposital para evocar um ícone da cultura australiana ou por haver tratado-se de uma mera coincidência do ator em questão, ter esse nome, pois Ned Kelly foi um famoso bandido australiano que viveu no século XIX, e que ao enfrentar o governo, ficara com a sua imagem glamorizada perante a opinião pública de sua época, mais ou menos como Billy The Kid experimentara o mesmo feito no velho oeste da América do Norte e Lampião, no nordeste do Brasil. Há inclusive, um filme lançado em 1970, chamado exatamente, “Ned Kelly” e que tem como ator a interpretar o próprio, Ned Kelly, ninguém menos que Mick Jagger, o grande astro e vocalista dos Rolling Stones. 

Ainda na loja, Glin adverte Dorothy que ela precisa buscar o que procura com um outro personagem, “The Wizard”, que na trama, é retratado como um cantor de Glam-Rock, andrógino, ao estilo de David Bowie. Ele mostra a imagem do cantor para Dorothy, que está afixada na parede mediante um pôster e fica claro que esse “The Wizard” é interpretado pelo mesmo ator que aparecera no começo do filme, como o cantor da banda Punk, Wally and the Falcons (interpretado por Graham Matters). Aliás, tal ator faz outros papéis no decorrer do filme.

A moça sai da tal loja e ao enveredar por um estrada, encontra um rapaz que aparenta estar desolado, pelo fato do pneu do seu automóvel estar murcho. Apesar de ser um rapaz com porte físico, denota em seu modo de portar-se, estar inseguro e assim, por incrível que pareça, Dorothy, que é mulher e seguramente tem a metade do seu tamanho, é quem o ajuda a trocar o pneu. O rapaz é um personagem que já houvera participado anteriormente, ao ter interpretado o baixista da banda Wally and The Falcons. Desta feita, ele é apresentado simplesmente como o “surfista” (interpretado por Bruce Spence), a carregar uma prancha na capota de seu automóvel. E certamente a representar simbolicamente o personagem do homem de palha, desprovido de inteligência, representado na história original. É neste momento que o filme adquire de fato uma roupagem como Roadie Movie, pois Dorothy sai com ele ao aceitar a carona e daqui em diante, as cenas de estrada regadas a Rock’n’Roll, serão constantes.

Em um posto de gasolina remoto ao longo da estrada, o surfista estaciona o carro para abastecer. Enquanto Dorothy e o surfista entram na lanchonete para comer algo, eis que surge o homem rude que a abordara a culpá-la por ter provocado a morte de seu irmão. Mas ele não quer apenas isso, pois fica explícito que pretende estuprá-la, ao tornar a fantasia supostamente com teor infantil, bem mais pesada, digamos. Ela consegue desvencilhar-se e sem que o surfista perceba a gravidade da situação, o induz a entrar rapidamente no carro e fugir dali. Naturalmente que tal personagem representa, Baba Yaga, a bruxa malvada do livro original.

Neste ponto, tornou-se óbvia a referência ao filme: “Duel” (“Acossado”), de Steven Spielberg, e lançado em 1971, visto que o tal caminhoneiro passa a perseguir a moça pela estrada, a bordo dos seu caminhão, tal como no filme de Spielberg.
Em outra parada na estrada, o surfista e Dorothy param em um posto onde o mecânico de plantão, sabota o carro do casal para forçar a efetuação do serviço ou por pura maldade. Trata-se do personagem do mecânico (interpretado por Michael Carman), que também fora o baterista da banda no início da história. Ao parecer um sujeito desalmado, logicamente faz as vezes do personagem do espantalho sem sentimentos, do filme original e que necessitava adquirir um coração para poder adquirir o sentido da empatia. Surge mais um personagem, um motociclista todo cheio de agressividade, mas que na verdade, mostra-se um completo covarde, e certamente a representar o leão medroso da história clássica. Tal personagem é o “motociclista”, que fora também o guitarrista do começo do filme e foi interpretado por Gary Wadell.
Em meio a diálogos rudes, a realçar os arquétipos de cada personagem, mas em linguajar pleno de gírias e a denotar uma atitude Rocker, eis que Dorothy percebe apavorada, a aproximação do caminhão de seu perseguidor e assim, não reluta e entra no carro do mecânico a convoca-lo a sair rapidamente do posto. Eles seguem na estrada e o Blues-Rock contido da trilha sonora mais uma vez pontua as boas cenas do carro a trafegar por uma pista vazia, em meio ao deserto australiano. No entanto, lastimavelmente, o radiador do carro vintage do mecânico, esquenta e ele parece não importar-se em ter ficado no meio do deserto com um carro inutilizado, somente amparado pelo fato de possui muita cerveja a bordo. O que não deixa por suscitar o raciocínio do espectador em torno do paradoxo, pois é lógico que a cerveja vai acabar em algum momento próximo e assim, reforça-se a ideia de que ele não pensa em outro fator, a não ser em seu prazer imediato.
Dorothy segue a caminhar, pois tem em mente que precisa cumprir a sua missão em dirigir-se à cidade das esmeraldas e encontrar-se com o mago. Inverossímel, certamente, mas ela sai resoluta a caminhar pelo asfalto tórrido, cercada pelo deserto e sob o sol escaldante. Entretanto, logo aparece a assustadora imagem do caminhão do seu perseguidor e por sorte, o motoqueiro que encontrara no posto aparece de súbito e a resgata. Segue uma cena onde param para refrescar-se em uma praia; andam por dunas e fumam maconha. Glin (a fada), no caso, o dono da boutique, aparece e reafirma os propósitos de Dorothy. Ela vê o caminhoneiro a caminhar pelas dunas de areia da praia e logicamente se apressa em evadir-se do local. A moto quebra em um momento a seguir, mas eis que o carro do surfista chega com o mecânico em sua companhia e todos seguem juntos no mesmo automóvel então, rumo à cidade grande, que no caso é Melbourne. Ali na loucura urbana, vê-se o caminhão a segui-los.

Dorothy sai em sua busca, a pé, e ao encontrar uma loja de discos, onde pensa que encontrará, “The Wizard”, tem o azar em ter chegado no horário em que a loja estava fechada, fora do seu expediente. O dono da loja, é novamente o ator que interpretara o cantor do começo, Graham Matter. Ela entra em um bonde a seguir e o cobrador da passagem deste veículo público, é novamente o mesmo ator. O caminhoneiro não desiste e é visto sempre em seu encalço.
Ela adentra então o ambiente do Palais Theater e o porteiro não deixa que os seus amigos entrem consigo, apenas ela. O porteiro é mais uma vez interpretado por Graham Matters. Finalmente ela vê o mago, pois o show em questão é do The Wizard. Cem por cento inspirado em estética Glitter-Rock, o cantor, The Wizard, que novamente é interpretado pelo ator, Graham Matter é absolutamente inspirado em David Bowie, com androginia total e a evocar motivações em torno da cultura Pop Sci-Fi. A banda que o acompanha trata-se de um trio e é formada pelos três atores que também compunham a banda do início e que interpretaram respectivamente, o surfista; o mecânico e o motociclista. 
 
Desta feita, ao contrário do início do filme, interpretam uma outra banda e tocam muito bem, com um som vigoroso em torno do Glam-Rock setentista e a conter sutis insinuações ao Space Rock, inspiradas por bandas reais como o Soft Machine, Pink Floyd e Hawkwind. O número musical surpreende muito pelos efeitos; boa execução musical; performance e figurino dos músicos, mas também pelo uso de efeitos psicodélicos nas imagens, muito interessantes. Proposital, certamente, pois o diretor do filme, Chris Löfvén, e a co-produtora, Lyne Helms (Chris também produziu), adoravam a estética do Glam-Rock britânico e tal influência fora uma escolha natural para ambos. 
 
Há por registrar-se que a cena do show ao vivo foi filmada com um equipamento de som & luz e público verdadeiro, no Myer Music Bowl em Melbourne, e o show em questão foi do AC-DC, que não apareceu no filme, mas emprestou toda a sua infraestrutura, incluso o seu público, para aproveitar-se a atmosfera de um show de Rock genuíno.
Dorothy assiste a desmontagem do palco, exatamente como fizera no início do filme ao assistir o show do grupo Wally and The Falcons. Na saída do teatro, uma briga ocorre entre capangas do caminhoneiro e os amigos de Dorothy e os meliantes a sequestram. O caminhoneiro a tranca em um quarto cujas paredes estão forradas por posters a exibir mulheres nuas. Sob um torpor, ela vê o rosto do cantor, “The Wizard, em um aparelho de TV desligado. Bem, o clima esquenta, pois o caminhoneiro exige que ela se dispa, e mediante o “poder” conferido pelo uso do seu sapato vermelho mágico, ela chuta as partes baixas do sujeito, e desvencilha-se do seu ataque. Convenhamos, um chute desferido com vigor em tal parte da anatomia masculina, nem precisa ser realizado mediante o uso de algum sapato mágico, para gerar um estrago e tanto.

Os amigos de Dorothy a resgatam e todos vão imediatamente para um saguão de hotel ou coisa que o valha, onde um cocktail com várias convidados está a acontecer em homenagem ao cantor, The Wizard. É notório tratar-se de um ambiente gay, dado a grande profusão de pessoas andróginas ali presentes. A moça que acompanhava Dorothy, logo no começo do filme, Jane (interpretada por Paula Maxwell), está ali como uma groupie a servir sexualmente o tal, The Wizard.

Quando Dorothy tira o sapato vermelho mágico, ela também inicia uma relação sexual com o cantor, The Wizard, porém os sapatos são arremessados para quebrar um espelho e daí o encanto encerra-se e ela volta à cena do acidente da Kombi, com os personagens iniciais a reanimá-la no local onde desmaiara. Fim da aventura.

Graham Matters também era cantor na vida real e isso explica a sua boa interpretação como vocalista de Rock. A atriz, Joy Dunstan era bem nova na ocasião, mas tinha uma certa experiência pregressa, inclusive no teatro a encenar musicais. Bruce Spence fez carreira internacional como ator ao participar de filmes famosos, com “Jaws” (Tubarão); “Star Wars III” e “Mad Max” entre muitos outros. Com quase dois metros de altura, chama a atenção por interpretar personagens mais truculentos geralmente, em outras produções, mas aqui em “OZ”, curiosamente interpretou um sujeito dócil, o arquétipo do homem de palha, sem inteligência, do Mágico de OZ original. Michael Carman também construiu uma longa carreira nos Estados Unidos, com muitos filmes no currículo. O mesmo caso de Gary Wadell, que possui muitos filmes em seu portfólio. Robin Ramsay ficou mais restrito à produção australiana, mas a sua filmografia é significativa. E o diretor, Chris Löfvén, fez mais alguns filmes, mas a sua atuação posterior centrou-se muito mais no universo dos vídeoclips para servir artistas da música em geral, porém a observar as bandas de Rock em predomínio.  

Enfim, a fábula segue quase ipsis litteris a cronologia do livro e do filme clássico de 1939, entretanto a alimentar inúmeras modificações para imprimir uma visão em torno do Rock e da estética do Road Movie com ares contraculturais. Sob direção de Chris Lövén, foi lançado em 1976, e nas salas de cinema não foi bem na época. Recebeu no entanto, boas críticas, por incrível que pareça, pois a tendência seria o contrário, pois arriscou bastante ao ter inspirado-se em um clássico da literatura infantil e sobretudo pela comparação inevitável com o filme de 1939, que é considerado intocável, por motivos óbvios. 

Portanto, foi uma surpresa não ter sido sumariamente destruído pela crítica, tendo em vista que a tendência seria ter sido considerado como uma peça grotesca. Dois anos depois, em 1978, o cinema norte-americano peso pesado, via Hollywood, cometeu outra versão inspirada no Mágico de Oz, desta feita com o filme, “The Wiz”, inteiramente amparado musicalmente na estética da Black Music e a conter astros como Michael Jackson e Diana Ross entre os principais atores.  

“Oz, A Rock’n’n Roll Road Movie”, surpreende pelos aspectos arrolados ao longo desta resenha e certamente que vale a pena ser assistido por tais detalhes. Obscuro nos dias atuais, tal filme é encontrado no entanto em versão DVD, e está disponível para ser assistido na íntegra, através do YouTube.
Esta resenha foi escrita para fazer parte do livro: "Luz, Câmera & Rock'n' Roll" em seu volume III e está disponível para a leitura a partir da página 35.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2023

Filme : Get Him to The Greek (O Pior Trabalho do Mundo) - Por Luiz Domingues

”Get Him to The Greek” (“O Pior Trabalho do Mundo”), é um comédia hilária a envolver um Rock Star completamente tresloucado e incontrolável, em meio a uma série de acontecimentos bizarros que ocorrem em um curto espaço de tempo, para atrapalhar um compromisso que ele precisaria cumprir, e que seria vital para uma série de pessoas. Principalmente para o executivo de uma gravadora que é designado para cuidar que o cantor participe de um show que seria crucial para a sobrevivência dessa companhia fonográfica. A alusão ao trabalho desse rapaz ser o pior do mundo, justifica-se pela enorme quantidade de intempéries que ele foi obrigado a suportar em um espaço de dois dias.

O Rock Star em questão, é Aldous Snow (interpretado por Russell Brand), e este personagem já havia atuado em outro filme anteriormente, a comédia romântica: “Forgetting Sarah Marshall” (“Ressaca de Amor”), de 2008. Nesse filme anterior, que também é hilário, o enfoque foi mais centrado nas idas e vindas decorrentes das relações entre namorados, a provocar confusões e mal-entendidos típicos que geram ciúmes & rompimentos. Aldous produz boas piadas por ser um Rocker desconectado da realidade, mas foi em “Get Him to The Greek”, que tal faceta foi melhor explorada e a caracterizar esta comédia como um Rock Movie, propriamente dito, visto que toda a ação prevista em seu roteiro é explícita em buscar a sátira aos meandros do Rock.

Primeiramente, é preciso esclarecer que a tradução literal do título do filme, quer dizer: “Leve-o ao Greek”, ou seja, é o mote do filme em si, visto que a missão do executivo de uma gravadora chamada: “Pinnacle Records”, Aaron Green (interpretado por Jonah Hill), é ir à Londres buscar e conduzir o Rock Star, Aldous Snow, até Los Angeles, na Califórnia, para que ele apresente-se no teatro grego (Greek Theater), localizado nessa cidade. No entanto, apesar do título inventado em português pelos brasileiros para designar o filme, não ter nada a ver com a tradução literal, é no entanto cabível, pois retrata bem a situação tragicômica pela qual o personagem, Aaron Green é massacrado pelas circunstâncias em que é envolvido, mas claro, a gerar uma infinidade de situações cômicas. O filme em si apresenta um roteiro bem simples, no entanto, dessa forma o que oferece uma boa substância, é o fato de conter muitas piadas boas. A quantidade de sketchs criadas é enorme, mediante piadas explícitas e implícitas, sob uma profusão enorme. 

A história básica é a seguinte: Aldous Snow é um cantor que tem uma banda chamada,  “Infant Sorrow” (aliás, este é o título de um poema de William Blake, de onde provavelmente o nome da banda foi inspirado). Decadente, o seu último trabalho foi um fracasso, através de um álbum ridículo, com um mote populista e vazio em torno de uma suposta preocupação em torno das crianças que passam fome na África, chamado: “African Child”.

A sua ex-namorada participa do disco e do vídeoclipe desastroso a retratar os dois a cantar e dançar histrionicamente em meio a um cenário a simular a miséria africana, portanto ao se tratar de um embuste. A namorada é a cantora, Jackie "Q" (interpretada por Rose Byrne). A própria personagem dessa namorada é uma auto piada com o ator, Russell Brand, visto ele ter sido namorado de uma cantora Pop de plástico, na vida real, Katy Perry, afeita a uma linha de atuação exagerada e absolutamente vazia sob qualquer valor a ser analisado em termos de aprofundamento do debate cultural, mas não cabe discutir isso aqui, com maiores detalhes.

O disco de Aldous Snow despenca nas paradas de sucesso e o seu público o detesta, pois em que pese o fato dele ser como pessoa, um sujeito fora da realidade, o seu som anterior, com o qual fez fama e fortuna, é baseado em alguma coisa palatável dentro do espectro do Hard-Rock ao estilo oitentista, portanto, apesar da decadência por conta de um mau passo dado na carreira, ele ainda detém um prestígio e isso precisaria ser reexplorado para que ele pudesse efetuar uma guinada na carreira. Entretanto, se depender de sua consciência, aparentemente isso não será empreendido, pois ao revelar-se um hedonista incauto, ele nem percebe a sua situação e apenas deseja viver a sua vida nababesca, até quando o dinheiro existir para bancar os seus excessos, sem preocupar-se com o fato imutável a dar conta que essa fonte haverá por secar em algum momento.
Por outro lado, o filme mostra a outra faceta do show business, por retratar pessoas que vivem da música, no entanto, sob parâmetros diametralmente opostos às divagações dos artistas, ou seja, os responsáveis pela máquina despótica que comanda o show business, não importam-se minimamente com a arte, tampouco pela discussão cultural a visar o desenvolvimento da sociedade, e nem mesmo sobre a música em si, mas apenas preocupam-se em explorar ao máximo tal cadeia produtiva, em termos monetários rentáveis. 
Uma reunião dentro do ambiente de altos executivos de uma poderosa gravadora, mostra o diretor geral (Sergio Roma, interpretado por Sean John Combs, mais conhecido como “Diddy”, um ator que também possui uma carreira como cantor de Rap, bem solidificada), a portar-se como um capitalista irascível, ao cobrar soluções imediatas para demandas financeiras e desvelar uma verdade, piadas a parte, sobre como sempre funcionou o mecanismo que rege a difusão musical no mundo. Em meio a uma dura cobrança por resultados, eis que um funcionário subordinado (Aaron Green), lança a ideia da gravadora produzir um show imediatamente e a projetar a gravação de um álbum ao vivo e igualmente em torno de um DVD do evento, para alavancar as vendas e assim tirar a gravadora do seu mau momento financeiro. A ideia é rechaçada de pronto, e pior ainda quando Aaron sugere que o artista em questão seja o britânico, Aldous Snow, quando ele é ridicularizado por estar em decadência e o seu último trabalho, o tal “African Child”, revelar-se como um lançamento constrangedor. Todavia, Aaron insiste e diante de nenhuma outra ideia melhor, sugerida por outros membros da reunião, o diretor aceita, mesmo com reservas e passa a incumbência em materializar tal show, para Aaron.  
É aí que começa a frenética geração de piadas, pois o show realizar-se-á em dois dias e Aaron vai à Londres, buscar o artista. As passagens estão compradas para um voo de volta à Nova York, naquela mesma noite, pois antes de ir à Los Angeles para o show, há um compromisso para o artista, ao ter que apresentar-se no famoso programa jornalístico da rede NBC, comandado pela apresentadora, Meredith Vieira (ela mesma no filme). Bem, em Londres, a confusão começa quando o artista declara que considerava que o compromisso do show ocorreria dali a dois meses, e não em dois dias. Pior ainda, ele não esboça nenhuma preocupação com a pressa absoluta que o produtor norte-americano alardeia ter e assim, Aldous propõe que ambos saiam para divertir-se pela noite londrina. 
Essa é a chave mestra a permear o filme, pois todas as piadas elaboradas pelo roteiro, são baseadas em tal premissa em torno da pressa desesperada do produtor, que é uma pessoa racional em contrapartida à completa irresponsabilidade do artista, que apenas pensa em divertir-se o tempo todo, avesso em cumprir os seus deveres profissionais. 
E mais um dado subliminar: o caráter da subserviência observada por pessoas que trabalham, em equipes de produção, ante a histriônica posição de certos artistas que portam-se como imperadores romanos, sem nenhum limite de razoabilidade. Com muitas dificuldades (muitas mesmo), o produtor consegue fazer com que o artista temperamental cumpra os compromissos acertados e o filme acaba bem, simples assim.
Cabe no entanto, arrolar algumas (não todas), piadas sensacionais que este filme apresentou, sem dúvida alguma, por tal bojo constituir-se do seu ponto forte.
Já começa pelo clip ridículo para uma música horrível, caso de “African Child”, uma crítica ácida ao som comercial Pop de plástico e sobretudo pelo oportunismo populista der certos artistas em simular hipocritamente apoiar causas nobres, mas que na verdade, mal conseguem disfarçar o desprezo que sentem pela solidariedade às camadas mais simples da população, tamanha a soberba que infla-lhes o ego. Uma menção ao filme: “Forgetting Sarah Marshall“, é feita, quando um trailer de um seriado de TV mostra a citada atriz, Sarah,  (interpretada por Kristen Bell), que fora namorada de Aldous em tal filme de 2008. Citação essa que mostra-se bem sexista, mas no espírito das piadas deste filme, certamente. 
A meta estabelecida em não deixar que Aldous abuse das drogas e do álcool durante a viagem (que aliás, ocorre por um triz, é hilário pela maneira que foi mostrado), reverte em muitas confusões, com direito à confusão que é gerada assim que a entourage chega aos estúdios da rede de TV NBC, em Nova York. Piora ainda mais, quando o artista, que vai tocar ao vivo a ridícula canção, “African Child”, comunica ao atormentado funcionário da gravadora (que padece em acompanhá-lo), Aaron, que simplesmente não consegue lembrar-se da letra da referida canção, poucos minutos antes de entrar ao vivo, em rede nacional. Tal comunicado inusitado faz com que o pobre Aaron sofra para providenciar uma solução relâmpago, e de fato, não a consegue. Então Aaron propõe cantar uma música antiga de seu repertório, esta musicalmente mais decente ao tratar-se de um Hard-Rock, no entanto com uma letra absurda e a canção chama-se, “The Clap” que sob uma tradução literal significa: “A gonorreia”. 
A ideia seria ir imediatamente para Los Angeles, mas é óbvio que Aldous quer aproveitar a estadia em Nova York para satisfazer outros desejos seus. É hilária a cena que ele e Aaron tomam absinto e no caso de Aaron, desacostumado, com isso, passa por um delírio psicodélico que provoca muitas situações bizarras.
Bem, a ideia é finalmente ir para o aeroporto e entrar em um avião para Los Angeles. Para aumentar a dramaticidade das situações, a todo momento a narração do filme informa o tempo que falta para o show começar e assim reforçar todas as piadas que acentuam a postergação e o consequente desespero de Aaron e isso sem contar os constantes telefonemas da parte do executivo da gravadora, Sergio Roma, a pressionar pela presença do Rock Star em Los Angeles, imediatamente. No entanto, Aldous nem menciona preocupar-se com o horário e assim, resolve por um ímpeto inesperado, parar em Las Vegas para visitar o seu pai que é músico de uma banda de cassino. Antes porém, a cena do embarque no avião é hilária, com Aldous a transportar um pacote com heroína e na fila do embarque obtém uma ideia absurda para armazenar o material ilícito que carrega consigo. 
Não serei deselegante em descrever aqui com detalhes, mas trata-se de uma ideia absolutamente infame e em decorrência dela, Aaron, que foi obrigado a adotá-la mesmo sob protesto, não pode nem espirrar, tamanho o incômodo pessoal e constrangimento gerado por conta do detalhe desagradável em que fora submetido. 
Uma vez em Las Vegas, o pai de Aldous, Jonathan Snow (interpretado por Colm Meaney), toca guitarra na banda de um espetáculo que é um tributo ao “Rat Pack”. Tal grupo, na vida real foi uma informal reunião e não propriamente um grupo de carreira, contudo, reuniu-se muitas vezes para espetáculos sazonais entre as décadas de cinquenta e sessenta, onde a maioria de seus componentes atuava como cantor ou ator, e alguns deles a exercer as duas funções com desenvoltura. 
O que chamava a atenção desse combo, foi que não tratou-se de artistas comuns, mas super astros da cultura Pop norte-americana e o show que faziam, consistia de uma espécie de musical intercalado com pequenas sketches de humor, mediante piadas ao estilo Stand-Up comedy. Formado geralmente por Frank Sinatra, Dean Martin, Sammy Davis Junior, Peter Lawford e Joey Bishop, às vezes continha mulheres também, tais como Shirley McLaine, Lauren Bacall e Judy Garland. Pois no filme, é mostrado o quinteto formado por sósias dos homens citados e essa menção, mesmo não sendo uma piada propriamente dita, é uma referência Pop, bem interessante. 

Bem, sobre a personalidade do pai de Aldous, digamos que o gênio do filho teve o seu DNA bastante influenciado pelo seu velho pai, que se não ficou famoso na carreira como o filho, ao menos no gênio, é idêntico. Dessa mistura explosiva entre dois drunkers & junkies inveterados, pai & filho, é óbvio que o inevitável acontece, com muita confusão gerada pelo excesso de consumo desses ingredientes que alteram o grau de consciência de qualquer pessoa, com direito a brigas; orgias com prostitutas e até tiros de revolver em algum momento mais tenso.

Bem, finalmente Aaron consegue colocar Aldous em direção à Los Angeles, desta feita via automóvel, após perder-se o voo marcado, naturalmente. Mas ele não vai ao local do show, pois resolve passar antes na residência de sua ex-namorada, a cantora Pop, Jackie Q e essa mulher está agora com o baterista do grupo de Heavy-Metal, Metallica, Lars Ulrich, vivido por ele mesmo. Aldous já havia ligado desde Nova York, aliás, mediante um telefonema que gerou uma conversa pornográfica. É engraçada a cena em que Aldous hostiliza o baterista, Lars, por ciúmes e diz: -“vá processar o Napster, sua bicha dinamarquesa”. Trata-se de uma piada sutil, mas com múltiplos significados a ser bem entendida pelos fãs do Heavy-Metal.

Concomitantemente, Aaron está em apuros com a sua esposa, Daphne (interpretada por Elisabeth Moss). Ele é médica e havia recém proposto ao marido a mudança do casal para Seattle, onde uma oportunidade para trabalhar em um hospital, estava a empolgar-lhe. Mas o marido não desejava ir, pois mantinha o seu emprego na gravadora, em Los Angeles. A esposa, ingenuamente, sugere que em Seattle existe muita música para que ele possa continuar a trabalhar nesse ramo, por conta do movimento “Grunge” que é dessa cidade. É óbvio que a moça não tem noção que o auge desse movimento passara, há vinte anos e daí, mais uma piada, desta feita, sutil.

Aldous entra na vida do casal e Aaron desespera-se, pois sabe que o incontrolável Rocker britânico vai gerar algum embaraço a qualquer instante. Pois é muito interessante como absolutamente de uma forma inusitada, o casal posta-se como se estivesse em uma sessão psicanalítica em torno da terapia de casais e o Rocker, Aldous, “comanda” a sessão, a portar-se como o psicanalista. 
A construção da sketch foi perfeita, pois apenas quando o espectador toma consciência do teor dessa piada, tal cenário fica inteiramente assim configurado. Todavia, fica ainda engraçado quando a esposa de Aaron, incomodada com muitas suspeitas que alimentara em relação ao marido, por ele ter possivelmente envolvido-se em farras com Aldous, nos últimos dois dias, insinua que aceita praticar ménage à trois, com os dois, como uma espécie de vingança pessoal contra o seu marido. 
Aldous não pensa duas vezes para aceitar e Aaron, em princípio indignado, resolve participar enfim e a cena mostra-se um absurdo em termos de constrangimento, a gerar a dita, “vergonha alheia”.
Falta muito pouco para o show e claro que Aldous nem importou-se em ensaiar com a banda, e nem mesmo para participar do trabalho do soundcheck vespertino. Nesta altura, ele está em uma festa, completamente alucinado e no topo do prédio, comunica às pessoas que está em dúvida se atira-se na piscina da cobertura, ou para fora do edifício, em direção ao solo, na rua. Aaron fica desesperado, mas sabe que lidar com Aldous é assim mesmo, o tempo todo. Enfim, essa menção do Rock Star a jogar-se de um telhado em uma piscina já havia sido incluída no filme, “Almost Famous”, de 2001 e conta-se que trata-se de um fato real ocorrido com o guitarrista do The Allman Brother Band, Duane Allman, em algum momento dos anos setenta, quando este disse estar a sentir-se um “Deus Dourado”, mediante a ação de um delírio provocado por algum agente alucinógeno.

A sequência é surreal, Aldous cai na piscina, mas quebra o braço e apresenta uma fratura exposta, com um pedaço do osso a romper a carne. Ele nem sente a dor e ainda brinca com o ocorrido, mas vai ao show, apesar da insistência de Aaron em levá-lo ao hospital. Mediante um curativo provisório, Aldous veste o seu figurino de show e entra no palco, ovacionado e com extrema energia para para dar o seu melhor aos fãs que lotam o Teatro Grego de Los Angeles. Fica implícita a mensagem que toda a loucura do astro, pareceu incontrolável, mas no entanto, ele detinha o absoluto controle da situação, o tempo todo e por tal fator, sabia que chegaria ao palco no momento certo e faria um show impecável.

Aaron respira aliviado e sai a caminhar em meio ao público, como se estivesse a flutuar. Missão cumprida. Ele e a esposa dormem por quatorze horas ininterruptas para recuperar as forças. Seis meses depois, Aldous Snow está no palco do programa de TV: “Storytellers” e narra como encontrava-se livre dos vícios e atribui a sua nova fase na carreira, ao seu novo empresário, Aaron Green. E como última piada, uma menção ao “Jeffrey”, uma gíria a designar uma determinada droga e o seu inerente efeito alucinógeno, ocorre, com direito à menção para as “paredes peludas”, outra piada do filme, é feita através de uma canção com esse título, que ele canta com a sua banda, Infant Sorrow.
A parte musical do filme, é boa. O Hard-Rock do Infant Sorrow lembra o som de Alice Cooper em tempos mais modernos, a bordo de uma estética Hard-Rock oitenta/noventista. 
A produção do filme é requintada. As cenas das apresentações musicais, são impecáveis, tanto na ocasião das cenas da TV (NBC e Storytellers), quanto a apresentação do Rat Pack Cover em Las Vegas, além é claro do show no Greek Teather. Não apenas isso, o filme tem o padrão de uma produção “blockbuster”, com orçamento farto e daí; fotografia; figurino; maquiagem; direção de arte e outros quesitos, são de primeira qualidade. Ouve-se o som do grupo fictício, Infant Sorrow e pontuais menções, com bandas reais como: The Clash, T.Rex e New York Dolls.
Outros atores que participaram: Lino Facioli (como Naples, o filho de Aldous, criança), Carla Galo (como Destiny) e muitos outros. Mais personalidades a atuar como elas mesmas, em pequenas participações: Zöe Salmon, Tom Felton, Mario López e Billy Bush.  
Com roteiro e direção de Nicholas Stoller, o filme foi lançado em junho de 2010 e apresentou um bom desempenho nas bilheterias, bem direcionado ao público em geral como uma comédia popular e não necessariamente vendido como um Rock Movie. No entanto, é óbvio que ele tem essa característica forte, e contém muitas piadas e situações a citar o Rock em seus meandros, para torná-lo um filme com um status de comédia Rocker, que chega perto de alguns trabalhos fortes nesse quesito, tais como: “Up in Smoke”, “This is Spinal Tap” e “The Rutles”, entre outros.

Existe no formato DVD, recheado com extras interessantes e atualmente, 2019, ainda está disponível na grade da Netflix.

Esta resenha foi elaborada para fazer parte do livro: "Luz, Câmera & Rock'n' Roll, em seu volume III, e está disponível para a leitura a partir da página 24.