Eis aqui um
filme que surpreende por trazer uma visão sobre os bastidores da realização do
Festival de Woodstock, com uma certa leveza dramatúrgica; e também a conter uma
certa guarida com a realidade, embora com licenças poéticas, muitas, aliás, e a
respingar em boa música na trilha, embora o festival em si, seja apenas
insinuado por menções rápidas, sem a intenção em mostrar o palco e os artistas
que ali atuaram na realidade. Que o festival tem uma importância macro na
história, não apenas do Rock, mas a revelar ser um marco da contracultura dos
anos sessenta, isso é ponto pacífico. Tirante o próprio documentário oficial,
que é icônico por si só, muitos outros documentários foram produzidos ao longo
dos anos para repercutir o que aconteceu em Woodstock; destacar a performance
dos artistas que ali apresentaram-se e debater a importância do festival no bojo
do movimento Hippie etc.
No entanto,
foi através dessa película lançada em 2009, ou seja, exatamente quarenta anos
após o lançamento do festival, que uma visão diferente foi proporcionada aos
estudiosos sobre o assunto; adeptos e simpatizantes da contracultura, além do
público em geral, formado por Rockers; Hippies & Freaks, simpatizantes do
festival e dos artistas que dele participaram. Com uma abordagem amena, porém a
deixar nas entrelinhas muitos pontos importantes, este filme teve o respaldo do
livro homônimo, escrito por Elliot Tiber, com colaboração de Tom Monte.
Elliot
foi em tese, o agente para que o festival acontecesse na localidade de Woodstock,
por um golpe fortuito dos acontecimentos, ao dar a dica, para o produtor, Michael
Lang que até então enfrentava dificuldades para definir um local para o
Festival, e dentro dessa indefinição, arrola-se o boicote da parte de vários
governantes municipais, nada simpáticos à ideia de suas respectivas cidades
receberem um festival de Rock e por consequência, atrair uma infinidade de
hippies a formar a sua plateia.
Bem, o livro
de Elliot Tiber, intitulado: “Taking Woodstock: “A True Story of a Riot, a
Concert and a Life”, foi publicado em 2007 e narra a história sobre como Elliot
proporcionou à Michael Lang a ideia e mais do que isso, ao fazer a
intermediação para que Michael Lang fechasse então o aluguel da fazenda de um
camponês local (em White Lake), e daí em diante a história oficial é bem
conhecida. Cabe no entanto, deixar claro que o próprio livro de Elliot foi
contestado, inclusive por Michael Lang, em diversos pontos, ao acusá-lo em ter
distorcido muitos detalhes a respeito de tais acontecimentos e enaltecido muito
a sua própria pessoa, ao exagerar na porcentagem de mérito que Elliot teve
nessa intermediação. Palavra contra palavra, portanto, um dia uma versão
fidedigna à verdade será estabelecida e controvérsias a parte, a questão é que
a base primordial da história é real e trata-se de uma trama marcada pelo
improviso, e diante do que o festival tornou-se, foi como muitos Rockers
supersticiosos costumam dizer: um arranjo diretamente estabelecido pelos
“Deuses do Rock”.
Ainda a
falar sobre o livro, a narrativa é mais abrangente ao mostrar com maiores detalhes
a trajetória pregressa do seu autor, e a dar ênfase ao seu lado militante da
causa gay em Nova York, quando este fora participante dos atos que deflagraram
os acontecimentos ocorridos no Stonewall Inn, e que mobilizou a comunidade gay
em torno das suas reivindicações na sociedade. No filme, essa questão é obscurecida
e a ênfase é dada ao retratar-se a participação dele, Elliot no desenrolar dos
bastidores do festival de Woodstock, tão somente.
Portanto, ao
falar sobre o roteiro deste filme, em seu início, mostra-se a pacata localidade
de Bethel, uma minúscula cidade interiorana dos Estados Unidos, distante cerca
de 150 km de Nova York. Em um motel decadente, vive um casal de idosos que o
administra com muitas dificuldades. A senhora Sonia Teicheberg (interpretada
por Imelda Staunton), tem um gênio irascível e não demonstra nenhum pudor em
explorar e maltratar os pouquíssimos hóspedes que ali aventuram-se em usar as
mal cuidadas instalações do local. O seu marido é um homem bem mais razoável (Jake
Teishberg, interpretado por Henry Goodman), mas doente, não tem forças para
enfrentar as loucuras perpetradas pela esposa, na péssima administração do
estabelecimento, resignado com o fato de que a sua vida mostra-se com os dias
contados. Um dos filhos do casal, Elliot Teicheberg, mais conhecido como Elliot
Tiber (interpretado por Demetri Martin), mora em Nova York, mas passa os finais
de semana no motel da família, chamado, “El Monaco” e ajuda a movimentar rendas
extras para salvar o estabelecimento da completa ruína.
Como ele atuava como um ativista
cultural em Nova York, está acostumado a lidar com arte e artistas e por
exemplo, aluga um galpão em anexo ao motel, para uma trupe de teatro poder
ensaiar e também dedica-se aos acontecimentos culturais da municipalidade ao
chefiar o conselho cultural formado por moradores da cidade e nesses termos,
Elliot já mantinha uma certa experiência em produzir modestos festivais
musicais, geralmente orientados pelo Jazz ou música erudita. No entanto, ele já
não sabe o que fazer para ajudar os seus pais a quitar as dívidas bancárias e
mostra-se ainda mais desanimado ao observar os desmandos da parte de sua mãe e
da apatia apresentada pelo seu pai.
Um amigo de
Elliot é recém egresso da guerra do Vietnã, conflito esse onde ele teve baixa
por conta de ferimentos recebidos no front. Esse rapaz, Billy (interpretado por
Emile Hirsch), está bastante transtornado por conta de transtornos psicológicos
adquiridos por causa da guerra, ao comportar-se muitas vezes como se estivesse
a reviver o pânico observado no front, em meio ao lodo das florestas
vietnamitas cercadas por inimigos e com o solo minado, todavia, no decorrer do
filme, descobre-se que ele finge na maior parte do tempo estar transtornado,
como uma forma para exercer um puro deboche ou por conveniência mesmo, ao
buscar assim angariar a comiseração local.
Eis que o
noticiário da TV mescla notícias sobre a guerra do Vietnã, a corrida espacial
(a nave Apolo XI de fato, pousou na Lua em 20 de julho de 1969, com o
astronauta, Neil Armstrong a tornar-se o primeiro Ser humano a caminhar em tal
satélite, e com tudo devidamente transmitido ao vivo para o mundo inteiro, pela
TV). E também fala-se bastante sobre a preocupação das autoridades com a
crescente presença dos Hippies pelas ruas da América e por conseguinte, o
fomento aos festivais com bandas de Rock, a incentivar a multiplicação do
fenômeno. Poucas cenas adiante, Elliot vê a notícia que o prefeito da cidade de
Walkill, ali próxima, vetara a organização de um grande festival de Rock
naquela localidade.
Como Elliot era presidente da Câmara do Comércio local e
mediante uma assembleia com a presença dos outros membros, ele investira a
quantia de um dólar, e assim ganhara a permissão para organizar mais uma vez o
modesto festival local, uma ideia ocorreu-lhe: portanto, não teve dúvidas em ligar para o produtor
musical, Michael Lang (interpretado por Jonathan Groff), em Nova York e deu-lhe
a ideia de usar a área do seu motel para a realização do festival que Lang
estava a tentar fechar em outras cidades vizinhas e ainda não conseguira firmar
um contrato.
É engraçada a cena em que a comitiva de Lang chega ao motel, El
Monaco, para uma inspeção, com vários automóveis e o próprio Lang a chegar
mediante o uso de um helicóptero, a assustar os pais de Elliot. Decididos, a
turma da inspeção examina rapidamente o local e desanima-se, por ele ser
minúsculo ante a sua projeção, fator esse que Elliot desconhecia, pois imaginara
ser um festival com pequena proporção e não algo monstruoso como Lang planejava
efetuar.
No entanto, Elliot aventa outra possibilidade, quando menciona uma
propriedade rural pertencente a um amigo seu, o fazendeiro, Max Yasgur
(interpretado por Eugene Levy). Lang e a sua equipe (a destacar-se a sua
assistente pessoal, a jovem hippie, Tisha, interpretada por Mammie Gummer),
deslocam-se até a propriedade de Yasgur, e em princípio consideram-na
inadequada por conta de sua topografia. Elliot força a barra e propõe um mutirão
com homens a usar tratores para estabelecer uma terraplanagem, mas a ideia é
rechaçada de pronto. No entanto, Yasgur, que interessou-se pelo negócio, também
insiste e ao pedir uma quantia que acha muito alta, mas aos olhos dos
organizadores, mostra-se ao contrário, irrisória (cinco mil dólares), faz com
que Lang aceite realizar o festival ali mesmo, a despeito de algumas
dificuldades de ordem estrutural, por conta dos declives ali apresentados.
Nesse ínterim, Elliot rapidamente oferece o motel de sua família para ser a
base da produção do festival e assim, fecha um aluguel que praticamente salvará
a propriedade da família do confisco perpetrado pelo não pagamento da hipoteca
ao banco local.
Apesar dessa
solução encontrada por pura sorte para solucionar o dilema da família, a mãe de
Elliot fica possessa por saber que hospedará um banda formado por Hippies,
todavia é engraçado, pois ela muda de ideia repentinamente quando o filho joga
um pacote sobre a mesa e ela descobre em seu interior, vários maços de notas de
dólares, pois Lang pagara antecipadamente pelo aluguel e em espécie. O valor
não apenas resolveria a dívida bancária, mas ainda sobraria bastante.
Uma cena
tipifica bem a mentalidade do cidadão norte-americano médio, ao mostrar Elliot a
adentrar em uma lanchonete onde conhece todo mundo, do dono aos clientes, desde
a infância e a ser hostilizado por todos. O motivo : a população tomara
conhecimento que Elliot autorizara a realização do festival e ninguém ali
estava feliz por saber que cerca de cinquenta mil hippies invadiriam a cidade.
Ledo engano nesse projeção, pois essa cifra multiplicar-se-ia por dez, no
computo geral da vida real. Um dos mais exaltados dentro da lanchonete, é Dan
(interpretado por Jeffrey Dean Morgan), irmão do veterano da guerra, Billy,
aquele rapaz que tornara-se um hippie cabeludo e a fingir ser um traumatizado
pelo conflito.
Tisha, a
secretária de Lang, deixa vazar a informação de que já estavam vendidos mais de
cem mil ingressos e tal informação chegara ao fazendeiro, Yasgur. Astuto, ele
pede uma nova reunião com Lang e os seus assessores e nessa nova conversação, firma
ter repensado o valor do aluguel da fazenda e agora reivindicava a soma de setenta
e cinco mil dólares. Bem, isso gera um desconforto óbvio, pois Lang afirma que
essa soma seria suficiente para comprar definitivamente a fazenda, mas Yasgur
retruca ao dizer que cem mil pessoas ali na sua propriedade a urinar, defecar e
tomar banho, seria um impacto tremendo para a sua propriedade. Enfim, ambos
tiveram razão em seus depoimentos, mas mesmo com essa pedida mais alta e
astronômica em relação ao primeiro combinado, ainda assim tal cifra coube no
orçamento do festival e o acordo foi selado, enfim.
À medida que
os preparativos para o festival avançam, situações ocorrem, algumas engraçadas,
até. Fiscais a serviço de órgãos governamentais e que raramente apareciam, é
claro que surgem e estabelecem exigências e sem as quais, ameaçam o motel da
família de Elliot, mediante multas pesadas. A população começa a hostilizar os
membros da organização do festival, mas à medida que os primeiros hippies
chegavam à localidade, muitos mudam de ideia ao ver os seus negócios movimentar
um lucro incomum, dada a crescente demanda.
Uma observação
muito interessante precisa ser feita neste ponto, pois o filme resgatou uma
tradição antiga, e muito usada no documentário oficial do festival, ao usar o
recurso da tela dividida em duas; três ou até quatro partes para mostrar a
mesma ação simultânea sob vários ângulos ou ações diferentes. Foi uma
homenagem, não tenho dúvida.
A chegada
dos freaks é mostrada com uma fidedignidade muito boa no quesito da recriação
de época, via direção de arte, figurinos/maquiagem/acessórios etc. Menções
aos ônibus psicodélicos com freaks vindo de comunidades diversas, é total e com
direito à menção ao nome de Timothy Leary. A mãe de Elliot está enlouquecida
com a possibilidade em lucrar mais, e em meio à sua sanha desenfreada, ela
divide o quarto em biombos para abrigar mais hóspedes, ou seja, deve ter sido a
precursora do conceito do hostel. Pior ainda, cogita cobrar por fora para ceder
sabonetes e toalhas aos hóspedes.
Outra cena que parece engraçada, mas revela
uma verdade que existe no mundo inteiro, eis que dois mafiosos chegam ao motel
e oferecem o famoso serviço de “proteção privada”, mediante a cobrança de uma
“módica” quantia de dez mil dólares mensais. O pai de Elliot, mesmo a
mostrar-se debilitado pela doença que o minava, os coloca para fora aos
pontapés, mas é bem sabido que não assim que lida-se com mafiosos. Eis que
surge a figura de Vetty Von Wilma (interpretada por Liev Schreiber), que vem a
ser um travesti, mas que trabalha como segurança. Ex-fusileiro naval e experiente
em ações de segurança, embora vestida como se fosse uma mulher loura e sensual,
“Vilma” é prontamente contratada por Elliot, talvez pelo fato dele ser gay e
ter a certeza que se precisasse, Vilma deixaria a sua feminilidade de lado e
agiria com força viril.
Uma coletiva
de imprensa é convocada e Elliot é convidado a participar por ter sido a autoridade
local a permitir a sua realização ali. No entanto, ele fuma maconha antes da
entrevista e desacostumado com o artefato, descontrola-se e afirma uma bobagem
impensada, ao anunciar que devido à procura, a organização havia decidido
liberar a cobrança de ingressos. Com tal declaração a repercutir na televisão,
as mais de cem mil pessoas esperadas, multiplicaram-se, ao chegar-se na casa de
quinhentas mil. A pergunta que fica: foi por conta dessa falha de comunicação
que o festival ganhou tal dimensão? Parece uma licença poética muito grande do
filme e consequentemente do livro, que foi escrito pelo próprio Elliot real,
portanto, fica também sob suspeita essa colocação.
Na praça
pública da cidade, o festival prosaico que Elliot costumava organizar,
acontece, com uma banda de Rock local formada por adolescentes, e muito ruim. O
pessoal do grupo teatral que costumava ensaiar em um galpão ao lado do motel El
Monaco, apresenta-se e em dado instante, os atores, rapazes e moças, despem-se
e chocam as famílias ali presentes. Os atores, tomaram tal atitude certamente
empolgados com a presença de muitos hippies na cidade.
Eis que ouve-se os
acordes da magnífica canção, “Wooden Ships” de Crosby; Stills & Nash e o
festival está para começar. As estradas estão completamente congestionadas e na
TV, intercaladas com cenas da guerra do Vietnã, o noticiário repercute o caos
no trânsito, com milhares de jovens a tentar chegar ao festival.
Um sucessão
de cenas rápidas, mostra-se significativa nos contrastes. Jovens empolgados e
pessoas conservadoras a reagir com repulsa e reacionarismo, são mostradas. O
festival inicia-se e o travesti/segurança, Vilma, diz à Elliot que ele
deveria ir ao festival para aproveitar, nem que fosse um pouco. Elliot não é
nenhum “freak”, propriamente dito, mas acata a sugestão e desloca-se até a
fazenda, para assistir um pouco.
Essa parte do filme é tratada quase como uma
experiência onírica, ao mostrar a euforia generalizada dos freaks e a tomada de
consciência de Elliot sobre a dimensão e sobretudo, a vibração emitida pela
comunhão de ideais ali demonstrada. Outro mérito deste filme, muitas cenas
oriundas do documentário, foram recriadas de uma forma muito sutil e bonita,
certamente, mas vista por outro ângulo, que é o ponto de vista da personagem de
Elliot. A bondade surpreendente de um policial que mostra-se solícito e
compreensivo ao ponto de apoiar os freaks, e até exagera-se na brincadeira ao
imputar-lhe a fala, quando ele afirma que está até a estranhar a sua docilidade
naqueles dias e que certamente isso deveria ser atribuído ao fato que ele estava
com o seu estado mental alterado devido a estar a respirar, mesmo que
involuntariamente a maconha que exalava pelo ar. Fez sentido.
Mesmo as
cenas que mostram o produtor, Michael Lang nos preparativos do festival a
cavalgar em seus deslocamentos, são perfeitas, pois isso é visto no
documentário real sobre Woodstock. E muito mais cenas, como a das freiras
flagradas em meio à multidão de Hippies na estrada, que é mostrada no
documentário; jovens a usar telefones públicos para falar com os pais e
tranquiliza-los sobre estar “tudo bem” consigo; o senhor humilde, funcionário
da limpeza a limpar banheiros químicos e declarar ter um filho a lutar no
Vietnã e outro ali a apreciar o festival e que sentia orgulho de ambos, enfim,
uma linda homenagem ao festival e ao seu documentário oficial.
Não é
mostrado o palco, apenas vê-se alguns relances sobre ele, bem longe e ouve-se
o som de Arlo Guthrie e Richie Havens. Elliot chega perto de uma Kombi
psicodélica e conversa com um casal de hippies que o convida a entrar no carro,
após todos ingerir doses de LSD. Ali dentro, com uma decoração que é uma tenda
hippie multicolorida, o ácido faz efeito e Elliot tem alucinações louquíssimas.
Ele sai da van e vê o palco do festival, muito longe dali e ele pulsa,
literalmente, certamente graças ao efeito alucinógeno proporcionado pela droga,
mas há o lado metafórico, pois é lógico que a vibração do festival provocara
aquela comunhão a promover uma pulsação única, como se fosse de fato, um corpo
só. Essa cena provoca lágrimas, pois é muito bonita a exemplificar o maior
tesouro gerado por Woodstock: a sua alta vibração. O casal de hippies que
compartilhou tal experiência com Elliot, foi interpretado pelos atores, Paul
Dano e Kelli Garner, mas as suas personagens não tiverem os seus nomes
especificados.
Elliot entra
na vibração e ao encontrar-se com o seu amigo de infância, Billy, ambos entram
na brincadeira de deslizar na lama gerada pela chuva intensa que caíra, junto e
dezenas de freaks. De fato, os gritos e a batucada indígena a clamar pela não
concretização da chuva, não houvera sensibilizado os Deuses do Rock e a chuva
aconteceu e foi forte na vida real. Ouve-se o som da The Band e Country Joe
McDonald, mas como sempre neste filme, a não recriar as cenas de palco com os
artistas, como uma opção em tratar apenas dos bastidores do festival e servir assim
fielmente ao roteiro adaptado do livro.
Elliot volta
para a sua casa, ou seja o motel El Monaco e está diferente. Vilma, a travesti
percebe que a experiência em ter vivido o festival, repercutira no interior do
rapaz. Uma cena engraçada, Vilma coloca maconha em um bolo que prepara e os
pais de Elliot ficaram enlouquecidos. Elliot os vê sob uma euforia desmesurada
por conta da perda de controle total. Certamente que ele nunca vira a sua mãe
em estado de alegria, pois ela sempre vivera sob um mau humor crônico. Em meio
aos acordes da linda canção, “Cant Find My Way Home”, do Blind Faith, sobre o
festival em si, (que fique claro, essa banda, magnífica, por sinal, não participou do evento, portanto, apenas usou-se essa música para emoldurar a cena), praticamente só mostra-se daqui em diante os hippies, que
prontificaram-se a colaborar com a limpeza posterior ao seu término e um
depoimento rápido de Michael Lang a dizer que agora a vida voltava à realidade,
ou seja, a luta diária par ganhar-se dinheiro, o que é emblemático enquanto
mensagem subliminar. E mais um dado, ele diz que já estava empenhado no próximo
festival que seria realizado em um autódromo na Califórnia e que teria como
maior atração, os Rolling Stones. Ou seja, mencionou-se o Festival de Altamont
e que infelizmente não foi realizado com o mesmo astral de Woodstock e pelo
contrário, até morte protagonizou em meio à plateia.
E o final do
filme reserva espaço para a dramaturgia focar mais na questão pessoal de Elliot
e sua família. O seu pai comunica-lhe que estava a morrer, desenganado pelos
médicos e ainda ocorre uma grande decepção com a sua mãe, quando após ela ter
adormecido, exausta após a euforia que teve por conta em ter ingerido bolo com
maconha em sua composição, ela descuidara-se e deixara um compartimento secreto
aberto, a revelar que escondia uma quantia absurda de dinheiro em espécie e
assim, faz com que Elliot e o seu pai descubram que ela nunca pagara as prestações
da hipoteca do Motel, para economizar e por consequência, nunca houvera
acontecido o risco real da perda do estabelecimento por falta de dinheiro, mas
por uma falcatrua de sua parte. Em suma, uma atitude nada fraternal, nada
hippie, nada a ver com o espírito do festival de Woodstock. Fim do filme e em
meio aos caracteres, ouve-se no som de Jefferson Airplane e Richie Havens: “Volunteers
of America” e “Freedom” calam fundo no velho coração psicodélico,
woodstockeano.
Para
encerrar, é um filme muito bem produzido, que revela-se singelo, certamente ao
mostrar o aspecto subliminar do festival, com direito à citações e bonitas
homenagens. Contém uma boa direção de arte, atores talentosos, trilha sonora
muito boa e agrada não apenas quem tem a exata noção da importância contracultural
do festival de Woodstock, mas é capaz de agradar um público abrangente,
exatamente pela sua leveza, apesar das menções às drogas e sexo livre e que certamente pode chocar em outro contexto.
Ainda a
citar alguns atores: Adam Pally (a interpretar um dos coprodutores do
festival, Artie Kornfeld), Dan Flogler (como Devon, o diretor da trupe de
teatro), Skylar Astin (como John P. Roberts, o patrocinador do festival),
Katherine Paterston (como Penny) e outros.
Roteiro de
James Schamus e direção de Ang Lee. Foi lançado em agosto de 2009, alguns dias
após o aniversário de quarenta anos da realização do festival.
A recepção
do público foi fraca. O filme redundou em fracasso nas bilheterias das salas de
cinema, infelizmente. Talvez por ter sido lançado em uma época já dominada por
filmes estrondosos sobre Super-Heróis, a docilidade hippie não tenha feito
sentido e deixo claro que sou fã dos heróis dos quadrinhos, sobretudo do Universo
Marvel, portanto, não se trata de uma queixa de minha parte sobre tais ícones da
literatura dos Comics, em si. A crítica também queixou-se e por motivos
diferentes. Alguns reclamaram sobre o filme ter omitido quase que inteiramente
o fato de Elliot ter sido um militante gay e sem fazer menção alguma aos acontecimentos
de Stonewall, onde ele fora um dos artífices, aliás, fato ocorrido pouco tempo
antes da realização de Woodstock, na vida real.
De fato, no filme, há uma
menção discreta, quando em meio a uma festa hippie ainda antes do festival, ele
beija um rapaz, mas segundos antes, Elliot beijara uma garota, também, a
denotar que estava ali em um embalo motivado pela ingestão de bebida alcoólica
e não exatamente por ser um gay assumido. Outra observação é sobre a
inexistência de cenas do festival em si, com a recriação dos artistas no palco.
Ora, este crítico realmente não entendeu a proposta do filme. E outros
reclamaram de algumas cenas a tentar recriar o clima libertário da época, por considerá-las
forçadas, tolas ou até a transformar o filme em um pastiche sobre o movimento
Hippie.
Tal filme teve um sucesso relativo nas salas de
cinema brasileiras, foi lançado em formato DVD/Blue Ray com direitos a extras
e também com a inclusão de comentários do diretor, Ang Lee. Passou rapidamente
pela cadeia da TV a cabo, mas se atingiu a TV aberta, foi muito rapidamente e
não prosperou com muitas reprises. Na internet está disponível no YouTube,
apenas em trechos. Para assisti-lo na íntegra, somente em versão paga. É uma
taxa módica, mas ela existe, portanto a caracterizar algo nada fraternal, nada
Hippie...
Esta resenha foi escrita para fazer parte do livro: "Luz; Câmera & Rock'n' Roll" em seu volume III, e está disponibilizada para a leitura a partir da página 211.