Faz muito tempo que eu tenho boas
referências sobre uma banda de Rock paulistana e contemporânea, chamada : "Cosmo
Drah". Não foi uma ou duas pessoas, mas
várias que a elogiaram, a atribuir-lhe diversas qualidades natas.
Falavam-me sobre a qualidade de suas composições, com
arranjos muito bem elaborados; um vocalista com forte potencial; instrumentistas de
muita técnica; letras incisivas; e muita
inspiração na música produzida nas décadas de sessenta e setenta do século
passado, tanto no Rock, como na MPB.
Eu sabia que o grupo havia lançado um EP, anos
atrás, mas nunca tive a oportunidade para escutá-lo com atenção, e devido à minha
tardia entrada no mundo virtual, demorei a verificar vídeos da banda ao vivo, e quando os assisti, sim,
comprovei que os elogios procediam e a banda detinha todos esses atributos comentados. Contudo, nada melhor que enfim ouvir com
calma um álbum, com material inédito, e bem produzido em estúdio, para obter enfim, uma melhor avaliação.
O disco homônimo do Cosmo Drah
mostra essa determinação em produzir-se Rock autoral com muita força expressiva, e
sem nenhuma intenção em fazer concessão alguma ao sistema viciado e muito mal intencionado, armado no comando da
difusão cultural mainstream deste país. Só por essa coragem em mostrar o seu
trabalho sem nenhuma preocupação em tentar adequar-se ao que os formadores de
opinião aspiram (esses famigerados lacaios dos marqueteiros do sistema, que impõe
só o que interessa-lhes como “modismo” a ser seguida pelos que deixam-se
abduzir), já tem a minha simpatia, mas o
disco vai muito além dessa resistência heroica em termos ideológicos. Sim, a influência em torno das estéticas observadas no Rock, durante as décadas de 1960 & 1970, é total, e
aonde os críticos geralmente logo preocupam-se em bater o carimbo com a palavra :
“datado” no produto, eu enxergo o mérito em ter-se o bom gosto para buscar uma fonte
inspiradora nobre, aliás, a melhor possível quando o assunto é Rock.
Se o artista mostra-se moderno no
seu áudio, mas traz na parte artística tal influência explícita, é a meu ver um
“religare”, ao contrário das opiniões em contrário de críticos que abominam a
fonte em questão por outras razões, e aí sim, a portar-se eles mesmos como “datados”,
por insistir em bater continência a um paradigma errôneo criado em 1977, de onde decretou-se que fazer música bem composta; bem arranjada; e bem tocada, era “feio”. Sim, “faça você mesmo”, mas faça
bem feito, ora bolas...
Para mergulhar então no disco, a
primeira faixa chamada : “Labirinto”, apresenta-se com muita contundência sonora.
Ao lembrar bastante o trabalho de bandas Hard-Rock setentistas ("Budgie"; "Toad";
"Dust"; "Sir Lord Baltimore"; "Black Sabbath" e outras tantas desse quilate), impressiona pelos
ótimos timbres dos instrumentos, e densidade harmônica. O inconformismo expresso em sua letra, fornece uma
amostra da amargura que esses artistas sentem em viver deslocados em meio a um mundo sombrio.
Não é lamento, mas constatação :
“O que procuram todos, me machuca.
O que procuro, não há luta
Busco de onde veio essa gente
Que se extermina sutilmente”
“Hospício” vem a seguir como segunda
faixa do disco. Gostei muito do acréscimo de percussão gravada pela musicista, Clara Andrade. Tal participação conferiu à
música, um balanço muito bom, ao casar-se perfeitamente com a proposta da
composição, quase a esbarrar no R’n’B, e na Soul Music. Ecos de grupos setentistas tais como : "James Gang", "Captain Beyond" e "Cactus"
soaram em minha audição / percepção, e algumas passagens mais Hard-Rock, remeteu-me ao
trabalho intrincado do "Módulo Mil", banda brasuca de muita qualidade, do hoje
saudoso guitarrista, Daniel Cardona. Na letra, escrita pelo vocalista,
Ruben Yannelli, a metáfora é a liberdade. A ideia de cerceamento de ideias e expressão é claustrofóbica e
revoltante, sempre.
“Já faz tempo me prenderam
Sem motivo ou razão”...
“O Poder", a terceira canção, tem um
sabor Country-Rock agradável.
Recordou-me
dos momentos psicodélicos mais caipiras do "Grateful Dead". Uma intervenção muito
boa do ótimo guitarrista, Carlinhos “Jimi” Junior, como convidado da banda, trouxe o
sabor de sua grande especialidade, ou seja, o timbre ácido de Jimi Hendrix
ao pilotar uma guitarra Fender Stratocaster. Mais uma vez, o Cosmo Drah vem com
uma letra forte, e chamou-me a atenção que ao contrário de muitos artistas que
batem no sistema como se esse fosse o grande culpado de todas as mazelas da
civilização, o enfoque foi outro, ao buscar-se o âmago da questão, ou seja, o sistema
é só uma criação oriunda de um conjunto de paradigmas, e estes nascem na mente
do ser humano. Portanto, não é o sistema que oprime-nos, mas o próprio ser
humano que o criou, realisticamente a falar...
“É uma Síndrome Global,
E o prazer de Ter,
Sem Separar do Verbo Ser”...
A quarta faixa, “Subversão” mostra
vários méritos musicais. Para início de conversa, trata-se de
um Hard-Rock com o atributo de um forte gancho, onde lembrou-me a banda brasileira setentista, "A
Bôlha", do também saudoso, guitarrista / tecladista e cantor, Renato Ladeira. Gostei bastante das mudanças bruscas
entre as partes da canção, a remeter-me ao trabalho da banda germânica, "Nektar",
que era uma grande especialista nesse recurso estilístico. Até mudança de compasso, a adentrar em uma fórmula de compasso em
6/8, bem concatenada, o Cosmo Drah apresentou-nos. Acrescento que existe uma boa
intervenção de teclados (executado pelo baixista, Elton Amorim), e uma surpresa
boa quando através de um "looping" dramático, a banda demonstra evocar inspiração em “I Want You”,
do "The Beatles", com bastante energia.
A quinta faixa é homônima.
Em “Cosmo Drah”, gostei de muitos
signos interessantes ali contidos. Por exemplo, o bom uso do pedal Wah-Wah pelo
guitarrista, Anderson Ziemmer; a boa intervenção dos backing vocals inspirados na Soul Music; o recurso de
ruídos fantasmagóricos a gerar uma saborosa e criativa estranheza sonora; e um vocal que lembrou bastante o
trabalho de bandas como o Uriah Heep e o Queen, que aliás, esmeravam-se para elaborar
corais grandiloquentes. Cabe uma análise mais pormenorizada
sobre o solo dessa canção.
Sob um bonito arpejo como base, a opção por um solo
duplo e sobreposto foi ousada. Terreno espinhoso, pois tal recurso carece de uma observação
sempre muita atenciosa da parte da produção do áudio em estúdio, acho que o
guitarrista, Anderson Ziemmer, e o produtor Thiago Nacif foram felizes, pois
souberam desenhar os solos de uma forma criativa. Solo duplo simultâneo é como arremesso de três
pontos em uma partida de basquete. É um risco enorme, pela dificuldade em
acertar, a dar margem ao erro, onde além de haver a possibilidade em não marcar-se os três pontos, abre-se
chance para a equipe adversária contra-atacar. Portanto, o Cosmo Drah arriscou, mas
acertou a "cesta" ao meu ver, nesse quesito.
“Caos” tem uma feição de Blues-Rock, bem
daquela fase de fim de anos sessenta, a lembrar grupos sensacionais tais como : "Ten Years After"; "Fleetwood Mac" (fase Peter Green); "Taste", e um certo peso a mais que tende ao Grand Funk Railroad rem
seus primórdios de carreira, além do Blue Cheer, naturalmente. O uso de muitas convenções intrincadas
também remete a outra boa influência em minha percepção, ao aproximar-se do
trabalho cerebral do "King Crimson".
O que mais chamou-me a atenção na faixa : “Nova Estação”, foi a criatividade da letra, em fugir de clichês, muito embora o tema escolhido seja açucarado, em tese. A relação homem-mulher tende a ser difícil para um letrista escrever algo diferente e não sujeito à pieguice que a norteia de forma sempre contundente. Portanto, acho que o vocalista, Ruben Yannelli foi feliz nesse quesito, ao driblar os clichês.
O que mais chamou-me a atenção na faixa : “Nova Estação”, foi a criatividade da letra, em fugir de clichês, muito embora o tema escolhido seja açucarado, em tese. A relação homem-mulher tende a ser difícil para um letrista escrever algo diferente e não sujeito à pieguice que a norteia de forma sempre contundente. Portanto, acho que o vocalista, Ruben Yannelli foi feliz nesse quesito, ao driblar os clichês.
“Falsidade, chatice... quem é você" ?
Musicalmente, gostei do sabor
Rock / MPB setentista, para lembrar o trabalho de uma banda histórica como "O Terço", por
exemplo, mas também senti pitadas do trabalho dos "Secos & Molhados", e uma certa influência porteña de bandas como
"Pescado Rabioso" e "Sui Generis", e eu sei que os componentes do Cosmo Drah tem
grande apreço pelo Rock argentino setentista, aliás, em minha opinião, um sinal de extremo bom gosto,
diga-se de passagem.
“Salamandrah” tem um instrumental
bastante rico, que lembrou-me o trabalho do Som Imaginário, com tanto colorido
harmônico. Mas apresenta também um lado pesado, com certas passagens mostrando
a densidade do "Black Sabbath". Ao escutar mediante o uso de um fone de ouvido e assim tentar buscar mais
detalhes, viajei longe, e senti outras influências bacanas. Pensei no "Gandalf";
"Sweet Leaf"; "Smoke"...ou seja, bandas mais obscuras, mas dotadas de grande qualidade
naquele panteão do Rock 1960 / 1970. Delírio deste resenhista que vos fala ? Pura idiossincrasia ? Pois que o leitor ouça e tire a sua conclusão !
Gostei muito de “Velho Mestre”, uma
canção com forte sabor do Rock Rural setentista. Impossível não remeter ao trabalho do super trio : "Sá;
Rodrix & Guarabyra", e mesmo aos bons trabalhos solo de Zé Rodrix. Um bonito solo de violão, e o uso de
um teclado etéreo que quase soou como um velho mellotron, são destaques,
também.
Em “Mágica do Tempo”, o Cosmo Drah
mostrou o seu lado “Krautrock”. Por lembrar o som de bandas germânicas como o
"Lucifer’s Friend"; "Guru-Guru", e "Jane", entre outros, certamente que elevou o Hard-Rock mais pesado ao patamar do
Art-Rock.
A última faixa do álbum, é “Roedor
Renegado”. Aqui, há um caldeirão de boas influências amalgamadas. A já mencionada referência ao Rock
argentino setentista, fez-se muito presente nesta faixa. Lembra o som do grupo "Almendra", mas
também tem algo do Blues-Rock do "Aeroblues", sem dúvida. Tem muito de Rock brasuca setentista,
também.
Sobre a atuação individual dos componentes do Cosmo Drah, nesse trabalho, eu gostei muito.
Sobre a atuação individual dos componentes do Cosmo Drah, nesse trabalho, eu gostei muito.
O baixista, Elton Amorim, tem bastante
técnica e a sua criatividade nas linhas que criou, são muito agradáveis. O seu
baixo é melódico, bastante incisivo enquanto peso e presença, a empolgar em
todas as faixas. Acrescento que não poderia ser de outra maneira, dada a
quantidade enorme de boas influências que detém em sua formação pessoal, aliás,
caso dos quatro componentes. Gostei muito da bateria de Renato
Amorim, irmão de Elton, e outro caso de uma cozinha familiar de alto padrão e
entrosamento, tal qual no exemplo dos irmãos Busic, Andria e Ivan.
Ótima condução, com muita
criatividade nas viradas; muito firme & preciso, pontual e expressivo no uso
dos pratos; e a demonstrar um grau de bom gosto extremo na escolha dos timbres das peças de sua batera,
a marcar com peso e brilho, muito bons. Claro, o dedo do produtor, Thiago Nacif, pesou
no quesito timbre, tendo esse mérito também.
O guitarrista, Anderson Ziemmer é
excelente, também. Bom harmonizador e solista, confere muita qualidade ao som
do Cosmo Drah. É bem expressiva a sua colaboração ao trabalho da banda, nos nos riffs & licks, em que brilha no disco inteiro.
E finalmente, ao falar do quarto
componente, o vocalista, Ruben Yannelli, creio que seja uma das grandes vozes da
cena do Rock brasileiro da atualidade. Dono de uma voz potente, com forte
emissão, lembrou-me bastante o estilo de Luiz Carlos Porto e Fughetti Luz, vocalistas emblemáticos
do Rock Brasuca setentista. E o seu trabalho como letrista também merece
destaque, ao mostrar inspiração e contundência. Por falar nisso, sobre a parte
poética, é bem verdade que no cômputo geral a banda apresentou nesse disco um
clima pesado nas abordagens. Sob um primeiro olhar, poderia dar a entender que as
letras são pessimistas, dadas ao desalento, como uma manifestação de
desesperança sombria. Mas eu descarto essa visão, apesar
da aparência inicial, pois nas entrelinhas, não creio que haja tal carga
proposital. Em minha opinião, a proposta é outra,
a buscar a denúncia, mas sem o conformismo, tampouco o lamento em forma de lamúrias, tão comum na atualidade, como observamos nas Redes Sociais da
Internet.
Sobre o áudio do disco, eu gostei
bastante. Contém a pressão sonora moderna da era digital, mas as timbragens são
bastante agradáveis e semelhantes ao áudio analógico de outrora. Tudo soa bem proeminente, e na velha
escola de padrão de mixagem para uma banda de Rock, onde a voz é tratada como
mais um instrumento, e não gritante na frente de tudo, como nas gravações
comerciais sob intenção Pop / radiofônicas. Sendo assim, realço o bom trabalho
do produtor, Thiago Nacif, auxiliado pelo “tape engineer”, André Ferraz, do
estúdio : “Da Paz”.
Há por destacar-se também a presença
do produtor fonográfico, Eduardo Lemos, que a representar a gravadora, Melômano
Discos, apostou no trabalho de uma banda sob qualidade ilibada, embora a manter-se como "outsider" no mercado
mainstream, portanto, uma atitude assim, a pensar exclusivamente na arte e não em cifras, tem que
ser muito louvada da parte de quem gosta de música, arte & cultura de uma
forma geral, e em específico do Rock brasileiro autoral, e que não faz parte de conluios vergonhosos.
Sobre a capa, o que dizer de mais um
trabalho de Diogo Oliveira ? Pois eu sou muito suspeito para elogiar o
trabalho desse enorme artista plástico / publicitário / web designer / músico e
grande agitador cultural, pois ele já desenhou capa de disco de banda minha, elaborou muitos
cartazes de shows e assinou vídeoclip de enorme sucesso e criatividade de um
trabalho meu feito anos atrás. E constato com alegria, que é mais
uma resenha de álbum de uma banda brasileira que eu preparo (ler sobre o CD “O Voo
do Marimbondo”, do Vento Motivo, no arquivo deste Blog), onde tenho o prazer em
saber que mais uma arte de capa / encarte é assinada por ele. Sobre a ilustração em si, Diogo
buscou o lúdico dentro do realismo fantástico. Tem um certo sabor Sci-Fi, é
verdade, mas o que é marcante mesmo na sua ilustração, é o Ser flutuante a tocar o solo com o dedo indicador, e assim estabelecer a alusão ao telúrico.
Mais uma vez o Diogo mostrou-se um
mestre da ilustração, pois nessa sua concepção, sintetizou o trabalho do Cosmo
Drah, ao fazer a ponte entre o som que nos faz viajar e a realidade da vida
material. É etéreo e chão, ao mesmo tempo.
Um resumo de cada faixa do álbum, nesse "teaser" acima, postado na Internet
Para conhecer melhor o trabalho do
Cosmo Drah, procure a sua página na rede social Facebook :
Para contato direto com a banda,
procure :
Vale a pena também conhecer o
catálogo da gravadora Melômano Discos :
Recomendo o trabalho do Cosmo Drah,
com esse primeiro álbum homônimo, com certeza.