Uma parte importante da história da aviação brasileira e pode-se afirmar, também mundial, é pouco conhecida, a se tratar da implantação da primeira linha aérea transoceânica do mundo, que ligou o Brasil e a Alemanha, na década de trinta.
Parece algo inacreditável, mas sim, isso ocorreu principalmente entre 1930 e 1937, com os voos a se tornarem regulares entre as duas nações, através do uso dos dirigíveis, ou como popularmente se tornou mais conhecido como denominação: os "Zeppelins".
Essa lacuna a ignorar um fato tão relevante da história e seus múltiplos desdobramentos, precisava de um estudo profundo e este livro, "Os Zeppelins nos céus do Brasil" veio para suprir inteiramente tal tarefa. Escrito por Cristiano Rocha Affonso da Costa, um autor que contém tarimba como escritor de muitos livros extremamente bem escritos e além de tudo, se destaca pela sua atuação no campo da história e geografia, como um pesquisador muito minucioso.
Portanto, através de suas páginas ricamente ilustradas, recheadas de informações técnicas e culturais a abordar os inúmeros aspectos que cercam tal atuação dos "Zepellins", o texto foi escrito de uma maneira magnífica, e assim a provocar muitas reflexões ao leitor, ou seja, somos induzidos a levar em conta inúmeros aspectos correlatos, tais como: ao pensarmos na parte técnica dessa engenharia aérea, por exemplo, que avanço incrível foi proporcionado por tamanho empreendimento.
Sob o ponto de vista socioeconômico, a revolução que foi para um país pobre do terceiro mundo ter esse elo de incrível modernidade para os padrões da época é algo notável. E os desdobramentos sociopolíticos advindos do fato de que tal rota também se tornou um trunfo da propaganda nazista e a criar vínculos com seus simpatizantes no Brasil e nas nações vizinhas sul-americanas no decorrer de tal década, foi inevitável.
O uso civil e militar é analisado, assim como os efeitos culturais advindos, que mexeu com o imaginário brasileiro da época e isso é visto em reportagens publicadas por órgãos de imprensa, ilustradas em profusão ao longo do livro.
A parte estritamente técnica é esmiuçada de uma forma impressionante. São dezenas de notas de página a denotar que a bibliografia consultada foi gigantesca.
Tudo é explicado, da invenção dos dirigíveis ao seu funcionamento propriamente dito e muito bem amparado por uma vastíssima carga de dados, ou seja, o leitor vai se sentir plenamente satisfeito ao se deparar com uma leitura tão bem embasada.
Em termos de aeronave comercial, é impressionante o grau de conforto (até requinte, eu diria), que os tais dirigíveis detinham e tudo isso é amplamente relatado em detalhes.
E a diferença entre os modelos "Graf Zeppelin" e o "Hindenburg?" Está tudo esmiuçado ali!
É verdade que a banda de Rock britânica, "Led Zeppelin" foi ameaçada de ser processada por herdeiros do Conde Zeppelin, o patriarca do dirigível Zeppelin? Sim, uma neta do Conde ficou furiosa ao receber a notícia que o nome da sua família batizara uma banda de Rock e tal passagem com muitos detalhes é narrada no livro.
Aliás, cabe destacar que entre tantos atributos, o autor é também um grande músico e estudioso da história do Rock, portanto, há a grande possibilidade dele escrever obras sobre o Rock em um futuro não muito distante e não tenho dúvida que serão livros muito bem escritos e embasados.
E a parte mais voltada para o impacto dessa linha aérea sobre o Brasil, é muito fascinante. Mediante fotos incríveis que o autor pesquisou, inclusive oriundos de remotos acervos familiares que ele encontrou em meio aos descendentes de pessoas que fotografaram os "Zeppelins" pelos céus do Brasil, posso afirmar que são fotos de tirar o fôlego pelo seu caráter histórico.
Se no padrão da época uma viagem regular de navio da Alemanha para o Brasil durava entre 15 a 21 dias a depender das condições climáticas enfrentadas em alto mar, com os dirigíveis esse prazo se reduziu a uma média de três dias e meio, então é possível imaginar o quão foi importante para os dois países tal avanço tecnológico nos transportes intercontinentais, no sentido de que no sul do Brasil (principalmente em Santa Catarina) e na Argentina, as colônias alemãs eram bem grandes. Portanto, tal rota se tornou uma prioridade como transporte de pessoas, cargas e na ação prática como agente de correio.
Há relatos prosaicos a dar conta de pessoas reunidas nas ruas para admirar a passagem dos bólidos enormes e acenar freneticamente para que a sua tripulação se sentisse agraciada e isso demonstra o grau de fascínio com o qual tais acontecimentos ocorreram na ocasião.
Um capítulo foi dedicado para narrar a destruição do dirigível Hindenburg em 6 de maio de 1937. Um acidente muito traumático e que suscitou uma polêmica sobre a viabilidade e segurança de tais aeronaves. Claro, a aviação tradicional havia evoluído muito e tinha o seu interesse em dominar completamente os céus doravante.
Há também muitas curiosidades mais amenas, como as fotos com montagem a atribuir feitos impossíveis aos dirigíveis, e o relato sobre como era a técnica de decolagem e sobretudo da aterrissagem, a se valer de uma atracação semelhante de certa maneira ao padrão náutico mais antigo, mediante cordas gigantes içadas, ou seja, dado muito interessante.
E por fim, um pequeno apanhado pós era dos dirigíveis é colocado, para encerrar a obra com chave de ouro.
Na prática, é um livro técnico, mas o leitor comum e leigo (meu caso, por exemplo) haverá de gostar muito da obra, pois a linguagem é acessível e o conteúdo tem aquele espírito delicioso de um almanaque a conter muitos dados, sim, mas descritos de uma forma lúdica.
E sim, as muitas ilustrações contidas são interessantíssimas e despertarão no leitor, eu tenho certeza pois tive essa sensação ao lê-lo, uma sensação de curiosidade e admiração por tal assunto.
O acabamento gráfico do livro, aliás, é muito bonito, com capa dura e a conter uma ilustração belíssima.
Em suma, mesmo que a aviação não seja um assunto do total interesse do leitor desta resenha, eu recomendo bastante a obra, pois tenho certeza que vai apreciar muito essa abordagem de uma história pouco falada no Brasil e que agora, mediante tal livro, tem enfim um estudo minucioso sobre o assunto e escrito de uma forma leve, apesar de ser um livro repleto de dados precisos.
Leia também no meu Blog a resenha que preparei para uma outra obra do mesmo autor: "Negociação de crises e reféns".
Eis o link para acessar:
http://luiz-domingues.blogspot.com/2019/03/negociacao-de-crises-e-refens-cristiano.html
Ficha técnica:
Livro: "Os Zeppelins nos Céus do Brasil" (uma visão sobre as viagens ao sul do país e o nazismo no pré-segunda guerra mundial)
Autor: Cristiano Rocha Affonso da Costa
Prefácio: Saulo Adami
Preparação de texto: Heidi Gisele Borges
Revisão: Heidi Gisele Borges, Marcelo Amado e Ronald Monteiro
Arte da capa: Victória Costa
Editora Estronho
Apoio: Matilda Produções
Lançamento: 2020