sábado, 30 de novembro de 2024

Filme: The Wall - Por Luiz Domingues

Bem, ao tratar-se de uma obra baseada em um álbum do Pink Floyd, é óbvio que a primeira expectativa gerada é por um grande filme, sob vários aspectos além da boa música que essa banda sempre propiciou em sua carreira tão significativa. Creio que em linhas gerais, o filme vai além de tal expectativa, pois o texto proposto como mote no álbum do Pink Floyd, é forte e ao apresentar-se como uma “Ópera-Rock”, propriamente dita, pois a sua estrutura alinhavada como uma história contínua, configura um libreto, certamente. Nesse aspecto, o disco “The Wall” já veio a público municiado com tal invólucro grandioso, ao suscitar uma história a conter um mote forte. Portanto, ficou mais do que justificada a intenção de adaptar tal história para o padrão cinematográfico. Não obstante tal fato cabal, há por acrescentar-se que a história contém uma substância forte a resvalar em diversas nuances em torno do tema da repressão, e com a forte insinuação em termos de denúncia (e repúdio, por conseguinte), ao nazifascismo como fonte primeva desse tipo de execrável controle das pessoas em meio a uma sociedade rude e desumana por extensão. Ora, um tema forte, fortíssimo para ser mais realista e a produzir o contraponto ao ideário contracultural libertário.
Portanto, por tais características elencadas em conjunto, tal filme teria tudo para ser uma peça cinematográfica das mais efusivas dentro do universo dos Rock Movies e também dentro do espectro contracultural mais amplo, sem sombra de dúvida, no entanto, apesar da obra conter os seus méritos e não são poucos, a realidade mostrou um resultado muito aquém do suposto potencial alardeado pela dedução antecipada mais óbvia e nesses termos, cabe uma análise mais pormenorizada.
Enfim, mesmo com a música celebrada do Pink Floyd a garantir o sustentáculo emocional e a contar-se com um aparato visual, principalmente no que tange às animações que mesclaram-se às cenas dramatúrgicas tradicionais, muito bem executadas, o filme peca pela atmosfera lúgubre, ao revelar-se um estado de angustiante falta de perspectiva, misturado com mágoas e ressentimentos indissolúveis, o que torna a obra, deveras depressiva em muitas, para não dizer todas, cenas ao longo da trama. Ora, é claro que eu sei que o texto sugerido através da história contada pelas letras das canções, sugere esse estado depressivo acentuado e por conseguinte, não caberia nenhuma leitura mais branda que sugerisse um lampejo de esperança ou otimismo da parte da personagem protagonista, que conduz a história, no entanto, a produção; o ator escolhido para interpretar a personagem e a mão pesada do diretor, Alan Parker, carregou em demasia. 
Penso que é óbvio que esse peso todo teve uma carga ainda acima, exercida como uma força a oprimir a produção como um todo, na figura de Roger Waters, baixista; cantor e compositor do Pink Floyd, e nas muitas biografias da banda, há menções sobre esse trabalho em específico e o posterior do Pink Floyd, o LP “The Final Cut” (que era considerado pelo próprio, Roger Waters, como uma continuidade da história iniciada com o LP duplo, “The Wall”), ter sido uma revelação pessoal dos muitos demônios que a desgraça gerada pelo advento da Segunda Guerra Mundial causara-lhe diretamente, ao ter perdido o seu pai no conflito.
Por conta desse trauma adquirido na sua tenra infância (Roger tinha poucos meses de vida, portanto não conheceu o pai, na verdade), ele cresceu a odiar mortalmente o nazifascismo que ceifou a vida de seu pai em campo de combate (Eric Waters, oficial do Real exército britânico, tombou na batalha de Anzio, na Itália, em 1944). Não apenas por conta dos álbuns: “The Wall” e “The Final Cut”, Waters teria escrito canções inspiradas pela dor em ter perdido o seu pai em combate na guerra ou a execrar o nazifascismo como responsável pelo ocorrido, e não apenas com o seu pai, mas também com milhares de outros pais que foram vilipendiados por tal força brutal, motivada pelo desejo em impor uma ideologia tão excludente por natureza intrínseca. 
Mas em “The Wall”, que motivou o filme, isso ficou patente. Dessa forma, a questão da opressão fascista exercida pela força bruta é amplamente retratada no filme, assim com as suas consequências no campo social, como por exemplo a questão da educação regida como um fator a imprimir uma lavagem cerebral às crianças e assim, ao suprimir completamente o poder reflexivo e criativo e portanto a individualidade, a propiciar criar uma autêntica fábrica de seres absolutamente padronizados a seguir as normas impostas pelos seus opressores, sem nenhuma contestação e assim a perpetuar-lhes o poder.   
Para muitas pessoas, o conceito do disco e do filme, “The Wall”, não é exatamente absorvido, pois ficou muito forte a imagem em torno da crítica à opressão educacional, tão somente, graças à massiva exibição da canção, “Another Brick in the Wall”, adaptada como um videoclip isolado e fora do contexto do filme. Portanto, tal conceito se visto isoladamente, também tem a sua relevância, não vou dizer que não seja assim, no entanto, dentro do contexto geral da história, a conotação é muito mais complexa, pois denota o deliberado plano cometido pelo sistema abusivo e opressor, para seguir um roteiro político como meta, e dessa forma, é muito mais grave ainda a denúncia proposta por Roger Waters, através do seu Pink Floyd.
Há mais um aspecto para ser anexado, pois o estrago emocional que tal opressão sociopolítica causou, apresenta igualmente o dano psicológico. A depressão absoluta que leva a personagem ao seu colapso mental, é um fato notório e logicamente algo a lamentar-se. Guerra e imposição de uma ideologia radical gera morte, dor, ferimentos físicos, fome & sede e caos social absoluto, e no bojo, vem os transtornos psicológicos inerentes a abrir caminho para uma infinidade de doenças mentais psicossomáticas. 
Portanto, é bem forte nesse filme, a quantidade de situações a envolver a personagem protagonista nesse sentido e daí ter sido inevitável que o filme tornasse-se depressivo e até deprimente em muitas cenas exibidas. Um filme de guerra tradicional tende a mostrar cenas fores com matança e toda a miséria decorrente a sugerir nojo, tristeza, raiva, desesperança e comiseração com os oprimidos, em doses fartas e isso ocorre em “The Wall”, muitas vezes, no entanto, as cenas do protagonista a viver o seu estado catatônico em vida adulta, decorrente de seus traumas adquiridos na infância em meio à guerra, carregam em demasia em tal sugestão e isso pesa muito, ao tornar o filme desagradável em muitos momentos.
Sobre os aspectos positivos, além da música do Pink Floyd como já aludi, há um aspecto visual muito interessante nas ilustrações que intercalam-se com a dramaturgia. Obra do desenhista/animador, Gerald Scarfe, tais animações são bastante criativas, não resta dúvida. Claro, tais desenhos seguem o libreto, portanto, muitas vezes são representações metafóricas, imbuídas pelo espírito fantasmagórico. Dessa forma, são sugestões tensas a evocar monstros com intenção devoradora, certamente a buscar a metáfora do sistema opressivo que deseja destruir tudo. Portanto, a agressividade é a tônica nessas animações. 
Há também a conotação sexual em alguns trechos, a insinuar a relação sexual entre flores a delinear os órgãos sexuais masculino e feminino humanos, mas que travam uma luta pelo poder e domínio, igualmente. Além de significativas cenas a mostrar um menino (o próprio, Pink, no caso), que mostra-se amedrontado e de uma forma que quase sintetiza a obra, vê-se perseguido por monstros assustadores e descomunais (seus traumas interiores), e por conta desse temor, fecha-se em um muro inexpugnável e aí, o tal muro (The Wall), tem a conotação dupla, pois tanto pode ser a criação mental de alguém que busque uma couraça de proteção, quanto muito pelo contrário, é um campo de concentração montado por um sistema político opressor, com o intuito em tirar de cena os seus opositores. Independente de qualquer alegoria que represente, o fato é que as ilustrações assinadas por Gerald Scarfe, são impressionantes e certamente que é um ponto forte em tal filme. 
Sobre a história em si, não há muito a ser acrescentado, visto que a presença de diálogos é mínima entre as personagens e a história é praticamente expressa pela música e reforçadas por cenas bastante alegóricas a conter bastante ousadia simbólica e pelo uso de animações. Nesse sentido, tudo gira em torno de Pink (interpretado por Bob Geldof, na vida adulta e Kevin McKeon, como adolescente e David Bingham, a interpretá-lo como criança), que é um decadente astro do Rock, cuja vida é inteiramente influenciada pelo fato dele possuir um trauma de infância em torno da perda de seu pai durante a realização da guerra e daí, criado por sua mãe (interpretada por Christine Hargreaves), mediante muitas dificuldades e a trazer no bojo, a opressão escolar. 
O professor (interpretado por Alex McAvoy), é severo ao extremo com os seus alunos, mas em seu Lar, porta-se como um homem fraco, que apanha da esposa (interpretada por Margery Mason). É óbvia a crítica à hipocrisia moralista e típica nos meandros secretos de regimes totalitários. Na vida adulta, Pink é casado (a sua esposa é interpretada por Eleanor David), mas tem groupies à sua disposição, pela condição que ostenta como um Rock Star, naturalmente. 
No entanto, ele vive em estado catatônico a assistir TV, completamente dominado por seus fantasmas interiores. Enquanto assiste velhos filmes de guerra, a sua imaginação o faz recordar-se do conflito que ceifou a vida de seu pai e o quanto sofreu por ter ser criado somente pela mãe e a conviver com amigos que tiveram a sorte em conviver com os seus respectivos papais e ele não (a cena no parque público, é pungente, quando o menino tenta atrair a atenção do pai de um amigo, mas o senhor em questão, o rejeita sem cerimônia para cuidar de seu filho, exclusivamente). Em muitas cenas, Pink explode em crises nervosas a culminar em destruir tudo a sua volta ou tomar atitudes autodestrutivas como a prática do autoflagelo. Em tais cenas, há uma interessante fusão com as animações produzidas por Gerald Scarfe, que a despeito da virulência em que estão envolvidas, são plasticamente belas, pelo aspecto cinematográfico.
Sobre o ator em questão, Bob Geldof, este era um músico inglês que militava na cena da estética do Pós Punk, gerada ao final da década de setenta e com força até pelo menos o início da segunda metade da década de oitenta. Ele atuava com uma banda chamada: “Boomtown Rats”, que foi um grupo deveras insípido e dono de um único êxito musical, ainda que apenas pelo ponto de vista comercial por ter entrado nas paradas de sucesso por um período bem curto, do que propriamente pela sua qualidade artística, no caso, a canção: “I Don’t Like Mondays”. 
Alguns anos depois (1985), Geldof enfim ficaria mais famoso por ter sido um dos idealizadores do festival: “Live Aid”, que reuniu grandes artistas e teve a proeza de contar até com bandas mega famosas e que não existiam mais oficialmente, especialmente reagrupadas para atuar e auxiliar em um esforço para arrecadar recursos para amenizar a fome em países subdesenvolvidos do continente africano. Ele não era ator e caiu de paraquedas nessa missão, visto que a ideia inicial fora utilizar o próprio, Roger Waters no papel. 
Desconheço, no entanto, a motivação em não se contratar um ator de ofício, o que teria sido muito mais salutar. Geldof não deu um vexame absoluto, visto que as cenas em que atua foram construídas sob uma concepção que mais aproxima-se do conceito de atuação não exatamente dramatúrgica, ou seja, como se fossem cenas esparsas em ritmo de videoclip, portanto, ao não carecer exatamente de técnica da parte de um ator profissional. No entanto, mesmo com essa liberdade velada, há o exagero em certas cenas, com Geldof naturalmente a atuar sob a orientação do diretor ou seja, quando Alan Parker possivelmente cobrou-lhe uma maior ênfase em cenas onde dramatizou-se crises nervosas da personagem protagonista e nesse quesito, por não ser ator, ele deu o seu máximo para expressar a raiva e isso foi de fato, em demasia, pois cansa o espectador, certamente. E nas cenas em que mostra-se catatônico, naturalmente que foi mais fácil simular um sujeito entorpecido por drogas e carcomido pela depressão, sentado em frente a um aparelho de TV e a não esboçar nenhuma reação.
Uma cena forte, mostra ações nazifascistas, com Geldof a interpretar um líder a discursar em um comício e comandar pequenos grupos militares a perseguir pessoas pelas ruas. É praticamente explícita a intenção de retratar tais ideologias totalitárias como um exemplo de horror a destruir completamente uma sociedade pautada pelos direitos civis assegurados e ao ir além, a revelar-se uma completa loucura regressista imbuída do desejo de destruir-se o pacto civilizatório. Em tais cenas, Geldof até surpreende, pois não comprometeu em sua atuação e nesse caso, o ideal teria sido contar com um ator profissional por uma questão de segurança.
Impressionam algumas cenas, como por exemplo, os estudantes que colocados em fila na linha de produção de uma fábrica de produtos alimentícios, são triturados como suínos, para a sua carne tornar-se um produto a ser comercializado. E também o momento em que na animação, um exército formado por soldados estilizados como martelos, marcham. A metáfora sobre o poder avassalador do inimigo opressor é total, com os martelos a mostrar-se praticamente invencíveis, tamanha a sua força desmesurada. E logicamente que mostra o medo das pessoas ao ser oprimidas por uma força brutal, com tal poder em serviço de uma ideologia cruel e sectária.
Sobre a obra do Pink Floyd, cabe acrescentar um ponto de vista muito pessoal de minha parte, ou seja, ao contrário da opinião formada por um contingente bem grande, a realçar-se pessoas que conheceram o trabalho do Pink Floyd exatamente ao final dos anos setenta e por conta do álbum, "The Wall", eu não acho que este seja um grande trabalho da banda. E isso tudo, apesar da contundência do mote dessa obra, como um libelo antiguerra e antifascista, acima de tudo e a atacar os seus meandros, vide a questão da manipulação da opinião pública e sobretudo, em torno da massificação de uma educação regressiva a impossibilitar totalmente o desenvolvimento do pensamento crítico e por conseguinte, a destruição da individualidade, pelo caminho do condicionamento paradigmático. 
No ponto de vista musical, esse álbum que é duplo, tem pelo menos seis ou sete canções que são muito boas, eu admito tal fato, entretanto, em minha concepção particular, esse disco passa longe dos melhores álbuns do Pink Floyd e eu ouso até afirmar (e que perdoe-me quem pensar em contrário), tratar-se de uma obra menor na discografia dessa grande banda. Em suma, falo isso, não apenas para cravar a minha avaliação pessoal, mas como um dado a mais para justificar que o filme, por extensão, foi bem aceito pelos fãs mais novos da banda e daí ter prosperado com um sucesso proeminente entre os fãs mais jovens que não conheciam exatamente a obra mais clássica da banda entre os anos sessenta e setenta, muito mais contundente sob o ponto de vista artístico, em meu entendimento. 
A crítica dividiu-se na época, por achar o filme pesado e depressivo, na opinião de alguns jornalistas e contundente pela temática e elogiável pelas animações fortes, nele contidas. Com o tempo, o filme ganhou um status como “cultuado”, o que certamente colabora para imortalizá-lo. Na época de sua produção, a ideia inicial seria mesclar cenas do Pink Floyd ao vivo a executar tal obra ao vivo, mediante a filmagem de vários shows dessa turnê, ocorridos entre 1980 e 1981, que foram de fato, devidamente filmados. Isso só não prosperou a contento, por questões técnicas, visto que a qualidade da captura desses shows não ficou tecnicamente boa o suficiente e daí, houve uma mudança de plano radical e optou-se por mudar-se o roteiro e partir para uma encenação fortemente baseada em conceitos alegóricos e metafóricos.
Não são todas as músicas do álbum, “The Wall”, utilizadas no filme, mas consta em sua maioria, sem dúvida. Há também a menção a uma música antiga da banda, “Money”, cuja letra é declamada como um poema em uma cena ocorrida na sala de aula. A maioria das canções foi composta por Roger Waters, mas há uma ligeira participação de David Gilmour como coautor. Simplesmente os outros membros do Pink Floyd, Richard Wright e Nick Mason, não contribuíram com as composições. Por isso, Roger Waters praticamente considera tal obra como inteiramente sua, como se fosse um álbum solo, além do fato dele ter essa peça como uma manifestação pessoal de sua parte a mostrar o seu repúdio ao nazifascismo, e por conta desse apreço que sente pela obra, encená-la ao vivo regularmente em seus shows, até os dias atuais (2019, quando escrevi esta resenha). 
Escrito por Roger Waters, foi produzido por Alan Marshall. Animação por Gerald Scarfe e direção a cargo de Alan Parker. Foi lançado em maio de 1982.
Houve na época em que foi lançado, um crítico apressado que assistiu e assinalou tratar-se de um protesto do Pink Floyd em relação à guerra das Malvinas, onde o Reino Unido enfrentou a Argentina por uma disputa territorial em torno da ilha citada ao sul do continente sul-americano. Bem, precipitação total, o que reforça a ideia que o distanciamento histórico outorga sempre uma análise melhor apurada. Digamos que tal conflito, insípido se visto hoje em dia, entra no bojo da discussão sobre imperialismo, geopolítica e interesses estratégicos das superpotências em relação aos países subdesenvolvidos, certamente, mas The Wall centra o seu esforço em torno do âmago da questão e não em detalhes.

Bem, sucesso nas salas de cinema, rapidamente foi todo picotado para ser usado como vídeoclip de algumas canções em específico, daí ter forjado uma outra visão do público que acostumou-se a ver apenas trechos do filme, na TV.  Rapidamente, em 1983, ganhou a sua versão em formato VHS e sem dúvida que entrou para a lista das fitas mais alugadas em locadoras de fitas VHS, nos anos oitenta. A versão em DVD saiu apenas em 1999. Tal filme foi bastante exibido em cine clubes, notadamente os temáticos a tratar sobre filmes e documentários a abordar o Rock; “mostras Pink Floyd” em específico e passou bastante em canais de TV a cabo e mais moderadamente na TV aberta. Na Internet, é difícil achar-se uma cópia gratuita e na íntegra. Em fragmentos, é possível assistir-se quase o filme inteiro no YouTube. 

Esta resenha foi escrita para fazer parte  do livro: "Luz; Câmera & Rock'n' Roll, em seu volume III, com a leitura disponibilizada a partir da página 286.

sexta-feira, 15 de novembro de 2024

Filme: John and Yoko: A Love Story - Por Luiz Domingues

Este filme, como sugere o seu título, foca na relação de John Lennon (interpretado por Mark McGann), com a artista plástica, Yoko Ono (interpretada por Kim Myiori), no entanto, por força das circunstâncias a envolver este famoso casal, fica impossível observar apenas a questão do amor entre os dois como pessoas comuns, simplesmente, sem mencionar a música; as artes plásticas e o ativismo sociopolítico em que ambos militaram com força.
Exatamente por tais adendos inevitáveis e que naturalmente revelam-se sensacionais, foi que este telemovie, que deveria ser uma produção simples a contar uma história de amor comum, ganhou uma dimensão muito maior e surpreende em seu resultado final.
 
O filme inicia-se em agosto de 1966, quando os Beatles estavam a fazer os últimos shows de sua derradeira turnê, nos Estados Unidos e John Lennon cometera o deslize de proferir uma frase de efeito que causou uma polêmica tremenda. Ele dissera em uma entrevista que os Beatles estavam mais populares que Jesus Cristo naquele instante, no entanto, alguns jornalistas distorceram a fala, ao extraí-la de um contexto e dar a entender para a opinião pública, que ele afirmara que considerava a banda, melhor do que Jesus Cristo, ou seja, algo completamente diferente. 
 
Entretanto, justamente no sul dos Estados Unidos uma região formada por estados ultraconservadores, isso caiu como uma bomba e daí, uma reação truculenta, orquestrada por militantes de organizações extremistas, organizou várias ações de repulsa aos Beatles, entre elas, a queima de discos e material em geral sobre a banda, em enormes fogueiras públicas. O grupo não se intimidou e manteve a continuidade da turnê, mas em alguns shows, até bombas de pequeno calibre (mas a conter perigo), foram arremessadas ao palco.
Bem, concomitantemente, mostra-se Yoko Ono a protagonizar a sua famosa performance, “Cut Piece”, em que sentada tranquilamente em uma cadeira, convidava pessoas da plateia para mediante uma tesoura, cortar pequenos pedaços de sua roupa, em silêncio, até que ela ficasse quase que inteiramente nua. Tal performance chamara a atenção do jornalismo cultural mais atento às manifestações da arte avantgarde, todavia, perto da fama de Lennon, Yoko não possuía nem uma parte infinitesimal.
 
Seguem-se cenas dos Beatles em sua rotina na Inglaterra, quando John pergunta ao empresário, Brian Epstein (interpretado por Richard Morant), o que ele achava da guerra do Vietnã e Brian deixa claro que não quer que a banda mistura política com a música e fala isso ainda amparado pela enorme confusão pela qual ele havia esforçado-se recentemente em conter, para que a banda não fosse mais prejudicada do que o fora nos Estados Unidos e para tanto, tenha obrigado Lennon a comunicar um pedido de desculpas formal, através da imprensa. 
 
Os componentes dos Beatles propõe férias, e Brian não gosta inicialmente da ideia, mas pondera que eles estão há anos a emendar turnês e gravações de discos, sem descanso, e por isso, cede aos anseios dos rapazes. Lennon vai à uma exposição da artista plástica, Yoko Ono, em novembro de 1966, em Londres. Ao contrário de um outro filme biográfico sobre John Lennon, (“Naked Lennon”), nesta obra, tal cena é mais esmiuçada. Então Lennon encanta-se com a famosa instalação interativa ao subir a famosa escada de pintor, para apanhar a lupa ali pendurada, e ler no teto, uma inscrição minúscula a mostrar a palavra: “Yes”, e a sua reação é achar positiva a proposta da sua autora. No entanto, a exposição ainda não estava aberta e isso ocorreria no dia seguinte, apenas, portanto, a artista que o não conhece pela sua fama evidente na ocasião, o repreende. Eles travam um diálogo ríspido com Lennon a usar do seu famoso sarcasmo e em princípio ela o acha arrogante e presunçoso.
Corte e agora o filme já avançou para 1967. Em meio aos ensaios para a gravação do LP Sgtº Pepper’s Lonely Hearts Club Band, Lennon aparece com um livro em mãos, a ler poemas escritos por Yoko Ono. Brian Epstein pressiona a banda para que voltem a fazer turnês. Lennon assiste na TV a exibição de um curta metragem de Yoko Ono que propõe mostrar as nádegas de várias pessoas a esmo e ele acha isso criativo e divertido.
 
Yoko liga para John e o convida a encontrar-se com ela. A desculpa é que um amigo de Nova York, ninguém menos que John Cage, um grande mestre da música experimental, estará presente (Yoko de fato fora membro do movimento estético liderado por Cage, “Fluxus”, em 1964). Está claro que um interessou-se pelo outro. São bonitas as cenas dos Beatles a ensaiar a música: “When I’m 64” no estúdio Abbey Road, mas claro, tudo é mostrado muito rápido, apenas para pontuar a ideia dos Beatles a trabalhar, como rotina na vida de Lennon. 
 
Yoko começa a encontrar-se com Lennon e em um desses encontros, conhece o roadie dos Beatles, Mal Evans, que pensa subliminarmente, tratar-se de mais uma amante a esmo de Lennon. Nesse ínterim, o empresário, Brian Epstein morre e os Beatles ficam chocados com o ocorrido. Cenas da cerimônia fúnebre judaica são mostradas.
John visita Yoko em seu apartamento londrino e um detalhe é muito interessante. Ela mostra-lhe um portfólio com muitas críticas negativas ao seu trabalho e ele surpreende-se: -“você guarda as críticas negativas, também?” Ora, Lennon estava a absorver muita informação nova e isso instigara-o e certamente que realçou a sua atração por Yoko.
 
Em fevereiro de 1968, John convida Yoko para ir à Índia, mas ela alega compromissos a ser cumpridos na Europa e não vai. No entanto, o romance entre os dois mostra-se irreversível e daí, decidem assumir a relação. No entanto, só existe um problema, na verdade, dois: ambos são casados com outras pessoas. Lennon precisa comunicar a sua decisão para Cynthia Lennon (interpretada por Rachel Laurence), e ajeitar assim a vida dela e do filho do casal, Julian Lennon. Yoko por sua vez, tem uma situação mais difícil, pois estava casada com o produtor de cinema norte-americano, Tony Cox (interpretado por Vincent Marzello), mas este não abriria mão da guarda da filha do casal, a pequena, Kyoko Cox, o que angustiava Yoko.
Cenas a mostrar a inserção de Yoko nos ensaios e as gravações dos Beatles, mostram Ringo Starr (interpretado por Phillp Walsh), mais receptivo com a nova namorada do seu amigo. Paul McCartney (interpretado por Kenneth Price), comporta-se distante, mas com um semblante a denotar uma velada preocupação e George Harrison (interpretado por Peter Capaldi), é retratado como um antipatizante assumido da presença da japonesa nos bastidores da banda, o que sucinta a dúvida, foi uma distorção da história, apenas para estabelecer um contraponto na dramaturgia? Ao que consta na história, Harrison esteve insatisfeito nos últimos tempos dos Beatles, por outra questão e não exatamente pela presença acintosa de Yoko nos ensaios.
Daí em diante, se mostram as muitas ações solitárias na intimidade do casal, a produzir toda a sorte de ruídos bizarros e a gravá-los. Yoko influenciara Lennon em torno da arte experimental e ele, encantado com tal possibilidade livre e nada Pop, empolgou-se. Dessas gravações completamente loucas que fizeram a berrar e produzir ruídos estranhos, gravaram um disco chamado: “Two Virgins” e a famosa sessão de fotos ou autofotos que realizaram, inteiramente nus, é mostrada no filme. Com tal foto do nu frontal do casal na capa desse disco experimental, chocou-se a sociedade de uma maneira retumbante na época e duplamente, por sinal, pela capa aviltante e pelo conteúdo sonoro nada musical.
 
Ao habitar um apartamento emprestado por Ringo Starr, o casal Lennon & Yoko, é surpreendido por uma batida policial perpetrada pela Scotland Yard. É encontrada uma pequena porção de maconha, não o suficiente para prendê-los, mas esse flagrante haveria por prejudicá-los em demasia, nos anos posteriores, em solo norte-americano.
Mais um salto temporal e agora em 1969, as filmagens do documentário, “Let It Be” são realistas ao mostrar a banda em um momento péssimo, com brigas, desânimo e música muito boa, apesar de tudo. Eles brigam também por conta da empresa da banda, a “Apple” estar muito mal administrada e assim, Paul sugere a contratação de seu futuro sogro, Lee Eastman, mas Lennon insiste em Allen Klein para assumir os negócios da banda.
 
Uma performance de Yoko, com a participação de Lennon em um auditório, gera vaias na plateia e é massacrada pela crítica. Foi difícil para o fã regular de Lennon assistir Yoko a gritar enlouquecidamente, enquanto Lennon apenas produzia microfonias ensurdecedoras com a sua guitarra, sem tocar uma única nota musical.
 
Lennon conduz Yoko para conhecer a sua tia Mimi. A senhora que criara Lennon desde pequeno, não destrata a japonesa, mas demonstra secretamente à Lennon, que não aprovara a sua nova namorada e preferia que ele se mantivesse casado com Cynthia e na companhia de seu filho pequeno, Julian.
 
Vem o casamento em Gibraltar e a famosa ação sociopolítica do evento conhecido como como “Bed-In”. É para arrepiar ver Lennon cercado de amigos fraternos e a cantar muito improvisadamente, a canção: “Give Peace a Chance”, um libelo à paz fraternal. Ali, mediante um violão, vozes desafinadas e uma percussão improvisada, aquela canção soa tosca, quase como um mantra tribal e no entanto, mostra uma força extraordinária, que emociona.
 
Uma passagem obscura da vida do casal é retratada. O dia em que Lennon e Yoko foram passear em uma viagem como uma família comum, a reunir os seus filhos de ouros casamentos, Julian e Kyoko. Tony Cox estava a ceder lentamente em sua determinação para ficar com a guarda de Kyoko e permitira esse passeio como um gesto de reaproximação, no entanto, por azar, um pequeno acidente de carro fez com que todos sofressem escoriações leves e por conta disso, o sonho de Yoko em continuar a criar Kyoko, esvaiu-se naquele instante pelo menos.
Os Beatles estão em estado terminal. Paul propusera, meses antes, que a banda voltasse a tocar, como uma forma de retomar a energia primordial que havia perdido. Seria uma série de shows pela Inglaterra a viajar com um equipamento mínimo, em um furgão, como se fosse de novo uma banda pequena, na estrada. Todos os demais rejeitam a ideia, ao alegar que a proporção dos Beatles não comportaria mais esse tipo de ação. Paul, de fato, realizou esse sonho ao fundar o Wings nos anos setenta e pelo menos nos primeiros tempos dessa banda nova, exercitou essa loucura de tocar em pequenos shows mediante um equipamento modesto, em pátios de universidades e pequenas casas de shows.
 Yoko está grávida e a clássica passagem sobre Lennon ter gravado a batida do coração do filho, no hospital, é mostrada e também a tristeza do casal ao enfrentar a morte prematura do bebê. Dessa gravação, saiu mais um LP experimental, “Life With the Lions”, com a famosa foto de Yoko no leito hospitalar e Lennon a usar um “sleeping Bag”, ao seu lado. 
 
Paul leva a fotógrafa norte-americana, Linda Eastman, futura senhora McCartney, ao ensaio dos Beatles, mas a antipatia com o casal Lennon mostra-se automática. 
 
John avisa que deseja sair da banda, mas Paul pede-lhe para que ele espere pelo menos por mais alguns meses, até o filme/documentário, “Let it Be”, ser lançado. No entanto, ao quebrar o combinado, Paul vai à imprensa a anuncia a sua saída e o lançamento de um disco solo. John fica furioso com essa atitude. É bela a utilização da música “Isolation”, do álbum solo “Plastic Ono Band”, que diz tudo sobre a amargura da situação. 
 
Cenas a mostrar Lennon em pleno processo de desintoxicação, ao som de “Cold Turkey”, são explícitas. A participação de Lennon e Yoko no Festival “Sweet Peace Toronto”, é mostrada com bastante realismo, apesar de tratar-se de um telemovie, portanto com pouco orçamento. “God”, a canção emblema da catarse de Lennon com o mundo e a vida, explode na tela. Ele não acredita em nada, não acredita em mais ninguém, a não ser “Yoko and me”, como diz a letra da canção.
 
Salto para 1971 e Yoko leva Lennon para conhecer a sua família no Japão. Muito ricos e conservadores, os pais de Yoko (Yeisuko Ono, pai e Isoko Ono, mãe), são amáveis e discretos, mas apenas estranham a vasta cabeleira de seu novo marido, mas tirante esse pormenor, o aceitam bem e com o detalhe interessante em não ter muita ou nenhuma noção da fama que ele ostenta.
 
Ainda em 1971, o casal protagoniza uma cena bizarra. Em Palma de Mayorca, na Espanha, sequestram a filha de Yoko, Kyoko Cox, ou seja, empreendem a pior maneira para resolver a pendência que Yoko não conseguia resolver satisfatoriamente pela via legal. Em junho, mudam-se definitivamente para Nova York. Contratam uma secretária, May Pang, uma bela garota de Nova York, com origem chinesa.
 
Cenas da gravação do álbum, “Imagine”, são bonitas e en passant insinua-se algumas músicas memoráveis desse grande disco. Surge o convite para Lennon participar do histórico “Concert for Bangladesh”, organizado por George Harrison, mas fica claro que Yoko não será bem-vinda. Lennon recusa-se a participar sem a sua esposa. Aqui o enfoque é polêmico, pois mais uma vez a pessoa de George Harrison é demonizada por não gostar e nem mesmo aceitar Yoko Ono. É curiosa a abordagem, visto que não obstante Harrison ter sido reconhecido como um homem extremamente calmo e afeito à espiritualidade, causa espécie essa colocação, pois nesse mesmo ano de 1971, Harrison foi convidado e gravou participação no álbum “Imagine”, aliás, de uma forma brilhante. Cenas reais dessas gravações em um documentário sobre tal disco, mostram Harrison a conviver com o casal Lennon & Yoko, com cordialidade, portanto, só pode ter sido uma licença poética gigantesca, alegar tal animosidade de sua parte para com Yoko.
O casal passa a envolver-se cada vez mais com causas sociais e ativistas. Jerry Rubin, um adepto ferrenho da contracultura e um dos ícones do movimento “Yippie”, uma variante mais politizada do movimento Hippie, torna-se amigo do casal e inspirador para que ambos sejam mais atuantes ainda. John canta em dezembro de 1971, em um concerto organizado em favor da libertação de John Sinclair, um poeta esquerdista. Vê-se na plateia, um sujeito a gravar o show, discretamente, como um espião. Acontece a tragédia na prisão de Attica e isso motiva Lennon a escrever as canções, “John Sinclair” e “Attica”. Motivado, lança em 1972 o álbum duplo, “Some Time in New York City”, com estas duas e mais algumas canções com teor semelhante, fortíssimas ("Angela", inspirada na ativista Angela Davis, por exemplo). E Lennon nota que agentes governamentais estão a segui-lo; o telefone residencial está grampeado e um dia chega uma intimação: a imigração alega que o casal será deportado por conta do processo que ocorrera na Inglaterra por posse de drogas, em 1968.
 
Nesse ínterim, Tony Cox envolve-se em um problema judicial e vai preso. Kyoko finalmente vai ficar com a sua mãe. O concerto realizado no Madison Square Garden é um sucesso estrondoso de público, mas há uma certa frustração pelo não engajamento maciço das pessoas em torno das causas todas que o casal apoia e foram expressas em cada faixa desse disco. E para piorar a situação, a crítica massacra o álbum ao tachá-lo como um “panfleto”. Lennon está tenso com a perseguição política em torno da ameaça por sua deportação e em uma cena em que assiste a marcha das apurações presidenciais, em 1972, em meio a correligionários de suas manifestações sociopolíticas, fica muito alterado por conta da vitória de Richard Nixon, que o perseguia e assim, deprimido, e mediante o exagero com a bebida, leva uma groupie para o quarto, na frente de Yoko. Tudo bem, eram ambos, artistas libertários com espírito hippie e mente aberta, mas essa atitude a Yoko não aceitou com naturalidade. Não é mencionada a gravação do álbum posterior, “Mind Games”, que é um grande trabalho, aliás.
 
Daí em diante, Yoko pediu o famoso “tempo” na relação. Lennon pediu desculpas pela traição e ficou bastante abalado com a decisão de Yoko, mas acatou, enfim, com muita contrariedade. Nesse período, ao final de 1973, Lennon praticamente voltou a ser um adolescente, como ele mesmo observou, ao lembrar-lhe o período pré-Beatles. De início, ele apreciou essa liberdade com libertinagem. O filme não mostra, mas apenas cita que ele foi morar uns tempos em um apartamento, na companhia de Keith Moon, o lunático baterista do The Who e é sabido que Alice Cooper não saia de lá. Foram meses regados a drogas, bebedeiras e orgias. Tal período sabático foi o seu momento Rock Star hedonista e inconsequente, enfim. Ele engatou um namoro com a bela sino-americana, May Pang, nesse momento, ao não fugir da ideia de que gostava mesmo de garotas orientais. Há uma passagem interessante de Lennon ao conceder entrevista no programa do comunicador, Elliot Mintz, na TV.
 
1974, Lennon está ainda sem Yoko, mas a gravar um álbum novo sensacional. As gravações do disco: “Walls and Bridges” estão a ocorrer a todo vapor, quando eis que Ringo Starr, acompanhado do cantor, Harry Nilsson, adentram o recinto do estúdio. Eufóricos, eles se abraçam e gritam como crianças no pátio da escola, quando o produtor do disco, o sinistro, Phil Spector, aparece furioso com a interrupção do trabalho e daí usa um revolver para mediante um tiro desferido no teto, restabelecer a ordem. Todos assustam-se, mas Spector cai na risada a seguir... foi uma brincadeira...
 
Elton John grava um piano espetacular e canta também na faixa, “Whatever Gets You Through the Night”. Elton brinca com John: -“se essa música atingir o primeiro lugar nas paradas de sucesso, você toca comigo em meu show no Madison Square Garden”, em novembro, combinado?” John responde que sim, está combinado, mas relutante, pois não acredita que isso vá acontecer. Contudo, tal fato acontece e Elton cobra a aposta do amigo. Lennon está nervoso, pois faz tempo que não toca ao vivo, mas o show acontece e a participação de Lennon é um sucesso. O público delira e de fato, a canção é espetacular e além disso, essa performance na vida real foi muito emocionante, tanto que ficou registrada em um clássico disco Bootleg, a demonstrar uma excelência na execução impressionante e mais que isso, uma energia incrível. No entanto, a grande surpresa para Lennon, estava no camarim. Elton convidara Yoko, sem Lennon saber. Ao chegar ao camarim, ambos emocionam-se e Elton confirma que fizera isso premeditadamente para o casal reconciliar-se.
Vem o escândalo Watergate e o presidente Richard Nixon, renuncia. Doravante, com um comando governamental mais ameno, a perseguição com o casal Lennon cessa, ao ser concedido o cartão de permanência nos Estados Unidos, “Green Card” para ambos. Yoko anuncia uma nova gravidez e desta vez o bebê nasce saudável, Sean, em outubro de 1975. Lennon resolve interromper a carreira até segunda ordem, pois decidira criar o filho em tempo integral, ao contrário do que fizera com o filho do outro casamento, Julian, que ele mal vira crescer. Cenas a mostrar uma curiosa quebra de paradigma, são divertidas por exibir Lennon com um dono de casa a cozinhar e cumprir tarefas domésticas, enquanto Yoko participa de reuniões enfadonhas com homens engravatados a fumar como chaminés ambulantes.
 
A cena sobre a clássica visita de Paul & Linda McCartney ao casal Lennon, em 1976, é mostrada bem rapidamente, mas de uma forma mais realista da maneira pela qual foi encenada no filme, “Two Of Us”, que mostra essa passagem com muito mais detalhes, mas sob uma licença poética enorme, diga-se de passagem.  
 
Em um dia de 1977 ou 1978, Julian Lennon bate à porta do apartamento em que o casal Lennon habitava no Edifício Dakota. Lennon o recebe bem e surpreende-se em ver o filho já adolescente. Então ele pergunta-lhe sobre o que o filho ouve na atualidade e este responde-lhe que na Inglaterra só fala-se sobre os Sex Pistols, The Clash e congêneres. Lennon sente-se desatualizado da música, pois nunca ouvira falar dessas bandas, mas cá entre nós, não perdeu nada...
 
Kyoko também estava na adolescência e ligou para dizer que deseja passar o natal em casa. Lennon mostra vídeos velhos dos Beatles para o pequeno Sean, visto que ele perguntara-lhe o que seria um “Beatle”. Lennon vê bandas modernosas na TV, ao estilo “New Wave” (uma variante Pop, oriunda da vertente do Pós Punk), e declara para Yoko: -“ acho que finalmente as pessoas te entenderam e estão a imitá-la”... é uma bela ironia sob via dupla, para citar a insipidez da cena New Wave com aquela estética robótica e monocórdica e de fato, espelha o que Yoko sempre fez em sua vida musical, mesmo quando tentara criar música minimamente palatável, fora do experimentalismo extremo. 
 
Lennon anima-se, ao alegar que Sean atingira os cinco anos de idade e isso permitiria que ele reativasse a carreira. Cenas de Lennon e Yoko a gravar o LP “Double Fantasy”, são mostradas e o fim aproxima-se quando em uma dessas noites em que o casal saiu do estúdio em direção ao seu apartamento, o inacreditável ocorreu, quando um fã abordou John para pedir-lhe um autógrafo e este enquanto rabiscou o papel, não imaginou que a intenção do rapaz fosse outra. Daí, contabilizou-se cinco tiros à queima roupa e o sonho, infelizmente, acabou.
Por ser um telemovie, este filme impressiona por alguns aspectos. Primeiramente por conta da sua longa duração. Com quase duas horas de metragem, é realmente notável por esse detalhe, visto que um telemovie geralmente obedece um padrão entre sessenta e oitenta minutos, em média. É admirável também pelo enfoque que avançou aos anos setenta e mostrou muitos aspectos raramente mostrados em outros filmes a retratar a vida e obra de John Lennon. É verdade que alguns pontos ficaram omitidos, mas não podemos reclamar diante de um filme tão longo e que mostrou muita coisa. Poderia sido incluído o episódio sobre a fundação do país fictício, “Nutopia”, algo emblemático na lua sociopolítica do casal e ação essa criada para satirizar Nixon, mas tudo bem, o filme surpreendeu por trazer tantos detalhes.
 
Sobre a música, o material dos Beatles é escasso por conta do problema burocrático que sempre envolve tal demanda, mas algumas poucas insinuações são pontuais nos momentos adequados da cronologia. Já o material de Lennon foi fartamente usado, pois Yoko Ono participou da produção deste filme, com bastante entusiasmo e assim, facilitou também no aspecto da trilha sonora ao não criar empecilhos legais.
 
O filme recebeu boas críticas, das quais eu considero justas, pois esta produção surpreende pelo enfoque do roteiro e pela enorme gama de informações arroladas, por tornar uma dramaturgia banal a contar uma simples história de amor, em algo mais complexo, devido à riqueza natural que tais artistas trazem como legado inerente e a produção soube explorar bem esse manancial de ocorrências interessantes a serem contadas.
 
Alguns atores a mais para citar: Joshua Sinclair (como George Martin), Ray Charleson (como Phil Spector), Ling Tai (como May Pang),; David Gillian (como Harry Nillson) e Martyn Whitby (como Linda Eastman). 
 
Sandor Stern escreveu e dirigiu este filme e conta-se que um outro roteiro fora elaborado por outro profissional, no entanto, Yoko reprovou-o ao alegar que tal roteiro estava exagerado no tocante à menção ao uso de drogas. A escolha do diretor, Sandor Stern, foi curiosa no sentido de que a sua especialidade era o terror (ele dirigiu os filmes da franquia, “Amityville” entre outros), no entanto, ele mostrou competência na condução de um filme de amor que teve um algo a mais, aliás, muito a mais.
Uma curiosidade que passa quase despercebida, o comediante, Mike Myers, então bem jovem, faz uma aparição rápida, ao interpretar um carteiro cabeludo que faz uma entrega e diz rapidamente ser fã de Lennon e ter gostado do LP “Imagine”.
 
Foi lançado em dezembro de 1985, e bastante exibido na TV aberta, algumas vezes em canais da TV a cabo e encontra-se em versão dublada em português, no YouTube. Trata-se de mais um filme a retratar a biografia de John Lennon, e desta feita a focar em um período quase nunca citado da biografia desse grande artista e ao trazer também uma visão mais positiva sobre Yoko Ono, que é em via de regra, por conta da formação de opinião em tom negativo, uma das personalidades mais defenestradas da história da arte e não estou a exagerar.
 
Esta resenha consta do livro: "Luz, Câmera & Rock'n' Roll" em seu volume II e está disponível para a leitura a partir da página 297