Mais um
filme produzido a reverberar o fenômeno emergente do Rock, em meio ao vulcão que
mal estava a precipitar a sua erupção nos anos cinquenta, este filme tem uma
abordagem bastante amena, aliás, exageradamente superficial sobre a eclosão do
Rock, no entanto, mostra-se interessante como um documento a revelar como
pensavam os executivos de gravadoras tradicionais na ocasião.
A história é
simplória, no padrão da maioria dos filmes produzidos nessa década a abordar o
assunto. É óbvio que os seus realizadores não compreendiam o contexto do Rock'n' Roll em sua época,
naturalmente, pois a leitura imediatista de um movimento artístico (ou de
qualquer natureza dentro da sociedade), dificilmente é feita com discernimento,
pois só com distanciamento histórico é possível uma visão ampla dos fatos e as suas
inevitáveis ramificações e consequências. No entanto, é compreensível no
contexto de 2019, quando escrevi estas linhas e novamente a citar o
distanciamento histórico, que naquela fase centrada na metade dos anos
cinquenta do século passado, o cinema apressou-se para abordar o assunto,
principalmente em torno de produções modestas, amparadas por um padrão de orçamento
baixo, para aproveitar o início de uma novidade que mal compreendia-se sobre o que
se tratava, exatamente. Foi por oportunismo em querer aproveitar um fato novo?
Provavelmente tenha sido essa a motivação primordial dos seus produtores e isso
não pode ser considerado um ato inescrupuloso, mas pelo contrário, se analisado
pelo viés jornalístico, a busca pela repercussão imediata de um fato novo foi (é)
válida, mesmo ao levar-se em consideração que a produção deste e de muito
filmes com o mesmo teor, naturalmente teve o apoio institucional da indústria
fonográfica e setores da mídia, notadamente as rádios, que ostentavam uma força
extraordinária na ocasião e certamente a beneficiar também diversos meandros do
show business. Portanto, o aspecto acintosamente promocional de peças como essa, também cabe como explicação para a sua realização, tão apressadamente.
Independente
de todo o favorecimento (leia-se em letras garrafais, “dinheiro”), que tais
filmes e este foi mais um, proporcionou à máquina que regia a música popular na
época, para efeito cultural, não podemos reclamar da sua existência e muito
pelo contrário, comemoramos a existência de tais peças, “The Big Heat”,
incluso, como documentos arqueológicos importantes para compor a história do
Rock, e isso não é pouca coisa.
Sobre o
filme em si, a ação foi montada em torno do ambiente de uma gravadora tradicional,
em meio às decisões de seu mandatário e sob extensão, a revelar a hierarquia
com delegação de poder para tomar decisões, todavia, em termos, e para tanto, há ua boa explicação.
O esquema de trabalho é
engessado, a seguir uma mesma fórmula há décadas. Tal método de produção
musical segue uma linha imutável em torno de um cancioneiro popular, inspirado
em Country-Music, basicamente e a absorver a música orquestral inspirada em algumas
vertentes amenas do Jazz e da música erudita, esta última a observar ecos
diluídos da música leve, produzida por Debussy e outros autores similares. Portanto, a
ambientação do filme mostra tais produtores musicais a comandar as gravações de
discos insossos com tal tipo de produção musical em série, mediante o apoio de
uma orquestra própria, algo que fora um padrão no procedimento das gravadoras,
assim como manter-se compositores, letristas e arranjadores contratados como
funcionários fixos para criar material regularmente e claro, cantores, estes
sim, trabalhados a serem tratados como os astros a ser divulgados na mídia, ou
como falava-se mais regularmente nessa época, imprensa.
Nesses
termos, o jovem executivo, Johnny Randall (interpretado por Willian Reynolds),
é filho do presidente da gravadora e percebe que o esquema de trabalho da empresa
gerida pelo seu pai, está na mesmice, há anos e insinua propor-lhe mudanças. A sua
intenção é oxigenar a gravadora e inovar ao buscar uma nova formatação musical
para quebrar o paradigma forjado em torno da música orquestrada a acompanhar
cantores tradicionais que costumavam interpretar as músicas com a voz
impostada, a seguir um estilo antigo.
Fala-se em um novo “Beat” a ser
encontrado, mas naturalmente que o pai do rapaz, Joseph Randall (interpretado por
Bill Goodwin), não quer nem ouvir falar sobre mudanças, por mostrar-se como um conservador
contumaz e por conseguinte, entusiasta da fórmula que em sua opinião não está e
nem será desgastada jamais, ao revelar uma miopia gerencial, no mínimo.
Danny
Phillps (interpretado por Jeffrey Stone), é um executivo membro da cúpula da
gravadora, subordinado ao velho Randall e mostra-se dividido, tanto que segue a
cartilha tradicional imposta pelo mandatário, pois ao mesmo tempo que a sua
mentalidade é idêntica ao do patrão, ele aceita a proposta do velho Randall de
ser sócio minoritário em um pequeno selo que seria criado para o filho, William
Randall, ao visar testar as suas ideias em trabalhar para lançar artistas
versados por estéticas (então) mais atuais mais modernas.
Em princípio, a posição de Danny é a de
um agente do velho Joseph, escalado para não deixar o seu filho arruinar o
selo, mas ao mesmo tempo, o velho quer apenas usar tal experiência inicialmente
para dar vazão ao ímpeto do filho e a seguir, usar o possível fracasso financeiro
de tal empreitada para demolir a convicção do rapaz e assim, forçá-lo a obedecê-lo
e doravante seguir a cartilha antiquada da empresa.
Um diálogo, que parece uma
mera piada ocasional, tornou-se emblemático quando em tom de brincadeira é
sugerido que o velho Randall teria recusado no passado a contratação de um
então jovem cantor, por não acreditar em seu potencial artístico, um rapazinho
com origem italiana, chamado, Frank Sinatra. É claro que tal pilhéria foi usada
como um argumento irrefutável a justificar o fato do velho Randall ter resolvido
oferecer uma chance ao seu filho, para investir na modernidade. O selo recém
criado foi batizado como: Revere Records.
Há o
inevitável elemento romântico para dar uma substância comercial ao filme.
Nesses termos, a personagem, Nikki Colinns (interpretada por May Gordon) é uma
bela jovem, secretária de John Randall e torna-se óbvio e nem é preciso esperar
o desfecho do filme para deduzir-se logo na primeira cena em que ela aparece, que
tal personagem fará o par romântico com o protagonista. O mesmo ocorre entre o
produtor musical, Danny Phillips e a bela cantora, Nikki Collins (interpretada
por Gogi Grant).
Então, para
falar da parte mais musical do filme, cenas ambientadas em casas noturnas para
mostrar alguns artistas que estariam na mira desse novo som que o jovem executivo
ambicionou lançar em seu selo, representa naturalmente, a melhor parte do filme.
Dessa forma, assistir um artista histórico como Fats Domino é ótimo, sem dúvida
alguma. E tem mais, pois eis que o grupo orientado pelo R’n’B, “Del Vikings”
também participa, além da cantora, Cindy Adams que interpreta a uma personagem,
portanto, fica dúbio se a tal personagem, Gogi Grant é quem canta ou Cindy
Adams como ela mesma, pois o show é uma aparição produzida para um programa de
TV, da própria Cindy, da vida real (The Cindy Adams Show), portanto, a produção
do filme falhou em não mensurar tal confusão que poderia ser gerada ou
simplesmente relevou ao usar a clássica desculpa em torno da licença poética
para dar melhor vazão à narrativa.
Ainda sobre tais números musicais, a
apresentação do show, apesar dos bons artistas citados, tem uma roupagem
antiquada, a parecer um show vaudeville do começo do século XX. Mesmo assim, observa-se
a presença de jovens a dançar, ao insinuar a contagiante ação do Rock’n’ Roll. “The
Diamonds”, um grupo também orientado pelo R’n’B, apresenta-se e a sua
performance é divertida, pois a sua coreografia remetia sempre ao humorismo, por uma característica própria em sua vida real.
Ações de
divulgação são mostradas, quando por exemplo é abordado o radialista, Howard
Miller, ao visar tocar os lançamentos da gravadora, em seu: “The Howard Miller
Show”.
Entra em
cena um personagem exótico. Ocorre que John e Nikki visitam uma amiga e nessa
visita, existe uma série de pessoas ali presentes e alguns deles a demonstrar
estarem ligados a algum ramo da arte. Um deles, chama a atenção, por ser um
cidadão russo e a mostrar-se completamente excêntrico, digamos. Histriônico por
natureza, esse senhor a aparentar estar na meia idade, apresenta-se como, Vladimir
Stolski, natural de Vladivostok (interpretado por Hans Conried). Ele afirma ser
um artista avantgarde e as suas atitudes denotam ser bastante alternativo, a
descrevê-lo de uma maneira amena.
John insiste
para que Cindy cante uma música para constar no disco que pretende lançar em
seu novo selo. Mas o disco sai e o fracasso é total, o que enfurece o seu pai e
também o sócio, Danny. Os diálogos nesse momento, denotam que as amenidades
cessam quando o assunto é dinheiro, pois teste a parte, o prejuízo faz com que
os ânimos fiquem bem acirrados, o que também desnuda o que é ou foi o ambiente em
uma cúpula de gravadora tradicional, ou seja, para tais executivos, música boa
é a que vende e ponto final.
Desesperado, o velho Randall insiste em lamuriar que
uma fortuna fora gasta para mandar prensar trezentos e cinquenta mil discos, e
daí, dá um ultimato ao filho, para que ele providencie a venda desse estoque em
um prazo muito curto, sob a pena em fechar o selo e acabar de vez com tal
aventura de sua parte.
Então, com o auxílio de sua namorada, Nikki, a cena que
advém, chega a ser prosaica, com os personagens a debruçar-se em pesados livros
sobre economia para buscar uma solução salvadora para a situação (como assim?).
No entanto, a
solução é ainda mais singela, quando visitam aquela casa onde o tresloucado
artista russo estava hospedado e o desmascaram, ao forçar que ele confesse ser
na verdade uma outra pessoa. O seu nome é Ben J. Carlson, poderoso empresário
multimilionário do ramo da alimentação, e dono de uma rede de supermercados
chamada, “Ajax Foods”. Aquela farsa sobre ser um artista experimental russo, fora
apenas uma brincadeira inocente de sua parte, ao alegar usar esse alter ego,
apenas como um subterfúgio para tirar férias da sua vida massacrante, ao atuar
como um empresário. Pois esse poderoso homem de negócios deixa esse tresloucado
artista, que vive em segredo dentro de si, falar mais alto, e assim, Vladimir (ou
melhor, Ben), anuncia que vai ajudar o selo Revere Records.
No dia
seguinte, na sede da gravadora, o velho Randall vem cobrar o seu filho mediante
a ameaça que fizera através de um ultimato. Então, eis que a figura de Ben J. Carlson
entra na sala de reuniões e anuncia que comprará as trezentas e cinquenta mil
cópias do disco encalhado para usá-las como brinde aos seus clientes em
promoções a ser realizadas em seus estabelecimentos e mais ainda, comprará mais
cópias, mensalmente, para ajudar no fomento à boa música.
Ele revela-se como um empresário
messiânico e mecenas, que valoriza a arte, ou seja, que maravilha de solução
inverossímil para o filme chegar ao seu final feliz. O filme foi dirigido por William J. Cowan, e lançado em 1958.
Enfim, essa obra,
“The Big Heat”, apresentou boas atrações musicais e teve esse mérito em mostrar
os bastidores de uma gravadora, mesmo que a exibição desse tema tenha
desenvolvido-se de uma forma absolutamente ingênua. Não tenho ideia de como essa obra foi recebida pela crítica na ocasião de seu lançamento, pois não há quase nenhuma
informação adicional sobre tal filme, infelizmente, além do que eu relatei
nesta resenha.
Posso dizer apenas que o assisti pela primeira vez
nos anos sessenta, em uma exibição regular na TV, e nessa época leve-se em conta
que ninguém sequer sonhava que um dia existira canais fechados sob regime pago,
no futuro, portanto, estou a falar sobre os (poucos) canais abertos disponíveis
à população nessa ocasião. Não há registro sobre a existência de cópias em
nenhum formato para a venda. Eu possuo uma cópia, apenas por ter tido a sorte
em gravar, quando aproveitei a sua rara exibição em um canal a cabo, nos anos
2000 e infelizmente não há registro algum, nem mesmo pequenos trechos desse
filme, em qualquer portal da Internet, que eu saiba.
Esta resenha foi elaborada para fazer parte do livro: "Luz; Câmera & Rock'n' Roll" em seu volume II, disponível para a leitura a partir da página 329.