Que as histórias em quadrinhos tem uma tradição muito antiga, não resta dúvida. Por embalar a imaginação das crianças e adolescentes, há muitas décadas, as suas mais remotas origens remontam à Idade Média, mediante as histórias sobre cavalaria, mescladas às lendas do folclore etc. No Brasil, um dos primeiros registros que se tem notícia sobre um desenho dessa natureza, deu-se em 1837, quando uma charge criada pelo autor, Manuel de Araújo Porto-Alegre foi apresentada sob o formato de uma litografia.
Angelo Agostini lançaria uma revista com charges e caricaturas, em 1869, e criou personagens tais como : "Nhô Quim", e "Zé Caipora", ou seja, bem brasileiros, e através deles, criticou com veemência a política do segundo Império, de Pedro II.
Já no século XX, em 1905, surgiu a revista : "Tico-Tico", que popularizou-se com as suas charges, onde destacou-se o cartunista, J. Carlos, que foi o primeiro desenhista brasileiro a trabalhar com um personagem Disney, o Mickey Mouse. O cartunista paulista, Belmonte, tornou-se uma celebridade através dos seus cartoons; charges, e certamente por conta do genial personagem que inventou : "Juca Pato".
Mas ainda não havia no país um grande catalisador que pudesse conciliar essa produção nacional em termos de charges & cartoons, com o movimento de comics, que já era fortíssimo nos Estados Unidos e Europa, a contar com inúmeras publicações; heróis e sagas bem escritas.
Foi nesse contexto, que um jovem empreendedor surgiu no mercado editorial brasileiro, chamado : Adolfo Aizen. No início dos anos trinta, Adolfo Aizen fundou uma pequena editora chamada, "Grande Consórcio de Suplementos Nacionais".
Nessa empreitada, Aizen lançou algumas revistas tais como : "Suplementos Juvenil; "O Mirim" e "O Lobinho" (uma coletânea com histórias, onde foi lançado pela primeira vez no Brasil, heróis internacionais da magnitude de Batman; Superman; The Flash; e Falcão da Noite). No ano de 1945, Aizen fundou uma outra editora, que recebeu o nome de Editora Brasil-América Ltda., que passou a ser conhecida no mercado editorial, e entre seus admiradores, como "Ebal", a sua sigla. Em meio a uma parceria com a Editora Abril, propriedade da família Civita, que estava baseada na Argentina, nessa época, a Ebal lançou personagens Disney, cuja licença pertencia a Abril Cultural.
Com a abertura no Brasil da editora, "Primavera" (mais tarde, "Abril"), Victor Civita, monopolizou a franquia Disney, ao tornar-se doravante a grande rival da Ebal, por décadas, e esta foi forçada a adotar um outro rumo. Em princípio, a Ebal publicou muitos "books" com aventuras; clássicos da literatura adaptados aos quadrinhos, e sagas com heróis selvagens ao estilo de "Sheena, a Rainha das Selvas", e "Tabu", entre outros.
No entanto, o grande trunfo de Aizen esteve mesmo com os super-heróis, e entre eles, o Superman foi um carro chefe da Ebal, de 1947, até 1983, quando a Ebal perdera as suas forças e cedeu os seus direitos à Abril Cultural. Convenhamos, manter um super-herói dessa importância no elenco, por quase quarenta anos, por si só já deveria ser digno de nota, mas a Ebal fez muito mais que isso, na sua história editorial. Muitas histórias sobre detetives, na mais clássica tradição da literatura e cinema "noir", como por exemplo na figura de "Dick Tracy", fizeram enorme sucesso no Brasil.
Flash Gordon", o grande herói Sci-Fi dos anos trinta; "Fantasma", o enigmático misto de herói e entidade imortal; "O Príncipe Valente", "Zorro", "Tarzan"(que dispensa apresentações), etc . Outro filão muito importante que a Ebal trabalhou, foi o dos quadrinhos com heróis ambientados no cenário do velho oeste.
Nesse segmento do Western, a Ebal lançou personagens como : "Bufalo Bill"; "Cisco Kid"; Cheyenne"; "Nevada Kid" e outros.
Com o advento das séries de TV, a Ebal acompanhou o mercado norteamericano, e lançou gibis baseados em tais atrações televisivas, tais como "Gunsmoke"; "Terra de Gigantes"; Os Invasores"; "Bonanza", e outros. Nos anos cinquenta e sessenta, transcorreu o auge da companhia criada pelo grande, Adolfo Aizen, e nesses termos os números por tal empresa, revelaram-se sob um impressionante porte no mundo editorial brasileiro em geral.
A Ebal chegou a vender milhões de revistas. Algumas delas, com tiragens de mais de cento e cinquenta mil exemplares distribuídos nas bancas de revistas, brasileiras. Houve época onde chegou a manter quarenta títulos simultâneos em seu catálogo, e para quem conhece o mercado editorial de revistas, sabe bem que é um número impressionante.
Quando firmou exclusividade com a gigante dos quadrinhos, a DC Comics (Batman e Superman, além de outros personagens nesse elenco fantástico), a Ebal já estava consolidada como a maior editora de histórias em quadrinhos do Brasil, e a sua concorrente, na verdade não a atrapalhava e vice-versa, pois a Editora Abril dedicava-se ao Universo Disney, praticamente, ou seja, mantinha-se fechada em um outro nicho de público, completamente diferente, e Maurício de Souza, uma eventual terceira força no mercado, ainda era um iniciante, com a tira da "Turma da Mônica" a dar os seus primeiros passos no jornal Folha de São Paulo, e longe de ser também um editor de peso no mercado, fator que só conquistou muitos anos depois. Não contente em lançar os heróis da DC no mercado brasileiro, a Ebal passou a trabalhar também com a outra gigante americana, a Marvel Comics, ao tornar-se ainda mais poderosa.
Para quem já dominava o mercado com Batman; Superman, e toda a Liga da Justiça da DC, agora a Ebal passara a trazer na manga : Hulk; Capitão América; Thor; Homem de Ferro; Quarteto Fantástico; Homem Aranha; Namor, e todos os Vingadores do Universo Marvel.
Particularmente, a minha história com a Ebal começou aí, em 1967, quando tal editora lançou no mercado os gibis dos cinco principais heróis Marvel, sob um esforço de marketing em conjunto com a fábrica de brinquedos Atma, e a rede de postos de gasolina, Shell.
Concomitante ao lançamento dos desenhos animados (ou "desanimados", como alguns gostam de enfatizar, pois foram concebidos com o mínimo de movimento, para justamente simular os quadrinhos dos gibis), na TV, essa campanha conjugada fez muito sucesso na época.
O plano "diabólico", arquitetado pelos marqueteiros brasileiros, previu que a cada abastecimento de gasolina (não lembro-me qual teria sido a quantidade mínima, mas creio que tratou-se de vinte litros), nos postos Shell, o motorista ganhava um boneco de plástico de um herói Marvel.
Em 1967, o meu pai foi mais um, entre milhões de pais, que foi atormentado por seus respectivos pequenos pedintes, a esforçar-se em evitar abastecer o tanque do carro da família, em postos cuja bandeira não fosse da Shell...
E claro, tente explicar que um boneco só, é o suficiente para um pequeno colecionador Marvel, e você vai verificar que essa informação "não tem registro", como diria o nosso querido Robot de "Lost in Space"...
Nesse lançamento de 1967, a Ebal lançou de cada Super-Herói, a reprodução da sua origem, em edições muito bonitas.
Na década de setenta, a Ebal seguiu firme na dianteira desse nicho. Porém, nos anos oitenta, infelizmente a editora mais querida dos fãs de quadrinhos, pôs-se a perder o seu fôlego.
Muitos itens de seu portfólio de atrações foram vendidos paulatinamente para a editora Abril; Maurício de Souza já estava consolidado no mercado; e pequenas editoras novas surgiram no mercado, para dividir a atenção do público consumidor. Concomitantemente, o crescente aumento dos então "modernos" vídeo-games, e a subsequente inclusão social na internet não diminuiu o interesse pelos quadrinhos, mas começou a minar a sua plataforma tradicional, impressa.
Reservadamente, Aizen confidenciava aos seus pares, que estava desanimado com tais perspectivas e nesse embalo, a Ebal, infelizmente perdeu terreno. no mercado. No ano de 1991, Aizen faleceu, mas a Ebal tentou prosseguir com a condução dos filhos dele. Aliás, Paulo Adolfo e Naumin Aizen, já comandavam junto com seu pai, a empresa há muitos anos, com a participação também de Fernando Albagli. A Ebal ainda publicaria algumas edições de luxo do personagem, Príncipe Valente, e investiu também em um nicho moderno, o dos mangás japoneses, mas em 1995, fechou as portas, definitivamente, para encerrar uma história muito bonita no mercado editorial brasileiro.
O histórico edifício / sede, localizado no bairro de São Cristovão, no Rio de Janeiro, ainda abriga a gráfica que servia à Ebal. Mas hoje em dia, tal oficina realiza apenas serviços particulares de pequena monta para os comerciantes e moradores do bairro.
Recentemente (2013), eu li comentários na Internet, preocupados com a especulação imobiliária no bairro de São Cristovão, a defender a ideia do tombamento do edifício, e assim tentar preservar o seu melhor aproveitamento cultural para a comunidade (embora atualmente, a velha gráfica divida o espaço com uma escola).
Indico duas fontes de consulta para quem quiser esmiuçar ainda mais a história da Ebal : existe um Blog na Internet, conduzido por um abnegado historiador da Ebal, chamado Oscar, que é completíssimo. Chama-se "Guia Ebal", e nele, o fã encontra informações sobre todos os lançamentos da editora, comentados e ricamente ilustrados.
O link é : http://guiaebal.com/
Outra dica que deixo, existe um livro escrito por um pesquisador chamado, Gonçalo Junior, chamado : " A Guerra dos Gibis".
Nele, Gonçalo conta a história dos quadrinhos no Brasil, e a atuação de Adolfo Aizen e sua Ebal, tem um grande destaque.
Código do livro para consulta : ISBN 8535905820
Sou fã da Ebal, e agradeço ao senhor Adolfo Aizen, por toda alegria que proporcionou à milhares de crianças e adolescentes, por décadas, incluso eu mesmo.