Lançado em 1971, tal obra teve a sua produção e direção a cargo de George Englund. Tal caráter inusitado observado para esta obra foi propiciado por que ela foi concebida como um "western", a conter todos os clichês típicos desse gênero clássico do cinema, no entanto, mediante a inserção de bandas de Rock, a atuar em meio à sua absoluta eletricidade, somente possível no curso do século XX, ao forçar um anacronismo surreal.
E como se não bastasse isso, o roteiro foi baseado no mote filosófico da obra, "Siddhartha", do romancista alemão, Hermann Hesse. Portanto, apenas a considerar tais fatores, e mesmo antes de assistir-se o filme, qualquer pessoa haveria por imaginar: como seria possível conciliar-se conceitos tão díspares, e almejar dessa forma atingir-se a audiência mais popular? Pois nessa questão, George Englund parece não ter esboçado nenhuma preocupação, realmente, visto que teve em mãos um roteiro completamente desprovido de senso comercial, a privilegiar uma busca artística livre, digamos assim.
O filme foi centrado em torno das personagens, Zachariah (interpretado pelo ator, John Rubinstein, este aliás, filho do pianista erudito, Arthur Rubinstein, na vida real), e Mathew (Don Johnson, nesta aparição, a atuar muitos anos antes de ficar famoso pela sua participação na série de TV, "Miami Vice").
O responsável por alinhavar todas essas referências tão loucas e distintas entre si, foi o roteirista norte-americano, Joe Massot. Conhecido por ter escrito o roteiro de um filme britânico dotado de um alto teor psicodélico e que tornou-se marcante na década de sessenta ("Wonderwall", este com a trilha sonora escrita por George Harrison), e também por ter escrito o roteiro do filme: "The Song Remains the Same" (em um momento adiante, em 1973), este a tratar-se de uma mistura delirante entre a dramaturgia fantasiosa e um show de Rock proporcionado pelo Led Zeppelin.
A trupe teatral, "Firesight Theatre", em fotos dos anos sessenta
Massot não trabalhou sozinho neste roteiro de "Zachariah", no entanto, pois houve a colaboração de membros da trupe de humor & surrealismo, "Firesign Theatre", com Phil Austin, Peter Bergman, David Ossman e Philip Proctor a compô-la. Tal trupe foi bastante influente não apenas pelo seu humor nonsense, mas também por usar o surrealismo como ferramenta, e também por ter contribuído com uma militância contracultural intensa, ao participar ativamente de eventos ao estilo Love-In/Human Be-In; gravar discos e manter conexão com o teatro, livros, cinema, rádio, histórias em quadrinhos e muito mais. Portanto, com esses roteiristas a trabalhar coletivamente, e ao levar-se em consideração que todos eles apresentavam um forte comprometimento com os mesmos valores em torno de surrealismo e da psicodelia, justificou-se outrossim uma história tão fora do padrão.
Então, para falar da trama, os personagens protagonistas são amigos e através de uma confusão gerada em um saloon, Zachariah mata um homem, mesmo que fosse, em princípio, uma novidade para ele, que revelava-se um mero aspirante a pistoleiro, até aquele momento de sua vida. Ambos passam então a envolver-se em assaltos a bancos e outras ocorrências criminosas por conta das circunstâncias.
O grupo de Rock, Country Joe and the Fish, caracterizado para atuar em "Zachariah"
A Gangue formada por ladrões de bancos com a qual associam-se, é simplesmente formada pelos componentes do grupo de Rock, "Country Joe and the Fish", uma das bandas mais loucas da cena psicodélica norte-americana, dos anos sessenta. Portanto, imagine o quão inusitado revela-se constatar-se a presença de tais músicos a simular serem bandidos no ambiente do velho oeste e a intercalar os seus assaltos com shows de Rock, ao usar carruagens como palco para tocar instrumentos elétricos e plugados em tomadas, em uma época em que simplesmente não existia energia elétrica.
A James Gang, com o excelente guitarrista, Joe Walsh a usar uma guitarra Fender Telecaster, azul, e a colocar as moças do saloon para dançar, em cena de "Zachariah"
Licença poética ou loucura extrema ? As duas alternativas anteriores, certamente. Outra participação Rocker, ocorre com a aparição da "James Gang", que também aparece, capitaneada pelo seu grande guitarrista, Joe Walsh. Uma banda seminal da cena Blues-Rock & Hard-rock na América do Norte, a James Gang estava em uma forma espetacular na ocasião.
Consta na história da produção deste filme, que o produtor do filme queria contratar o baterista do Cream, Ginger Baker, para protagonizar o personagem, Zachariah, ou seja, a caracterizar uma suprema loucura que o superb baterista recusou, ao abrir vaga para, John Rubinstein, que era um ator de ofício, pelo menos.
Elvin Jones, baterista famoso na cena jazzística, atuou como um pistoleiro, mas também mostrou o seu talento como músico em um número de saloon, onde fez um solo de bateria, espetacular
Outra participação musical muito interessante, foi a do baterista, Elvin Jones (que tocou com Charles Mingus, Miles Davis, John Coltrane e outros monstros desse quilate), e que se tratava de uma super fera do mundo do Jazz. Elvin Jones, aliás, faz um solo de bateria no filme, absolutamente espetacular e a sua atuação como ator, canastrice a parte, mostrou-se até suportável para um músico que não era ator (ele interpretou o personagem: "Job Caim", um pistoleiro implacável). "White Lightnin', é uma outra banda que comparece no filme.
Em um dado momento, os amigos, Zachariah e Matthew, desentendem-se por causa de Belle Star (interpretada por Pat Quinn), uma linda mulher, e dona de um bordel.
Está armado o clima para o supremo clichê do gênero: o duelo, com todos os planos e contra-planos que tem-se direito, ao focar em close-up nos dedos nos gatilhos entre os antagonistas, a respiração ofegante observada nos semblantes dos duelistas; olhares, suor a escorrer pelo rosto e blocos formados por feno, a voar em câmera lenta etc. Ah... como é bom assistir um "Bang-Bang" na sessão coruja, ainda mais se contém uma dose enorme de loucura e Rock em seu bojo nada usual...
Contudo, mesmo a admitir-se que esse roteiro proporcionou ao filme, a possibilidade de explorar-se o inusitado, mediante uma boa dose do elemento nonsense em sua estrutura, ao final, o diretor optou por um desfecho que certamente um outro grande cineasta, Franco Zeffirelli teria optado, mas em outras circunstâncias, ocorreu, digamos assim. ou seja, digamos algo mais... esvoaçante.
A crítica abominou, por considerar essa mistura de conceitos, uma insanidade. Nenhum crítico de cinema levou a sério. E além do mais, interpretou-se a boa parte da trama como uma velada história de homossexualidade em torno dos dois cowboys protagonistas da história.
Fãs da literatura holística de Hermann Hesse, acharam quase um escárnio atribuir-se à obra literária, "Siddartha" a influência confessa do roteiro e os Rockers preferiam ver & ouvir bandas como Country Joe and the Fish, ou James Gang, a tocar em palcos bem equipados, ao invés de carroças ou em "saloons" do velho oeste.
Pessoalmente, eu recordo-me bem que pude enfim assistir esse filme pela primeira vez, em 1979 (tardiamente, portanto), por incrível que pareça, e não através de uma exibição em um Cine-Clube, como o Cine Bijou, que eu frequentava com assiduidade nos anos setenta, em São Paulo, e sala de cinema essa em que se costumava exibir filmes obscuros como esse
Rockers & bandoleiros do Velho Oeste, quem diria... Country Joe and The Fish em Zachariah
Ocorreu tal oportunidade quando uma exibição foi anunciada pela programação da TV. Foi exibido na extinta TV Tupi, sob uma semana temática com filmes sobre o Rock e o movimento Hippie, aliás algo bem incomum para uma emissora que sempre se pautou pelo viés conservador. Talvez a explicação parta uma atitude fora de seu padrão, tenha sido pelo fato de que tal emissora estava em profunda crise financeira na ocasião, e por conta dessa situação, tenha afrouxado a sua linha de conduta possivelmente e assim, deu espaço para algum programador mais jovem e antenado na contracultura programar uma mostra temática a enaltecer valores contrários ao que costumava defender em sua linha de conduta no que tange ao seu papel como órgão difusor de conteúdo cultural.
Em situação análoga, eu ainda recordo-me sobre a resenha desdenhosa que o jornal, "Folha de São Paulo", publicou no dia dessa exibição, em seu caderno sobre as atrações da TV, ao afirmar algo do gênero: -"Bang-Bang de Hippies e pauleira numa boa, sacou?" Enfim, o desdém destilado, dispensa considerações de minha parte. E só para acrescentar, onde esteve a "pauleira" aludida pelo estagiário que assinou tal nota no jornal? Qualquer pessoa que tenha uma mínima noção de música, jamais poderia considerar o som dos artistas que participam do filme, como algo próximo do Rock pesado, portanto, além do desdém gratuito a sugerir o preconceito odioso, denotou falta de conhecimento de causa, de uma forma gritante.
Eu nunca mais soube de outra exibição na TV, nem mesmo em canais a cabo, a posteriori. Portanto, este filme caiu no limbo do esquecimento, muito rapidamente. São poucas as pessoas em meu rol de amizades, aliás, que mencionam tê-lo assistido e muitas, sequer ouviram falar dessa obra, mesmo que vagamente. Esse é um dado assustador, na medida em que se mostra óbvio que entre as pessoas que constam em minha relação de amizades, inúmeras tem cultura Rocker e entre elas, muitas ostentam uma bagagem pessoal a revelar-se enciclopédica sobre oi tema em questão.
Ainda no elenco de apoio, é bom ressaltar as presenças de: Dick Van Patten (como The Dude), Doug Kershaw (o violinista), William Shalee (como "o velho"), Robert Ball (o roadie do velho oeste), além de figurantes. No caso da banda: "New York Rock Ensemble", esta atua a tocar no Cabaret de Belle Star, em uma cena bem interessante.
Apesar de reconhecer que o diretor, George Englund exagerou na confusão de ideias que tentou alinhavar, o filme tem seus méritos, nem que seja apenas pelas apresentações musicais. A ideia em inserir conceitos extraídos de um livro emblemático do autor, Hermann Hesse, no entanto, acho que diluiu-se, pois o ambiente rústico do Western, não seria propício para abordar-se libertação via iluminação espiritual, ecologia sustentável, ou vegetarianismo, temas holisticamente colocados em sua literatura, costumeiramente.
Se essa foi a primeira intenção de Englund, como produtor e diretor, aí sim, receio que tenha falhado. Entretanto, se tudo isso for relevado, o filme passa como uma opção de diversão, pura e simplesmente e vale bastante pela parte musical.
Sobre a trilha sonora, o LP oficial com tal material, saiu a seguir, ainda no primeiro semestre de 1971, pelo selo, Probe Records, que foi distribuído pela gravadora ABC Records, ou seja, uma companhia dotada de um pequeno porte, portanto sem um grande aparato de divulgação. Uma pena, pois o material sonoro dessa trilha, apresenta bastante qualidade.
Escrito por Joe Massot e o pessoal da The Firesight Theatre. Produzido por George Englund e Lawrence Kubic. Direção de George Englund. Lançamento em janeiro de 1971.
Como eu já comentei, esse filme entrou em rápido processo de esquecimento, portanto, as exibições em canais de TV, foram raras, mesmo nos anos setenta, e quanto mais nos anos e décadas posteriores. Existe cópia em formato DVD, disponível em catálogo, no entanto, para quem interessar-se em sua aquisição. A boa nova fica por conta de que na atualidade (2019), é possível assistir tal filme em sua versão integral e gratuitamente através do portal YouTube.
Resenha publicada inicialmente no Blog do Juma, em 2011. Posteriormente, esta resenha foi revista e ampliada para fazer parte do livro: "Luz; Câmera & Rock'n' Roll", a constar em seu volume I, a partir da página 183.