segunda-feira, 30 de abril de 2012

Filme: Zachariah (O Clamor da Juventude) - Por Luiz Domingues

Um dos filmes mais inusitados a envolver o Rock, foi produzido no início dos anos setenta, e intitulado como: "Zachariah" ("Zachariah, o Clamor da Juventude", sob o ridículo título fora de contexto, aliás, inventado pelos marqueteiros brasileiros, em português).

Lançado em 1971, tal obra teve a sua produção e direção a cargo de George Englund. Tal caráter inusitado observado para esta obra foi propiciado por que ela foi concebida como um "western", a conter todos os clichês típicos desse gênero clássico do cinema, no entanto, mediante a inserção de bandas de Rock, a atuar em meio à sua absoluta eletricidade, somente possível no curso do século XX, ao forçar um anacronismo surreal.

E como se não bastasse isso, o roteiro foi baseado no mote filosófico da obra, "Siddhartha", do romancista alemão, Hermann Hesse. Portanto, apenas a considerar tais fatores, e mesmo antes de assistir-se o filme, qualquer pessoa haveria por imaginar: como seria possível conciliar-se conceitos tão díspares, e almejar dessa forma atingir-se a audiência mais popular? Pois nessa questão, George Englund parece não ter esboçado nenhuma preocupação, realmente, visto que teve em mãos um roteiro completamente desprovido de senso comercial, a privilegiar uma busca artística livre, digamos assim. 

O filme foi centrado em torno das personagens, Zachariah (interpretado pelo ator, John Rubinstein, este aliás, filho do pianista erudito, Arthur Rubinstein, na vida real), e Mathew (Don Johnson, nesta aparição, a atuar muitos anos antes de ficar famoso pela sua participação na série de TV, "Miami Vice").

O responsável por alinhavar todas essas referências tão loucas e distintas entre si, foi o roteirista norte-americano, Joe Massot. Conhecido por ter escrito o roteiro de um filme britânico dotado de um alto teor psicodélico e que tornou-se marcante na década de sessenta ("Wonderwall", este com a trilha sonora escrita por George Harrison), e também por ter escrito o roteiro do filme: "The Song Remains the Same" (em um momento adiante, em 1973), este a tratar-se de uma mistura delirante entre a dramaturgia fantasiosa e um show de Rock proporcionado pelo Led Zeppelin.

A trupe teatral, "Firesight Theatre", em fotos dos anos sessenta

Massot não trabalhou sozinho neste roteiro de "Zachariah", no entanto, pois houve a colaboração de membros da trupe de humor & surrealismo, "Firesign Theatre", com Phil Austin, Peter Bergman, David Ossman e Philip Proctor a compô-la. Tal trupe foi bastante influente não apenas pelo seu humor nonsense, mas também por usar o surrealismo como ferramenta, e também por ter contribuído com uma militância contracultural intensa, ao participar ativamente de eventos ao estilo Love-In/Human Be-In; gravar discos e manter conexão com o teatro, livros, cinema, rádio, histórias em quadrinhos e muito mais. Portanto, com esses roteiristas a trabalhar coletivamente, e ao levar-se em consideração que todos eles apresentavam um forte comprometimento com os mesmos valores em torno de surrealismo e da psicodelia, justificou-se outrossim uma história tão fora do padrão.

Cabe acrescentar que essa produção já estava a ser imaginada desde 1968, pois Joe Massot esteve com os Beatles em seu famoso retiro espiritual mediado pelo guru indiano, Maharishi Mahesh Yogi, nessa ocasião e ali, tomou conhecimento da obra do pensador alemão e escritor, Hermann Hesse: "Siddhartha". Após trabalhar em "Wonderwall", Massot propôs à Harrison, que este produzisse esse novo projeto que teria a inspiração na obra de Hesse, mas que revelar-se-ia na verdade, algo inédito, escrito por ele, Massot, a conter uma abordagem ocidental à história proposta por Hesse em meio à cultura indiana. Não deu certo na ocasião, no entanto, para apenas ser levado adiante em 1971, mediante a participação de outras pessoas no projeto, incluso a trupe de comediantes formada pelo grupo, Firesight Theatre, já citada. Levon Helm, o baterista da The Band, afirmou anos depois, que participara dessas conversações e que George Harrison mostrara-se interessado em princípio e nesses termos, os planos iniciais incluiriam além da presença do baterista, Ginger Baker, como um ator improvisado, a presença do Cream, a sua banda na ocasião e também da The Band de Levon. Mas nada disso ocorreu e no contexto de 1970, quando a obra foi produzida e posteriormente lançada em 1971, outras pessoas estiveram envolvidas, tanto no processo da produção, quanto na atuação, propriamente dita.

Então, para falar da trama, os personagens protagonistas são amigos e através de uma confusão gerada em um saloon, Zachariah mata um homem, mesmo que fosse, em princípio, uma novidade para ele, que revelava-se um mero aspirante a pistoleiro, até aquele momento de sua vida. Ambos passam então a envolver-se em assaltos a bancos e outras ocorrências criminosas por conta das circunstâncias. 

O grupo de Rock, Country Joe and the Fish, caracterizado para atuar em "Zachariah"

A Gangue formada por ladrões de bancos com a qual associam-se, é simplesmente formada pelos componentes do grupo de Rock, "Country Joe and the Fish", uma das bandas mais loucas da cena psicodélica norte-americana, dos anos sessenta. Portanto, imagine o quão inusitado revela-se constatar-se a presença de tais músicos a simular serem bandidos no ambiente do velho oeste e a intercalar os seus assaltos com shows de Rock, ao usar carruagens como palco para tocar instrumentos elétricos e plugados em tomadas, em uma época em que simplesmente não existia energia elétrica. 
A James Gang, com o excelente guitarrista, Joe Walsh a usar uma guitarra Fender Telecaster, azul, e a colocar as moças do saloon para dançar, em cena de "Zachariah" 

Licença poética ou loucura extrema ? As duas alternativas anteriores, certamente. Outra participação Rocker, ocorre com a aparição da "James Gang", que também aparece, capitaneada pelo seu grande guitarrista, Joe Walsh. Uma banda seminal da cena Blues-Rock & Hard-rock na América do Norte, a James Gang estava em uma forma espetacular na ocasião.
Consta na história da produção deste filme, que o produtor do filme queria contratar o baterista do Cream, Ginger Baker, para protagonizar o personagem, Zachariah, ou seja, a caracterizar uma suprema loucura que o superb baterista recusou, ao abrir vaga para, John Rubinstein, que era um ator de ofício, pelo menos. 

Elvin Jones, baterista famoso na cena jazzística, atuou como um pistoleiro, mas também mostrou o seu talento como músico em um número de saloon, onde fez um solo de bateria, espetacular 

Outra participação musical muito interessante, foi a do baterista, Elvin Jones (que tocou com Charles Mingus, Miles Davis, John Coltrane e outros monstros desse quilate), e que se tratava de uma super fera do mundo do Jazz. Elvin Jones, aliás, faz um solo de bateria no filme, absolutamente espetacular e a sua atuação como ator, canastrice a parte, mostrou-se até suportável para um músico que não era ator (ele interpretou o personagem: "Job Caim", um pistoleiro implacável). "White Lightnin', é uma outra banda que comparece no filme. 

Em um dado momento, os amigos, Zachariah e Matthew, desentendem-se por causa de Belle Star (interpretada por Pat Quinn), uma linda mulher, e dona de um bordel.  
Está armado o clima para o supremo clichê do gênero: o duelo, com todos os planos e contra-planos que tem-se direito, ao focar em close-up nos dedos nos gatilhos entre os antagonistas, a respiração ofegante observada nos semblantes dos duelistas; olhares, suor a escorrer pelo rosto e blocos formados por feno, a voar em câmera lenta etc.  Ah... como é bom assistir um "Bang-Bang" na sessão coruja, ainda mais se contém uma dose enorme de loucura e Rock em seu bojo nada usual...

Contudo, mesmo a admitir-se que esse roteiro proporcionou ao filme, a possibilidade  de explorar-se o inusitado, mediante uma boa dose do elemento nonsense em sua estrutura, ao final, o diretor optou por um desfecho que certamente um outro grande cineasta, Franco Zeffirelli teria optado, mas em outras circunstâncias, ocorreu, digamos assim. ou seja, digamos algo mais... esvoaçante.  

A crítica abominou, por considerar essa mistura de conceitos, uma insanidade. Nenhum crítico de cinema levou a sério. E além do mais, interpretou-se a boa parte da trama como uma velada história de homossexualidade em torno dos dois cowboys protagonistas da história.

Fãs da literatura holística de Hermann Hesse, acharam quase um escárnio atribuir-se à obra literária, "Siddartha" a influência confessa do roteiro e os Rockers preferiam ver & ouvir bandas como Country Joe and the Fish, ou James Gang, a tocar em palcos bem equipados, ao invés de carroças ou em "saloons" do velho oeste.
 
Pessoalmente, eu recordo-me bem que pude enfim assistir esse filme pela primeira vez, em 1979 (tardiamente, portanto), por incrível que pareça, e não através de uma exibição em um Cine-Clube, como o Cine Bijou, que eu frequentava com assiduidade nos anos setenta, em São Paulo, e sala de cinema essa em que se costumava exibir filmes obscuros como esse

Rockers & bandoleiros do Velho Oeste, quem diria... Country Joe and The Fish em Zachariah

Ocorreu tal oportunidade quando uma exibição foi anunciada pela programação da TV. Foi exibido na extinta TV Tupi, sob uma semana temática com filmes sobre o Rock e o movimento Hippie, aliás algo bem incomum para uma emissora que sempre se pautou pelo viés conservador. Talvez a explicação parta uma atitude fora de seu padrão, tenha sido pelo fato de que tal emissora estava em profunda crise financeira na ocasião, e por conta dessa situação, tenha afrouxado a sua linha de conduta possivelmente e assim, deu espaço para algum programador mais jovem e antenado na contracultura programar uma mostra temática a enaltecer valores contrários ao que costumava defender em sua linha de conduta no que tange ao seu papel como órgão difusor de conteúdo cultural. 

Em situação análoga, eu ainda recordo-me sobre a resenha desdenhosa que o jornal, "Folha de São Paulo", publicou no dia dessa exibição, em seu caderno sobre as atrações da TV, ao afirmar algo do gênero: -"Bang-Bang de Hippies e pauleira numa boa, sacou?" Enfim, o desdém destilado, dispensa considerações de minha parte. E só para acrescentar, onde esteve a "pauleira" aludida pelo estagiário que assinou tal nota no jornal? Qualquer pessoa que tenha uma mínima noção de música, jamais poderia considerar o som dos artistas que participam do filme, como algo próximo do Rock pesado, portanto, além do desdém gratuito a sugerir o preconceito odioso, denotou falta de conhecimento de causa, de uma forma gritante.

Eu nunca mais soube de outra exibição na TV, nem mesmo em canais a cabo, a posteriori. Portanto, este filme caiu no limbo do esquecimento, muito rapidamente. São poucas as pessoas em meu rol de amizades, aliás, que mencionam tê-lo assistido e muitas, sequer ouviram falar dessa obra, mesmo que vagamente. Esse é um dado assustador, na medida em que se mostra óbvio que entre as pessoas que constam em minha relação de amizades, inúmeras tem cultura Rocker e entre elas, muitas ostentam uma bagagem pessoal a revelar-se enciclopédica sobre oi tema em questão. 

  Ainda no elenco de apoio, é bom ressaltar as presenças de: Dick Van Patten (como The Dude), Doug Kershaw (o violinista), William Shalee (como "o velho"), Robert Ball (o roadie do velho oeste), além de figurantes. No caso da banda: "New York Rock Ensemble", esta atua a tocar no Cabaret de Belle Star, em uma cena bem interessante.
Apesar de reconhecer que o diretor, George Englund exagerou na confusão de ideias que tentou alinhavar, o filme tem seus méritos, nem que seja apenas pelas apresentações musicais. A ideia em inserir conceitos extraídos de um livro emblemático do autor, Hermann Hesse, no entanto, acho que diluiu-se, pois o ambiente rústico do Western, não seria propício para abordar-se libertação via iluminação espiritual, ecologia sustentável, ou vegetarianismo, temas holisticamente colocados em sua literatura, costumeiramente. 

Se essa foi a primeira intenção de Englund, como produtor e diretor, aí sim, receio que tenha falhado. Entretanto, se tudo isso for relevado, o filme passa como uma opção de diversão, pura e simplesmente e vale bastante pela parte musical. 
Sobre a trilha sonora, o LP oficial com tal material, saiu a seguir, ainda no primeiro semestre de 1971, pelo selo, Probe Records, que foi distribuído pela gravadora ABC Records, ou seja, uma companhia dotada de um pequeno porte, portanto sem um grande aparato de divulgação. Uma pena, pois o material sonoro dessa trilha, apresenta bastante qualidade. 

Escrito por Joe Massot e o pessoal da The Firesight Theatre. Produzido por George Englund e Lawrence Kubic. Direção de George Englund. Lançamento em janeiro de 1971.

Como eu já comentei, esse filme entrou em rápido processo de esquecimento, portanto, as exibições em canais de TV, foram raras, mesmo nos anos setenta, e quanto mais nos anos e décadas posteriores. Existe cópia em formato DVD, disponível em catálogo, no entanto, para quem interessar-se em sua aquisição. A boa nova fica por conta de que na atualidade (2019), é possível assistir tal filme em sua versão integral e gratuitamente através do portal YouTube.
Resenha publicada inicialmente no Blog do Juma, em 2011. Posteriormente, esta resenha foi revista e ampliada para fazer parte do livro: "Luz; Câmera & Rock'n' Roll", a constar em seu volume I, a partir da página 183.

sexta-feira, 27 de abril de 2012

Millbrook, o Mergulho de Tim Leary - Por Luiz Domingues


Em 1962, a relação do professor, Timothy Leary, com seu empregador, a Universidade de Harvard, atingiu níveis insustentáveis. Em primeiro lugar, ele fora informado que as suas pesquisas estavam a ser investigadas pela CIA. Além disso, internamente, o corpo docente estava farto em receber reclamações oriundas dos país dos alunos (invariavelmente pessoas proeminentes da sociedade norteamericana e com ligações estreitas com o poder), ao prestar queixa, no sentido de que seus filhos haviam ingerido doses com LSD, em sala de aula, como parte dos estudos propostos no curso ministrado pelo professor, Leary. Fora isso, houve a suspeita de que muitos outros alunos que não faziam parte do grupo, estavam a infiltrar-se para tomar a droga com objetivo recreativo. Cabe lembrar que nessa época, essa substância ainda não era ilegal, portanto, não cabia nenhuma intervenção policial incriminatória no caso. Todavia, a gota d'água foi uma entrevista que Leary concedeu à revista Playboy, quando referiu-se ironicamente à substância que pesquisava, como "um poderoso afrodisíaco". Ao aproveitar-se de um período onde Leary esteve fora das atividades acadêmicas, no início de 1963, a universidade tomou a atitude em demiti-lo, e na sua esteira, também o fez com o professor, Richard Alpert, igualmente envolvido nas experiências.

Então, foram ambos para o México, contudo, foram surpreendidos com uma sumária expulsão do país, algo bastante sintomático e a revelar-se um dos inúmeros boicotes velados que sofreriam dali em diante.  Foi quando surgiu a oportunidade para usar-se uma mansão privada, para que pudessem dar prosseguimento em seus experimentos, chamada : "Millbrook House", cujo proprietário era o milionário e mecenas, William Hitchcock. Ali, Tim Leary e Richard Alpert intensificaram seus estudos e doravante já estavam profundamente influenciados por ideias alternativas, oriundas de diversas fontes e não exatamente do mundo acadêmico, para mesclar-se à luz da ciência oficial. O livro Tibetano dos Mortos habitara o imaginário dos pesquisadores (em 1964, lançaram o livro : "The Psychedelic Experience, ao traçar um paralelo entre os dois conceitos).

Leary declarou anos depois, que nesse período, ele considerava-se "um verdadeiro antropólogo do século XXI, a pesquisar em meio às trevas do século XX". Ao extrapolar as fronteiras da psicologia em si, acreditava estar a criar ali, uma espécie de novo paganismo, através da completa expansão mental.

Muitas pessoas uniram-se à experiência de Millbrook, ao participar das sessões de estudos. Leary comandava experimentos sensoriais os mais diversos, com música; dança; meditação; observações no ambiente externo e em contato com a natureza; observação das estrelas; além de investigar empiricamente, diversos rituais pagãos. As observações de Tim Leary e Richard Alpert, levavam em conta aspectos da física de Einstein à quântica, à psicologia; redefinição de palavras (semiótica, incluso), como "neurose" em termos etnológicos; relacionamento entre as alterações de espaço / tempo etc.

Segundo relatou em sua autobiografia, chamada : "Flashbacks", por tratar-se de uma pesquisa independente, os recursos foram providos do próprio bolso dos pesquisadores ou mediante pequenas doações da parte de simpatizantes. Muitos jornalistas; pesquisadores e artistas simpatizantes, visitaram Millbrook. E também houve uma constrangedora visita de dois representantes da FDA, a agência norteamericana do controle farmacêutico, onde tais agentes comportaram-se como capangas mafiosos a estabelecer ameaças, mediante bravatas.
E como capítulo final nessa estada na mansão de Millbrook, Tim Leary casou-se com a jovem, Nanete Leary, em meio a uma cerimônia filmada como curta-metragem, pelo excelente documentarista, D.A. Pennebacker (Monterey Pop Festival'67; Don't Look Back; Ziggy Stardust etc). Esse filme recebeu o título como : "Wedding at Millbrook" (existe um título alternativo, chamado, "You're Nobody Till Somebody Loves You").  A banda de Miles Davis (sem a presença do genial trompetista), fez a trilha sonora da festa e o jazzista superb, Charles Mingus, foi o orador da cerimônia, ao fazer um sermão sobre a instituição do matrimônio.

Esse curta-metragem chegou a ser exibido no circuito de cinemas de arte na América, e é considerado um documento muito importante da história da contracultura nos anos sessenta. Dali em diante, Tim Leary seria mitificado pelos Hippies, ao torná-lo o inimigo n°1 do governo Nixon. Angariou muita simpatia da parte de artistas famosos, e passou por momentos de dificuldades pessoais, extremas, ao ser perseguido e preso. Mas estes são outros aspectos a ser analisados em uma outra ocasião...

Matéria publicada especialmente para o Blog Psychedelic Girl, e republicado no Site / Blog Orra Meu, ambas em 2011.

terça-feira, 24 de abril de 2012

Compre, Compre, Compre... Carros - Por Luiz Domingues

Em qualquer turbulência econômica que esboce uma crise à vista, o governo corre para socorrer os bancos e a indústria automobilística, à frente de qualquer outro setor da sociedade. 

Isso não depende exatamente de tendência ideológica, embora no caso dos bancos em si, é óbvio que se o governo é orientado por ideais direitistas a balança penda para os detentores do dinheiro. 

É em tese uma prioridade para qualquer governo, no entanto, que no caso da indústria, sejam consideradas vital para se evitar um mal maior na economia geral. Se você for dono de um pequeno comércio de bairro, é melhor que disponha de suas reservas pessoais, pois não receberá ajuda para se se levantar e salvar o seu empreendimento, em caso de uma crise aguda.

Da parte dos bancos, é bem óbvio o comprometimento que políticos conservadores tem, basta pensar nas suas vultuosas campanhas eleitorais etc.
 
Mas e no casa da indústria automobilística? A desculpa na ponta da língua, usada por qualquer governante, é a questão social, que supostamente desequilibrar-se-ia. Se param de fabricar automóveis, quantos empregos diretos e indiretos poderão ser comprometidos?
Quantas centenas de milhares de famílias entrariam em apuros se não se fabricassem mais automóveis? Isso sem contar o setor de autopeças, a colossal indústria petrolífera, os gigantes dos pneumáticos etc.
 
Será que uma redução dessa loucura em torno da produção em massa, realmente causaria esse desequilíbrio social, sempre usado como desculpa? 
 
Pois a contrapartida dessa produção absurda, cobra-nos uma conta gigantesca. Segundo dados que li na mídia recentemente (fonte: O Estado de São Paulo), a expectativa da indústria é vender 3,7 milhões de carros até o final de 2011.
Ora, é sabido que o trânsito está completamente caótico nas grandes e médias cidades. Os índices da poluição, cada vez piores, o aumento da violência em torno dos roubos aos automóveis, são alarmantes, acidentes perpetrados pelos bêbados irresponsáveis, cada vez mais acentuados etc. 
 
O preço cobrado para a aquisição de um carros, deveria ser muito menor, proporcional ao incentivo consumista, mas pelo contrário, são extorsivos, a começar pela absurda carga tributária, o que caracteriza não uma contradição estratégica, mas, mera exploração predatória, mesmo. 
 
Para manter um carro, é preciso preparar o bolso para pagar em dia as altas taxas dele decorrentes. Para se manter a documentação do veículo em dia, é preciso ter uma carteira recheada. 
 
Fora o verdadeiro gargalo das restrições: para se estacionar nas ruas, é preciso pagar uma fortuna, pois as prefeituras transformaram as ruas em seu estacionamento particular, com o advento da dita, "zona azul" e mediante outros dispositivos arrecadatórios. 
 
Por exemplo, em cada esquina, um agente de trânsito trabalha o dia inteiro com um grosso talão de multas, que preenche com uma volúpia sem igual. E como a ação policial deixa a desejar na questão dos assaltos, não dá para ficar sem o caríssimo seguro particular, não é mesmo?

O país pretende se consolidar como uma potência petrolífera, mas nem se cogita um repasse à população, pois o preço dos combustíveis, aqui praticado, é dos mais caros do planeta, como se não houvesse uma só gota de petróleo, saída de nosso território. 
 
E mais um dado visível e triste nessa equação viciada: investimentos em transporte público, são feitos sob passos de tartaruga, certamente em comunhão com a indústria automobilística que deseja apenas vender os seus produtos e com transporte público deficiente, estimula-se a ideia das pessoas comprar seus carros particulares, correto? 
 
O cidadão comum entra em um ônibus, ou vagão de metrô ultra-lotado, chega fatigado ao seu local de trabalho e assim, é levado a raciocinar que é melhor ficar presa no trânsito infernal, mas sentada no seu carrinho particular, munido com ar condicionado e a ouvir música, a ficar espremido como uma sardinha em um veículo público, e ironicamente, parada no mesmo trânsito engarrafado...

Resumo da ópera: está do jeito que eles querem! Compre um carro, compre um carro e compre um carro...

Matéria publicada inicialmente no Blog Planet Polêmica em 2011, e republicada no Site/Blog Orra Meu, em 2012

sábado, 21 de abril de 2012

Filme: The Train (O Trem) - Por Luiz Domingues

Entre tantas atrocidades perpetradas pelos nazistas durante a segunda Guerra Mundial, existe a denúncia por conta das pilhagens e demais crimes de natureza civil e nada a ver com a conduta ética de guerra, assegurada por tratados internacionais.  

Nesse cenário permeado por abusos, aliás múltiplos em termos de crimes comuns perpetrados ao se aproveitarem da situação caótica que toda guerra gera por conseguinte, muito se falou do roubo de obras de arte e foi nesse contexto que situou-se o filme: "The Train", lançado em 1964. 

A trama gira em torno dos momentos finais da ocupação imposta pelos nazistas na França, entretanto em seus momentos finais, no ano de 1944, quando já a antever a derrota, se iniciou um recuo. 

Nesse contexto histórico, é sabido que de fato, muitos comboios com trens foram usados para a retirada de tropas, armas e munição, mas sabe-se igualmente, que havia muito material roubado em meio à carga retirada das suas bases de ocupação, a caracterizar um crime de guerra. 

Dessa forma, o filme, "The Train", trata dessa temática, ou seja, ao retratar tal tipo de crime, dramaturgicamente através da obsessão de um personagem fictício a representar tal prática vergonhosa, na persona de um oficial nazista, o Coronel Von Waldhein, vivido pelo bom ator, Paul Scofield, em seu afã de conduzir um trem recheado com obras de arte, a escapulir o mais rápido possível da França e amealhar para si próprio tal tesouro de valor inestimável.

Na ficção, a curadora do museu "Jeu de Paume" faz o alerta do roubo ao entrar em contato rapidamente com a resistência francesa (quem mais poderia auxiliar em uma situação de estado de sítio imposto por uma nação inimiga?), e esta organização clandestina passa a elaborar diversas ações de sabotagem, ao visar retardar ao máximo essa partida do trem. 

Nesse momento, entra em cena a figura do chefe de estação ferroviária, Paul Labiche, protagonizado pelo grande astro, Burt Lancaster. Em princípio, esse personagem é um ferroviário rude e um pouco alheio à questão da guerra em si, no entanto, ele logo se inflama em favor da causa, ao testemunhar o fato de que o seu colega, o maquinista, Papa Boule (Michel Simon), fora executado brutalmente pelos soldados nazistas, após ser flagrado em um ato de sabotagem.

Com Labiche a assumir o comando da locomotiva, mais ações de sabotagem, arquitetadas pelos "maquis" da resistência francesa, transcorrem até o desfecho, até culminar em que as obras são recuperadas e o oficial nazista morre, após um confronto direto e eletrizante com Labiche (Lancaster), ao evocar cenas que movimentam bem a ação, para um filme de guerra, mas não ambientado exatamente no front de batalha e mais a se parecer com um filme com teor policial. 

Esta obra cinematográfica, segundo consta em sua história de produção, deveria ter sido conduzida por Arthur Penn, mas por conta de certos desentendimentos com os produtores, promoveu-se uma ruptura inevitável, após duas semanas com os trabalhos das filmagens em curso, apenas. 

Dessa forma, John Frankenheimer assumiu a direção. O nome de Arthur Penn é creditado como codiretor, mas o trabalho maior foi mesmo de John Frankenheimer.

Com fotografia em preto e branco, o contraste ajudou a realçar a aspereza do ambiente da estação ferroviária, a dramaticidade da situação e de certa forma a firmar um ponto de contradição com o objeto do roubo em si, com toda a beleza das obras de arte e sua profusão de cores, traços & expressão de alta inspiração e sensibilidade artística.

O fato de Burt Lancaster ter sido muito famoso como ator, também por seus atributos acrobáticos, o ajudou certamente a compor o personagem, que foi concebido no roteiro para ser retratado ao se pendurar literalmente na locomotiva, nos vagões e a protagonizar cenas de alta periculosidade não apenas nesse sentido da ambientação insalubre por natureza, mas sobretudo pelo jogo de caça que estabeleceu com os criminosos nazistas em meio às composições do bólido férreo. 

A história foi baseada em fatos reais, com a diferença de que na história oficial, o trem em questão nunca saiu dos arredores de Paris, pois a resistência francesa agiu rapidamente e promoveu ações de sabotagem, muito eficazes. No filme, o comboio ferroviários se põe a avançar, para realçar as ações de sabotagens com maior ênfase.

Ainda no elenco, ótimos atores e atrizes a serem mencionados: Jeanne Moreau, Suzanne Flon, Wolfgang Preiss, Albert Rémy, entre outros. 

Como um fã declarado do diretor John Frankenheimer que eu sou, gosto muito desse filme e o recomendo, naturalmente.

Resenha publicada anteriormente na Revista Eletrônica, Cinema Paradiso, em sua edição de número291, no ano de 2011

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Filme: A Place in The Sun (Um Lugar ao Sol) - Por Luiz Domingues

O mote: "rapaz pobre & moça rica, apaixonados" (ou vice-versa), é o moto perpétuo dos folhetins que são exibidos na TV brasileira, todas as noites há cerca de sessenta anos, ininterruptamente, sob a alcunha de "novelas". Esse tema, nas mãos dos produtores de TV, causa náuseas aos estômagos mais delicados, mas nas mãos de um diretor de cinema chamado, George Stevens, veio a se tornar arte! 
Baseado no romance, "An American Tragedy", de Theodore Dreiser (lançado em 1925), o filme de Stevens conta a história de um rapaz pobre e sem ambições maiores, que envolve-se em uma situação familiar como incauto, e não só modifica a sua vida, mas também a de outras pessoas próximas, pelo choque social, ante as diferenças notórias.

Produção de 1951, denominada: "A Place in the Sun" ("Um Lugar ao Sol", em português), tal história deu a oportunidade para que Stevens explorasse com maestria, todo o talento do ator, Montgomery Clift, ao salientar o contraste do rapaz pobre e tímido, sem saber portar-se no meio social habitado pelos seus parentes ricos e esnobes. 
Para incrementar tal contraste abissal, Stevens explorou também o inferno do personagem, atormentado por sua origem puritana, plena de sentimento de penitência e culpa.  
 
Na trama, George Eastman (interpretado por Montgomey Clift), é um rapaz humilde que só pensa em arrumar um emprego fixo e honesto, com o único intuito de se manter dignamente e auxiliar a sua mãe, uma senhora que dedica a vida ao "Exército da Salvação", uma famosa instituição sob cunho evangélico, cujo mote era (é) praticar a caridade. 
Ao se empregar no império industrial de seu tio milionário e que em tese, sempre ignorou a ala miserável da família, George aceita passivamente ser colocado sob uma posição inferior, como um operário simples, bem longe dos gabinetes finos usados pelo seu tio e primos, membros da diretoria.

Então, dentro de sua rotina operária, ele conhece uma moça humilde, igualmente funcionária de baixo escalão (Alice Tripp, interpretada pela ótima, Shelley Winters), no ambiente de trabalho, e eles se envolvem, emocionalmente. 

Sob um deslize do casal, ela engravida. George poderia ter se casado e ao assumir a paternidade, seguir o rumo previsível de sua vida simples, ao se tornar um tradicional pai de família e assim trabalhar por trinta anos na fábrica, resignado por viver modestamente, como qualquer rapaz de sua classe social, entretanto, um outro evento inesperado, mudou tudo.  

Mesmo ao ter consciência de que não pertencia à classe social de seus parentes, ele aceitou o convite para uma reunião familiar e aí... bingo, eis que vem a conhecer  a bela, Angela Vickers (interpretada por Elizabeth Taylor). E convenhamos, quem não apaixonar-se-ia pela personagem angelical, interpretada por Liz Taylor, ainda com ares adolescentes e tão absurdamente doce e linda?

Que dramalhão ali se formou, por conseguinte! Se tal texto chegasse às mãos das emissoras de TV brasileiras, fatalmente cairia na vala comum do roteiro típico, ou seja, um melado piegas com direito a um nauseabundo tema musical, e objeto certeiro para a discussão animada nos salões de beleza das cidades, mas Stevens tratou por colocar essência em tal mote, ao descartar o melado da pieguice.  

E de que forma? 

Foi através da exploração da angústia desesperada do personagem de George Eastman, que só aumenta no decorrer do filme, quando em um acidente, vê morrer a moça que engravidara (Alice) e que o pressionara a se casar com ela, pois já estava ostentar um abdômen bem saliente e para os padrões do final dos anos quarenta/início dos cinquenta, obviamente a envergonhava sobremaneira ao não estar oficialmente casada.  

Portanto, visto sob a ótica do rapaz que relutava em concretizar o tal casamento forçado, se insinuou como algo muito conveniente, não é mesmo?

Aparentemente, tratou-se de um acidente, entretanto, fica a dubiedade no ar: foi uma fatalidade mesmo, ou no fundo, ele premeditou essa situação, ao vislumbrar livrar-se do "problema", que aniquilaria completamente o seu sonho utópico de se casar com a linda moça rica e obter assim a ascensão social decorrente, amparado pelo seu tio? Seria no fundo, um rapaz inescrupuloso ou foi vítima das circunstâncias? E mais uma questão: mesmo que houvesse sido um acidente de fato, ele teria ao menos por algum momento negligenciado socorrer a moça, ao vislumbrar a oportunidade que lhe conviera?

Esse foi de fato o grande mérito de George Stevens, pois esse enfoque no espectro interior e muito atormentado do personagem, George Eastman, aliado à dúvida colocada ao espectador sobre a morte de Alice ter sido acidental ou não, afastou por completo o perigo do roteiro adquirir o ranço folhetinesco.

E para coroar a intenção, ao final, aconteceu que... bem, apesar de ser um filme lançado em 1951, não vou estragar a surpresa para os jovens que nunca o assistiram. 

Só posso antecipar aos que não assistiram ainda tal película, que toda a parte final da história, a envolver a investigação policial, julgamento e veredicto final, é bastante intensa, com ótima linha de diálogos, a se realçar a interpretação dos atores envolvidos nesse núcleo em específico da trama A se destacar a atuação apaixonada do promotor público e assim, se configura a angústia que é gerada, que é obviamente uma metáfora muito forte sobre o abismo que separa as classes sociais, e com a tendência óbvia das camadas mais simples, sempre estarem em desvantagem moral, em qualquer suspeita que se levante sobre os seus representantes, pelo simples fato da sua posição social mais humilde. 

Portanto, há o mérito do livro que deu origem à história, certamente ao elaborar um roteiro tão rico em possibilidades, no entanto, é para se enaltecer essa adaptação ao cinema, pelo brilhantismo dos atores escalados, Montgomery Clift, sobretudo e pela direção requintada de George Stevens, um diretor eclético, que filmou muitos gêneros e mesmo sendo aberto a vários estilos dispares entre si, brilhou em todos e neste caso, sobretudo, foi muito feliz.  

Eis aí um filme que eu recomendo, entre tantos da filmografia do grande diretor, George Stevens.

Resenha publicada inicialmente em uma comunidade chamada: "George Stevens", na extinta Rede Social Orkut, como tópico, ao propor uma discussão sobre esse filme em específico, e aberto por eu mesmo, Luiz Domingues, em 2010.