Muitos anos
após o lançamento do filme, “American Hot Wax”, uma outra cinebiografia a
respeito do radialista, Alan Freed (neste caso, um telemovie), foi produzida e lançada,
a trilhar o mesmo caminho de uma cinebiografia sobre o mesmo personagem. Em “The
Alan Freed Story”, o primeiro aspecto a ser salientado, é o fato de se tratar de um telemovie, ou seja, filmes produzidos para passar exclusivamente na TV, que
são necessariamente feitos com um orçamento infinitamente mais baixo que um
filme produzido para o cinema.
Portanto, a perspectiva é sempre em torno de um
aparato mais modesto e assim, cabe aos roteiristas; o diretor e os atores, dar
o seu máximo para que a obra atinja um bom nível, visto que se depender dos recursos
técnicos, a tendência de um "telemovie" será sempre a de obter um resultado
final, em termos de uma média geral, aquém de um filme feito para o cinema, por
uma questão lógica em termos de investimento financeiro.
Bem, feita
essa ressalva sobre este filme, é nítido que existe um mérito nesta produção,
por mostrar alguns aspectos da vida e obra do radialista, Alan Freed, em comparação
com a obra similar, não exibidos no filme, “American Hot Wax”, lançado em 1978. E o
lado negativo, dá-se coma algumas falhas anacrônicas que são observadas, e
nesse caso, fica sempre a suspeita em torno da opção proposital cravada no
roteiro, por adequações cinematográficas imprescindíveis à fluidez da obra. Entretanto,
a constatação para o observador mais criterioso de uma biografia, e aos mais
atentos ainda aos aspectos específicos a envolver a história do Rock, é lógica ao sinalizar que falhas assim são consideradas gritantes e desapontam.
Um dos
méritos, ainda que tenha sido algo sutil (deste filme em relação ao anteriormente
citado, lançado em 1978), foi que ele recuou na cronologia um pouco além do
que foi mostrado no filme anterior. Isso possibilitou mostrar um momento
crucial da biografia de Freed, que no meu entender, foi vital para entender o
porquê desse citado radialista ter se entusiasmado com o Rock’n’ Roll.
A
despeito desse importante recuo, no entanto, o filme inicia-se com Alan Freed,
já muito famoso a comandar os famosos shows ao vivo que ele produzia com muito
alarde. Ele apresenta o guitarrista/cantor e compositor, Bill Haley (interpretado
por Michael Daingerfield), e assim, inevitavelmente o flashback é proposto, ao
nos levar ao passado. Nessa perspectiva, o filme mostra Alan Freed
(interpretado por Judd Nelson), a assumir o microfone da emissora WJW, em Cleveland
/ Ohio. Ele também costumava sonorizar festas e/ou bailes e em uma cena que o
mostra em tal atividade, o tal baile é retratado como algo absolutamente
recatado, formado por famílias brancas tão somente e com os adolescentes a
se portar de um forma muito comedida, com excessivo recato.
O som que ele usa
para animar a festa, baseia-se principalmente em música instrumental
orquestrada, então já antiquada (com a devida ressalva de que eu particularmente não acho com isso que seja uma música ruim, e muito pelo contrário, tem muita qualidade), em torno de temas executados por Big Bands dos
anos 1930 e 1940, predominantemente.
Então, fortuitamente um jovem coloca, sem
que ele veja, um compacto em uma das pick up’s que ele comanda. Ao acionar tal
vitrola para dar continuidade à trilha sonora, explode no salão o som de: “Tutti-Frutti”,
obra do genial pianista/cantor e compositor, Little Richard.
A celeuma fica
grande no ambiente, com alguns adultos conservadores extremamente indignados
por aquela música de negros estar a invadir o seu baile familiar, enquanto
alguns jovens esboçam gostar da novidade e os mais ousados, inclusive, a
iniciar uma dança. Freed é duramente repreendido pelos mais indignados, e enfim
interrompe a execução. No entanto, no semblante da personagem, fica claro que
tal movimentação chamara-lhe a atenção. Um reacionário ali presente, exige que
ele só toque "boa música" e Freed, impactado pelo som de Richard e a reação espontânea
dos jovens ante a execução da canção, responde-lhe: -“o que significa boa
música?”
Ele então
guarda o disco de Little Richard e resolve sair em campo, para empreender uma
investigação mais apurada. Freed visita a seguir uma loja de discos e fica impressionado por ver
muitos jovens, inclusive brancos, a comprar com entusiasmo, discos de artistas
negros orientados pelo estilo, Rhythm and Blues (conhecido pela sigla: “R’n’B”),
que vem a ser um derivado do Blues, a se mostrar mais balançado ao ponto de provocar
o instinto dos ouvintes a dançar, e fortemente centrado no aspecto Pop, em
torno de melodias criadas mediante a observação de uma candura empática e com o
poder imediato para impressionar qualquer ouvinte, à primeira audição.
Então,
sob uma primeira análise, digo que a representação dessas cenas citadas é um
simbolismo sobre o fenômeno do R’n’B, produzido por artistas negros, que subitamente
interessou alguns jovens brancos e não havia nenhum tipo de incentivo para que
tal fato ocorresse, em tese. Mostrar Alan Freed a tomar contato com tal
realidade e como ele tratou por investir todo o seu esforço para incrementar
tal ação e ser responsabilizado pelo nascedouro do Rock’n’ Roll, foi certamente
algo positivo neste filme.
Ao analisar mais criteriosamente, no entanto, a cena
do baile é sugerida como se houvesse ocorrido por volta de 1952, mas a canção, “Tutti
Frutti”, só foi gravada em 1955, portanto, eis aí novamente a clássica, “licença
poética”, usada em um filme, como uma praxe na construção de um roteiro.
O filme segue
com Alan Freed a todo vapor, a tocar R’n’B no seu programa, desta feita já em
outra emissora de maior porte, a WINS de Nova York, ao acrescentar cenas com
artistas a abordá-lo, que se sucedem. Prática recorrente em sua vida, realmente
artistas o procuravam com material em mãos e muitas vezes a exibir-se às
pressas, a cantar na calçada enquanto Freed aproximava-se da porta da entrada
do prédio onde costumava trabalhar todos os dias nessa estação de rádio.
Em cena não
abordada no filme de 1978, “American Hot Wax”, Freed resolve fazer uma aula de
dança pois estava a cada dia mais famoso e precisava ter uma postura mais
desinibida nos shows ao vivo em que estava a comandar. No filme de 1978, a sua
vida pessoal não foi bem explorada, mas neste filme, o roteiro privilegiou a exploração
de tal faceta. Pois foi então nessa aula de dança que ele conheceu e
encantou-se com a professora, com a qual rapidamente iniciou um romance e
casou-se.
Tal moça, que é muito bonita, chama-se no filme, Jackie McCoy
(interpretada por Mädchen Amick), mas eis aqui uma invenção não explicada pela
produção, pois o nome dessa mulher, que foi a segunda esposa de Freed, era na
realidade: Marjorie J. Hess. Portanto, a única dedução plausível por tal uso
de um nome fantasia, deve ser creditada a algum problema com a própria senhora,
ainda viva em 1999, quando do lançamento desse filme, ou com os seus filhos e
netos ao vetar-se a sua real identidade.
Ainda a abordar a cronologia falha, na
vida real, Freed havia casado com Jackie/Marjorie, em 1950, e este filme recuara
até 1952, ao mostrar Alan Freed ainda disponível, sem mesmo mencionar que fora
casado anteriormente com outra mulher (Beth Lou Bean), e divorciara-se em 1949.
Bem, o filme mal iniciou-se e já falta bastante com a verdade.
Cenas a
mostrar Alan Freed, como um convicto homem progressista a enfrentar as ideias
reacionárias, são inseridas. Não pode-se afirmar que ele tivesse de fato tal
pensamento, ou se apenas tolerava a miscigenação pois vislumbrara com tal
postura, o seu próprio sucesso pessoal. Entretanto, no filme, tal qualidade de
seu caráter é exaltada ao mostrar Freed a enfrentar reacionários e a discutir
com eles, frontalmente, por estar a divulgar artistas negros, influenciar a juventude
branca e promover shows para dar vazão ainda mais para tal influência, que aos
reacionários, certamente deve ter sido assustadora, com o devido terror em
perder o controle totalmente do comando na sociedade.
E tal conceito se reforça também em uma cena
fortuita, quando Freed e Jack Wilson (cantor negro orientado pelo R’n’B, e que
é conhecido como um dos primeiros a transitar para uma nova vertente surgida
posteriormente, a "Soul Music" e neste filme, interpretado por Leon Robinson),
estão em uma lanchonete e Freed percebe que dois homens brancos estão
indignados em vê-lo a conversar com um homem negro em clara posição de amizade.
Pois Freed resolve provocá-los, ao tomar bebida e fazer questão de trocar de
copos com Jackie e também compartilhar um cigarro, para demonstrar naturalidade
e assim, uma briga quase chega às vias de fato, pois os homens racistas não suportam a
provocação.
Cenas a
mostrar os shows promovidos por Freed, que também atendia pelo apelido: “Moondog”,
são muito boas. Aliás, isso surpreende, pois no filme de 1978, isso não foi
muito bem explorado e neste telemovie, muito mais modesto, houve um esforço
para demonstrar tal escalada de sucesso de Freed com os seus shows e inclusive
a promover excursões pelos Estados Unidos.
Frases de efeito para edulcorar a
sua pessoa, são proferidas, como por exemplo, quando o próprio Freed afirma
para um interlocutor, ante o sucesso dos shows: -“você está a ver o futuro”. Nesses
termos, situações a mostrar artistas famosos da época, são muito boas, a
caracterizar a melhor parte do filme, sem dúvida. E não apenas nos shows em teatros,
arenas e casas noturnas, mas também em situações inusitadas, como por exemplo,
quando aparecem: Bo Diddley (interpretado por Michael Dunston) e Buddy Holly
(interpretado por Joe W. Davis), a tocar pelos corredores da estação de rádio,
em cenas diferentes ao longo do filme.
Freed sofre
um acidente automobilístico, ao dirigir cansado e por consequência, dormir no volante. Ele recupera-se com um certo grau
de sofrimento. Volta a trabalhar, ao improvisar um mini estúdio no próprio
hospital e volta à normalidade, a seguir. Cartas indignadas escritas por pais
de ouvintes do programa comandado por Alan Freed, reclamam veementemente sobre
a inclusão de artistas negros na programação, para se ter a noção de que a situação
fora pesada na ocasião.
Freed é considerado o criador do neologismo: “Rock’n’n
Roll”, ao estabelecer um nome para uma vertente inusitada, quando uniu o som
negro via Blues e R’n’B ao Country & Western de raiz branca e criou-se o
novo gênero. Tal nomenclatura, inclusive, teria na verdade uma conotação chula,
ao designar o ato sexual, segundo consta em algumas explicações sobre as
origens do Rock.
A esposa de
Freed mostra-se insatisfeita com a associação que o seu marido estabelecera com
o empresário da noite, Morris Levy (interpretado por David Gianopoulos). Levy
foi proprietário do clube noturno, “Birdland”. Em determinado ponto, inclusive,
eles brigaram por conta do uso da palavra: “Rock’n‘ Roll”, pois Levy reivindicou
para si a autoria do termo.
Em cena
muito rápida, mas a configurar-se bem interessante, mostra-se a figura de Freed
a filmar cenas de alguns dos seus vários filmes lançados naqueles anos nos quais foi muito famoso, ao final de década de cinquenta. Nessa simulação de um set de
filmagem, Freed grava uma cena com Little Richard (interpretado por Walter
Franks). Mais artistas são mostrados a apresentar-se nos shows: Lymon and the
Teenagers (Frank Lymon, interpretado por Le Roy de Brazile) e The Shantelle’s.
Cenas a mostrar os bastidores das
excursões com vários artistas são mostradas a bordo do ônibus, a percorrer a
estrada e intermeadas por cenas de shows, com Jerry Lee Lewis (interpretado por
James C. Victor), a jogar o piano na plateia, entre outras loucuras. O FBI
investiga Freed, e de fato, os tumultos relatados nos shows que ele
organizava, preocupou as autoridades, porém, tumultos esses como um fruto da
excitação juvenil e superlotação, é verdade, no entanto, sem outra motivação
fora da Lei.
Em um determinado show ocorrido em Boston, Massachusetts, a
polícia pega pesado e exige que o público assista o show de uma forma
comportada, com as pessoas a manter-se sentadas nas cadeiras do teatro, mas
isso torna-se impossível, quando a música reinicia-se e a euforia faz com que
todos dancem freneticamente. Sob ataque da força policial, todos tem que fugir
às pressas, incluso Freed e os artistas, a portar os seus instrumentos em mãos.
O filme
chega à 1959 e Freed briga com o seu sócio, Levy. Nessa altura, Freed já possui
filhos do seu segundo casamento, mas a esposa está bem descontente com os
acontecimentos a envolver o seu marido. Para agravar a situação, Freed mantém
um caso com uma funcionária da emissora, Denise Walton (interpretada pela atriz
e coreógrafa & bailarina, Paula Abdul). Denise era compositora e também quis
emplacar as suas músicas através de Freed, mas no filme, isso é insinuado bem
levemente.
Toda a
questão a envolver a famigerada “Payola”, ou seja, a instituição do ágio para
tocar-se músicas, cobrado dos artistas, gravadoras e/ou dos empresários, e
que determinou a derrocada de Freed, é praticamente ignorada. A insinuação é
mínima e apenas mostra-se que Freed fora demitido, quando na vida real foi tudo
muito mais sério e envolveu prisão. Bem, no filme, Freed apenas apanha a sua
maleta, com a qual fora mostrado no início do filme e deixa a emissora WINS, de
Nova York. Uma tarja arremata com os dizeres: Alan Freed nunca mais fez locução em rádio e morreu cinco
anos depois em Palm Springs, na Califórnia, aos 43 anos de idade”. Posteriormente,
outra informação é anexada: “em 1986, ele foi o primeiro indicado para ser
inserido no “The Rock’n‘ Roll Hall of Fame”, em Cleveland, Ohio.
Em suma,
este telemovie tem muitos pontos positivos, apesar das falhas estruturais em
termo de anacronismo, cometidas em seu roteiro. Se o espectador assistir o
filme com a esperança de ter obtido uma aula sobre a vida e obra de Alan Freed,
e consequente influência na história do Rock, pode ter apenas uma certeza:
Alan Fred de fato foi um comunicador que muito contribuiu para o implemento do
Rock’n’ Roll para uma camada gigantesca da população e ajudou muitos artistas
sensacionais. Se cobrou ou não a famigerada, “Payola” (um neologismo em tom de
gíria a unir as sílabas: “Pay” do verbo "pagar" e o sufixo “ola”, a designar “vitrola”
ou “radiola” e assim estabelecer a conotação com a radiodifusão), apesar dessa
mácula, se foi o caso, a sua contribuição foi vital para o movimento.
A cena
inicial, com Freed já famoso e a apresentar um dos seus shows e mostrar Bill
Haley em ação, é complementada ao final do filme, a estabelecer uma junção com
o ponto da narrativa em voga. Bill faz um solo de guitarra com bastante
influência jazzística, mas observadores mais atentos reclamaram da cena, pois
ele não costumava solar em sua guitarra, na realidade. Mais uma licença
poética, portanto a fugir da verdade.
Ainda a participar
deste filme, menciono os atores: Fulvio
Cecere (como Pete Bell), Aaron Tager (como o terrível policial, J. Edgar
Hoover), e Daniel Kash (como “Hooke”).
O filme foi
baseado em um livro chamado: “Big Beat, Alan Freed and the Early Years of
Rock’n’ Roll”, escrito por John A. Jackson. Não tive a oportunidade de ler tal
livro, portanto paira-me a dúvida, se os erros anacrônicos observados neste
filme, também estão inseridos em tal obra literária ou na adaptação do “teleplay”,
optou-se por tais modificações? Quero crer que a segunda opção predominou,
pois não é possível que um livro biográfico tenha sido publicado com tantos
erros.
Este
telemovie foi lançado em outubro de 1999, e teve a direção de Andy Wolk.
Repercutiu modestamente, apesar do cinebiografado ter sido uma personalidade muito
importante na história do Rock. Passou bastante em canais da TV a cabo, existe
em cópia no formato DVD para a venda e encontra-se facilmente no YouTube, em
versão integral.
Esta resenha faz parte do livro: "Luz; Câmera & Rock'n' Roll" em seu volume III e está disponível para a leitura a partir da página 66.