terça-feira, 28 de junho de 2022

EP Guitar's Trouble/Daniel Diord - Por Luiz Domingues

Daniel Diord é um jovem guitarrista, cantor, compositor e produtor musical que iniciou os seus estudos bem cedo, ao estudar violão na infância. Não demorou muito tempo e ele tomou conhecimento da história do Rock e do Blues e ao contrário de outros jovens de sua geração, apenas movidos pela movimentação trivial do momento, ele mergulhou fundo para conhecer as raízes da música Pop oriundas desse tronco.

Devidamente apaixonado por esse universo tão bonito, se especializou como músico dentro de tais tradições e quando se lançou no mercado, se impôs como um artista profundamente comprometido com tais ideais.

              Daniel Diord ao vivo! Click: Bolívia & Cátia Rock

Muito bem preparado sob o ponto de vista técnico e teórico, ele se amparou com muita informação e assim, devidamente respaldado por tal carga de conhecimento de causa, se lançou no mercado, ou seja, ele criou, arranjou e produziu o seu material de uma forma fidedigna aos ideais do Blues clássico com a devida abertura ao Rock, Blues-Rock, R’n’B/Soul Music e também a conter pitadas de música caribenha e Jazz, portanto, a demonstrar que entendeu muito bem a função do Blues como a alma mater de tudo, praticamente.

Neste primeiro trabalho lançado em 2014, o EP Guitar’s Trouble (posteriormente ele lançou um DVD ao vivo e outro EP, chamado “Another Take”), Daniel Diord foi assertivo ao mostrar o seu cartão de visitas e assim deixar clara a sua proposta artística e sobretudo com muita capacidade para realizar a sua arte em alto nível.  

A sonoridade desse trabalho se mostra perfeitamente coadunada com diversas nuances do Blues, mediante o uso de timbres com característica vintage ao máximo possível, todavia, com a devida compressão moderna de áudio, portanto, uma simbiose bastante feliz na minha avaliação e logicamente amparada pela minha visão pessoal a tender para a sonoridade vintage clássica como gosto pessoal. 

Sobre a arte da capa e contracapa, o padrão foi usar o estilo de ilustração bem típica para se compor capas de discos do Blues, Country e Jazz nas décadas de quarenta e cinquenta, principalmente, a lembrar ornamentos de escudos de violões antigos e estilizados e também bem usado na publicidade em geral dessas décadas e notadamente nas embalagens de pacotes de cigarros, charutos & afins. 

Veja acima uma bela performance ao vivo em estúdio da canção "Best Decision".

Eis o link para assistir no YouTube:

https://www.youtube.com/watch?v=EmdzbMkm-0M&t=32s

Best Decision” abre o disco e empolga de imediato. Trata-se de um tema fortemente versado pelo conceito do blues power, com instrumentação de primeira linha, muito bem arranjado, com todos os instrumentos a brilhar com intensidade mediante timbres vintage adoráveis.

O apoio do órgão Hammond excepcionalmente bem regulado no Draw Bar, aliado às guitarras muito bem desenhadas, cozinha vigorosa e apoio vibrante de um naipe de metais, torna o tema tão encorpado que a base para Daniel soltar a voz e solar a sua guitarra com muita determinação se mostra perfeita.

Mais um flagrante de Daniel Diord em ação ao vivo. Click: Bolívia & Cátia Rock

Gostei muito da introdução da música com a bateria a iniciar uma frase a conter divisão rítmica insinuante e dessa forma a abrir caminho para o riff inicial se mostrar muito bem concatenado. E claro, o solo é inspirado e muito bem amparado pela escolha de timbre e apoio de pedal.

Na letra, Daniel claramente mostra a firme resolução de uma pessoa a cortar um relacionamento nocivo, mas subliminarmente, pode ser interpretada de uma outra forma, a denotar que a pessoa resolveu mudar o rumo de sua vida em outros termos e resoluto, se coloca firme na sua determinação e assim, se mantém convicto de que tomou a sua melhor decisão.

Eis uma versão ao vivo em estúdio da música: "Guitar's Trouble".

O link para assistir diretamente no YouTube:

https://www.youtube.com/watch?v=lKJNjEx-iPU

A segunda faixa que se chama, Guitar’s Trouble, é homônima ao título do EP. É um Blues com forte influência latina-caribenha, a conter, portanto, o balanço percussivo que convida o ouvinte à dança, de forma irresistível. O apoio da percussão se mostra fundamental, logicamente e há também a saborosa participação dos backing vocals femininos, o que garante um senso de docilidade mediante vozes aveludadas que se casam perfeitamente com o balanço proposto pela música.

Veja uma performance ao vivo (no teatro Santos Dumont de São Caetano do Sul-SP) do blues, "Good Times".

Eis o link para assistir no YouTube:

https://www.youtube.com/watch?v=8tGS0JsU-cU

Good Times” mergulha de cabeça na raiz do "slow blues" e prima pela delicadeza do arranjo ao usar muito bem a dinâmica como se espera dessa formatação clássica do gênero.

No entanto, isso não priva os instrumentistas de imprimir uma linha de condução com nuances muito interessantes, por exemplo na bateria que provoca muitas quebradeiras nas suas viradas e até na condução trivial da base, ou seja, trata-se de um brilho muito bonito para a canção.

Daniel Diord e sua banda ao vivo na casa de espetáculos, "The Orleans" de São Paulo. Click: desconhecido

Os backing vocals femininos mais uma vez brilham, com direito aos vocalizes ousados e muito bem colocados dentro do arranjo. E certamente que fora o brilho das meninas, tal disposição só reforça a interpretação vocal solo de Daniel. Tudo isso sem deixar de mencionar a providencial participação da gaita para garantir a atmosfera ideal a se evocar o Blues. 

Versão ao vivo em estúdio da música: "Let me Play"

Eis o link para assistir no YouTube:

https://www.youtube.com/watch?v=4SF2cD3YKzQ

A quarta faixa, “Let me Play” também apresenta uma intenção latina-hispânica na interpretação do Blues e claro que lembra bastante o som de Carlos Santana como uma referência lógica.

A condução da banda é excelente, com sutilezas de bom gosto inseridas nos pontos certos, e neste caso, chama a atenção o bom gosto na formatação do arranjo geral, no qual a noção da parcimônia estratégica foi muito bem executada. Mais uma vez, Daniel faz um solo melódico, bem colocado e amparado por um timbre adequado ao extremo para suprir a proposta estética da canção.

Danier Diord & banda ao vivo na casa de shows, The Orleans" de São Paulo. Click: Desconhecido

Cryin’ Woman, a próxima faixa, também traz a proposta do blues de raiz como mote principal e nesse sentido, a presença do slide e também pelo riff bem tradicional, garante perfeitamente que o compromisso do artista com as mais belas tradições do blues se cumpram com galhardia.

Versão da música, "I'll love You So", com o ótimo destaque para a ótima cantora, Vanessa Caran.

Eis o link para escutar no YouTube:

https://www.youtube.com/watch?v=ZipYjqS3fAI

I’ll Love You So” é uma bela balada com forte sentido R’n’B, conduzida por uma cantora convidada que impressiona na sua interpretação (Vanessa Caran). Ela é amparada por um belo coro feminino a reforçar a ideia do caráter Pop da canção, com aquele sentido nostálgico (no bom sentido), a se pensar no tempo em que nós ligávamos o rádio nos anos cinquenta e sessenta e o que se ouvia normalmente eram peças dessa magnitude, o dia inteiro, defendidos por grupos vocais R’n’B/Soul Music, masculinos e femininos e sempre dotados da extrema qualidade.

Daniel aparece mais adiante a interpretar conjuntamente para soltar a voz no refrão e o seu solo de guitarra bem emotivo, agrega sobremaneira, certamente. E sem contar que a presença dos músicos de apoio mais uma vez se mostra excelente, a demonstrar que todos que participaram dessa gravação tem a mesma base cultural, pois a performance se mostra perfeita não apenas pelo sentido técnico, mas pelo fato de haver sincronia de ideias & ideais.

Uma versão ao vivo do Blues, "Hot Woman & Ice Beer", apresentada no teatro santos Dumont de São Caetano do Sul-SP.

Eis o link para assistir no YouTube:

https://www.youtube.com/watch?v=cfTnLNPywVQ

Para fechar o EP, “Hot Woman & Ice Beer” tem uma proposta de Blues mais acelerado, com forte apoio dos metais a desenhar frases muito bem construídas. O solo de guitarra se mostra espetacular, com uma linha mais agressiva e a demonstrar um excelente timbre a lembrar muito o estilo de guitarristas texanos estilosos como Johnny Winter e Stevie Ray Vaughan.   

     Daniel Diord e banda ao vivo! Click: Bolívia & Cátia Rock

Em suma, este EP “Guitar’s Trouble” que abriu a discografia do guitarrista, cantor e compositor, Daniel Diord, se mostrou muito bem produzido, inspirado e a mostrar forte preparo da parte do artista e de seus convidados, mediante performance de alto padrão. 

E sobretudo, impressionou-me a paixão que o artista deixou claro sentir pelo Blues, algo raro entre os jovens da idade dele na atualidade, portanto, louvável por mostrar que há esperança de que há artistas novos que estão a buscar as raízes como uma fonte vital para se buscar a qualificação da música como um todo, em tempos sombrios nos quais o completo rompimento com a raiz nos deixa carentes de boa música no mercado.

Dessa forma, com esse trabalho, esse artista mostrou uma lição básica que outros colegas deveriam buscar igualmente ao contrário de se buscar o rompimento mediante a falsa interpretação do niilismo como uma opção de construção de novas estéticas, porém sem base sustentável alguma. Portanto, viva o Blues, estou coadunado com Daniel Diord nessa predisposição.

Gravado, mixado e produzido por Luis Lopes no C4 Studio de São Paulo.

Masterizado por Levi Seitz no estúdio Black Belt Mastering de Seattle, WA – USA.

Arte e lay-out de capa: Marcelo Campos

Produção geral: Daniel Diord

Lançamento: 2014

Daniel Diord: Guitarra e voz

Músicos Convidados;

Gustavo Alvarado: Baixo

Daniel Pampuri: Bateria

Santiago Nascimento: Bateria

Rafael Campanini: Guitarra e backing vocal

Gabriel Bueno: Teclados

Vanessa Caran: Backing vocals

Camila Teixeira: Backing vocals

Síntia Fermino: Saxofone

Richard Fermino: Trumpete

Robson Fernandes: Gaita

Pedro Michelucci: Percussão

Para conhecer melhor o trabalho de Daniel Diord, acesse:

Spotify:

https://open.spotify.com/album/22rjA946VsjEFfpWTQJwi2

YouTube:

https://www.youtube.com/user/danieldiord

Letras:

https://www.letras.com.br/daniel-diord/guitar-trouble#top=daniel-diord

Linktree:

https://linktr.ee/DANIELDIORD?fbclid=IwAR1k2QfLnMlSV7Ma7KJGpGF8CuTsFboULS5MlvCvQpvFocMMrxRtFDhVbjc

Facebook:

https://www.facebook.com/daniel.almeidabarros

Vagalume:

https://www.vagalume.com.br/daniel-diord/

quarta-feira, 15 de junho de 2022

EP Poente/Ana Gallian - Por Luiz Domingues

Esta é uma história marcada pela persistência, mas antes de tudo pelo amor à música e arte como um todo. É também uma prova cabal de que não existe barreira, nem mesmo a do tempo, que impeça que uma artista exerça a sua livre criação em torno da arte.

Ana Gallian é uma cantora e compositora que descobriu a sua vocação desde a adolescência, ao criar e cantar as suas canções sob âmbito restrito. Foi quando estabeleceu uma parceria com uma artista emergente como ela, chamada: Cristina Perez Duhá e como dupla, criaram um repertório fortemente inspirado pela Bossa Nova, e principalmente pela MPB ligada ao Rock Progressivo bem ao estilo dos geniais artistas mineiros que formavam o grande Clube da Esquina, o Rock como um todo e que ambas tanto admiravam. 

                    Ana Gallian em foto atual sob ritmo de selfie

Nesse aspecto da criação em si, foram músicas pensadas inicialmente para o formato de um duo de vozes e violões, ao estilo Folk, a se realçar o espectro bucólico bem ao sabor da vida silvestre a observar as belas montanhas de Minas como uma imagem poética e inspiradora.

Até que em 1988, Ana teve uma oportunidade boa para crescer na carreira ao ter sido convidada a integrar uma banda de Rock que apresentava uma tendência psicodélica como forma de expressão.

Naquele panorama de fim de década de oitenta e no avançar dos anos noventa, a banda “Retina de Emily” se apresentou com constância pelo circuito de casas de pequeno e médio porte de São Paulo e chegou a participar de um grande festival ao ar livre, na famosa “Praça do Relógio” da Cidade Universitária da USP, apresentado pelo grande jornalista, Valdir Montanari, um especialista na análise do Rock Progressivo setentista.

Ouça abaixo a canção “Grãos do Espaço”, com o grupo “Retina de Emily”:

Eis o link para assistir no YouTube:

https://www.youtube.com/watch?v=H0-REt8Gj4o

A banda era formada por José Henrique "Zérik" Dias Ferreira (bateria), Nelson Luiz Dias Ferreira (guitarra e voz), Nicola Kurji (guitarra), Vadim Surkov (baixo) e Ana Gallian nos vocais. José Henrique e Nelson Luiz são irmãos de Ana, portanto, a banda se revelava praticamente como um esforço musical familiar.

Ana deixou a banda em meados de 1991, e deu vazão à uma outra paixão sua, ao se dedicar ao estudo da psicologia. No entanto, manteve a música em paralelo, talvez não com o mesmo ímpeto de outrora, porém, com a paixão de sempre, ao se apresentar com o seu marido, Isidoro Hofacker Junior em apresentações intimistas sazonais.

Ana Gallian no ambiente silvestre que inspira a sua música. Foto: Fernando Dias

Muitos anos depois, no entanto, eis que mesmo com a pandemia decorrente do Covid-19 em pleno curso, Ana foi surpreendida pelo seu marido, Isidoro, ao lhe comunicar que este fizera contato com o grande guitarrista e produtor musical, Edu Gomes, para viabilizar a gravação de um álbum solo da sua esposa, para ser gravado no estúdio do Edu e sob o seu comando técnico no áudio e na produção em geral e ainda a contar com participação dele, Edu, como músico e arranjador, portanto, tal iniciativa se tornara por antecipação a garantia de que seria um grande trabalho.

Foi então que Ana resgatou algumas das suas composições feitas nos anos 1980 (algumas em parceria com a amiga e compositora, Cristina Perez), repensou a sua formatação para o trabalho soar mais eletrificado e contou com o decisivo apoio de Edu Gomes, que comandou a produção total, incluso os arranjos e arregimentação de músicos de apoio (e um desses foi o próprio irmão de Ana e ex-companheiro da banda “Retina de Emily”, o baterista José Henrique Dias Ferreira).

Com todos os cuidados sanitários adotados para a proteção de todos em tempos de contaminação total, eis que o trabalho avançou e assim, Ana Gallian mostrou ao mundo, logo no início de 2022, o seu álbum solo, enfim, denominado: “Poente”.

Com produção de áudio caprichadíssima da parte do grande Edu Gomes, as composições de Ana fazem com que o ouvinte flutue, tamanha a delicadeza de suas melodias inspiradas.

A instrumentação é de primeira linha, com arranjos de muito bom gosto e momentos de brilhantismo que só enriqueceram a obra, não resta dúvida.

E sobre a performance vocal e interpretação da parte de Ana Gallian, observa-se uma cantora dotada de um lindo timbre de voz, excelente emissão e alcance, muito boa dicção a garantir a completa inteligibilidade das suas letras e muita graça na forma de interpretar.

Na minha percepção, o estilo dela lembrou-me muito o de cantoras como Jane Duboc, Luiza Maria e Olívia Byington, para citar apenas três exemplos próximos e principalmente pelo fato de que todas essas cantoras citadas tenham trilhado um caminho muito semelhante ao que Ana busca com tal trabalho, ou seja, a estabelecer aquela simbiose entre a MPB e o Rock e neste caso, mais próximo do Rock Progressivo, por conseguinte, da música Folk, no seu aspecto mais silvestre. 

Sobre a parte gráfica do álbum, a capa frontal mostra a artista em destaque, junto ao seu violão, retratada em um ambiente belíssimo de fazenda interiorana muito charmosa, no caso, sob um mural construído com azulejos belíssimos.

O click com muito senso fotogênico foi obra de seu próprio filho, Fernando Dias e no release do disco, há uma boa informação a dar conta que essa foto foi produzida em uma fazenda tradicional, chamada Santa Elza, localizada no perímetro rural da cidade de Santa Cruz das Palmeiras-SP, e segundo a própria Ana revelou, tal localidade contém grande significado afetivo para ela e toda a sua família, pois ali nasceu a sua mãe e assim, foi uma forma também de homenagear a sua avó materna, dona Francisca Gallian.

E sobre o belo azulejo português, ele de fato foi pintado à mão, no início do século XX, portanto, trata-se de uma relíquia arquitetônica e artística.

Na contracapa, a artista é realçada em meio ao ambiente bucólico da fazenda e a ficha técnica com informações precisas sobre a produção geral do álbum.

Os ótimos músicos que garantiram o instrumental de alto padrão para que Ana Gallian pudesse cantar com desenvoltura no EP Poente, da primeira foto mais acima, em diante: Hugo Hori, Adriano Grineberg, José Zérik" Henrique e Edu Gomes

Sobre as canções, cabe espaço para que eu elabore algumas ponderações adicionais.

Ouça a canção “Paisagem”, abaixo:

Eis o link para escutar diretamente no YouTube:

https://www.youtube.com/watch?v=Ny6CIk2haQs

Paisagem”, é a primeira canção e de imediato ela nos conduz ao sabor do Rock em simbiose com a MPB, bem ao estilo do “Clube da Esquina”.

Há um apoio de cordas acústicas em perfeita sintonia esvoaçante com os teclados e é inevitável não remeter ao Rock Progressivo em muitos trechos, em face do arranjo que aponta para tal desfecho.

A voz de Ana soa aguda e se casa com perfeição às belas intervenções da guitarra, com direito a um solo delicado e extremamente melódico.

No aspecto da letra, Ana propôs muitas imagens metafóricas interessantes e que no bojo, mostram o frescor da mata, das correntes naturais formadas pela cachoeiras, rios e dos minérios a denotar paz ante o esplendor da natureza. Eis um exemplo:

Céu a mente pega a estrada/Rumo à grande mata/Mata a sede com a chuva/É o sabor de amora/Que me cora a língua úmida 

Ouça abaixo a canção “Poente”:

Eis o link para escutar no YouTube:

https://www.youtube.com/watch?v=WLgA5UEP2kw

Poente”, canção homônima ao título do álbum, vem a seguir. Com um efeito de ruído produzido pela passagem de um trem, a atmosfera inicial já denota o fator emocional que a artista quis imprimir em termos de memória afetiva forte. E a sua intenção primordial logra êxito, através de uma canção com forte identidade com as tradições do Rock Rural.

Impressiona a sobreposição de vozes logo no início e no decorrer da música, tal efeito se repete, ao mostrar não só uma bela ideia em termos de arranjo, mas também a realçar a bela voz de Ana em dose dupla, com afinação perfeita e doçura.

A canção em termos de estilo, lembra muito os trabalhos de Beto Guedes e o arranjo instrumental é tão rico que realmente o acabamento ficou excepcional.

Com cordas acústicas e guitarras a estabelecer lindos desenhos complementares, inclusive mediante o uso muito oportuno da caixa Leslie como efeito na guitarra ao final, realmente ficou de uma beleza incrível. Gostei muito da bateria, com uma batida muito bem escolhida como linha e também a se destacar as intervenções de teclados, pontuais e muito assertivas. Incluso um micro solo de piano, muito bonito.

Ao final, ouve-se o som do trem novamente e fica aquela sensação muito boa de que a cantora deu o seu recado com muita propriedade e partiu feliz a bordo para escrever uma nova história a seguir.

Ouça abaixo a música: “Fruto da Noite”:

Eis o link para escutar no YouTube:

https://www.youtube.com/watch?v=49wGhyQSoQU

A terceira faixa se chama: “Fruto da Noite”. Trata-se de uma balada bastante delicada, rica em tessituras sutis. A intervenção inicial da flauta é bela e o apoio do piano elétrico a produzir aquela ressonância tão peculiar de sua natureza, pontua de forma magistral a melodia entoada por Ana.

Mais intimista, nesta canção, Ana traz a nuance da Bossa Nova como um adendo, mas a verve do Rock progressivo via Folk-Music está presente e neste caso, principalmente durante as partes em que ela faz uso dos vocalizes, há um sentido de floreio que realça a canção de uma forma muito agradável.

Gostei muito da linha de baixo e bateria, simples em linhas gerais, porém, com um senso de fluidez impecável. Os solos de piano e cordas, são muito belos.

Em alguns versos, Ana deixa explícita a sua intenção de provocar a sensação de flutuação para o ouvinte, ao proferir:

Me ensina como navegar/Me ensina se o acaso é fruto do mar

Ouça abaixo a música: “Despertar”:

Eis o link para escutar no YouTube:

https://www.youtube.com/watch?v=GxiHyqc-upE

Logo a seguir, ouvimos a música “Despertar”. Faixa com mais identificação com a MPB a priori, na verdade, na medida em que avança, mostra uma inconfundível influência do Blues e do R’n’B na sua constituição e ante tantas influências boas, abriu campo para um instrumental bastante sofisticado e que deu respaldo, por conseguinte para que a interpretação de Ana fosse muito valorizada.

Gostei muito do violão, solo de guitarra e oportuno uso de percussão. Gostei muito do piano pontual e do sintetizador/strings ao estilo fantasmagórico em alguns trechos, como uma sombra enigmática ao fundo, muito bem calculado, além é claro, do belo solo de guitarra com um efeito delay bem escolhido.

Novamente Ana fez uso do recurso do vocalize em alguns trechos e isso ornou muito bem para a canção. O seu timbre natural de voz, agudo, se mostra muito bonito e no quesito da interpretação, ela mostra muita personalidade.

Ouça abaixo a música: “Passageiro do Tempo”:

Eis o link para escutar no YouTube:

https://www.youtube.com/watch?v=vE8MsP2c0g8

Vem a próxima faixa, então, que é: “Passageiro do Tempo”, e essa canção tem um início etéreo, bastante interessante. Com andamento lento, apresenta uma boa influência do Blues e quando entra uma bela intervenção de saxofone, o apelo ao R’n’B se torna proeminente.

É muito criativo o uso dos teclados com efeitos psicodélicos intermitentes nas suas camadas mais baixas de mixagem, e do qual eu gostei muito. A melodia de voz toda bem desenhada denota ter havido um esforço de construção bastante feliz nesse sentido.

Advém uma parte mais acelerada e que leva a música para uma atmosfera mais Rock, e assim proporciona para Ana que ela solte a voz e brilhe.

Escute abaixo a música, “Nós”:

Eis o link para escutar no YouTube:

https://www.youtube.com/watch?v=S8B44SNcyLY

Para encerrar o disco, a faixa “Nós” é bastante híbrida em sua formulação sonora. Isso porque ela se inicia a se insinuar como um estilo Soul Music pela sua vibração e “beat”, mas assim que a melodia começa, a música entra surpreendentemente em uma batida bem próxima do Samba por alguns instantes, até entrar em uma outra intenção próxima do Pop-Rock e do R’n’B.

No entanto, com tantas variantes, é preciso salientar que as respectivas transições estabelecidas entre estilos tão distintos, são feitas por uma costura muito bem organizada, nada é abrupto, isto é, trata-se de um arranjo muito bem organizado e funcional.

E neste caso, Ana se mostrou eclética a interpretar todas essas nuances com bastante desenvoltura, portanto, o arranjo não só enriqueceu a canção, como proporcionou à sua intérprete extrair o máximo das suas qualidades vocais.

Em suma, trata-se de um trabalho no qual Ana Gallian se mostra como uma compositora inspirada, cantora de muitos predicados, letrista sensível e que ao ter se amparado com músicos de primeira linha e tido o grande Edu Gomes como arranjador, produtor artístico e de áudio ao seu dispor, selou a qualidade do seu bom disco, “Poente”. Que venham outros, portanto!

O EP Poente foi gravado entre dezembro de 2020 e dezembro de 2021

Técnico de áudio na captura, mixagem e masterização: Edu Gomes

Masterização: Daniel Lanchinho

Arranjos e produção musical: Edu Gomes

Ana Gallian: composições e letras de todas as canções, com exceção de “Fruto da Noite” e “Passageiro do Tempo”, em parceria com Cristina Perez

Capa (criação e lay-out) e foto: Fernando Dias

Apoio: Isidoro Hofacker Junior

Ana Gallian: Voz

Edu Gomes: Guitarra, violão, baixo e teclados

José Henrique "Zérik" Dias Ferreira: Bateria e percussão

Adriano Grineberg: Piano e teclados

Hugo Hori: Flauta e saxofone

Ana Gallian a soltar voz em meio à natureza. Foto: Fernando Dias

Para conhecer melhor o trabalho da artista, acesse:

Spotify:

https://open.spotify.com/album/5rVd4tU14oEFOEQXVgKDmu?fbclid=IwAR1C6WteF-BMzRauparP-yRZiEd3EPkFnuP1iWBATIkGRGmLEnaHlPlUVzA

YouTube:

https://www.youtube.com/channel/UCw23fNMb57g7A2lpWbDOwOA

Contato direto com a artista:

@anagallianoficial