domingo, 29 de janeiro de 2017

Corrupção, Essa Doença que Consome-nos - Por Luiz Domingues



A vergonhosa prática da corrupção é tão antiga quanta a existência humana. Eu diria que nasceu junto com o mais primitivo dos raciocínios dos primeiros humanos pré-históricos, impulsionada pela questão do instinto de sobrevivência. Por precisar comer e beber, mas também a preocupar-se em não transformar-se em alimento para os predadores mais fortes, os primeiros trogloditas começaram a raciocinar sob seus instintos básicos e animalescos, portanto, a privilegiar o seu bem estar pessoal sempre em primeiro lugar, a despeito do interesse coletivo. Tal paradigma persistiu, mesmo com a humanidade a avançar e começar dessa maneira a formatar as primeiras noções de civilização; grupamentos, tribos, clãs e família.
Mas inversamente aos progressos que a humanidade pôs-se a alcançar, em termos de ciência; artes e cultura, aquele sentimento instintivo de autopreservação, que em si não é nocivo e pelo contrário, tem o seu valor, pois tem muito a ver com a motivação pessoal em caminhar para frente, sofreu mutações ao longo do tempo. O que deveria ser uma força motriz da autoestima e fator de incentivo para cada indivíduo ter a clareza de propósitos para seguir em frente na sua busca individual pela evolução, adquiriu uma variante doente, degenerada, amoral, que alimenta o ego e transmite via neurotransmissores, quero crer, mensagens ao cérebro, do tipo: -"eu desejo obter prazer; quero levar vantagens sobre os demais" etc.

Intimamente ligada ao ego e corrosivamente contagiosa por natureza intrínseca, a instituição da corrupção vem das mais remotas lembranças pré-históricas da humanidade, portanto. Ancestral, é também endêmica e sistêmica ao mesmo tempo, por natureza, a espalhar-se de forma silenciosa e sorrateira por todas as brechas da sociedade. 
É de uma ingenuidade atroz achar portanto, que o mundo é gerido por mocinhos e bandidos, como os filmes de “Western” fizeram-nos crer, pois todos estão sujeitos à essa contaminação. Não está apenas na classe política e entre grandes empresários que beneficiam-se das negociatas que envolvem grandes obras estruturais de porte oficial.

Está no dia-a-dia da sociedade, com pequenas transações que ocorrem em todos os setores, até em ambientes inacreditáveis, onde jamais poder-se-ia imaginar haver motivações mesquinhas, como por exemplo no seio das religiões oficiais. Está em todas as classes sociais, não é fator apenas para os maiorais dos bairros nobres, ou humildes habitantes da periferia. Não isenta gêneros. Homens e mulheres cometem atos de corrupção o tempo todo. Não é racial; étnico. Espalha-se por todas as nações do planeta. Não tem nada a ver com ideologias. 
É errôneo achar que somente no capitalismo é passível de acontecer, pela obviedade de ser um sistema baseado no dinheiro e na ganância, mas vide a derrocada da utopia esquerdista, corroída por tantas distorções em seu âmago teórico com teor nobre pela questão da luta pela igualdade, que não derrubou apenas o muro de Berlim, mas toda a ilusão de conceber-se “fraternidade de fachada”, hipócrita; mentirosa; “na marra”, e na truculência. Corrupção envolve ego, que insufla, cega o ser humano. O prazer hedonista imediato obscurece os propósitos maiores do homem. 

Em suma, se assistimos com entusiasmo os esforços das instituições em combater a corrupção de forma implacável, é também importante que estejamos atentos às manipulações midiáticas. Seria auspicioso o momento em que vivemos no Brasil, com tantas investigações; provas sendo colhidas; pessoas sendo presas; julgamentos sendo feitos à luz da lei; e condenações que puniriam corruptos adequadamente e tratassem de recapturar os recursos surrupiados dos cofres públicos. Claro que entusiasmo-me também a o verificar esse esforço sem precedentes na história, mas faço uma ressalva: não seria todo esse mise en scené midiático, uma forma de corrupção tão sórdida quanto ao que supostamente diz investigar? 

O leitor não leva em consideração a hipótese de que seria um grande erro apoiar esse "endeusamento" de magistrados, como se fossem astros de cinema ou Rock Stars, só por que estão em evidência na mídia, a ser enaltecidos pelas suas ações, muito mais por que estão a minar adversários políticos exaltados em grande escala na imprensa e portanto, sob efeito de espetacularização a atender interesses pessoais e de alguns partidos, incluso a própria mídia (ou principalmente da parte dela mesma, a mídia)? 

É uma forma de corrupção, também, pensar e agir dessa forma. Primeiro, por que tais agentes da polícia e justiça, são funcionários públicos a cumprir as suas funções normais e o mínimo que esperar-se-ia de tais profissionais seria que exercessem com empenho e honestidade o seu trabalho. Não há nada excepcional em suas ações que mereça esse enaltecimento ridículo, a não ser que seja nítida a intenção de certos grupamentos em capitalizar tais resultados para lograr êxito em suas intenções político-partidárias e comerciais. 

Segundo ponto, o que uma pessoa dita "de bem" tem que esperar da justiça, é que seja equânime, “cega” como simbolicamente é retratada, no afã de mostrar a sua isenção. Portanto, investigar a corrupção faz-se mister e tem o meu total apoio, mas não vou sair na rua a usar camiseta com a estampa a ostentar a figura de algum juiz alçado à condição de um “super-herói”. Espero que a justiça seja de fato implacável e a expressão: “doa a quem doer”, seja praticada sem exceções, sem atender os interesses do grupo político ou empresarial, A, B ou C, ou por outro lado, a "engavetar-se" investigações, seja de quem for. 

E se isso ocorrer mesmo, comprovadamente, ficarei satisfeito como cidadão, mas não vou idolatrar figuras exponenciais da justiça. Terão o meu respeito e admiração pela lisura e profissionalismo, mas nada mais que isso, por que é um absurdo achar que o que fazem é algo excepcional, quando não o é. Tais profissionais apenas cumprem as suas funções com dedicação e honestidade, e sendo assim, isso é o mínimo que poder-se-ia esperar deles. 

E vamos com muita calma, pois ainda tem muito engavetamento e vista grossa por aí, portanto, aplaudir só quando inimigos políticos são desmascarados não é uma atitude ética a ser considerada, mas ao contrário, apenas quando não houver nenhum grão de pó debaixo dos tapetes, ou “tapetões” para ficar mais no clima, e as gavetas e arquivos completamente vazios, com todo corrupto a ser investigado; condenado e preso, independentemente de ser inimigo político ou da sua “turma”, aí sim, estaremos de fato a dar um salto na sociedade brasileira, para erradicar a corrupção.

 
Para encerrar, insisto em um ponto crucial ao meu ver, principalmente sobre o caso brasileiro, e que já enfoquei em matérias anteriores: o combate à corrupção tem uma erva daninha maldita em nossa cultura em específico, e que enquanto não for extirpada, sofreremos. Trata-se do famigerado: “Jeitinho Brasileiro”, esse maldito paradigma do povo brasileiro em arrumar maneiras de levar vantagem em qualquer situação, mediante o uso e abuso de falcatruas. Enquanto não erradicarmos isso de nossa alma, seremos eternamente uma republiqueta das bananas, com a pior classe política do mundo, formada por gente que nasceu a acreditar nesse modus operandi. E somente mais um adendo: nada pode ser mais odioso do que usar a justiça para forjar provas, falsos testemunhos, sabotagens ao direito amplo de defesa, arquivamento de provas cabais pró-réu, alinhavar delações fraudulentas para efetuar condenações sumárias, burlar prazos para dizimar as chances da defesa e sobretudo, condenar sem provas concretas, mas apenas por convicções mal explicadas, ou seja, o verdadeiro combate à corrupção passa por uma limpeza na máquina da justiça, inicialmente, para que garanta-se a completa idoneidade dos que investigam e julgam com isenção.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Os Kurandeiros + Cris Stuani - 29/1/2017 - Domingo / 19 Hs. - Fofinho Rock Bar - Belenzinho - São Paulo / SP




Os Kurandeiros 

Participação de Cris Stuani - Set Acústico de Classic Rock


29 de janeiro de 2017

Domingo - 19 Horas


Fofinho Rock Bar

Avenida Celso Garcia, 2728

Estação Belém do Metrô

Belenzinho

São Paulo - SP

Participação Especial de Cris Stuani - Voz e Violão


Os Kurandeiros : 
Kim Kehl - Guitarra e Voz
Carlinhos Machado - Bateria e Voz
Luiz Domingues - Baixo

sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

Filme: The Boat That Rocked (Os Piratas do Rock) - Por Luiz Domingues



Para quem acompanha a história do Rock, se houve um lugar a ser considerado a sua Meca, nos anos sessenta, essa localidade foi a cidade de Londres. E não foi à toa que em 1966, a capital britânica recebeu a alcunha de “Swingin’ London”, como a estigmatizá-la como o lugar mais glamorizado do mundo para traduzir a euforia que a explosão do Rock gerava no planeta nessa ocasião.


Contudo, por uma ironia máxima, o chamado "desbunde" da Contracultura ocorrida na Europa, deu-se em uma das sociedades mais tradicionais e arredias a mudanças comportamentais, portanto, naturalmente que tal contraste gerou reações. Em suma, se a moda fora ir à Portobello Road para comprar roupas incríveis, deixar o cabelo crescer e frequentar os inúmeros clubes de Rock que fervilhavam pela cidade (do Marquee ao Ufo Club), por outro lado, a mais tradicional emissora de rádio do Reino Unido e uma das, senão a maior emissora do planeta, a tradicionalíssima, BBC (British Broadcasting Company), não pareceu entusiasmada com essa euforia do Rock e do Pop que veio em ebulição desde 1963, pelo menos. 

Nem mesmo comoveu-se pelo fato de que os britânicos haviam conquistado a supremacia mundial no Rock. Fato notório, nessa ocasião, a cada dez artistas mundialmente reconhecidos em todo o planeta, pelo menos sete eram oriundos do Reino Unido, portanto, uma predominância absurda. Assim sendo, a estabelecer uma autêntica contradição, a realidade foi que a sisuda emissora dedicava cerca de duas horas de sua programação apenas para o Rock e ao Pop, a frustrar milhões de ouvintes.

Sob tal situação adversa aos anseios da juventude britânica, muitas emissoras piratas começaram a surgir, com a proposta de tocar Rock, vinte e quatro horas por dia, mas através de uma sociedade tão tradicional como a do Reino Unido, claro que as autoridades não gostaram nem um pouco da ideia de aturar tanto estímulo à sua juventude, ao ponto de entusiasmar-se com aqueles cabeludos todos, e por conta dessa predisposição, esforços foram empreendidos para fechar todas as emissoras clandestinas.

Uma saída criativa para as rádios piratas, foi montar estúdios a operar a bordo de navios ancorados fora do mar territorial britânico, onde juridicamente a pensar-se, tais emissoras clandestinas não podiam ser cerceadas pelo governo de Sua Majestade. E foi então o que ocorreu com certa profusão (estima-se que no seu auge, na década de sessenta, cerca de trezentas emissoras clandestinas operavam no dial do Reino Unido). 

Pois é justamente sobre isso, exatamente, que trata o filme: “The Boat That Rocked” (também conhecido como, "Pirate Radio" e em português, “Os Piratas do Rock”), com a história de uma estação montada dentro de um antigo navio pesqueiro, munida com uma tripulação formada por um time de Disque Jóqueis muito descontraídos, com espírito totalmente Rock’n' Roll.

São muitos personagens e cada um tem o seu destaque ao longo da trama, portanto, oficialmente não existe um personagem protagonista que sobressaia-se nitidamente, embora possa afirmar-se que Carl (interpretado por Tom Sturridge), o adolescente que chega ao barco para passar uns tempos com o seu padrinho, o diretor da emissora, Quentin (Bill Nighy), possa ser um catalisador de todos os outros personagens. Ele, Carl, não é exatamente um Rocker propriamente dito em um primeiro instante, mas ao chegar nesse verdadeiro hospício Freak e flutuante sobre a água marítima, claro que rapidamente tratou por na vibração coletiva ali reinante, ou seja, a participar da "onda", com o perdão do trocadilho, ao adaptar-se aos loucos de plantão, ali presentes.

Ali, o espírito do Rock, a traduzir-se em liberdade total, faz do rádio/ barco uma referência para cerca de vinte e cinco milhões de britânicos que a escutam o dia inteiro. Portanto, as ações realizadas no navio, a mostrar as loucuras perpetradas pelos locutores da emissora, mesclam-se o tempo todo com a reação de ouvintes de diferentes matizes sociais e a sua devida representação da repercussão que isso causa-lhes, em terra firme. E claro, o contraponto da reação, com o personagem do ministro de Sua Majestade para assuntos de difusão cultural, ao ser intimidado pelo Primeiro Ministro a dar cabo das rádios piratas. O choque entre a Swingin’ London ultra "desbundada" e a alta cúpula ministerial da Rainha gera os inevitáveis clichês inerentes entre “libertários e caretas”, mas mesmo ao caracterizar-se como piadas óbvias (que o Monty Phyton já havia esgotado nos anos setenta), ainda funcionam e arrancam gargalhadas do espectador. 

O implacável ministro que odeia o Rock, é interpretado por Kenneth Branagh, um ator bastante experiente no cinema britânico e que compôs o seu personagem com sobriedade, ao fazer com que trejeitos óbvios em torno do clichê do “choque de gerações” presumivelmente causariam, não ficassem cansativos, mesmo que não fossem nada inovadores. Então, o implacável ministro monta uma força tarefa para eliminar as rádios piratas do mapa do Reino Unido, primeiramente a usar todas as brechas jurídicas possíveis para cercear o seu poder de difusão e influência cultural. 

Contudo, ao longo do filme, ele percebe que pela via legal não havia como eliminá-las, sendo assim, cogita a sabotagem à margem da Lei, como forma de ação. Bem, "guerra é guerra" como muitos pensam e na hora que não há meios para impor a sua vontade pela velada lisura, via brecha jurídica, vai na brutalidade, mesmo...


Uma medida, por exemplo, ocorre ao impor-se sanções pesadas a empresas que investissem na emissora que protagoniza o filme. Todavia, astutamente, a rádio abre-se para patrocínios internacionais e com os quais as leis britânicas não poderiam interferir. Os governantes tentam então, uma abordagem truculenta através da Marinha Real, mas ardilosamente os locutores Rockers surpreendem as autoridades ao despistá-los no mar, para sair do quadrante em que estavam, sem deixar vestígios.

Então, uma fatalidade ocorre em uma noite onde enfrentam o mar turbulento, com o barco a apresentar o seu eixo avariado e dessa forma, ele começa a submergir, rapidamente. A embarcação não possui botes salva vidas, suficientes (Titanic, de novo ?), e mesmo avisado sobre a situação, o ministro faz menção de que não vai acionar a ajuda humanitária da Marinha Real, claramente ao desejar que todos morram, em um momento que confunde o espectador, visto ter ido além da piada de humor negro, mas a propor a amargura explícita, via crime, mesmo.

Todos vão morrer, é inevitável, com o barco a afundar, mas subitamente a ajuda chega... eis que surgem milhares de embarcações particulares, de todos os tipos e tamanhos, a ser conduzidas por fãs da emissora que mobilizaram-se para salvar os seus ídolos, os locutores. É clichê, eu sei, mas a cena emociona. Em meio às manifestações de júbilo pela salvação de todos os tripulantes, a metáfora é evidente, mas muito bonita : tentam destruir a força do Rock, mas não conseguem... o personagem, Quentin, a bradar: “Rock’n' Roll”, a bordo de uma embarcação de apoio, diz tudo para sintetizar o filme. Fim da história, a mensagem é essa no cômputo final, mas cabe acrescentar algumas observações, ainda. 

Apesar de haver um clima de libertinagem em muitas cenas, isso não depõe contra a obra, exatamente, tampouco denigre a imagem do Rock ou dos Rockers. São na verdade, mais para ser encaradas como "gags" de humor, do que algum tipo de ode à baderna.

Nesse aspecto, são muitas cenas com piadas boas, eu admito, mas faço a ressalva de que há um excesso na metragem e aliás, a crítica observou esse detalhe, com veemência e nesse aspecto, eu tenho que concordar com a opinião geral. Com pouco mais de duas horas de exibição, de fato, poderia ter havido uma edição mais enxuta. O diretor e o editor devem ter conversado muito a respeito dos eventuais cortes e posso imaginar que acharam essencial manter tantas cenas que consideraram hilárias em suas avaliações particulares, mas sinceramente, fecho com os críticos que reclamaram dos excessos. “Menos é mais”, este clichê fica por minha conta. Tanto foi assim, que a edição norte-americana teve mais de vinte minutos suprimidos, não só pelo excesso, mas para coibir piadas consideradas britânicas demais para o paladar dos yankees.

Eu posso arrolar algumas cenas que eu considerei interessantes:

Em meio a toda liberdade que os locutores tinham para falar o que quisessem ao microfone e eles exageravam mesmo, logo no começo do filme, o diretor da rádio, Quentin, só pede que não falem o palavrão: “Fuck” (“Foda”), pois perseguidos pelas autoridades como eram, constantemente, isso poderia dar-lhes uma brecha jurídica para tirar a emissora do ar. Ora, que diferença essa palavra faria em meio às barbaridades com insinuações sexuais que eles verbalizavam o tempo todo ?


Um frase pronunciada pelo ministro, em reunião de cúpula, é para pensar-se: -“esta é a grande vantagem de ser do governo, se você não gostar de uma coisa, cria-se uma Lei que a torna ilegal”.


São Rockers malucos, mas em alto mar sentem as necessidades de qualquer marujo... uma sexta-feira sim, outra não, um barco cheio de garotas vem a bordo para uma festinha toda especial ali promovida... no cotidiano, não é permitida a presença de mulheres, para não desviar o foco da rapaziada, a não ser a cozinheira da tripulação, Felicity (interpretada por Katherine Parkinson - na foto acima, a segurar um cartaz com os dizeres : "I Love You" ), mas ela é lésbica assumida e não quer nada com os rapazes ali. 

Com a chegada do sobrinho de Quentin ao barco, Carl é descoberto como virgem por todos. Esforços são feitos para o rapaz sair dessa situação, ao render cenas engraçadas, embora sexistas, naturalmente. Quando parece que vai conseguir o seu intento, ao conhecer a sobrinha de seu padrinho, a bela Marianne (interpretada por Talulah Riley), o tempo que ele gasta para ir buscar um preservativo na cabine de um amigo, foi suficiente para a moça pular na cama de outro rapaz... bem... sixties, amor livre... sabe como é (foi)... 


O assessor do ministro tem o sugestivo sobrenome de “Twatt”, que no inglês britânico é um termo chulo e causa constrangimento pela rudeza, quando empregado publicamente.


Veja a comparação de um "still" do filme, a conter a cena citada sobre a nudez das garotas e a capa do LP "Electric Ladyland" de Jimi Hendrix Experience, de 1968

Uma promoção a envolver fãs, que ganham o direito a passar um dia no navio, causa uma balbúrdia e tanto. Em uma das confusões geradas, um dos locutores é flagrado com muitas garotas, todos nus em uma sala reservada. Na hora do flagrante, a configuração das pessoas no enquadramento, é quase idêntica à capa do LP “Electric Ladyland”, do Jimi Hendrix, a estabelecer uma clara menção em forma de homenagem ao álbum. 
 

Um dos locutores diz ter apaixonado-se por uma fã que conhecera no dia da promoção e ambos combinam casar-se. Essa seria a única condição para permitir-se a presença de uma mulher no navio, ou seja, como esposa. Tal anúncio é feito no ar e fãs de todo o Reino Unido encantam-se com a novidade, ao tornar-se uma comoção nacional o tal enlace matrimonial. 

A cerimônia é feita a bordo, a moça é lindíssima (Eleonore, interpretada por January Jones), e o locutor está enlouquecido de tão apaixonado que ficou, mas na hora da “Noite de Núpcias”, ela anuncia que vai dormir na cabine de outro locutor, (o “flamboyant”, Gavin, interpretado por Rhys Ifans), pois era dele que ela gostava realmente e tudo fora um plano para poder ficar juntos, pois Gavin não queria casar-se, no entanto, se ela estivesse casada com outro colega, oficialmente adquiria o direito para ficar a bordo. 

Nem parece uma piada, todavia, um dramalhão de novela mexicana ao ler assim, mas o fato é que essa história paralela é muito engraçada, principalmente pela atuação do personagem do noivo ultrajado, Simon (interpretado por Chris O’Downd). A sua reação facial ante a desfaçatez da noiva inescrupulosa, é hilária. E a sua situação posterior, ao mostrar-se magoado é engraçada também, ao ter que trabalhar horas depois e a notícia de seu casamento ter sido desfeito após apenas dezessete horas, e daí, conter como uma explicação emitida no ar, aos ouvintes, a alegação das ditas “incompatibilidades musicais”, ou seja, uma desculpa recorrente em releases elaborados por assessores de imprensa de gravadoras para explicar as eventuais saídas de componentes de bandas famosas, na vida real. E o personagem a cantar junto com o disco, o Power Blues, “Stay With Me, Baby”, é significativa para o humor da situação, mesmo sendo uma música lindíssima, de fato.


Outra piada boa, ocorre quando o governo dá um ultimato e exige que a rádio saia do ar voluntariamente à meia noite de um determinado dia estipulado por eles. No horário estipulado, os locutores fingem consternação em ter que sair do ar por ordens do governo e faz-se silêncio no momento em o horário chega. Em sua residência, o ministro está sintonizado na rádio, a comemorar com a sua família e o assessor “Twatt”, quando é óbvio que não fora a real intenção dos radialistas e sob um ato de suprema provocação, colocam no ar a música: “Let’s Spend the Night Togheter”, dos Rolling Stones e de fato, “Vamos passar a noite juntos” não foi o que o ministro desejou ouvir...

Bem, daí em diante, o jovem Carl recebe a visita de sua mãe a bordo, Charlotte (interpretada pela experiente atriz, Emma Thompson), e logo descobre que a sua ida ao barco teve a intenção da parte dela, que ele conhecesse enfim o seu pai biológico. Tudo o leva a crer que trata-se de Quentin, o diretor, mas na verdade é Bob (interpretado por Ralph Rowe), um hippie doido e taciturno, típico fã do grupo de Rock, Grateful Dead. E também ocorre que Carl perde a virgindade com a gata ultra sixties, Marianne, que volta ao navio com tal finalidade, arrependida por ter frustrado o rapaz em uma ocasião anterior. 

Sobre a cena do barco a afundar, existem vários desdobramentos, com piadas boas, eu sei, mas o lado poético também é bonito. Observar a resistência dos locutores para manter a transmissão até os estertores da tragédia e os discos a boiar, tornou a cena, plasticamente bela. E nesse contexto, Carl e Bob também a boiar juntos após ter reconhecido-se como pai e filho, ao som da linda canção: "Father and Son" do Cat Stevens, deixou a cena bastante bonita.

O último a salvar-se foi o locutor conhecido como: “O Conde” (“The Count”), a tratar-se do único norte-americano entre os britânicos da tripulação, interpretado pelo saudoso, Phillip Seymour Hoffman (na 1ª foto acima, a usar fone de ouvido), um bom ator, ainda jovem, que deixou-nos precocemente na vida real. Ele e Bill Nighy (a interpretar Quentin e retratado na foto acima com óculos vermelhos), fizeram outros filmes com motivação Rocker, anteriormente. Phillip interpretou o personagem real, Lester Bangs, famoso crítico de Rock norte-americano, no filme: “Almost Famous” de 2001, e Bill, interpretou o vocalista da banda de Rock setentista, Strange Fruit no filme inglês, “Still Crazy”, de 1998. Ambos eram do ramo, portanto, quando compuseram os seus personagens para este filme.

Mais alguns atores a destacar-se: Will Adamsdale (como John "The News" Mayford), Nick Frost (como "Doctor" Dave), Don Brooke (como Kevin "The Thick"), Rhys Darby (como Angus "The Nut" Nutsford), Tom Wisdow (como Mark "Midnight"), Ralph Brow (como "Smooth" Bo Silver), Ike Hamilton (como Harold), Sinnead Matthews (como Miss "C"), Stephen Moore (como o primeiro ministro britãnico), e outros. 


O que dizer sobre a trilha sonora? Sendo a história de uma rádio pirata britânica a atuar em 1966, só posso afirmar que se ouve ao longo do filme algo verdadeiramente esplêndido, sem exceção. Para muitos, fica sempre a impressão de que poderiam incluir “tal e tal” som de alguma banda que ficou a faltar, porque a profusão sessentista do Rock e Pop britânico foi absurda. Posso até concordar com isso, mas aí, eu incorreria no erro que cometeram os seus produtores, em esticar demasiadamente a película e mesmo que raramente eu concorde com os críticos, desta vez eu tendo a fechar com eles, como já havia dito anteriormente. 

Pela música em si, digo que se eu ficar um mês a ouvir British Rock sessentista por vinte e quatro horas ao dia, ao término do período, além de querer prorrogação do prazo, estarei com uma boa lista elaborada em mãos, a conter uma outra infinidade de músicas que sentira falta e desejei acrescentar. 

Mas daí a prolongar o filme só para dar vazão à essa sanha pela boa música, para obrigatoriamente ter que preenchê-lo com mais piadas, eu não cometeria tal ato de jeito nenhum... portanto, as mais de quarenta canções que tocam nessa trilha do filme, são maravilhosas e significativas para retratar a excelência musical da época. Fica a ressalva contudo, de que não toca-se nada dos Beatles, pelo óbvio motivo da dificuldade de liberação dos direitos autorais do repertório dessa banda, que foi gigantesca para o Rock britânico sessentista e quiçá, a colocar-se como a maior de todas. 

A despeito da grandeza magnânima dos Rolling Stones, The Who, Cream, The Kinks e tantas outras que foram representadas na trilha do filme.

Contém igualmente um pouco de material oriundo de artistas norte-americanos, não é uma seleção só para apreço dos “Mods” entusiastas da “Union Jack”. E não é exclusivamente Rock, embora este gênero predomine. Tem um pouco de Black Music norte-americana, certamente e que aliás, era muito admirada pelo público inglês, tanto que os Beatles não lançaram um disco em 1966, chamado: “Rubber Soul”, à toa.


Outro fator e que não incomodou-me inteiramente, mas soa como falha pelo anacronismo, ocorreu no sentido de que muitas músicas pós-1966, constam da trilha. Se o filme é ambientado em 1966, a escolha do repertório deveria ser mais criterioso nesse aspecto a colocar-se só músicas desse ano para trás em sua trilha, no entanto, eis que soam algumas peças de anos vindouros, até de 1971, meio longínquo e futurista, portanto... tudo bem, não serei intransigente e vou considerar que foi licença poética da produção, e muito provavelmente com o contexto das letras de tais canções a mostrar-se convenientes para cada cena em que foram usadas. 


Nesses termos, ouve-se o som de alguns monstros do Rock, Soul & R'n'B sessentistas, entre os quais: The Rolling Stones, The Kinks, The Turtles, Jimi Hendrix, Procol Harum, Box Tops, The Beach Boys, The Who, The Seekers, Dusty Springfield, The Easybeats, Martha Reeves and the Vandellas, Smokey Robinson and the Miracles, Herp Alpert and the Tijuana Brass, Tommy James and the Shondells, Jeff Beck Group, The Troggs, The Hollies, The Tremeloes, Chris Andrews, Paul Jones, Skeeter Davis, Cream, Otis Redding, The Supremes, The Bystanders, Cat Stevens, the Moody Blues, Lorraine Ellison, The McCoys e The Isley Brothers. 

Em síntese, trata-se de um autêntico massacre sonoro. Acrescenta-se e a tratar-se de uma inclusão completamente fora de cronologia, David Bowie com uma canção sua de 1983, "Let's Dance" e sobre a cantora, Duffy, que é uma artista dos anos 2000, na verdade, eu preciso mencionar uma particularidade sobre a sua participação nesta trilha.  

Todas as versões das canções são originais, com exceção do blues, “Stay With Me, Baby”, que tem uma versão moderna, gravada pela cantora pop, Duffy. Essa canção, além de ser linda e icônica dos anos sessenta, foi regravada inúmeras vezes por grandes cantores. A versão original é de Lorraine Ellison, muito boa, embora com um arranjo um tanto quanto formal. Janis Joplin também a cantou e tudo na voz da pérola do Texas, ficava maravilhoso, mas muita gente elege a versão do ótimo cantor/guitarrista britânico, Terry Reid, como a mais visceral (e é mesmo de arrepiar). Acrescento que Bette Midler, quando interpretou a cantora fictícia, “The Rose”, no filme homônimo de 1980, também brilhou com essa canção.

Nesta versão da jovem “Duffy”, a produção musical do filme teve a preocupação em regravá-la com os instrumentos a apresentar timbres sessentistas adoráveis, portanto parabéns aos responsáveis por isso. Além desse requinte, a garota cantou bem, embora o seu estilo pessoal (a cometer exagero em trejeitos vocais, ao arrastar as sílabas, e assim a  produzir trinados), incomode muitos ouvintes. Sei que muitos a chamam como, “Bode”, por sua voz emitir tais ruídos que parecem os que esse animal produz. Particularmente, isso não incomoda-me, acho que a menina canta bem, mas fica registrada essa curiosidade.

Nas salas de cinema, o filme não foi muito bem, no entanto. O resultado na bilheteria decepcionou os seus produtores. A crítica ressaltou o resgate de uma história inspirada m fatos reais, mas não apreciou o excesso de metregem, como eu também já mencionei anteriormente. 

No Brasil, também não houve um resultado bom, ao ter ficado pouco tempo em cartaz. Algumas opiniões dos críticos, na época:-"confuso, mas com alguns momentos mágicos". -"Tocante, sincero, mas sem coerência". Bem, nessa síntese entre boas e más impressões, acho que eu tendo a concordar em linhas gerais. 

Escrito por Richard Curtis. Produção de Tim Bevan, Eric Fellner e Hillary Bevan Jones. Direção de Richard Curtis. Foi lançado em 2009.

Esse filme foi exibido moderadamente em canais de TV a cabo e sinceramente, desconheço que tenha chegado às emissoras abertas. É facilmente achado em versões sob formato DVD/Blu-Ray e existe cópia dublada para assisti-lo na íntegra, via Youtube.

Em suma, revela-se um filme com boas piadas, mesmo sendo um pouco longo; com bons atores do cinema inglês contemporâneo em ação e o bom reforço do norte-americano, Phillip Seymour Duncan; boa direção (Richard Curtis), embora tenha para si o leve pecado por ter esticado o filme em demasia. Muito boa direção de arte & figurinos, para retratar  com dignidade a maravilhosa fase do Rock inglês em 1966 e uma trilha sonora avassaladora. "The  Boat That Rocked" ("Os Piratas do Rock"), tem mais méritos que deméritos, e eu recomendo-o, como um bom representante da vertente, Rock & Cinema.

Esta resenha foi revista e ampliada para fazer parte do livro: "Luz; Câmera & Rock'n' Roll". Está disponível para a leitura através do seu volume I,  partir da página 393.