Sou músico e escrevo matérias para diversos Blogs. Aqui neste meu primeiro Blog, reúno a minha produção geral e divulgo as minhas atividades musicais. Não escrevo apenas sobre música, é preciso salientar ao leitor, pois abordo diversos assuntos variados. Como músico, iniciei a minha carreira em 1976, e já toquei em diversas bandas. Atualmente, estou a trabalhar com Os Kurandeiros.
Eisque eu fico a saber que o excelente guitarrista, cantor e compositor, Chico Suman, preparava a
produção de um trabalho solo, autoral. O álbum mal começara a ser preparado e
eu já deduzi que seria ótimo.
Conheço Chico Suman, há muitos anos, já havia
compartilhado shows com sua ótima banda, o The Suman Brothers, em três ocasiões
(por duas vezes, quando eu toquei no “Pedra” e uma com “Kim Kehl & Os Kurandeiros”), e
tocamos diretamente uma vez, quando eu fui componente da Magnólia Blues Band” e
ele foi o guitarrista especialmente convidado para uma das nossas
apresentações. Em síntese, eu já sabia há tempos, que Chico Suman trata-se de um guitarrista
da pesada, versado pelas melhores tradições do Rock, com diversas
especializações em vertentes múltiplas a transitar pelo Blues, Black Music,
Folk e Country Rock e sob diversas nuances clássicas desses gêneros citados e muitos outros, em um alcance a
atingir principalmente a faixa temporal contida entre os anos cinquenta a setenta do século anterior, ou
seja, a sua base de inspiração vem da nata da nata.
Além de ser também um cantor com muita qualidade, Chico
Suman igualmente compõe muito bem e por ser um aficionado da poesia Folk de Bob
Dylan e congêneres, Chico gosta de caprichar nas letras que escreve. E para
completar, é claro que cercar-se-ia de uma turma de músicos da melhor qualidade
para acompanhá-lo, muitos dos quais eu conheço muito bem e sei da sua
genialidade ímpar.
Portanto, como poderia um disco que eu sabia de antemão que
seria ótimo, surpreender-me em algum aspecto, no sentido de superar a minha expectativa
inicial? Pois é... algum tempo depois, eis que mediante uma audição proporcionada, através do nosso amigo em comum, Cleber Lessa, ouço o álbum na íntegra, como
som ambiente da casa de espetáculos, Santa Sede Rock Bar, em São Paulo, e impressiono-me com a
sua audição. Mas foi mesmo quando recebi em mãos uma cópia do álbum, que pude
enfim mergulhar em sua sonoridade e constatar, que sim, ele é bem melhor do que
eu deduzira anteriormente, por incrível que pareça.
Para início de conversa, Chico Suman é um raro
artista no panorama do Rock brasileiro (refiro-me à atualidade de final da
década dez, do século XXI), que professa um compromisso verdadeiro, umbilical e
sem nenhum receio, com as mais belas tradições do Rock, Blues, da Black Music em
geral e do Folk-Country Rock e sem que isso seja necessariamente uma bandeira
desfraldada em torno de um acintoso resgate vintage, retrô ou a estabelecer uma ponte
proposital com o passado, mas simplesmente, por Chico viver intensamente essa realidade em sua
expressão artística, de uma maneira absolutamente natural, ao revelar-se alheio
ao que demarcaria uma opção confessa em prol do passado.
Na verdade, ele
simplesmente vibra por tais moléculas e nesse sentido, pouco importa em que
época atue, pois a sua verdade é essa e ponto final. Dessa maneira, não vejo uma melhor forma em atuar,
do que ser atemporal e acaso o seu trabalho soe como algo que remeta aos anos
cinquenta a setenta da década anterior, é melhor pensar que isso não importa
pelo ponto de vista do “hype”, como raciocinam os críticos obtusos e/ou mal intencionados, sempre obcecados em
decretar o que entra e sai da moda, mas muito pelo contrário, queiram admitir
ou não, foi nesse espectro da história, onde criou-se uma excelência artística
inquestionável e se Chico bebe dessa fonte, revela mais que um bom gosto pessoal, porém, acima de tudo, que possui uma base sólida,
indestrutível.
E assim, o passeio que esse disco faz entre
vertentes, estilos e tendências dessa fase de ouro da música em geral e do
Rock, em específico, é muito bonito. Chico conduz o ouvinte ao âmago do Blues e
da Folk Music, passa pelo Country-Rock e R’n’B, insinua o Blues-Rock;
mergulha-nos nas águas sagradas do Rio Ganges onde as ragas espalham luzes
multicoloridas e típicas dos anos sessenta. Dessa forma, voamos para bem longe, o
suficiente para constatarmos que Chico conseguiu estabelecer o “religare” e de
fato, a boa música está aqui, de volta, e basta apenas que liguemo-nos,
entremos em sintonia e que caiamos fora do baixo astral da anticultura, que
está lá fora...
Sobre as canções em específico, o álbum inicia-se
com: “Morning
Sunshine”, sob uma atmosfera Country Rock muito alvissareira. Ouvir tal
canção, é como viajar dentro de uma Pick up, em um manhã ensolarada a trafegar de Minessota
para Ohio, digamos assim. Gostei muito da pureza dos timbres dos instrumentos,
principalmente na bateria, a soar com seu som natural, sem muito processamento,
principalmente no tocante ao exagero do reverber, ato falho comum para nove entre dez técnicos de áudio em estúdio. Noto a presença do orgão Hammond, com pontuais desenhos bem agradáveis e
dois solos de guitarra com timbres diferenciados e muito bonitos, ambos. Tem
violão bem tocado e uma linha de baixo agradável. Apreciei o refrão com um
sentido sob contraponto no backing vocals, que lembrou-me bastante o trabalho
do "Lovin Spoonful". A letra reforça a ideia do espírito livre, que a música evoca:
“Let my hair blow free / let my spirit guide me”...
A segunda faixa, apresenta: “Livin’ Alone”, a
embalar um Folk-Rock muito melódico. É muito bom ouvir o som da gaita, com a vassourinha a desenhar na caixa da bateria, os belos desenhos de guitarra a propor
contra-solos emotivos, violão batido, órgão Hammond a harmonizar e ao seu final, até o
cântico de pássaros para fechar a canção. É como ouvir um bom disco de Bob
Dylan e lembrar que o Rock tinha e precisa voltar a ter poesia, também.
“Time has come to be alone / Dissapear like a rolling stone / sadness is
eating up my heart”...
“Band of Brothers” vai fundo no Blues-Rock, com muito
vigor. Solos e contra-solos de guitarra são excelentes e a banda faz uma base
poderosa, com bateria, baixo, e órgão Hammond, sob forte pegada. Certas partes
faladas a esmo, são bem sessentistas, a garantir uma boa dose de loucura,
que é sempre essencial. Uma interessante passagem da letra, despertou a
minha atenção:
“When I first started playing the blues / more than 15 years ago / never
tried to make any money / ‘cause that’s something I don’t know / just tried to
bring some happy hours / when my friends come home home from work”...
Pois é... música que vem do coração não é produto
para vender na gôndola do supermercado, mas algo verdadeiro, ou seja, um fator
observado fartamente por quem militou na senda artística musical daquelas
décadas de ouro na música, e certamente que Chico Suman faz parte dessa estirpe, por falar a mesma linguagem.
“A Small Part of You” é um Slow Blues dos mais
inspirados que tenho escutado nos últimos tempos. Tem uma carga emocional
fortíssima, envolta em sutilezas múltiplas a conferir-lhe uma beleza incrível.
Ao ouvir tal melodia linda, amalgamada por uma bela poesia, é impossível não
lembrar-me que um dia tivemos a "The Band", a atuar neste planeta e certamente que
o mundo foi muito melhor enquanto ela esteve a brindar-nos com a sua plena
magnitude artística. A mencionar o arranjo em si, tudo soa muito belo. Teclados,
"cozinha" (baixo e bateria) espetacular, e um trabalho de guitarras, magnífico. São arpejos e
desenhos pontuais (clap guitar, sensacional, no melhor estilo de Steven
Cropper), a marcar de forma indelével a base e com solos para arrepiar.
O
trabalho vocal destaca-se muito nessa faixa, igualmente. Trata-se de uma interpretação muito
emocionante, cuja entrega total, muito lembrou-me o mestre, John Lennon, em
seus momentos mais exasperantes. Tem muito do grito primal nessa construção
vocal, com a inclusão de uma segunda voz, muito boa e várias intervenções a
esmo, nesse sentido. É forte, intenso e muito emocionante.
“You gave me your view about this world while all of your friends / were
watching you eyes wide open so you wouldn’t cry again"...
Em resumo, trata-se de uma canção fortíssima, e
memorável.
A quinta faixa: “Keep the Light on“, investe
no balanço, com um sentido mais próximo do R’n’B. Tem um riff muito bom e a
banda imprime um balanço forte, para fazer o ouvinte levantar de sua
confortável poltrona e balançar-se. Gostei muito das palmas, um recurso pouco
usado nos dias atuais, mas que é funcional ao extremo para gerar uma interação
contagiante com os ouvintes. A canção contém peso, com aquela pegada Rocker. E há também,
uma chave para revelar a ideia que norteia o título do álbum, quando Chico diz:
“Hey brother! / Don’t pay your troubles no mind, because / Death and life
walk together”
A canção seguinte, é na verdade um mantra,
literalmente. “Ganges”,investe na sonoridade da Índia, mas sob aquela
estimulante roupagem ocidental e sessentista, quando o Rock mergulhou em suas
águas sagradas e escreveu uma das páginas mais belas de sua história (grato,
Mahatma Harrison, jai jai!).
Sob uma batida tribal, a cítara canta solta, e em
certos momentos lembrou-me o trabalho do grupo de Rock britânico, "Kula Shaker" que tentou fazer esse
religare nos anos noventa e embora a raiz cultural fosse outra, também
lembrou-me o trabalho do Aphrodite’s Child em “Babylon” (essa banda era grega e sessenta-setentista).
Adorável a menção ao recurso do solo de guitarra em estilo “backwards”, outra
marca típica dos anos sessenta. E o mantra entoado dispensa maiores explicações:
“Namah Parvati pathaye / Hare Hara Shankara Mahadev / Hare Hare Hare
Mahadev / Hare Hare Hare Mahadev / Namah Parvati pathaye / Hare hare mahadev /
Namah Parvati pathaye”...
“Capricorn” é um tema instrumental e muito belo.
Brilha muito o baixo, com um solo espetacular e que busca o sentido melódico,
sobretudo. Gostei muito da harmonia e da melodia central, proposta pela
guitarra, que contém uma beleza muito grande. A base com a presença do órgão Hammond, empolga por não nos deixar respirar, mediante a ação contínua da caixa Leslie, ao espalhar-se
aos quatro ventos, pela sua ventoinha. É muito bonita também a presença de um
violão batido, com lindo timbre e várias camadas de guitarras a desenhar por
todos os lados do pan do estéreo. Se o leitor ouvir essa canção com fone de
ouvido, há de apreciar tais detalhes meticulosos.
E o disco chega ao seu final, com: “Time to Say
Goodbye”, uma balada belíssima, super sessentista, pela sua construção
harmônica, melódica e rítmica. Adorei a concepção da linha de bateria, com
inspiradíssimas passagens pelos tambores. O efeito "staccato" em algumas partes, evoca o trabalho de bandas como, The
Beatles, The Kinks, Small Faces e congêneres britânicos, mas tem também um lado
norte-americano muito efusivo, quando esbarra forte no som de Crosby; Stills; Nash &
Young.
Há, paralelamente, muitos estímulos sutis nessa canção, proporcionados por todos os
instrumentos que constam em sua constituição. É uma canção muito bem arranjada e
tudo sob belos timbres. Inclusive ao conter um solo em duo, que abre vozes para as guitarras. A
canção termina com um enigmático efeito ao teclado, a sugerir a presença de uma ventania, a levar tudo embora e de fato, a vida e a morte são manifestações do
mesmo sopro vital que traz e leva... leva e traz...
Gostei dessa parte da letra:
“Don’t be afraid to fall on / The moment you’ve been waiting for / The
future in a minute will be gone / Take pictures of your new life / Grow
stronger from the inside / our love will live forever in this song”...
A respeito da capa, “Death and Life” investiu na
sobriedade. O artista com a sua guitarra sobre um fundo bege e nada mais. No
encarte e na contracapa, mantém o conceito, com fotos do mesmo ambiente a
lembrar uma ambientação urbana mas bem rústica, com a porta de uma residência
antiga, bem do início do século passado e além do artista, há uma foto com dois
gatos a observar a paisagem.
O encarte tem uma explicação do trabalho, assinada
pelo próprio, Chico Suman, em pessoa, mas sob uma forma bem poética, quase a caracterizar um
manifesto de sua parte. Além de conter as letras das canções e uma boa ficha técnica.
A opção por cantar no idioma inglês, tem tudo a ver
com as influências que calam mais forte na construção da personalidade
artística de Chico Suman, e nesse sentido, não cabe questionamentos sobre
estratégias de marketing, adotadas por ele.
Um promo com a música “Capricorn”, disponível no
You Tube:
Eis aí um trabalho que eu
sabia que ficaria bom, mas que na verdade, ficou ainda melhor do que previ.
Recomendo o álbum, “Death and Life” e a arte de Chico Suman!