Na segunda
metade dos anos sessenta em diante, o Rock enquanto uma forte instituição a
destacar-se da mera avaliação anterior ao ser considerado como apenas um gênero
musical derivado do Blues (como tantos outros nascidos da mesma árvore), isto
é, ao assumir em ser um artífice importante dentro do contexto da contracultura,
naturalmente que despertou a atenção de artistas de outras vertentes, que
perceberam tal protagonismo no âmbito cultural em geral, a influenciar decisivamente
uma manifestação espontânea dentro do seio da sociedade, sob uma proporção
sociocomportamental muito grande.
Até então, para restringir a minha
observação ao mundo cinematográfico, digo que nessa altura dos
acontecimentos, a produção lançada pela indústria do cinema já mostrava-se bem
significativa, a contabilizar muitas películas sobre o Rock, diretamente, ou a
contar com o mote a servir como pano de fundo para contar-se qualquer história,
ou no mínimo para decorar qualquer abordagem sobre jovens, juventude e ideias,
rebeldia libertária etc.
Nesses
termos, toda a produção cinematográfica até esse ponto (falo sobre o final dos anos sessenta), houvera sido tocada por
profissionais não exatamente comprometidos com um espectro de criação cultural
mais ousada, a abranger a arte mais avantgarde, digamos assim. Até que
diretores de um maior calibre dentro do cinema, tais como Otto Preminger, Roger
Corman e Michelangelo Antonioni “experimentaram-no”(como teria dito, Jimi
Hendrix), e isso abriu caminho para muitos outros que foram fundo em dirigir
filmes a envolver o Rock em si ou a emoldurar peças com alto valor
contracultural, caso de Hal Ashby e outros.
E por falar em Antonioni, a sua
então recente incursão no tema, na verdade, mostrou-se tímida. Em “Blow-Up”, a
trama não gira em torno de Rockers cabeludos, Freaks & Hippies em geral, e
nem mesmo a sua película como um todo possa ser considerada como uma obra
essencialmente contracultural, no entanto, tal película esbarrou no conceito por diversos motivos
paralelos e em uma determinada cena, o personagem protagonista adentra um
pequeno clube noturno e assiste um pedaço do show da banda britânica, “The
Yardbirds”, e aí sim, há um pouco da efervescência gerada espontaneamente
pela famosa atmosfera conhecida como, “Swinging London” e com direito a ver-se
o guitarrista, Jeff Beck, a quebrar uma guitarra no palco. Enfim, se Antonioni,
que fora um dos maiores cineastas do mundo no campo do cinema autoral
avantgarde, aventurou-se em tal tipo de abordagem, ainda que en passant,
pareceu natural que outros pares seus também o fizessem a seguir. O próprio
Antonioni, aliás, foi mais fundo logo a seguir quando filmou: “Zabriskie
Point” e a amálgama do ideário hippie ficou muito mais proeminente, com direito
à cena antológica da explosão de uma mansão encravada em uma montanha, ao som
grandiloquente do Pink Floyd.
Nesses
termos, quando o cineasta francês, Jean-Luc Godard anunciou que filmaria a sua
próxima obra em Londres, a contar com o apoio de uma banda de Rock, não houve
uma estupefação, tendo em vista tudo o que eu observei anteriormente, isto é,
tal escolha já não teve como ser considerada algo fora de propósito, talvez
como pudesse ter soado em outros tempos mais antigos.
Godard já
colocava-se no mundo cultural, como um artista consagrado nessa altura. Considerado
como um dos pais do movimento cinematográfico conhecido como “Nouvelle Vague”,
era aclamado como um grande diretor autoral e ao mesmo tempo, mantinha uma aura
pessoal sombria, por ser um sujeito com temperamento difícil para lidar-se
socialmente a dizer, e afeito a trabalhar com um cinema nada popular, difícil
para ser comercializado e para estigmatizá-lo ainda mais, sob forte viés
político. E por conter tais características, Godard colecionara detratores
& desafetos pelo mundo afora, portanto, as suas obras já lançadas e as do
porvir, ficaram / ficariam carregadas com estigmas, pró ou contra,
inevitavelmente.
Neste caso
em específico, Godard queria realizar uma película em tom de ensaio, a conter
um conjunto de conceitos mais do que uma história a ser contada
convencionalmente, com personagens comuns e a conter começo; meio & fim, ao
seguir o padrão de um roteiro adaptado de um livro, caso da maioria das
produções cinematográficas, pelo menos no mundo do cinema comercial mainstream.
E ele desejou ter uma banda de Rock famosa a ser filmada em ação e estabelecer dessa
forma, um contraponto com cenas a conter atores, mas sob uma linha de atuação
bem alegórica a remontar ao teatro e assim expressar as suas ideias em torno da
filosofia e da política de uma maneira geral. The Beatles e The Rolling Stones
foram colocadas na lista de prioridades para estabelecer-se um convite e a
decisão final pendeu para a trupe de Jagger, Richards, Jones, Watts & Wyman.
Ou seja, em
sua concepção prévia, Godard quis um tipo de abordagem nada comercial, que
antes mesmo de ser filmada, já deveu ou deveria, não sei dizer isso ao certo,
preocupar os componentes dos Rolling Stones, pois certamente que a repercussão
do filme poderia gerar manifestações imprevisíveis. Godard já mostrava-se um
realizador difícil por natureza, tanto pelo aspecto pessoal, humano, quanto
pelo seu pensamento político / filosófico, portanto, se não sabiam disso, eles deveriam
ter buscado maiores informações sobre tais nuances ou seja, procurar conhecer
bem o terreno onde pisariam, pois este haveria em ser imprevisível à sua
percepção natural, visto que eles eram seguros de si enquanto astros do Rock,
mas tal obra fugiria (e de fato, fugiu), bastante da sua chamada “zona de
conforto”.
Bem, a
película em si mostra os Rolling Stones em processo de gravação. Godard filmou
os componentes da banda e também alguns músicos convidados, envolvidos nas
gravações do álbum: “Beggar’s Banquet”, um disco espetacular que a banda
preparou e lançou naquele ano de 1968. A ênfase, no entanto, na gravação da
canção, “Sympathy For The Devil”, bastante icônica por sinal. Mostra-se alguns
momentos da banda envolvida com outras canções, mas na esmagadora parte do
tempo, os Rolling Stones são retratados a trabalhar nessa canção em específico.
Uma primeira observação que eu faço, dá-se pelo aspecto musical, iminentemente,
pois eu li muitas resenhas escritas por críticos especialistas em cinema e
também outras da parte de cientistas políticos e filósofos, com abordagens
muito ricas, porém centradas em suas especialidades, e dessa forma com a parte
musical relegada, como se fosse um mero detalhe. Em alguns casos, a despeito da
erudição com a qual discorreu-se sobre os meandros técnicos da filmagem ou as
múltiplas sutilezas encontradas ao longo das metáforas percebidas por analistas
políticos ou filósofos, a verdade é que para tais críticos, a questão musical
passou como um detalhe menor no bojo da obra, no entanto, no meu caso, pela condição
de eu ser um músico, é evidente que não penso assim e mesmo a concordar que os
aspectos levantados pela abordagem política mostram-se muito ricos nessa obra, eu
prestei atenção igualmente no aspecto musical, com maior carinho.
Para início
de avaliação, é preciso registrar-se que não tratou-se de uma banda fictícia,
mas sim, uma a ostentar, inclusive já na época, o status de ser uma das maiores
do mundo e a posteriori, da história. Estamos a falar dos Rolling Stones e não
de um grupo de Rock qualquer, a ser usado como mero pano de fundo, mesmo ao
tratar-se de uma obra de arte assinada por um diretor de renome internacional e
na proporção, tão grande quanto, no espectro cultural mundial, caso de Jean-Luc
Godard.
Outro ponto, trata-se de cenas históricas, ao considerar-se que gravou-se
uma música deveras impactante e que faria parte de um álbum muito icônico,
dentro da discografia dessa banda. O terceiro aspecto, diz respeito à presença
do guitarrista, Brian Jones, que morreria alguns meses depois dessa filmagem
ter sido concluída. Tido como um gênio musical por tocar com desenvoltura uma
infinidade de instrumentos, sem necessariamente ter estudado com maior afinco
cada um deles m específico e nem mesmo ter uma grande base teórica, Jones era
também um artista carismático e exercia uma inegável atração pessoal magnética
por conta de tal fator. Por conta desse seu brilho pessoal, era idolatrado
pelos fãs da banda, principalmente entre a ala feminina e logicamente que tal histeria
natural que provocava, despertara um desconforto entre os seus demais
companheiros, notadamente para a dupla, Mick jagger & Keith Richards, os
autoproclamados, “The Glimmer Twins”.
Por conta desses fatores todos arrolados, Jones estava
em pé de guerra com os colegas e pior ainda, estava, nesse preciso instante com
a saúde fragilizada por conta dos abusos cometidos em prol do uso de drogas
pesadas. Portanto, o filme tem também esse sentido de registrar-se um ponto
importante da carreira dos Rolling Stones, a gravar um álbum importantíssimo em
sua trajetória e ao mesmo tempo, prestes a atingir um ponto dramático em sua
história, com a saída forçada de Brian Jones por desavenças pessoais e
principalmente por falta de condições físicas para prosseguir no grupo. E
registre-se também, por uma tragédia ocorrida poucos dias depois de oficializada
a sua saída do grupo, pior ainda, a anunciar sua morte súbita.
Ainda a
falar da atuação dos Rolling Stones no filme, críticos em geral analisaram
muito bem a questão do contraponto entre a banda a gravar e o pensamento
político. Falou-se com propriedade sobre Godard ter buscado o contraponto entre
a morosidade de uma gravação de uma música em estúdio e os avanços sociais
propostos por ideias revolucionárias. Eles tiveram razão em enxergar tal
dicotomia oferecida pela visão crítica e ácida, proporcionada pela genialidade
de Godard, no entanto, cabe ressaltar, que gravar uma música e um álbum inteiro
por conseguinte, é algo extremamente repetitivo e moroso, por natureza. Não
apenas os Rolling Stones, mas qualquer artista, de qualquer seara musical,
costuma gastar horas e horas em um estúdio e tal processo tem que ser feito
mediante um grau de atenção máximo, pois são muitos os detalhes a serem
observados, isso sem contar o foco na precisão ao instrumento ou no cantar,
pois cada minúsculo detalhe é realçado de uma forma gritante, portanto,
eventuais erros simplesmente não podem passar. Em suma, gravar demanda
preciosismo, não somente dos músicos, mas também da parte dos técnicos
envolvidos no processo e isso exige, como condição sine qua non, uma inevitável
postergação deveras entediante do trabalho.
Nesses
termos, são longas as tomadas a mostrar os membros dos Rolling Stones a repetir
exaustivamente pequenos trechos, principalmente da canção, “Sympathy For The
Devil” e para quem pensa em música e no Rock em específico, mais detidamente,
torna-se muito interessante verificar a banda a repassar alguns trechos da
canção e assim tomarmos conhecimento de como o seu arranjo foi engendrado. A
presença do super tecladista, o hoje saudoso, Nicky Hopkins (que gravou com os
Rolling Stones em muitos discos, na condição de um convidado especial), é muito
rica para demonstrar como ele elaborou o seu arranjo pessoal para o piano e o
órgão Hammond que executou para abrilhantar essa música.
Também é importante
notarmos a presença de um percussionista a dar o devido apoio à suposta batucada
que Mick Jagger queria para a música, a caracterizar-se como um “samba”, no que
ele pelo menos intuíra ser um samba brasileiro, pelo pouco contato que tivera
com a cultura afro-brasileira até então, baseado em rápidas viagens em caráter
de turismo, e considere-se que nos anos posteriores, a ligação de Mick com o Brasil
aumentaria muito e nos dias atuais, até filho brasileiro e criado em São Paulo,
ele possui. Tal músico convidado não tem o seu nome creditado no filme e
tampouco na ficha técnica do álbum, infelizmente.
Mais uma observação
interessante, dá-se com o guitarrista, Keith Richards, a gravar o baixo da
canção e o baixista oficial da banda, Bill Wyman, apenas colaborar com os
vocais e uma ajuda a tocar instrumentos de percussão. De fato, Richards adorava
adora tocar baixo e apesar de Bill ter aceitado tal intromissão passivamente ao
longo da história da banda, o fato é que Richards gravou não apenas essa
canção, mas muitas ao longo doa discos dos Rolling Stones e aparentemente, Bill
nunca se melindrou com tal avanço
do companheiro. E de fato, Richards tocava/toca bem o baixo e não é possível
reclamar de sua performance que só enriqueceu a performance da banda em muitas
canções gravadas.
Vê-se uma
cena da gravação dos backing vocals e trata-se de uma metodologia que foi muito
usada em estúdio e ainda hoje é usada, com várias pessoas a cantar juntas como
em um coral, em torno de um único microfone. Nessa cena, o famoso vocal
onomatopaico dessa canção é exibido a ser gravado, mas com vários pontos a mostrar
desafinação generalizada. Enfim, é bom explicar ao leitor leigo no assunto, que
a cena não representa necessariamente a gravação oficial que ficou imortalizada
no disco, mas possivelmente tratou-se de uma tomada que foi descartada por
conta dos erros cometidos e nesse caso, repete-se à exaustão, até que o
produtor e os próprios músicos envolvidos aprovem uma tomada em específico. É
comum igualmente em uma gravação que mesmo quando aprovada uma tomada, sejam
gravadas outras para uma comparação futura a fim de escolher-se a melhor
performance entre as aprovadas, por uma questão de excelência profissional.
Pelo jeito relaxado, até displicente em que os envolvidos nessa cena
portaram-se, eu deduzo ter sido apenas uma encenação para o filme, pois se
fosse uma tomada para valer, a postura dos envolvidos teria sido outra,
completamente diferente em termos de disciplina para cumprir uma gravação
profissional.
As cenas da
banda a ensaiar, gravar pequenos trechos ou com os seus membros a confabular
sobre o arranjo, mesclam-se às encenações com atores a compor a parte mais
conceitual da obra. Nessas partes, é que identifica-se mais claramente a
presença de Jean-Luc Godard a propor cenas sob forte conotação metafórica em
torno de ideias políticas, filosofia, teatro alegórico e literatura. É
avantgarde, por não obedecer nenhuma estrutura convencional do cinema comercial
e revolucionária por não ter receio em assumir-se com um panfleto vivo das
convicções de seu autor. Não cabe nesta resenha tecer maiores considerações
sobre a ideologia que ele defendeu com ênfase em 1968, sobre tal ideologia não
fazer mais nenhum sentido no mundo de 2019, quando escrevo esta resenha, visto
que a história tratou por deixar claro que tal concepção totalitária em busca
de uma igualdade utópica, não logrou êxito, ao menos nos termos propostos até
aquele ponto de 1968.
No entanto
é preciso dizer, que enquanto um importante artista que era e cônscio de seu
papel como um formador de opinião, Godard não teve receio algum em desfraldar a
sua bandeira predileta em termos ideológicos, portanto, se o tempo tratou por
mostrar os equívocos dessa concepção ao mundo, louva-se a coragem do artista em
falar com veemência sobre aquilo em que ele acreditou ser o melhor para a
humanidade, com a compreensão que ostentou nessa época.
As cenas são
criativas, é bem verdade, embora filmadas sob uma simplicidade absoluta, quase
a constituir-se de uma filmagem amadora, feita por estudantes. Claro, dá-se o
devido desconto que Godard por ter sido um dos pais da “Nouvelle Vague”,
automaticamente, por uma questão de coerência, não furtou-se à ideia de sair à
rua em locações improvisadas e filmar livremente, “com uma ideia na cabeça e a
câmera na mão”, como forjou-se a máxima preconizada por ele mesmo na escola
estilística da qual ajudou a criar. Nesses termos, vemos cenas de pessoas a
pichar os muros de alguns pontos urbanos de Londres, com frases de efeito, do
tipo: “Cinemarxism”, “Sovietcongs”, “Freudemocracy”, além de siglas nada
sintomáticas, como “US=suástica”.
Membros do
grupo político, “Black Panthers”, pegam pesado em suas cenas. Fortemente
armados, são retratados em um ferro velho e a sequestrar e brutalizar mulheres
brancas. O discurso é bem radical em torno do capitalismo ter sido em tese, um
sistema ideológico montado para garantir a supremacia dos homens brancos e por
conseguinte subjugar os negros. Tal discurso é reforçado com vários oradores a
falar ao mesmo tempo, a ler trechos de livros de diversos autores,
simultaneamente em voz alta, espalhados pelo ferro velho em questão. Até o
famigerado, “Mein Kampf”, escrito por um rapaz chamado, Adolfo, entrou na
leitura.
Outro cena
muito interessante ocorre em uma livraria, onde toda uma simbologia forte é
montada para dar voz à ideologia. Pessoas comuns, incluso idosos e crianças, ao
comprar livros ou mesmo revistas e gibis com histórias em quadrinhos (até
revistas pornográficas são exibidas pelas prateleiras), escolhem o que desejam,
pagam e automaticamente sinalizam ao atendente da livraria, com a gesticulação
da saudação nazista. E a cena vai além, com dois sujeitos amarrados e
aparentemente feridos por ação de tortura, ficam sentados em cima do balcão e
cada cliente os esbofeteia sem hesitar, e a simbologia forte desse pormenor
justifica-se pelo fato desses rapazes representarem supostamente os hippies,
tidos como pacifistas ingênuos.
E outra cena,
ainda mais emblemática, é uma bizarra entrevista feita por uma equipe de
jornalismo a filmar a sua entrevistada em meio a um bucólico parque. Tal
personagem chama-se: “Eve Democracy” (a figura da primeira mulher bíblica,
“Eva”, a simbolizar a gênese da democracia ou uma crítica aberta aos sistema
judaico-cristão?).
Perguntas com abrangência muito amplas são formuladas, como
por exemplo: -“o seu sobrenome é República?" E ela responde laconicamente com
“sim” ou “não”. Outras vem no mesmo sentido: -“o seu sobrenome é
totalitarismo? -“O seu nome é democracia?”
Mas não fica apenas no campo da
política e assim, outras perguntas desconcertantes são feitas enquanto o
repórter e o cinegrafista seguem a enigmática entrevistada. -“Acha que a droga
é um caminho espiritual?" -“A cultura sobrevive aos regimes?”–“Maconha
expande a mente?”
Enfim, nas perguntas sobre comportamento, a envolver
cultura, sexo e uso de drogas alucinógenas, temas em voga, via movimento hippie/contracultura/Rock, ficou patente porque Godard quis a inserção de uma
banda de Rock no filme, para claramente jogar no caldeirão ideológico proposto,
a função do ideal contracultural, como agente importante em tal discussão. Só
para constar, a atriz que interpretou essa entidade abrangente e decididamente
não humana, “Eve Democracy”, foi Anne Wiazemsky, que era esposa de Godard nessa
época. Tal atriz participou de muitos filmes europeus importantes antes e
depois dessa atuação.
A cena final
também é carregada por simbolismo. A equipe de filmagem está em uma praia e uma
mulher branca, aparentemente desfalecida, com a roupa manchada por sangue é
erguida pela grua, um guindaste usado em produção cinematográfica para filmar
cenas de um ponto mais alto. Alguém comenta: -“o que estão a fazer?” E outra
pessoa responde: “acho que estão a produzir um filme”...
Um dado
importante, deu-se em relação à edição desse filme. Oficialmente foi passada a
ideia de que por conta de uma briga entre os produtores, Michael Pearson e Iain
Quarrier, duas versões diferentes desta obra foram montadas e lançadas
simultaneamente. Uma a chama-se, “Sympathy of The Devil” e a outra, mais de
acordo com o desejo de Godard, a chamar-se, “One Plus One”. Com o decorrer dos
anos, versões ainda mais fragmentadas surgiram, a mostrar apenas a performance
dos Rolling Stones em estúdio e quando não, a mostrar um resumo do resumo com a
canção em si já inteiramente gravada e a exibir-se as imagens dessa gravação,
feitas pelo filme de Godard, montado para justificar-se enquanto um reles
vídeoclip da canção.
Ainda em
1968, Godard iniciou um outro projeto polêmico a envolver o Rock como mote em
contraponto a um filme com teor político ideológico, mas não o completou na
época. Muitos anos depois, o seu produtor associado, o documentarista,
D.A.Pennebacker, deu prosseguimento e lançou no mercado um remendo do que seria
o projeto inicial, como um documentário, mas de qualquer modo, ficou para a
história, a sensacional cena do grupo de Rock psicodélico, Jefferson Airplane,
a tocar em cima do telhado de um alto edifício em Nova York, nos Estados Unidos
e com a polícia norte-americana a invadir o set improvisado para prender todo
mundo, na vida real. O filme chamar-se-ia: “ON AM”, na concepção de Godard,
mas anos depois, Pennebacker o lançou como: “One PM”.
Ainda sobre
“Sympathy For The Devil”/“One Plus One”, tal obra foi recebida com muitas
ressalvas e não poderia ter sido de uma outra forma. Rockers mais distantes das
implicações filosóficas propostas pelo filme, certamente que não o
compreenderam. Entusiastas da política também não gostaram das longas cenas a
mostrar os Rockers cabeludos e certamente a considerá-los como criaturas
alienadas e pior ainda, como agentes alienantes, enquanto artistas a
influenciar a juventude. Cinéfilos mais interessados na peça enquanto arte
pura, também questionaram a mistura proposta a deixar a proposta, confusa e
finalmente, os entusiastas mais intelectualizados da contracultura, certamente
não gostaram em ver a sua ideologia libertária a ser colocada na vala comum do
marxismo.
Controverso
por muitos aspectos, o filme, mesmo a tender ser mal interpretado por muitos
nichos da sociedade, tem a assinatura forte de Jean-Luc Godard, a presença de
uma mega banda icônica em um momento histórico de sua trajetória, The Rolling
Stones e dessa forma, tem muito valor, goste-se ou não de seu formato e das
ideias metafóricas nele expressas. Foi lançado em novembro de 1968.
Existe sim em formato DVD, passou muito em
canais de TV a cabo, mas não recordo-me de alguma exibição na TV aberta em
qualquer época. No YouTube e outros portais semelhantes, não é fácil
encontrar-se uma versão integral, mas apenas alguns fragmentos.
Esta resenha foi escrita para fazer parte do livro: "Luz; Câmera & Rock'n' Roll" e está inserida em seu volume II, disponível para a leitura a partir da página 243