Quando a Rede Globo começou a despontar como líder no seu setor, amparada pela maciça
audiência (a aproveitar-se dos primeiros sinais de decadência da TV Record e com
a estagnação da TV Tupi (neste caso, apesar do seu retumbante sucesso recente, obtido mediante
a exibição da sua considerada revolucionária telenovela, "Beto Rockfeller"), tal crescimento foi sem dúvida motivado pela ascensão de seu núcleo de dramaturgia, que avançara muito e também graças ao sucesso retumbante da telenovela, "Irmãos Coragem".
Claro que devemos considerar os fatores extra-operacionais que levaram a Globo à liderança (os constantes incêndios de estúdios que garantiam a parte operacional de emissoras concorrentes, opor exemplo), no entanto, a se pensar apenas no fator artístico, foi com as novelas que a Globo sobressaiu-se, e dentro desse conceito, o filão das trilhas sonoras exclusivas para tal veículo, despertou-lhe a atenção.
Claro que devemos considerar os fatores extra-operacionais que levaram a Globo à liderança (os constantes incêndios de estúdios que garantiam a parte operacional de emissoras concorrentes, opor exemplo), no entanto, a se pensar apenas no fator artístico, foi com as novelas que a Globo sobressaiu-se, e dentro desse conceito, o filão das trilhas sonoras exclusivas para tal veículo, despertou-lhe a atenção.
Eu já citei o exemplo da telenovela, Beto Rockfeller anteriormente, mas cabe
relembrar que o fato dessa produção da TV Tupi, ter usado o conceito da trilha
sonora exclusiva, com músicas escolhidas a dedo para a sua trilha sonora e com a
repetição de certas canções para marcar personagens, só reforçou tal ideia, para que a TV Globo iniciasse uma forte investida em tal filão .
Com essa ideia já materializada, em 1969, a Globo lançou no mercado, a sua
gravadora própria, chamada, “Som Livre”, com o intuito inicial de lançar discos
com a trilha de suas novelas. Esse passou a ser um segmento e tanto no mercado
fonográfico, certamente. No ano de 1970, a Som Livre já estava consolidada no
mercado fonográfico com o lançamento de seus discos a conter as trilhas de suas novelas, mas
sob franca expansão, passou a contratar artistas de carreira, também, e assim a formar um elenco próprio de artistas autorais.
Em 1971, sob um movimento pensado ao contrário do padrão usual, utilizou então a TV para autopromover-se, ao percorrer o caminho inverso do qual fora concebida, com a criação de um
programa chamado: “Som Livre Exportação”.
A ideia primordial desse programa, foi se destacar do formato antigo dos festivais em ritmo de competição, que
parecia estar esgotado (embora a própria TV Globo ainda insistisse com o FIC,
o seu festival particular, até 1972, e em 1975, arriscou-se com um outro formato, através do festival “Abertura”), e dessa forma, o
“Som Livre Exportação” colocou-se no mercado como uma mostra de vários artistas, sem a desagradável fórmula da competição entre os artistas. Outro ponto interessante, deu-se com o fato dele ter sido eclético ao
extremo.
Sem fechar com um ou outro estilo musical, pelo
contrário, o “Som Livre Exportação” reunia artistas aparentemente díspares
entre si, em meio a um caldeirão multifacetado, pelo qual o Rock, a MPB, e a Soul Music “brasuca”,
muito em alta naquele instante, fossem representados, sem nenhum conflito entre
si.
A vinheta de abertura do programa Som Livre Exportação
Eis o Link para escutar no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=nOC_QAF9iqQ
O programa durou entre novembro de 1970, e agosto de 1971. Outra ideia sensacional foi também de realizá-lo ao
vivo, e de maneira itinerante, ao conferir-lhe uma aura de “turnê”, o que gerou uma
grande expectativa do público, sem dúvida.
Segundo consta na divulgação oficial da TV Globo, houve uma
segunda intenção da gravadora/emissora, para assim vender o pacote para o exterior,
e dessa forma conduzir o seu elenco onde fosse possível, todavia, na prática, esse ambicioso
plano não logrou êxito, com a produção a permanecer restrita ao cenário
brasileiro, apenas. Independente disso, foi um estouro em termos de Brasil, com lotação esgotada,
por onde passou, e audiência maciça na transmissão pela TV.
A primeira edição ao vivo, ocorreu em São Paulo, no
Palácio de Exposições do Anhembi, em março de 1971. O registro oficial desse evento, marcou a faixa das cem mil pessoas presentes
no local. Eu sei que o pavilhão de exposições do Anhembi comporta uma multidão do
porte de um estádio de futebol, mas apesar de realmente ter lotado, creio que o número “cem mil”
é um dado bem além da realidade, superestimado, portanto. Contudo, certamente que foi um número alto, a gerar
euforia para os seus produtores.
A seguir, foi realizado no campo de futebol do “Canto do Rio”, em
Niterói e no mesmo mês, em Brasília, a aproveitar a ocasião em que a Rede Globo
inaugurava a sua filial, TV Globo Brasília. De volta à São Paulo, novas edições ao vivo ocorreram, uma no
Clube Sírio-Libanês, e a outra no Tuca, o Teatro da Universidade Católica (PUC).
Em uma viagem à Minas Gerais, o Som Livre Exportação visitou a cidade interiorana de Ouro Preto, e a capital, Belo
Horizonte. Elis Regina e Ivan Lins o apresentavam, como mestres de cerimônia e claro que
participavam ativamente a cantar e tocar.
Elis Regina e Ivan Lins executam a canção: "Madalena", no programa "Som Livre Exportação", em 1971
Eis o Link para assistir no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=rFl07aE-UTI
Foi ali, inclusive, que o sucesso, “Madalena”, de Ivan Lins, e
interpretado por Elis Regina, "estourou", a potencializar também o fato dessa canção constar na
trilha sonora de uma novela exibida na época (“A Próxima Atração”), portanto, a fazer
valer o propósito inicial da gravadora Som Livre, para divulgar os seus discos com trilhas sonoras das suas novelas.
Além de Elis e Ivan, apresentaram-se também no “Som Livre Exportação”, muitos outros artistas da pesada, tais como: Gonzaguinha, Aldir Blanc, Chico Buarque de Hollanda, Clementina de Jesus, Tim Maia, Toquinho & Vinicius, Tony Tornado, Brasucas e na ala Rocker, bandas importantes do cenário, como: A Bolha, O Terço e Os Mutantes.
Além de Elis e Ivan, apresentaram-se também no “Som Livre Exportação”, muitos outros artistas da pesada, tais como: Gonzaguinha, Aldir Blanc, Chico Buarque de Hollanda, Clementina de Jesus, Tim Maia, Toquinho & Vinicius, Tony Tornado, Brasucas e na ala Rocker, bandas importantes do cenário, como: A Bolha, O Terço e Os Mutantes.
A concepção dos enquadramentos é algo a destacar-se, pois mostrara-se mais ampla do que a
usual na TV da época, certamente a inspirar-se na fonte dos documentários de Rock,
pois explorou-se bastante o recurso do "close-up" na edição, a realçar a expressão facial dos artistas, ou seja, a enfatizar mais detalhes, além da
performance dos instrumentistas, para também mesclar-se com a reação das pessoas da
audiência, ao exibir dessa forma o máximo da emoção gerada pela música, sob reações espontâneas.
Os Mutantes executam: "Ando Meio Desligado" no Som Livre Exportação
Eis o Link para assistir no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=xJgj9zgJZA8
É claro, como veículo de propaganda da gravadora, muitos discos foram lançados com tal mote do próprio programa e assim, o que dizer sobre um grupo de artistas desse quilate em meio às suas canções antológicas, registradas em coletâneas dessa qualidade? Hoje em dia, esses LP's valem ouro em sebos especializados e/ou sites da Internet, direcionados para colecionadores de vinis.
Tal programa permaneceu na grade da TV Globo, às quintas, no horário das 20:30 horas e não é possível não deixar de se comparar que se entre, 1970 e 1971, nesse horário, o cidadão
comum ligava a TV de sua sala de estar e confrontava-se com música dessa
qualidade, o panorama da atualidade na mesma emissora, é bem outro.
A Bolha executa:"Mater Matéria" no Som Livre Exportação
Eis o Link para assistir no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=KfgaZvp6SRA
Tenho uma boa lembrança pessoal dessa atração, da qual
eu tive o privilégio de assistir todas as suas edições, e nessa ocasião, com dez para onze anos de idade,
eu já estava bastante interessado em música, e portanto, apreciei muito.
A última edição do programa foi um especial a enfocar a
"velha guarda da MPB", ao apresentar artistas do quilate de: Ciro Monteiro, Mário Lago, Cartola, e alguns membros da
Escola de Samba Mangueira. O motivo de seu cancelamento, nunca foi explicado
convincentemente.
Elis Regina interpreta: "Black is Beautiful" no Som Livre Exportação
Eis o Link para escutar no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=QVaXJAqwkyI
Se gerava uma boa audiência, promovia a gravadora, intensificava a
divulgação dos discos, e das trilhas das suas novelas, além de ser um estouro, quando das
suas versões ao vivo, para as praças onde realizava-se, realmente acreditar que o motivo para o cancelamento tenha sido simplesmente a frustração de não ter emplacado tal
pacote para o exterior, não caracteriza uma justificativa plausível.
É muito mais provável que o poder central de então, nada simpático à movimentação cultural/contracultural, possivelmente “sugeriu”
à emissora que esta não continuasse com tal promoção, mesmo por que, Ivan Lins era uma persona non grata
para o sistema, isso sem contar em Chico Buarque, pior ainda, e o fato de Caetano
Veloso ter participado de uma edição, sob uma rara vez em que veio ao Brasil, em
1971, no período em que esteve oficialmente exilado, em Londres.
De qualquer forma, embora tenha tido uma curta duração, a
atração foi bastante salutar para a música brasileira daquele momento, ao propiciar
muita qualidade sonora exibida na tela, diretamente aos lares brasileiros.
O jornalista, Nelson Motta, foi o mentor da ideia, mas
houve também outras pessoas envolvidas nessa produção, tais como: Augusto Cesar
Vanucci, Eduardo Ataíde, Carlos Alberto Loffler, Walter Lacet, e Solano
Ribeiro, este aliás, um dos mentores dos históricos festivais de MPB realizados pela TV Record, nos anos
sessenta.
Revela-se inacreditável que não tenhamos mais música dessa qualidade na TV, e não é admissível achar que a safra atual de artistas não seja boa, se levarmos em conta que nas profundezas abissais da música profissional, o que não falta é artista dotado de extrema qualidade artística, e neste caso, apenas falta-lhes espaço para mostrar-se ao grande público, bloqueio esse que a mídia atual não deixa ser quebrado para resguardar outros interesses, possivelmente.
Revela-se inacreditável que não tenhamos mais música dessa qualidade na TV, e não é admissível achar que a safra atual de artistas não seja boa, se levarmos em conta que nas profundezas abissais da música profissional, o que não falta é artista dotado de extrema qualidade artística, e neste caso, apenas falta-lhes espaço para mostrar-se ao grande público, bloqueio esse que a mídia atual não deixa ser quebrado para resguardar outros interesses, possivelmente.
Tem muito artista ótimo por aí, mas estão escondidos, sem meios de penetração nas camadas populares. Uma pena mesmo, que hoje em dia, ao ligar-se na TV Globo, às 20:30 horas das
quintas, não vejamos mais uma artista do porte de Elis Regina a apresentar aqueles artistas todos, para se emitir
um som violento de tão bom que essa safra de artistas produzia.
Matéria publicada inicialmente no Blog Limonada Hippie, em 2015