Como se não bastasse toda a especulação que
perpetrou-se, ainda nos anos sessenta, com o boato sobre a suposta morte de Paul
McCartney, em 1966, e a sua substituição por um sósia chamado, supostamente, “Billy Shears”,
outros boatos absurdos envolveram os Beatles, a espalhar-se entre fãs e
jornalistas. Um dos mais curiosos, ocorreu nos anos
setenta, quando uma misteriosa banda lançou-se no mercado, envolta sob brumas espessas,
pelo fato de não apresentar através das fichas técnicas de seus discos, nenhuma foto,
tampouco o nome de seus componentes, uma prática no mínimo curiosa como
estratégia de divulgação, mas sobretudo por apresentar em sua sonoridade,
inúmeros elementos típicos da “estética Beatle”, e assim dar margem à suspeitas.
Tratou-se do “Klaatu”, uma banda
formada em 1973, mas que só começou a ficar famosa em maior escala em 1976, ao despertar a
suspeita de que seriam os ex-membros dos Beatles a gravar novamente juntos, mas sob o mistério
de uma identidade secreta. Assim que as canções do Klaatu, com tal
sonoridade começaram a tornar-se públicas, foi inevitável não associar tal
mistério desse anonimato dos componentes da banda à incrível semelhança
estilística das suas composições, reforçado pelos arranjos observados nas músicas, a evocar diversas
marcas registradas do quarteto de Liverpool, e de certa forma, também a acrescentar uma
similaridade de áudio, com os timbres dos instrumentos, e até nas vozes dos
vocalistas da banda.
Claro, rapidamente a lenda urbana formou-se, e uma série de supostas “evidências” arroladas por fãs; jornalistas e
músicos mais observadores e detalhistas, pôs-se a formatar um caldeirão
borbulhante a alimentar os boatos. De fato, ao escutar-se os discos do Klaatu,
a similaridade com a obra dos Beatles, é bem grande.
O caráter Pop das canções é evidente
sob uma primeira audição, mas a análise vai além. Parece que tais artistas esmeraram-se não apenas em
buscar inspiração na fase inicial da carreira dos Beatles, com o chamado.
“Bubblegum”, típico do início / meio da década de sessenta, mas também a investir em outras escolas estilísticas que os Beatles utilizaram para construir fases
mais avançadas de sua carreira e neste caso, o Klaatu seguiu a mesma orientação artística.
O elemento psicodélico também faz-se
presente, além da sonoridade mais agressiva do "Acid Rock", e também a conter pitadas generosas da Black Music americana; a insinuação Prog-Rock, bem de seu início (falo sobre 1969 / 1970), além de um nítido avançar pelo Pop setentista, algo
praticado pelos quatro Beatles, individualmente, em seus álbuns a constar de suas
respectivas carreiras solo, igualmente.
Sobre a lenda misteriosa, se não foram os ex-componentes dos Beatles a brincar de
gravar como uma banda secreta, no mínimo, seria uma banda cover ou banda tributo,
especializados em reproduzir com perfeição o som do "Fab Four", e dessas bem
detalhistas, com muitos requintes
sonoros, perfeitamente coadunados com o som da grande banda de Liverpool.
O primeiro single do Klaatu, foi lançado em
1973, mas a especulação sobre a banda ser formada pelo membros dos Beatles, disfarçados, só explodiria mesmo
em 1976, quando o LP “03:47 Est”, foi lançado. A começar pelo título do disco, aliás...
Esse horário em questão, referiu-se ao
horário em que a nave do alienígena “Klaatu”, aterrissou próximo ao Capitólio,
em Washington / DC, dentro da ficção exibida no filme norteamericano : “The Day the Earth Stood Still”, que aliás, é um dos mais
espetaculares filmes com teor "Sci-Fi", já realizados pelo cinema.
Ora, foi justo que a banda fizesse tal
citação, visto que o nome da banda era uma ideia extraída justamente da
personagem protagonista da película, contudo, a imaginação das pessoas aflorou,
pois dois anos antes, o ex-baterista do Beatles, Ringo Starr, havia lançado o LP “Goodnight Vienna”, cuja
capa era uma homenagem ao mesmo filme, com o próprio, Ringo, caracterizado como o
alienígena “Klaatu” do filme citado, a descero da sua nave, em companhia do gigantesco Robot,
Gort.
O primeiro jornalista a levantar a
questão sobre o Klaatu ser uma banda formada secretamente pelos componentes dos Beatles a usar um pseudônimo, foi Steve Smith, do
Providence Journal, ao publicar a sua tese, com várias suposições que abalizariam
tal suspeita de sua parte. Realmente, as vozes dos rapazes
lembravam os timbres vocais de Paul, John e George, principalmente. Solos realizados com o efeito do "slide guitar", com a presença de caixa
Leslie como apoio, de fato, eram muito semelhantes ao estilo de George Harrison, como guitarrista. Vocais mais guturais e intensos,
lembravam Lennon; os mais adocicados, Paul.
Muita psicodelia, com vozes estranhas
a balbuciar falas desconexas e a passear pelo stereo; cítaras e percussão indiana;
solos de guitarra ao estilo “backwards” (montados ao contrário); teclados
a estabelecer pontuações; canções baseadas em marcação "staccato" ao piano; uso de violões ao
estilo “Folk”; o efeito "flanger" em peças do Kit de bateria; o uso de efeito "fuzz" em solos de guitarra
mais agressivos; vocalizações em harmonia; uso de instrumentos de sopro a gerar
naipes bem ao estilo da Black Music; eventuais arranjos de orquestras de câmera
a fornecer sofisticação erudita; uso de instrumentos étnicos exóticos...
Como baixista que eu sou, não posso deixar
de observar que o baixo do Klaatu seguiu a cartilha Beatle : o som do baixo da
marca Hofner, com aquele timbre grave e charmosamente com pouco "sustain",
mescla-se ao som do baixo Rickembacker 4001, com a chave de captação ajustada no meio, ao buscar-se o grave metálico
e único proporcionado por esse instrumento. Portanto, absolutamente dentro do padrão de Paul McCartney. Nesse quesito, o esmero foi grande,
pois em canções mais setentistas, o timbre do Rickembacker é idêntico ao do som
que McCartney gerava no Wings, a sua banda nos anos setenta.
No auge dos boatos, um técnico foi
convocado para analisar as vozes dos vocalistas do Klatu e “provar” que seriam os
Beatles a atuar, na verdade. Logo surgiu a “confirmação” de que o LP
seria na verdade, um álbum engavetado dos Beatles, que teria chamado-se, “Sun”, e
descartado com o final oficial da banda, em 1970. Realmente, a capa do álbum do
Klaatu tem um enorme sol estilizado, a lembrar a estética dos povos
pré-colombianos.
Não demorou e uma outra suposta prova,
trouxe de volta a velha mania em buscar-se mensagens subliminares gravadas
secretamente nos discos de vinil, e somente passíveis em ser ouvidas, ao forçar-se
a agulha do "pick up" de uma vitrola, para forçar ouvir o disco em seu sentido anti-horário. Segundo tais pessoas que acreditavam na lenda urbana, na música :
“Sub Rose Subway”, ouvir-se-ia a voz de Paul a dizer : “somos nós, somos os
Beatles”...
Em “Doctor Marvello”, a viagem
psicodélica lembra demais “Blue Jay Away” e claro, o nome da canção seria uma
citação de outra música dos Beatles, “Doctor Robert”.
Deliberada ou não, a teoria conspiratória certamente ajudou a projetar o Klaatu, e mesmo quando os seus membros verdadeiros vieram a público e apresentaram-se, finalmente, muita gente ainda continuou a acreditar na farsa, ao alegar que a
identificação dos componentes fora uma farsa para ocultar a verdadeira
identidade dos Beatles, que estavam a apreciar gravar sob esse manto de
invisibilidade.
A verdade, no entanto, é que o
Klaatu foi um trio formado por três músicos canadenses : John Woloschuck; Terry Drapper, e Dee Long. Tais artistas lançaram alguns singles entre 1973 e
1975, com o primeiro LP inteiro, apenas em 1976.
No ano de 1977, sua canção, “Calling
Occupants of Interplanetary Craft”, foi regravada pelos "Carpenters", uma dupla Pop / Soft Rock, formada pelos irmãos, Karen e Richard Carpenter, ao obter
sucesso com um arranjo ainda mais "Beatles", muito bonito por sinal.
Além de “03:47 Est”, o Klaatu lançou
posteriormente, mais quatro álbuns, até 1981, quando a banda dissolveu-se. Em 1988, a banda fez uma tentativa de volta
com o lançamento de mais um disco, mas que não despertou muito interesse público, infelizmente. Somente em 2005, O Klaatu reagrupou-se
novamente e lançou um disco acústico e ao vivo. E novamente em 2009, mais um trabalho
sazonal foi anunciado (CD “Solology”). A banda mantém um site atualizado e bem
recheado com informações sobre toda a sua carreira : http://www.klaatu.org/
Lenda absurda à parte, e a descontar o
fato concreto que a influência dos Beatles sobre o seu trabalho foi mesmo brutal,
o som do Klaatu é bastante agradável para ouvir-se, pela sua qualidade técnica,
instrumental e vocal; por conta das melodias inspiradas e sob harmonização rica, a conter muitas
variantes rítmicas; arranjos muito bem planejados, ótima produção de áudio, com
timbres acentuados e memoráveis para quem aprecia a estética dos anos sessenta e
setenta.
Se tudo foi uma armação proposital criada por marketeiros, eu não posso afirmar, mas a acrescentar um elemento a mais para
tal desconfiança, digo que justamente em 1976, houve aquele assédio de um
empresário milionário (Sid Bernstein), que teria oferecido uma fortuna para os Beatles reagrupar para um concerto beneficente em prol de populações carentes do
planeta, que via ONU / Unesco, receberiam doações de toda a parte para ajudar a
erradicar a fome no mundo, em suma, uma espécie de “Criança Esperança“ ou “TeleTon” de alcance mundial. Tal oferta causou frisson, mas os
quatro ex-membros dos Beatles prontamente recusaram a proposta, talvez a desconfiar da real intenção
por trás dessa proposta.
Curiosamente, o Klaatu lançou o seu LP
com essa sonoridade 100% Beatle, e envolto no mistério total sobre a identidade
de seus membros, na mesma época. Ninguém nunca admitiu haver ligação
entre esses fatos, mas é no mínimo, uma estranha coincidência...
Como diria o ET e “gentleman”, Klaatu,
do filme : "The Day the Earth Stood Still", lançado em 1951 (na interpretação do ator, Michael Rennie) : “Klaatu, Barada
Nikto”...