Mais um caso de um filme que foi produzido a dar vazão a um musical teatral amparado pelo extremo êxito, "Jesus Christ Superstar" carece ser explicado em seu nascedouro, ou seja, como uma peça teatral, mas sobretudo, como deu-se a criação dessa obra, para que seja possível analisar-se o filme em sua decorrência natural. Dessa maneira, eu retroajo aos anos sessenta para iniciar a narrar tal história. Andrew Lloyd Weber e Tim
Rice conheceram-se em Londres, nos anos sessenta. Como dupla, começaram a
escrever canções e sua ideia original fora apenas vendê-las à cantores e bandas
Pop como o Herman's Hermits, por exemplo. Todavia, foi uma oportunidade
ocasional e totalmente amadora que levou-os para um outro direcionamento artístico,
ao fazê-los enveredar pelo caminho dos musicais teatrais.
A pedidos, montaram um pequeno musical a ser exibido por crianças de uma escola suburbana de Londres. Criaram então, "Joseph", uma obra a retratar a saga bíblica do escravo hebreu, que tornou-se um protegido do Faraó do Egito, por decifrar os seus sonhos, no cativeiro em que padecia. Daí, foi um salto para Tim Rice que escrevia letras e textos, tivesse a ideia em escrever algo maior, ainda que a basear-se no espectro bíblico, novamente.
Segundo Rice, desde criança ele questionava a história oficial de Jesus Cristo, não por duvidar exatamente da sua veracidade histórica, mas por achar estranho não dar-se crédito para outras visões, como a de Judas Iscariotes e Pôncio Pilatos, por exemplo.
Para seguir essa determinação, propôs então a Lloyd-Weber que ambos começassem a trabalhar nesse tema e dessa forma, é que foram a ser compostas as primeiras canções desse libreto novo.
A palavra, "Superstar", surgiu ao acaso. Rice estava a ver um anúncio do novo álbum do cantor Pop ,Tom Jones, onde a legenda dizia : "Tom Jones, o Superstar n° 1". E o conceito reforçou-se quando várias pessoas próximas a ele, disseram-lhe que aquilo tinha um "quê" de Andy Warhol. Em princípio, não pensavam em montagem teatral, por achar inviável produzir cenários caros e recrutar um elenco enorme a necessitar da presença de atores / cantores e músicos. Com alguns contatos que possuíam no meio musical / fonográfico, produziram um compacto inicial com a música, "Superstar", cantada por Murray Head, ao final de 1970.
O compacto não foi nem percebido na Inglaterra, mas fez enorme sucesso em mercados impensáveis para a dupla, como o Brasil, por exemplo e na Holanda, tornou-se um hino "gay", por mais bizarro que isso possa parecer... e assim, com esse sucesso inesperado, animaram-se a gravar o álbum duplo com todas as músicas da peça, e finalmente montaram-na, em Londres.
Com a entrada em cena do empresário, David Land (por incrível que pareça, este sem grande experiência musical e pasmem... ele era empresário do Harlem Globetrotters, aquela trupe de jogadores de basquete / malabaristas ), a peça abriu caminho para cruzar o oceano Atlântico e ir parar na Broadway e dali, alavancou-se verdadeiramente ao sucesso e entrou para a história. E além do mais, ao contratar o diretor, Tom O'Horgan, que dirigia a peça teatral, "Hair", com enorme sucesso, sedimentou-se enfim, o caminho para o êxito.
No disco oficial da montagem, a voz de Ian Gillan, a interpretar Jesus Cristo, é marcante. Na época, Gillan estava no auge de sua forma como vocalista, à frente do grupo de Rock britânico, Deep Purple, e a sua presença certamente agregou um enorme séquito de seus fãs e da sua banda, para a peça. E o álbum oficial da Ópera-Rock, estourou em 1971, quando chegou ao topo das paradas inglesa e norteamericana. É impressionante a qualidade das músicas, a versar pelo melhor do Rock; R'n'B e Soul Music, em doses maciças. Canções como "Heaven in Their Minds"; "Superstar"; "Everything is Allright" e "What's the Buzz"; ganharam vida própria, fora do contexto do espetáculo teatral e do filme, ao atingir as paradas de sucesso e a receber regravações da parte de muitos artistas ao redor do mundo. Uma balada do quilate de "I Don't Know How to Love Him", na voz de uma tremenda cantora como Yvonne Elliman (e que no filme atuou como atriz a interpretar Maria Madalena), é um primor de tão linda que ficou.
A estética Hippie e anacrônica a retratar a paixão de Cristo, chocou a Igreja Católica e também a outros setores religiosos e dessa forma, houve inúmeras tentativas para gerar-se o cerceamento do espetáculo. Na África do Sul, por exemplo, a peça foi proibida. Sucesso absoluto, a peça finalmente chegou às telas no início dos anos setenta. Foi então em 1973, que o diretor de cinema, Norman Jewison, lançou Jesus Christ Superstar em versão cinematográfica e no celuloide, obteve um grande êxito. As locações dividiram-se entre cenários reais, israelenses e estúdios norteamericanos.
Norman queria Ian Gillan para interpretar, Jesus, no filme, mas este recusou a oferta, por estar em turnê com o Deep Purple (a tour do LP Machine Head, coroada com o lançamento do LP Made in Japan, ao vivo, logo a seguir). E além do mais, Ian Gillan era um vocalista de Rock e sem experiência como ator. Os produtores cogitaram então dois atores que eram músicos, também, casos de Michael Dolenz (ex-baterista do "The Monkees") e David Cassidy (ator / cantor que fora ídolo dos adolescentes, graças ao seriado de TV : "The Partridge Family", ou em português, "A Família Dó-Ré-Mi"), mas Jewison acabou por contratar, Ted Neeley.
O filme fez enorme sucesso, ao reproduzir de forma fidedigna o espírito do libreto original, ou seja, a ideia de Tim Rice em "desdemonizar" (com o devido perdão pelo neologismo que eu criei), as figuras de Judas Iscariots e Pôncio Pilatos, por retratá-los como apenas pessoas comuns que estiveram atônitas com os reais propósitos de Jesus Cristo, sob o ponto-de-vista político e não como agentes demoníacos, como a visão religiosa os retrata, normalmente.
No Brasil, assim como "Hair", a montagem foi imediata. A tradução do texto ficou a cargo de Vinicius de Moraes e para interpretar Jesus Cristo, convocou-se o ator, Antonio Fagundes e posteriormente, o eclético e saudoso, Eduardo Conde (que também encenou, "The Rocky Horror Show").
Particularmente, lembro-me inclusive, de um bizarro "debate" ocorrido na TV, especificamente no programa da apresentadora popular, Hebe Camargo, em 1971, com conservadores presentes a mostrar indignação, incluso com a intervenção de um bispo da Igreja Católica, a atacar veementemente a produção da peça no Brasil, ou seja, o normal para a mentalidade provinciana e conservadora da época.
A história seguiu o texto bíblico a mostrar os momentos imediatamente anteriores ao martírio de Jesus Cristo na cruz. Nesse contexto, mostra-se a ambientação a conter Jesus e os seus apóstolos em meio às pregações e nesse ínterim, a preocupação de seus algozes, a revelar-se em dose dupla, a envolver os dominadores romanos, que não queriam conturbação social para não haver nenhuma margem para criar-se motins, a atrapalhar os seus planos para explorar a Judeia e da parte dos hebreus, as suas próprias questões religiosas ao não aceitar a uma conturbação em seu meio religioso / dogmático. Chega-se à conclusão que Jesus precisa ser contido e os romanos ao perceber que a grande inquietude é por motivações religiosas, apenas deixam-nos à vontade para aplicar o castigo que achar devido, desde que não interfira com o andamento dos planos do Império Romano. Desta maneira, um julgamento fraudulento é realizado e Jesus é condenado injustamente para ser torturado e morto na cruz.
É claro, a seguir o libreto, todos os atores parecem hippies, incluso os soldados romanos, que ao invés de lanças e espadas, usam metralhadoras. As coreografias são ótimas e a cantoria, espetacular, pois não obstante o material musical ser excelente, há o apoio de uma banda de Rock muito afiada na parte musical e as vocalizações são para arrepiar. Emoção é o que não falta com tanta musicalidade e na interpretação, o que narra-se ali a priori, visão religiosa à parte, é a história de um idealista que enxerga milhas adiante dos demais, a sinalizar um mundo regido por uma proposta muito mais avançada, e pautada pela fraternidade; compartilhamento; desapego e sobretudo pelo amor incondicional. Mais revolucionário e hippie em sua essência contracultural, impossível. Portanto, se visto sem amarras religiosas, a mensagem é o ideário aquariano proposto pelos hippies, portanto, não poderia haver uma outra estética mais adequada para ambientar a história.
Por ser uma história tradicional, não ousou-se no entanto propor alguma modificação alternativa em sua estrutura narrativa. Dessa forma, é claro que a paixão de Jesus Cristo consome-se e a solução encontrada para que tal história contivesse ao menos um diferencial em relação ao texto bíblico, em sua cena final mostra-se todos os atores a caminhar lentamente e embarcar em um ônibus que evade-se do local usado como set para a encenação, ou seja, fica a ideia de que teria sido uma trupe de teatro com o objetivo em encenar tal espetáculo. Aliás, o início também marca o ônibus a chegar ao local e levantar a poeira do deserto (foi filmado em Israel e também nos Estados Unidos).
Diversas montagens teatrais sucederam-se posteriormente, em vários países do mundo. Uma montagem recente na América (2011), contou com o vocalista da banda, "Hard-Rock" (também conhecida como Hard-Farofa), oitentista, Skid Row, Sebastian Bach, como Jesus. Essa produção deve ter gasto muita verba com cabeleireiro e maquiadores no camarim...
Um novo filme foi feito em 2000, mas os produtores optaram por uma estética visual mais "modernosa", a inspirar-se em Sci-Fi, e assim deixou o caráter Hippie, original do libreto, de lado. Apesar disso, não é ruim, a contar com bons atores e cantores, mas na dúvida, fique com o original de 1973, onde Ted Neeley; Yvonne Elliman, e Carl Anderson, dão show de vocalização / interpretação.
Sobre o elenco, então, como já citei três atores acima, Ted Neely (a interpretar Jesus Cristo); Yvonne Elliman (como Maria Madalena) e Carl Anderson (como Judas Iscariots), cabe acrescentar também : Barry Dennen (como Pôncio Pilatos); Bob Bingham (como Caifás); Josh Mostel (como Herodes); Larry Marshall (como Simão Zelote); Kurt Yaghian (como Annás); Phillip Toubos (como Pedro) e outros.
A crítica massacrou na época, ainda embalado pelo mesmo furor negativo que a peça recebera em 1971. Os judeus acusaram o filme em ser uma propaganda anti-semita e os cristãos, notadamente os católicos e protestantes, acusaram-no em ser blasfemo. Sinal dos tempos, muitos anos depois do seu lançamento, houve uma exibição especial para o Papa João Paulo II, que assistiu a obra ao lado do seu diretor, Norman Jewison e teria dito que gostara muito da película, ao enxergar a real possibilidade de atrair a atenção dos jovens pela mensagem de Jesus Cristo, pela via do Rock e que uma canção em específico, "I Don't Know How to Love Him", encantara-o, ou seja, foi o que eu afirmei anteriormente, é realmente difícil não apreciar a beleza melódica dessa canção.
Escrito por Norman Jewison e Melvyn Bragg, baseado no libreto escrito por Tim Rice e musicado por Andrew Lloyd-Weber. Direção de Norman Jewison. Foi lançado em junho de 1973. Foi um estouro nas bilheterias de cinema, a retroalimentar mais montagens pelos palcos ao redor do mundo e como já disse, a sua trilha sonora espetacular, vendeu milhões de cópias. Foi bastante exibido na TV aberta, e na TV a cabo, igualmente. Teve versão em VHS; em DVd e Blu-Ray. Na Internet, atualmente (2012), é encontrado com facilidade, na sua versão integral e gratuita.
Matéria publicada inicialmente no Blog do Juma, em 2011.
Posteriormente, essa resenha foi revista e aumentada, para ser publicada no livro: "Luz; Câmera & Rock'n' Roll", em seu volume I, a partir da página 46.