domingo, 15 de dezembro de 2024

Filme: Dazed and Confused ("Jovens; Loucos & Rebeldes") - Por Luiz Domingues

Mais um filme a usar o Rock de uma forma indireta e sob o tom de comédia, “Dazed and Confused” (“Jovens; Loucos & Rebeldes”), tornou-se muito cultuado nos anos noventa, e até tratado por alguns (a opinião do famoso diretor, Quentin Tarantino, por exemplo), como uma das melhores comédias dessa citada década. Tirante o exagero da parte dos que idolatram esse filme, tal obra contém méritos e sim, há um interesse Rocker, ainda que seja algo implícito. 
Bem, é preciso deixar bem clara a ideia de que não trata-se de um Rock Movie na acepção do termo, entretanto, dada a sua trilha sonora fortíssima, tal filme de fato ganhou uma aura especial, mesmo que na prática seja uma comédia juvenil e amparada por um roteiro bastante trivial, em tese. Outro fato que fez com que essa obra ganhasse uma distinção em meio a outras comédias juvenis típicas das décadas de oitenta e noventa, foi a coincidência por ter tido a sorte de reunir um elenco de atores jovens e até então desconhecidos que ganharam notoriedade bem grande a posteriori, então, esse fator aleatório também tratou por agregar valor à obra.
Sobre o que mais chama a atenção nessa produção, a sua ótima trilha sonora, antes de mais nada, é preciso esclarecer que a música: “Dazed and Confused”, do Led Zeppelin, não consta de sua trilha, e nem mesmo outra canção dessa banda. Contar com tal canção, foi uma intenção, certamente da produção do filme, mas infelizmente houve um veto da parte de um membro remanescente dessa banda (Robert Plant), e assim, o filme ficou desfalcado do material dessa genial banda. A despeito dessa lacuna, a trilha ainda chama a atenção por ter reunido um grande contingente de pares do Led Zeppelin, artistas contemporâneos da década de setenta (alguns sessentistas, também), e sem dúvida alguma, é o seu maior trunfo, para o espectador Rocker em primeira instância.
Sobre o roteiro, ao tratar-se de um filme ambientado na década de setenta e muito bem embalado por uma ótima trilha, inevitavelmente abriu caminho para algumas referências Rockers, mesmo que sejam bem sutis, pois repito, este filme não é um Rock Movie propriamente dito, portanto, não há nenhum compromisso direto com o Rock e a contracultura por contingência, e se há uma relação com tal universo, ela apresenta-se de uma forma mais secundária, em termos de cultura Pop. 
Nesses termos, há uma ou outra personagem mais ligada na cultura Rocker e ali, na metade dos anos setenta, ainda prevalecia o modismo generalizado na sociedade em geral, entre a maioria dos jovens e muitos adultos e até pessoas na meia idade, dentro do universo masculino, em prol do uso de cabelos longos, portanto, nem todo cabeludo era necessariamente um Rocker ou no mínimo, um simpatizante da contracultura/movimento Hippie. É o que ocorre então neste filme, com a maioria dos rapazes a ostentar cabeleiras bem avantajadas, sem no entanto haver nenhum comprometimento com tais ideais.
Sobre a trama em si, não há uma grande história, longe disso, aliás. E nesses termos, o que ocorre é uma ação centrada em um dia na “high school”, notadamente no último dia do ano letivo (28 de maio de 1976, e ao leitor brasileiro fica a explicação que o calendário escolar norte-americano e europeu é fragmentado entre um ano e outro, a obedecer as estações climáticas e não a observação do “ano cheio” como é feito no Brasil). Sendo assim, toda a história é baseada na percepção de diferentes alunos da escola em meio à euforia pelo último dia de aulas, sob diversas matizes, inclusive em questões abomináveis tais como a prática do bullying e em meio às arruaças gratuitas, com direto à destruição do patrimônio público e privado. 
Se há uma trama mais profunda a ser abordada na história, isso ocorre com a história de um desses jovens, Randall “Pink” Floyd (interpretado por Jason London), que por ser um esportista, comprometera-se a passar um ano sem consumir nenhum tipo de droga ilícita, como um gesto a indicar um esforço de sua parte em prol de poder atingir uma futura carreira profissional como atleta. Ao longo do filme, essa promessa que se tornara difícil de se cumprir, atormenta-o ante as inúmeras situações que o levam a enfrentar a tentação de acompanhar os seus amigos em tais empreitadas hedonistas e assim, tal mote gera alguma reflexão e um certo teor dramático um pouco mais aprofundado. Porém, que não espere o espectador do filme, que seja algo significativo ao ponto de ser uma história paralela notável, pois na verdade, revela-se uma questão abordada de uma forma rasa e destaca-se apenas por estar um grau acima da mediocridade absoluta da história, sob o ponto de vista dramatúrgico. Tanto é assim, que nem mesmo pode ser considerado como o eixo central da história, mas apenas um item paralelo.
Portanto, a construção do roteiro mostra a história a explorar diversos núcleos que interagem simultaneamente uns com os outros, apenas em sentido aleatório, pelo fato das diversas personagens que encontram-se em ambientes externos e internos, pelo mero acaso. O que prevalece, dessa forma, são as muitas sketches a exibir o humor juvenil em uma primeira instância, com a exploração total das questões que permeavam/permeiam essa fase da adolescência impulsionadas pela explosão hormonal inevitável. É claro, a insinuação da liberdade tem a ver com o Rock, via preceitos oriundos dos ideais libertários que vieram no bojo do movimento Beat, movimento Hippie, contracultura de uma forma geral e a incluir a visão mais politizada da parte dos Yippies. 
Por outro lado, neste filme, não há ninguém engajado em meio às personagens, portanto, o retrato proposto é mesmo entre esse grupo formado por jovens alienados. É bom lembrar que tal tipo de comportamento ocorre com frequência na vida real, e na verdade, dentro desse fenômeno são absorvidos por osmose, mesmo que involuntariamente e certamente sem a menor consciência do processo. Portanto, mesmo entre os incautos, a repercussão de certas ideias, prospera, ainda que de uma forma superficial e subliminar. O lado ruim, é que devida à falta de consciência, discernimento ou até por uma questão de má formação do caráter, muitas pessoas confundem liberdade com libertinagem e o ônus desse desvio de conduta é a propaganda ruim a generalizar tais ideais em torno da liberdade de pensamento, como algo nocivo à sociedade. Sociologia a parte, neste filme, o hedonismo adotado pela maioria das personagens é apenas um reflexo dessa análise.
Dessa forma, o que se vê em profusão na ação desse filme, é um conjunto de traquinagens, algumas abomináveis, como a garantir o humor, a tensão dramática e uma boa dose de energia sexual juvenil. Tudo muito previsível, é bem verdade, mas para os fãs de comédias ambientadas em escolas & afins, tais piadas sempre surtem o mesmo efeito, mesmo que sejam clichês usados ad nauseam. Por exemplo, a clássica abordagem do bullying/trote, da parte de veteranos em relação aos novatos. 
No filme, um dos baluartes da ação, centra-se em um grupo de veteranos que persegue implacavelmente alguns garotos novatos. A disparidade física entre os dois grupos distintos é enorme, com aqueles brutamontes sádicos e completamente imbecilizados, munidos com tacos de remo para espancar e humilhar garotos recém ingressos na adolescência. Claro que muitas situações são criadas para humilhar os praticantes do trote e assim gerar o humor em torno da brutal diferença entre força física & estupidez versus debilidade física & robustez intelectual. E o mesmo caso ocorre em relação às meninas, pois as veteranas não economizam em sua sanha para humilhar as meninas novatas, com trotes humilhantes e nojentos em profusão, além de muitas vezes fazer questão de expor as mais novas à malícia masculina, o que não deixa de ser uma forma de machismo subserviente. Fora desse aspecto, muitas ações a envolver vandalismo, são mostradas como uma forma de diversão barata, o que é detestável, certamente.
Confusões com os pais a retratar situações sexuais dos adolescentes e também em relação ao consumo de drogas, ocorrem e geram risadas, embora sejam piadas triviais, com certeza. E as clássicas cenas com jovens a dirigir automóveis perigosamente, sob alta velocidade e a cantar em plenos pulmões o som que ouvem através de fitas K7 no toca-fitas dos carros, para ilustrar bem o tipo de recurso de áudio usado na época pelos apreciadores do Rock.  
Sobre as referências Rockers, eis que bonecos em tamanho natural dos membros do Kiss são mostrados em uma determinada cena; um dos personagens é apelidado como “Pink”, por conta do Pink Floyd; jovens a usar camisetas com a estampa de logotipo de bandas de Rock e outras sutis referências ocorrem, mais para compor uma ambientação a lembrar que a ação está centrada em maio de 1976, porém sem nenhuma grande preocupação em demarcar algo mais significativo.
O grande trunfo é certamente a ótima trilha sonora que está presente com destaque em quase todas as cenas. Com um elenco espetacular, ouve-se o som do Sweet, Deep Purple, Rick Derringer, Black Oak Arkansas, ZZ Top, Foghat, Alice Cooper, Nazareth, Ted Nugent, The Runaways, War, Bob Dylan, Lynyrd Skynyrd, Black Sabbath, Kiss, Edgar Winter Group, The Steve Miller Band, Head East, Dr. John, Seals and Crofts e Peter Frampton. Em suma, uma turma irrepreensível sob o ponto de vista musical.
O final da história marca um momento de sermão para o aspirante a jogador de futebol norte-americano, “Pink”, pois ele é duramente repreendido pelo treinador sobre estar a desperdiçar a sua chance de pleitear a profissionalização dentro do esporte citado, por conta em estar sob o jugo das famosas “más influências”, e o rapaz adota um discurso híbrido ao não escolher um caminho ou outro, a dar a entender que não considera nocivo sair com os amigos e fazer uso de bebidas & drogas, portanto, não abriria mão da sua rotina com os amigos em detrimento dos seus esforços dentro do esporte. Isso seria possível? 
Bem, não serei eu a tecer um julgamento moralista aqui, pois não vem ao caso. Como desfecho dramatúrgico no entanto, mostra-se como algo até surpreendente, pela obviedade em torno da moral dentro da cultura norte-americana. E nesse ínterim, ao som de Foghat, os seus amigos vão comprar ingressos para um concerto que o Aerosmith cumpriria. Ou seja, algo muito a ver com o espírito de 1976, não o do bicentenário da independência norte-americana, mas sobretudo a coadunar-se com a vibração viva desse ano, mesmo.
Sobre os atores, além de Jason Long, que interpretou “Pink”, arrolo: Jeremy Fox (como Hirschfelder), Matthew McConaughey (como David Woodersey), Marissa Ribisi (como Cynthia Dunn), Adam Goldferb (como Mike Newhouse), Ben Affleck (como Fred O’Bannion), Willey Wiggins (como Mitch Kramer), Sasha Dawson (como Don Dawson), Michelle Burke (como Jodi Kramer), Milla Jovovich (como Michelle Burroughs), Parker Posey (como Darla Marks), Renée Zellweger (como Nesi White), e outros. Em suma, uma turma de jovens atores que posteriormente subiu bastante na carreira, e em alguns casos, logo a seguir desse filme, ainda jovens, no decorrer dos anos noventa.  
Não posso deixar de observar que a direção de arte não foi primorosa, ou seja, algo muito incomum aos padrões do cinema norte-americano que geralmente é rigoroso na observação dos detalhes ao produzir um filme de época. Pois eis que alguns personagens aparecem em cena vestidos muito mais à moda noventista e se os figurinistas acharam semelhanças entre a indumentária jovem dos anos setenta e noventa, creio que houve um ledo engano em seu trabalho de pesquisa prévia.
A crítica foi favorável em linhas gerais, ao elogiar a peça no tocante ao humor, trilha sonora, certamente, e também sobre a atuação de jovens atores, que como eu já disse, confirmou o seu talento a posteriori. Um determinado crítico chegou a exagerar, ao dizer que a abordagem do diretor, Linklater, teve a perspicácia de usar a antropologia, pois explicou com humor a cultura norte-americana forjada no campo da competitividade total.   
O filme foi escrito e dirigido por Richard Linklater e foi lançado em setembro de 1993. Poucos meses depois, foi lançado em versão Disc-Laser, antes mesmo do formato VHS, que era mais tradicional, em uma clara intenção de buscar o caminho mais moderno primeiramente, mas por azar, tal formato revelou-se um fracasso tecnológico e caiu em desuso rapidamente, para desaparecer completamente do mercado. Nos anos 2000, o filme foi lançado em formato DVD. Tal filme foi exibido com bastante frequência em canais da TV a cabo, mas é difícil de se encontrar gratuitamente em portais da Internet. Muitos fragmentos estão disponíveis, no entanto, no YouTube.
Esta resenha foi escrita para fazer parte do livro: "Luz; Câmera & Rock'n' Roll" em seu volume III, com a leitura disponibilizada a partir da página 296.