Mais um
filme a usar o Rock de uma forma indireta e sob o tom de comédia, “Dazed and Confused”
(“Jovens; Loucos & Rebeldes”), tornou-se muito cultuado nos anos noventa, e
até tratado por alguns (a opinião do famoso diretor, Quentin Tarantino, por exemplo), como uma das melhores
comédias dessa citada década. Tirante o exagero da parte dos que idolatram esse
filme, tal obra contém méritos e sim, há um interesse Rocker, ainda que seja
algo implícito.
Bem, é preciso deixar bem clara a ideia de que não trata-se de
um Rock Movie na acepção do termo, entretanto, dada a sua trilha sonora
fortíssima, tal filme de fato ganhou uma aura especial, mesmo que na prática
seja uma comédia juvenil e amparada por um roteiro bastante trivial, em tese.
Outro fato que fez com que essa obra ganhasse uma distinção em meio a outras comédias
juvenis típicas das décadas de oitenta e noventa, foi a coincidência por ter
tido a sorte de reunir um elenco de atores jovens e até então desconhecidos que
ganharam notoriedade bem grande a posteriori, então, esse fator aleatório
também tratou por agregar valor à obra.
Sobre o que
mais chama a atenção nessa produção, a sua ótima trilha sonora, antes de mais
nada, é preciso esclarecer que a música: “Dazed and Confused”, do Led
Zeppelin, não consta de sua trilha, e nem mesmo outra canção dessa banda. Contar
com tal canção, foi uma intenção, certamente da produção do filme, mas
infelizmente houve um veto da parte de um membro remanescente dessa banda (Robert
Plant), e assim, o filme ficou desfalcado do material dessa genial banda. A
despeito dessa lacuna, a trilha ainda chama a atenção por ter reunido um grande
contingente de pares do Led Zeppelin, artistas contemporâneos da década de
setenta (alguns sessentistas, também), e sem dúvida alguma, é o seu maior
trunfo, para o espectador Rocker em primeira instância.
Sobre o
roteiro, ao tratar-se de um filme ambientado na década de setenta e muito bem embalado
por uma ótima trilha, inevitavelmente abriu caminho para algumas referências
Rockers, mesmo que sejam bem sutis, pois repito, este filme não é um Rock Movie
propriamente dito, portanto, não há nenhum compromisso direto com o Rock e a
contracultura por contingência, e se há uma relação com tal universo, ela
apresenta-se de uma forma mais secundária, em termos de cultura Pop.
Nesses
termos, há uma ou outra personagem mais ligada na cultura Rocker e ali, na
metade dos anos setenta, ainda prevalecia o modismo generalizado na sociedade em
geral, entre a maioria dos jovens e muitos adultos e até pessoas na meia idade,
dentro do universo masculino, em prol do uso de cabelos longos, portanto, nem
todo cabeludo era necessariamente um Rocker ou no mínimo, um simpatizante da
contracultura/movimento Hippie. É o que ocorre então neste filme, com a
maioria dos rapazes a ostentar cabeleiras bem avantajadas, sem no entanto haver
nenhum comprometimento com tais ideais.
Sobre a trama
em si, não há uma grande história, longe disso, aliás. E nesses termos, o que
ocorre é uma ação centrada em um dia na “high school”, notadamente no último
dia do ano letivo (28 de maio de 1976, e ao leitor brasileiro fica a explicação
que o calendário escolar norte-americano e europeu é fragmentado entre um ano e
outro, a obedecer as estações climáticas e não a observação do “ano cheio” como
é feito no Brasil). Sendo assim, toda a história é baseada na percepção de
diferentes alunos da escola em meio à euforia pelo último dia de aulas, sob diversas
matizes, inclusive em questões abomináveis tais como a prática do bullying e em
meio às arruaças gratuitas, com direto à destruição do patrimônio público e
privado.
Se há uma trama mais profunda a ser abordada na história, isso ocorre
com a história de um desses jovens, Randall “Pink” Floyd (interpretado por Jason
London), que por ser um esportista, comprometera-se a passar um ano sem consumir
nenhum tipo de droga ilícita, como um gesto a indicar um esforço de sua parte
em prol de poder atingir uma futura carreira profissional como atleta. Ao longo
do filme, essa promessa que se tornara difícil de se cumprir, atormenta-o ante as inúmeras situações que o levam a enfrentar
a tentação de acompanhar os seus amigos em tais empreitadas hedonistas e assim,
tal mote gera alguma reflexão e um certo teor dramático um pouco mais
aprofundado. Porém, que não espere o espectador do filme, que seja algo significativo
ao ponto de ser uma história paralela notável, pois na verdade, revela-se uma
questão abordada de uma forma rasa e destaca-se apenas por estar um grau acima
da mediocridade absoluta da história, sob o ponto de vista dramatúrgico. Tanto
é assim, que nem mesmo pode ser considerado como o eixo central da história, mas apenas
um item paralelo.
Portanto, a
construção do roteiro mostra a história a explorar diversos núcleos que
interagem simultaneamente uns com os outros, apenas em sentido aleatório, pelo
fato das diversas personagens que encontram-se em ambientes externos e
internos, pelo mero acaso. O que prevalece, dessa forma, são as muitas sketches
a exibir o humor juvenil em uma primeira instância, com a exploração total das questões
que permeavam/permeiam essa fase da adolescência impulsionadas pela explosão
hormonal inevitável. É claro, a insinuação da liberdade tem a ver com o Rock,
via preceitos oriundos dos ideais libertários que vieram no bojo do movimento Beat,
movimento Hippie, contracultura de uma forma geral e a incluir a visão mais
politizada da parte dos Yippies.
Por outro lado, neste filme, não há ninguém
engajado em meio às personagens, portanto, o retrato proposto é mesmo entre esse
grupo formado por jovens alienados. É bom lembrar que tal tipo de comportamento
ocorre com frequência na vida real, e na verdade, dentro desse fenômeno são
absorvidos por osmose, mesmo que involuntariamente e certamente sem a menor
consciência do processo. Portanto, mesmo entre os incautos, a repercussão de
certas ideias, prospera, ainda que de uma forma superficial e subliminar. O
lado ruim, é que devida à falta de consciência, discernimento ou até por uma questão
de má formação do caráter, muitas pessoas confundem liberdade com libertinagem
e o ônus desse desvio de conduta é a propaganda ruim a generalizar tais ideais em
torno da liberdade de pensamento, como algo nocivo à sociedade. Sociologia a
parte, neste filme, o hedonismo adotado pela maioria das personagens é apenas
um reflexo dessa análise.
Dessa forma,
o que se vê em profusão na ação desse filme, é um conjunto de traquinagens,
algumas abomináveis, como a garantir o humor, a tensão dramática e uma boa dose
de energia sexual juvenil. Tudo muito previsível, é bem verdade, mas para os
fãs de comédias ambientadas em escolas & afins, tais piadas sempre surtem o
mesmo efeito, mesmo que sejam clichês usados ad nauseam. Por exemplo, a
clássica abordagem do bullying/trote, da parte de veteranos em relação aos
novatos.
No filme, um dos baluartes da ação, centra-se em um grupo de veteranos
que persegue implacavelmente alguns garotos novatos. A disparidade física entre
os dois grupos distintos é enorme, com aqueles brutamontes sádicos e
completamente imbecilizados, munidos com tacos de remo para espancar e humilhar
garotos recém ingressos na adolescência. Claro que muitas situações são criadas
para humilhar os praticantes do trote e assim gerar o humor em torno da brutal
diferença entre força física & estupidez versus debilidade física & robustez
intelectual. E o mesmo caso ocorre em relação às meninas, pois as veteranas não
economizam em sua sanha para humilhar as meninas novatas, com trotes
humilhantes e nojentos em profusão, além de muitas vezes fazer questão de expor
as mais novas à malícia masculina, o que não deixa de ser uma forma de machismo subserviente.
Fora desse aspecto, muitas ações a envolver vandalismo, são mostradas como uma
forma de diversão barata, o que é detestável, certamente.
Confusões
com os pais a retratar situações sexuais dos adolescentes e também em relação ao
consumo de drogas, ocorrem e geram risadas, embora sejam piadas
triviais, com certeza. E as clássicas cenas com jovens a dirigir automóveis perigosamente,
sob alta velocidade e a cantar em plenos pulmões o som que ouvem através de
fitas K7 no toca-fitas dos carros, para ilustrar bem o tipo de recurso de áudio
usado na época pelos apreciadores do Rock.
Sobre as
referências Rockers, eis que bonecos em tamanho natural dos membros do Kiss são
mostrados em uma determinada cena; um dos personagens é apelidado como “Pink”,
por conta do Pink Floyd; jovens a usar camisetas com a estampa de logotipo de
bandas de Rock e outras sutis referências ocorrem, mais para compor uma
ambientação a lembrar que a ação está centrada em maio de 1976, porém sem
nenhuma grande preocupação em demarcar algo mais significativo.
O grande
trunfo é certamente a ótima trilha sonora que está presente com destaque em
quase todas as cenas. Com um elenco espetacular, ouve-se o som do Sweet, Deep
Purple, Rick Derringer, Black Oak Arkansas, ZZ Top, Foghat, Alice Cooper,
Nazareth, Ted Nugent, The Runaways, War, Bob Dylan, Lynyrd Skynyrd, Black Sabbath,
Kiss, Edgar Winter Group, The Steve Miller Band, Head East, Dr. John, Seals and
Crofts e Peter Frampton. Em suma, uma turma irrepreensível sob o ponto de vista
musical.
O final da
história marca um momento de sermão para o aspirante a jogador de futebol
norte-americano, “Pink”, pois ele é duramente repreendido pelo treinador sobre
estar a desperdiçar a sua chance de pleitear a profissionalização dentro do
esporte citado, por conta em estar sob o jugo das famosas “más
influências”, e o rapaz adota um discurso híbrido ao não escolher um caminho ou
outro, a dar a entender que não considera nocivo sair com os amigos e fazer
uso de bebidas & drogas, portanto, não abriria mão da sua rotina com os
amigos em detrimento dos seus esforços dentro do esporte. Isso seria possível?
Bem, não serei eu a tecer um julgamento moralista aqui, pois não vem ao caso.
Como desfecho dramatúrgico no entanto, mostra-se como algo até surpreendente,
pela obviedade em torno da moral dentro da cultura norte-americana. E nesse
ínterim, ao som de Foghat, os seus amigos vão comprar ingressos para um
concerto que o Aerosmith cumpriria. Ou seja, algo muito a ver com o espírito de
1976, não o do bicentenário da independência norte-americana, mas sobretudo a coadunar-se
com a vibração viva desse ano, mesmo.
Sobre os
atores, além de Jason Long, que interpretou “Pink”, arrolo: Jeremy Fox (como
Hirschfelder), Matthew McConaughey (como David Woodersey), Marissa Ribisi (como
Cynthia Dunn), Adam Goldferb (como Mike Newhouse), Ben Affleck (como Fred O’Bannion),
Willey Wiggins (como Mitch Kramer), Sasha Dawson (como Don Dawson), Michelle
Burke (como Jodi Kramer), Milla Jovovich (como Michelle Burroughs), Parker
Posey (como Darla Marks), Renée Zellweger (como Nesi White), e outros. Em suma,
uma turma de jovens atores que posteriormente subiu bastante na carreira, e em
alguns casos, logo a seguir desse filme, ainda jovens, no decorrer dos anos
noventa.
Não posso
deixar de observar que a direção de arte não foi primorosa, ou seja, algo muito
incomum aos padrões do cinema norte-americano que geralmente é rigoroso na
observação dos detalhes ao produzir um filme de época. Pois eis que alguns
personagens aparecem em cena vestidos muito mais à moda noventista e se os
figurinistas acharam semelhanças entre a indumentária jovem dos anos setenta e
noventa, creio que houve um ledo engano em seu trabalho de pesquisa prévia.
A crítica
foi favorável em linhas gerais, ao elogiar a peça no tocante ao humor, trilha
sonora, certamente, e também sobre a atuação de jovens atores, que como eu já
disse, confirmou o seu talento a posteriori. Um determinado crítico chegou a
exagerar, ao dizer que a abordagem do diretor, Linklater, teve a perspicácia de
usar a antropologia, pois explicou com humor a cultura norte-americana forjada
no campo da competitividade total.
O filme foi
escrito e dirigido por Richard Linklater e foi lançado em setembro de 1993. Poucos
meses depois, foi lançado em versão Disc-Laser, antes mesmo do formato VHS, que
era mais tradicional, em uma clara intenção de buscar o caminho mais moderno
primeiramente, mas por azar, tal formato revelou-se um fracasso tecnológico e
caiu em desuso rapidamente, para desaparecer completamente do mercado. Nos anos
2000, o filme foi lançado em formato DVD. Tal filme foi exibido com bastante
frequência em canais da TV a cabo, mas é difícil de se encontrar gratuitamente
em portais da Internet. Muitos fragmentos estão disponíveis, no entanto, no YouTube.
Esta resenha foi escrita para fazer parte do livro: "Luz; Câmera & Rock'n' Roll" em seu volume III, com a leitura disponibilizada a partir da página 296.
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