No mundo de
2019, uma cinebiografia de um mega astro do porte do Elton John não teria o
menor cabimento de ser produzida, se não fosse muito caprichada e
grandiloquente. Tal projeto iniciara-se em 2001, mas somente muitos anos depois
tal ideia saiu finalmente do papel, para entrar na linha de produção, ao
materializar-se na tela do cinema, em 2019. E não decepcionou de forma alguma,
pois muito pelo contrário, mostra-se como um filme extremamente bem produzido
em todos os quesitos e a apresentar fatores até surpreendentes, não previstos
anteriormente.
Sobre a
carreira de Elton, principalmente ao focar-se nos seus primeiros anos de
atividade (e sendo claro, no período entre o final dos anos sessenta e durante
toda a década de setenta, e mais incisivamente nos seis primeiros anos dessa
década), não existe outro adjetivo melhor para classificá-la do que o uso da
palavra: “brilhante”. Elton foi uma máquina humana de criação de sucessos,
todavia com um detalhe que fez toda a diferença: sob uma qualidade musical
indiscutível. Criar um sucesso que seja repetido à exaustão pelo povo, mediante
repetição mecânica, não é difícil, vide a incrível quantidade de lixo musical
anticultural que é jogada diariamente no mundo ao construir-se hypes imediatos em termos de qualidade artística.
Músicas com melodias infantilizadas, monocórdicas e a contar com letras imbecis,
são espalhadas através da mídia aos montes, com tal finalidade.
No caso de
Elton, a sua popularidade foi construída no sentido diametralmente oposto, ou
seja, a sua música é Pop, no sentido em ter chegado às massas, no entanto,
revestida de uma sofisticação musical ímpar. Em suma, Elton é Pop, mas o seu
comprometimento sempre foi muito grande com o Rock e no bojo, ele demonstra possuir
uma forte influência da Black Music de uma maneira geral, igualmente sobre a
música Folk, o Country & Western e pela sua formação pessoal como um excelente
pianista, também com a música erudita.
Bem, feitas
tais observações preliminares sobre a obra de musical de Elton John, é preciso
salientar que o próprio artista foi o produtor do filme, todavia, o que poderia
ter manchado eticamente tal produção, no seu resultado final, surpreendeu
positivamente o fato de que ele não mandou disfarçar nenhum ponto polêmico da
sua biografia, portanto, questões dolorosas para ele, não foram suprimidas para
poupá-lo de constrangimentos, incluso aspectos bem íntimos sobre a sua relação
conflituosa com os seus pais, a homossexualidade que foi reprimida por anos e
os vícios contraídos através do uso excessivo de drogas e álcool.
Sobre o
roteiro, a montagem usou sim o recurso do flashback/flashforward, um clichê
surrado ao extremo em cinebiografias de astros da música, mas desta feita, a
maneira pela qual foi usada, mostrou-se bastante criativa e assim amenizou o
possível efeito Déja vù, a ser provocado para qualquer espectador que já tenha
assistido filmes com essa característica cinebiográfica.
Nesses termos, o filme
começa com Elton John (interpretado por Taron Egerton), a adentrar um comprido
corredor, trajado com uma de suas indumentárias mais exageradas, uma fantasia
deveras semelhante com as fantasias usadas por diversos participantes de
desfiles de escola de samba, típicas no carnaval brasileiro. Ele parece nervoso e ao
invés de estar a caminhar para entrar em cena em um palco qualquer de um show,
ele entra em uma sala a protagonizar uma reunião ao estilo dos alcoólatras
anônimos e mesmo a usar tal vestimenta espalhafatosa, porta-se como se isso não
fosse o mais gritante em meio a pessoas ali presentes, absolutamente comuns.
Ele inicia um típico discurso de participante desse tipo de reunião, ao
apresentar-se formalmente, para em seguida assumir os seus vícios e iniciar um
depoimento em tom de autoanálise, a revirar a mais abissal camada de seu
íntimo. Fica clara então, ao menos parcialmente, a intenção de sua entrada com
a fantasia, pois ali naquela sessão psicanalítica, ele chega revestido por uma
camada (a fantasia a representar o seu ego, como um Super Star da música), no
entanto, ele está sinceramente propenso a desnudar-se e assim achar novamente a
sua essência. Primeiro ponto positivo do filme, portanto, pois tal abordagem
mergulhou fundo, logo no início, sem perder tempo com cenas preliminares mais
amenas, sob a desculpa em preparar-se o espectador para as camadas mais densas,
a seguir.
Aí sim,
enquanto ele fala aos seus pares da psicanálise, o flashback leva-nos à Inglaterra
do início dos anos cinquenta, quando então o pequeno, Reginald Dwight (no
futuro ele adotaria o nome artístico, Elton John), fora criado em um lar modesto de
classe média baixa (interpretado quando ainda pequeno, por Matthew Illesley).
Ele apresenta-se como um menino tímido, obeso e terrivelmente carente, no
sentido que o seu pai (Stanley Dwight, interpretado por Steven Mackintosh), o
trata com desdém, e a sua mãe (Sheyla Eileen, interpretada por Bryce Dallas
Howard), também não é nada carinhosa com ele. A única pessoa que oferece-lhe um
pouco de afeto é a sua avó materna (Ivy, interpretada por Gemma Jones).
O
talento de Reginald, futuro Elton, para a música, revela-se precocemente,
quando a sua avó percebe que o menino possui o seu sentido auditivo ultra
aguçado, e sobretudo, auxiliado pela capacidade extraordinária para memorizar
melodias que ouve, inclusive com teor erudito mais sofisticado e reproduzi-las com
precisão ao piano. A extrema rudeza de seu pai em tratá-lo com impessoalidade,
é uma chave a explicar o desenvolvimento da sua personalidade traumatizada.
A avó
insiste em contratar um professor de música para o menino, que assim
desenvolve-se muito rapidamente. Um salto temporal mostra-o maior, já a
adentrar a adolescência (nesta fase, interpretado por outro ator, Kit Connor), e
no momento em que o seu professor sugere que ele prossiga a estudar, desta
feita na Royal Academy of Music, o conservatório mais tradicional da
Inglaterra, de onde costumam sair formados músicos e maestros para as maiores
orquestras eruditas do mundo. Apesar da desaprovação do seu pai, ele avança com o apoio
da avó e progride na academia real. Mas nesse ínterim, o Rock já arrebatara-o, ao
enlouquecer com os discos de Elvis Presley (ele ganha como presente o LP “Elvis
Presley”, de 1956, que é fantástico, diga-se de passagem), e assim, é
significativa a cena em que ensaia na academia com um quarteto de cordas a
tocar um tema erudito, mas a exibir um corte de cabelo com o uso do famoso
topete de Elvis, a deixar claro que a música erudita não seria o seu caminho.
Reginald passa
a tocar em pequenos clubes com a sua primeira banda (“Bluesology”), quando
recebe a primeira chance, com a banda, não individualmente, para acompanhar
cantores norte-americanos em turnê pela Inglaterra, orientados pela Soul Music
& R’n’B. Dali em diante, portas novas abrem-se, e através de um produtor
musical (Ray Willians, interpretado por Charlie Rowe), é incentivado a criar o
seu material próprio, doravante e além disso, resolve-se a questão sobre a sua
declarada carência em escrever letras, ao apresentar-lhe um jovem letrista,
muito talentoso, chamado: Bernie Taupin (interpretado por Jamie Bell).
Mesmo
com relutância, eis que o produtor fonográfico, Dick James (interpretado por
Stephen Graham), aceita bancar a gravação de seu primeiro álbum, não sem antes
mostrar-se absolutamente despótico, invasivo e bastante deselegante na
interferência direta na obra do artista, ao não aguentar ouvir nem dez segundos
de cada canção proposta e nessa cena, grandes obras de Elton são insinuadas por
ele, ao piano.
Bem, uma
oportunidade surge para Elton divulgar o seu trabalho na América do Norte e lá
vai o tímido garoto obeso para apresentar-se na casa de espetáculos,
Trombadour, em Los Angeles, Califórnia, bastante badalada na ocasião, onde muitos astros
costumavam apresentar-se regularmente. Doug Weston (interpretado por Tate
Donovan), o famoso proprietário da casa, o recebe bem, mas intimida-o, ainda
que sem maldade aparente, ao dizer-lhe que o famoso guitarrista e cantor, Neil
Young, lotara recentemente a casa.
Minutos antes do show iniciar-se, anuncia-se
que astros como Neil Diamond e Leon Russell estavam presentes na plateia,
especialmente para vê-lo tocar, o que o inibe ainda mais. Como parêntese, digo
que se eu estivesse no lugar de Elton, também teria ficado bastante inibido em
apresentar-me perante Leon Russell, principalmente, pelo fato dele ter sido um
pianista/cantor e compositor monstruoso, igualmente. Ele entra no palco e
nervoso, começa um versão Blues, sozinho ao piano, bem intimista para a canção: “Crocodile Rock”, no entanto, eis que tudo muda quando sob uma pirotecnia cinematográfica
bem bonita, ele flutua sobre o piano e a plateia, idem, como se fossem todos
ali presentes, astronautas sob o efeito do vácuo espacial. Quando Elton toca a
sua mão no teclado do piano, volta tudo ao normal e a plateia adere ao piso,
para vibrar intensamente. Bem, o efeito visual e simbólico da cena é belíssimo,
ao aludir para o sucesso que Elton alcançaria na América, mas claro,
metaforicamente, visto que não foi assim, logo no primeiro show e mais um ponto,
a banda formada que passou a acompanhá-lo doravante, não continha a presença do
guitarrista escocês, Davey Johnstone, desde 1969, como a cena sugeriu, visto
que ele entrou no grupo, bem depois. Enfim, força do efeito cinematográfico sem
dúvida alguma e mesmo com o próprio Elton a assinar a produção, não tratou-se
de um erro cronológico/histórico cometido por ignorância ou lapso, mas
simplesmente para fornecer uma melhor vazão ao filme.
Nesse mesmo
dia, ele conhece o empresário, John Reid (interpretado por Richard Madden), que
o seduz sexualmente e passa a ser o seu agente para controlar a sua carreira.
De fato, Reid foi empresário e amante de Elton por muitos anos e por volta de
1975, tornou-se também agente do grupo britânico, Queen, e amante do vocalista,
Freddie Mercury. Portanto, tal personagem também foi retratado no filme,
“Bohemian Rhapsody” a exibir a cinebiografia de Freddie Mercury e do Queen, no
entanto com outro ator a interpretá-lo (nesse caso, com o ator, Aidan Gillen).
Daí em
diante, inclusive, o filme mostra muitos momentos da carreira de Elton, mas a
cronologia não é inteiramente respeitada. Aliás, desde o começo, quando
retratou-se a infância e adolescência de Elton, as músicas apresentadas não são
executadas a relacionar a época cronológica com o seu lançamento em sincronia
(mesmo por que, nessas cenas em específico, isso não teria sido possível, por
tratar-se de canções que Elton nem sonhara em compor e gravar nessa ocasião),
mas a aproveitar o momento dramático do filme. O que importou ao roteiro foi a
trilha seguir o que a proposta sentimental de cada cena dizia internamente para
o artista e aí sim, o dedo de Elton como produtor do filme deve ter sido
decisivo para sugerir a dramatização das músicas, a valorizar a expressão de
seus sentimentos em relação à cada situação que ele viveu. Neste caso, tal
opção em não seguir a cronologia, como se fosse um documentário com teor
didático, mas a valorizar a dramaturgia com o poder das canções, foi uma
escolha muito feliz para esse filme.
Ainda a
falar sobre o desenrolar da obra, Elton faz um sucesso estrondoso, fica
milionário antes de completar vinte e cinco anos de idade, mas está
absolutamente infeliz por descobrir que o seu amante apenas o manipula para
extrair o máximo de sua insegurança pessoal e assim exercer um controle absoluto
sobre a sua carreira. Mais que isso, a sua mãe e padrasto também só aproximam-se
por conta de sua fama & fortuna, por interesse, logicamente. O seu pai
continua a desprezá-lo, apesar do sucesso e em uma visita que Elton realiza em
sua residência na Inglaterra, ele e seus dois meios-irmãos o destratam. Talvez ele só possa
continuar a confiar em sua avó e no parceiro musical, Bernie, mas também por
força das circunstâncias, Elton e o seu letrista afastam-se um do outro, em uma
determinada época da vida.
Elton então
afunda-se nas drogas e na bebida. Após várias crises, com direito a uma
overdose e um infarto (este em outra ocasião mais à frente), volta a
apresentar-se e uma junção via flashforward, leva-o novamente à cena do início,
quando chegara fantasiado para uma reunião dos alcoólatras anônimos. Desta
feita, porém, é vista a cena por inteiro, quando a dramatização metafórica faz
com que ele tenha saído dos bastidores de um show no Madison Square Garden,
profundamente agoniado e dessa forma saiu à rua com tal vestimenta cênica,
apanha um táxi e dirige-se ao local da reunião psicanalítica.
No corredor por
onde ele anda e que agora vemos sob outro ângulo, detalhes da sua fantasia caem
pelo trajeto, a reforçar a ideia dele estar a despir-se de seus subterfúgios e
assim estar disposto a buscar a sua verdade. Nesse final de sessão, ele vê materializados
os principais personagens de sua vida a inquiri-lo e com cada um, ele enfim
consegue reconciliar-se, como se fosse uma catarse a libertá-lo de seus
traumas. Simbólico, o menino Reginald confronta o adulto Elton, a pedir-lhe um
abraço, ou seja, tudo o que ele sempre desejou receber de seu pai, e que nunca recebera
como afeto. Ao empreender um abraço a si mesmo, adulto e menino, Elton
simbolizou a sua libertação.
Bem, Elton
regenera-se, supera os vícios e retoma a carreira, em parceria com Bernie
Taupin, para que o filme encerre-se em algum momento a representar os anos
oitenta, em meio à simulação de um vídeoclip que ele de fato realizou para
promover a canção: “I’m Still Standing”. Trata-se de uma canção não muito
importante na sua discografia, mas ao seguir o conceito do filme, tornou-se vital
para exprimir a mensagem final, ao mostrar a sua recuperação e determinação para
seguir em frente.
Nas cenas finais, é apresentada uma colagem visual mediante
fotos, muito bonita, com o ator que viveu o personagem de Elton (Taron
Egerton), em contraste com fotos reais do astro, a usar a mesma indumentária em
cada ocasião. Pois além de prestar uma bonita homenagem visual ao artista
cinebiografado e ao próprio filme em si, tal aparato fotográfico final
demonstra como tal produção esmerou-se em possuir uma produção de arte,
figurinos e também nos demais aparatos visuais, muito bem elaborados. Aliás, com
a produção do próprio cinebiografado, foi óbvio que tal missão tornou-se muito
facilitada para tal trabalho ter chegado em um resultado excelente. É anunciado
ao final, que Elton casou-se com um homem há muitos anos (David Furnish), tem
dois filhos e apoia fortemente uma entidade em prol dos doentes portadores de
Aids. Está encerrada a obra.
Nesses
termos, realça-se também o trabalho dos atores envolvidos, todos muito bem
escolhidos e com desempenho memorável, com destaque para Taron Egerton, que
compôs o personagem de Elton, com maestria. Além do mais, para servir como um
adendo enriquecedor à sua atuação, o ator usou a sua própria voz para cantar as
músicas. Mostrou-se impressionante o seu desempenho, digno de elogio, visto que
o timbre e a interpretação chegou muito perto do Elton original e é bom
salientar, Elton nunca foi um cantor comum, mas um tremendo cantor, além de
exímio pianista e compositor inspiradíssimo, criador de uma obra vasta e dotada
de tantos sucessos incríveis, que é difícil até arrolar, tamanha a sua
profusão.
Ao citar
algumas cenas esparsas, sem a preocupação com o alinhar da história no roteiro,
digo que são muitas as que podem ser consideradas como memoráveis. Logo no
início, quando o Elton adulto e fantasiado está a narrar a sua vida na sessão
terapêutica, ele mergulha em uma epifania que o leva diretamente à sua infância
e essa cena é toda coreografada, com o apoio de um corpo de baile, ao
revelar-se impecável, a retratar a Inglaterra cinquentista, em meio a um bairro
proletário. A música, “The Bitch is Back” é executada com muito vigor cênico.
Outra cena
boa, dá-se com Reginald/Elton, bem menino, a tentar aproximar-se do pai, e ao
indaga-lo sobre ele gostar de música, é significativa, pois o pai o destrata
com aspereza, mas não sem antes Elton perguntar-lhe sobre ele gostar de Jazz e
a apanhar em mãos um disco de Count Basie. Nesse instante, o seu pai o reprime
duramente, ao adverti-lo para que nunca mais mexa em seus discos. Então, o Jazz
também foi percebido pelo menino Elton, mesmo que de uma forma reprimida, porém
sutilmente, deduz-se.
É boa a cena
em que Elton começa a tocar em um Pub e logo a confusão o leva para fora da
casa noturna por conta de uma briga generalizada. Ele anda por um parque de
diversões em meio a gangues típicas da Inglaterra no início dos anos sessenta
(Teddy Boys, Rockers e Mods entre elas), quando explode uma sequência de brigas
e agitação com outras motivações (bebedeiras, garotas a paquerar etc) e a
música, “Saturday Night’s is Alright for Fighting”, que ele iniciara no Pub,
explode com volúpia, com direito à coreografia que o envolve, ou seja, uma cena
brilhante pela direção e montagem.
A maneira
pela qual ele desistiu de seu nome de batismo e adotou o nome artístico, Elton
John é singela. “Elton” foi escolhido por ele ter lido esse nome em um jornal e
“John”, ocorreu-lhe quando o dono da gravadora quis saber o seu sobrenome e sem
ideia, ele olhou para um pôster com a imagem dos Beatles e a figura de John
Lennon iluminou-se, como uma licença poética. Pronto, resolvido, o sobrenome tornou-se: John.
Além da cena
da “flutuação” no show do Trombadour, ser belíssima como já salientei (mesmo
porque, também denotou a sincronicidade que Elton estabeleceu como o seu
público ao longo dos anos setenta, completamente capturado pela sua arte),
ocorreu que depois desse show em particular mostrado no filme, ele é convidado
a comparecer a uma festa louquíssima, promovida na residência da maravilhosa,
Mama Cass, uma das vocalistas do grupo Folk-Pop, “The Mamas and The Papas”.
Nessa cena, a atmosfera hippie é total e a direção de arte foi perfeita em
mostrar tal astral incrível. Ali vem a inspiração para Elton cantar a música:
“Tiny Dancer”, ao ver que o seu amigo, Bernie Taupin envolvera-se com uma bela
dançarina na festa.
E assim,
mais cenas ocorrem a retratar momentos da vida de Elton e em cada sentimento
evocado, positivo ou negativo, há uma referência a ser assinalada com as suas
canções. Os atores também cantam em muitas delas, a caracterizar o filme como
um musical tradicional, com diálogos cantados, em muitos momentos, até em cenas
da sua infância, com os pais e mesmo com a sua avó a cantarolar trechos, para
expressar-se.
As cenas do
Elton já na condição como um artista mega famoso a realizar shows em estádios
superlotados, são ótimas, embora curtas e desconectadas da cronologia perfeita.
Portanto, músicas que apenas seriam cabíveis em outros momentos da história,
são usadas a estabelecer o critério da emoção como parâmetro. Nas cenas de
shows, lamentavelmente a sua banda não é citada com pormenores. Ora, alto lá...
a banda de Elton nos anos setenta, ou que permaneceu fixa em seus melhores
discos, era espetacular.
Não eram músicos a esmo a acompanhá-lo, e Elton tratava-os
como se todos formassem uma banda e não como apenas “side-man” (músicos de
apoio, sem vínculo maior com um artista em específico), contratados por
ocasião. Nigel Olson (bateria e voz), Dee Murray (baixo e voz), Davey Johnstone
(guitarra e voz) e Ray Cooper (percussão e voz), contribuíam decisivamente na
elaboração de arranjos das canções e nos backing vocais. Aliás, em alguns bons documentários
sobre a sua carreira, Elton fala sobre como eles criavam os backing vocals e
Elton confiava tanto em seus arranjos, que os deixava sozinhos no estúdio, sem
a sua presença, a gravar, portanto, a sua confiança nos colegas justificara-se
plenamente, basta ouvir os discos de Elton nos anos setenta.
Registre-se nesta
resenha, eu sou muito fã de Dee Murray como baixista. Adoro as suas linhas de
baixo e o timbre que ele escolhia em seu instrumento para gravar e tocar ao
vivo o trabalho de Elton, portanto considero-o uma boa influência minha.
Infelizmente, Dee Murray faleceu em 1992, decorrente de um derrame cerebral, mas ele já estava debilitado, na verdade, por conta de um câncer de pele.
Por conta
das licenças poéticas inevitáveis, menções importantes sobre alguns shows em
específico, são omitidas ou mostradas fora da cronologia adequada, caso do show
no estádio de beisebol do time dos Dodgers de Los Angeles, que na vida real foi
realizado em 1975, e no filme, tal informação mostra-se dúbia.
Mais um dado: nem
foi dito que Elton fora cogitado para ingressar no Jeff Beck Group, como
tecladista, por volta de 1968, e isso não é pouca coisa na história do Rock. A
questão do show no Madison Square Garden de Nova York, em 1974, com a presença
de John Lennon, foi indevidamente omitida. Assim como a participação de Elton
no documentário, “Born to Boogie” do T.Rex de Marc Bolan e no filme “Tommy”,
baseado na Ópera-Rock do The Who. Ele canta neste filme a música: “Pinball
Wizard”, que filmara a cantar no filme do The Who, mas sem nenhuma menção à
essa obra do diretor, Ken Russell e tampouco ao The Who, embora nessa cena, ao
ser filmado a rodopiar com o piano e a mudar de figurino em cada volta,
implicitamente tenha ficado a impressão de que fora uma menção ao estilo
histriônico de Ken Russell para filmar, salvo um engano colossal de minha
avaliação.
A gravação do LP “Honky Château”, na França, em 1972, Elton como um
dos primeiros artistas ocidentais a tocar na fechadíssima União Soviética, em
1977, e muito mais fatos importantes em sua carreira não foram citados, assim
como outros tantos pontos importantes de sua biografia, mas é compreensível,
visto que em um filme com cerca de duas horas, é impossível condensar tanta
informação.
No entanto,
um fato importante, e que não tem nada a ver com música, foi mencionado de uma
forma tão sutil que para quem não conhece a biografia do artista, passa
despercebido: o fato de que ele é fanático por futebol, e em dado momento de
1973, gastou uma fortuna para injetar investimentos em um time pequeno que
estava a atuar na quarta divisão da liga inglesa, o Watford. Elton foi
presidente desse clube, tempos depois e graças à sua boa administração, o clube
subiu nas divisões, paulatinamente e já chegou a atuar na primeira divisão da
Inglaterra, a milionária: Premier League.
Em uma cena
pesada, onde simula-se uma orgia homossexual com ares diabólicos, a canção: “Bennie
and The Jets” é usada como mote. Certamente correspondeu ao anseio do
sentimento contido em tal cena, como já observei, no entanto, se fosse
mencionada e executada em seu tempo cronológico correto, teria valido a menção
de que essa música em específico, detém um dado histórico memorável para a
carreira de Elton, pois foi a primeira música na história, a entrar no primeiro
posto da parada de sucessos, “R’n’B” na América do Norte, da parte de um
artista branco e estrangeiro, pois tradicionalmente, tal parada era frequentada
apenas por artistas negros norte-americanos.
De fato, o homossexualismo é mostrado
não apenas nessa, mas em inúmeras outras cenas, inclusive com imagens a conter sexo
implícito. Em alguns países, tais cenas foram sumariamente cortadas por ferir
códigos locais de pudor.
Ainda a
tratar da questão do homossexualismo, o seu casamento para manter aparência,
com uma produtora musical alemã, Renate Blauel (interpretada por Celinde
Schoenmaker), é relembrado em uma sequência com cenas respeitosas à sua imagem.
E por falar
em obra, propriamente dita. As menções diretas aos álbuns não foram usadas. Não
entendi essa opção, pois um artista com uma discografia enorme e recheada por
obras clássicas da história do Rock e da música como um todo, deveria exibir
tais capas, no mínimo, mas isso é feito de uma maneira quase imperceptível,
apenas quando ele autografa uma capa do seu primeiro disco de 1969 (“Empty
Sky”). Só posso intuir que Elton, como produtor do filme, não obteve a devida
licença das gravadoras envolvidas para mostrar as capas dos seus discos.
Lastimo... pois discos importantes não foram sequer citados, tais como: “17-11-1970”,
“Elton John” (1970), “Tumbleweed Connection”, “Madman Across the Water”, “Don’t
Shot me, I’m Just the Piano Player”, “Honky Château”, “Caribou”, “Goodbye
Yellow Brick Road”, “Captain Fantastic and the Brown Dirt Cowboy”, “Rock of the
Westies”, Blue Moves, “A Single Man”... enfim, um disco melhor que o outro.
Para
compensar, muitas músicas são cantadas diretamente, como intervenção musical
para realçar diálogos nas cenas ou a relacionar-se com atividades musicais
explícita como shows ao vivo, gravações, ensaios ou no ato em compô-las. Mesmo
pequenas insinuações, aliás desde o letreiro inicial do filme, onde sutis inserções
à algumas canções de Elton já despertam a atenção do espectador mais atento.
Dessa forma, “Goodbye Yellow Brick Road”, “Daniel”, Amoreena”, “Honky Cat,
“Border Song”, “Skyline Pidgeon”, “Dont Let the Sun Go Down on Me”, “Your
Song”, “Take me To The Pilot”, “Don’t Go Breaking my Heart” (na cena da sua
gravação com a cantora, Kiki Dee), “I Want Love” e logo no começo, quando
mostra-se Elton/Reginald pequeno, no ambiente da sua Inglaterra cinquentista,
“The Bitch is Back”, entre outras apenas insinuadas.
E claro, a canção que motivou
o nome do filme, “Rocket Man”, que aliás, embala uma cena trágica, mas
plasticamente riquíssima, ao mostrar Elton em meio à overdose que o acometera,
a afogar-se em uma piscina e em seu delírio alucinógeno, enxerga a si próprio como
criança, no fundo da piscina a tocar e cantar tal canção em um piano infantil e
devidamente vestido como um mergulhador, que também pode ser um astronauta.
Aliás, após ser resgatado pelas pessoas que estavam presentes em sua mansão,
Elton torna-se um Rocket Man, de fato, ou seja, um foguete humano e parte para
o céu a deixar um rastro de luz em cena sob forte ação do realismo fantástico.
Em suma, tal
filme trata-se de uma produção muito rica, com um apanhado honesto sobre a vida
e obra de um grande artista. Tal película estreou em maio de 2019, com a sua
avant-premiere, ocorrida no badaladíssimo festival de Cannes, na França. Estou
a escrever esta resenha com pouco mais de sessenta dias de seu lançamento,
portanto, é muito cedo para comentar sobre a sua repercussão. Por enquanto, tem
sido um sucesso nas salas de cinema e tem obtido ótimas críticas. Creio, ao que
tudo indica, que entrará para a história como uma das melhores cinebiografias
sobre um Rock Star e haverá por ganhar prêmios importantes.
Escrito por Lee Hal e dirigido por Dexter
Fletcher (que também dirigiu, “Bohemian Rhapsody”). Ainda está neste momento de
2019 a ser exibido no circuito de cinemas, portanto, naturalmente seguirá a
cadeia natural das exibições, com lançamento em DVD/Blue Ray (quero crer, sob
uma versão recheado de extras), canais da TV a cabo; portais pagos de
internet, ao estilo Netflix e na última escala, internet e TV aberta.
Certamente também será lançado o CD oficial com a sua trilha sonora completa.
Esta resenha foi elaborada para fazer parte do livro "Luz; Câmera & Rock'n' Roll" em seu volume III e está disponibilizada para a leitura a partir da página 44.