sábado, 15 de abril de 2023

Filme: Rocketman - Por Luiz Domingues

No mundo de 2019, uma cinebiografia de um mega astro do porte do Elton John não teria o menor cabimento de ser produzida, se não fosse muito caprichada e grandiloquente. Tal projeto iniciara-se em 2001, mas somente muitos anos depois tal ideia saiu finalmente do papel, para entrar na linha de produção, ao materializar-se na tela do cinema, em 2019. E não decepcionou de forma alguma, pois muito pelo contrário, mostra-se como um filme extremamente bem produzido em todos os quesitos e a apresentar fatores até surpreendentes, não previstos anteriormente.

Sobre a carreira de Elton, principalmente ao focar-se nos seus primeiros anos de atividade (e sendo claro, no período entre o final dos anos sessenta e durante toda a década de setenta, e mais incisivamente nos seis primeiros anos dessa década), não existe outro adjetivo melhor para classificá-la do que o uso da palavra: “brilhante”. Elton foi uma máquina humana de criação de sucessos, todavia com um detalhe que fez toda a diferença: sob uma qualidade musical indiscutível. Criar um sucesso que seja repetido à exaustão pelo povo, mediante repetição mecânica, não é difícil, vide a incrível quantidade de lixo musical anticultural que é jogada diariamente no mundo ao construir-se hypes imediatos em termos de qualidade artística. Músicas com melodias infantilizadas, monocórdicas e a contar com letras imbecis, são espalhadas através da mídia aos montes, com tal finalidade. 
No caso de Elton, a sua popularidade foi construída no sentido diametralmente oposto, ou seja, a sua música é Pop, no sentido em ter chegado às massas, no entanto, revestida de uma sofisticação musical ímpar. Em suma, Elton é Pop, mas o seu comprometimento sempre foi muito grande com o Rock e no bojo, ele demonstra possuir uma forte influência da Black Music de uma maneira geral, igualmente sobre a música Folk, o Country & Western e pela sua formação pessoal como um excelente pianista, também com a música erudita.
 
Bem, feitas tais observações preliminares sobre a obra de musical de Elton John, é preciso salientar que o próprio artista foi o produtor do filme, todavia, o que poderia ter manchado eticamente tal produção, no seu resultado final, surpreendeu positivamente o fato de que ele não mandou disfarçar nenhum ponto polêmico da sua biografia, portanto, questões dolorosas para ele, não foram suprimidas para poupá-lo de constrangimentos, incluso aspectos bem íntimos sobre a sua relação conflituosa com os seus pais, a homossexualidade que foi reprimida por anos e os vícios contraídos através do uso excessivo de drogas e álcool.
Sobre o roteiro, a montagem usou sim o recurso do flashback/flashforward, um clichê surrado ao extremo em cinebiografias de astros da música, mas desta feita, a maneira pela qual foi usada, mostrou-se bastante criativa e assim amenizou o possível efeito Déja vù, a ser provocado para qualquer espectador que já tenha assistido filmes com essa característica cinebiográfica.
Nesses termos, o filme começa com Elton John (interpretado por Taron Egerton), a adentrar um comprido corredor, trajado com uma de suas indumentárias mais exageradas, uma fantasia deveras semelhante com as fantasias usadas por diversos participantes de desfiles de escola de samba, típicas no carnaval brasileiro. Ele parece nervoso e ao invés de estar a caminhar para entrar em cena em um palco qualquer de um show, ele entra em uma sala a protagonizar uma reunião ao estilo dos alcoólatras anônimos e mesmo a usar tal vestimenta espalhafatosa, porta-se como se isso não fosse o mais gritante em meio a pessoas ali presentes, absolutamente comuns. 
 
Ele inicia um típico discurso de participante desse tipo de reunião, ao apresentar-se formalmente, para em seguida assumir os seus vícios e iniciar um depoimento em tom de autoanálise, a revirar a mais abissal camada de seu íntimo. Fica clara então, ao menos parcialmente, a intenção de sua entrada com a fantasia, pois ali naquela sessão psicanalítica, ele chega revestido por uma camada (a fantasia a representar o seu ego, como um Super Star da música), no entanto, ele está sinceramente propenso a desnudar-se e assim achar novamente a sua essência. Primeiro ponto positivo do filme, portanto, pois tal abordagem mergulhou fundo, logo no início, sem perder tempo com cenas preliminares mais amenas, sob a desculpa em preparar-se o espectador para as camadas mais densas, a seguir.
Aí sim, enquanto ele fala aos seus pares da psicanálise, o flashback leva-nos à Inglaterra do início dos anos cinquenta, quando então o pequeno, Reginald Dwight (no futuro ele adotaria o nome artístico, Elton John), fora criado em um lar modesto de classe média baixa (interpretado quando ainda pequeno, por Matthew Illesley). Ele apresenta-se como um menino tímido, obeso e terrivelmente carente, no sentido que o seu pai (Stanley Dwight, interpretado por Steven Mackintosh), o trata com desdém, e a sua mãe (Sheyla Eileen, interpretada por Bryce Dallas Howard), também não é nada carinhosa com ele. A única pessoa que oferece-lhe um pouco de afeto é a sua avó materna (Ivy, interpretada por Gemma Jones). 
 
O talento de Reginald, futuro Elton, para a música, revela-se precocemente, quando a sua avó percebe que o menino possui o seu sentido auditivo ultra aguçado, e sobretudo, auxiliado pela capacidade extraordinária para memorizar melodias que ouve, inclusive com teor erudito mais sofisticado e reproduzi-las com precisão ao piano. A extrema rudeza de seu pai em tratá-lo com impessoalidade, é uma chave a explicar o desenvolvimento da sua personalidade traumatizada.
A avó insiste em contratar um professor de música para o menino, que assim desenvolve-se muito rapidamente. Um salto temporal mostra-o maior, já a adentrar a adolescência (nesta fase, interpretado por outro ator, Kit Connor), e no momento em que o seu professor sugere que ele prossiga a estudar, desta feita na Royal Academy of Music, o conservatório mais tradicional da Inglaterra, de onde costumam sair formados músicos e maestros para as maiores orquestras eruditas do mundo. Apesar da desaprovação do seu pai, ele avança com o apoio da avó e progride na academia real. Mas nesse ínterim, o Rock já arrebatara-o, ao enlouquecer com os discos de Elvis Presley (ele ganha como presente o LP “Elvis Presley”, de 1956, que é fantástico, diga-se de passagem), e assim, é significativa a cena em que ensaia na academia com um quarteto de cordas a tocar um tema erudito, mas a exibir um corte de cabelo com o uso do famoso topete de Elvis, a deixar claro que a música erudita não seria o seu caminho.
Reginald passa a tocar em pequenos clubes com a sua primeira banda (“Bluesology”), quando recebe a primeira chance, com a banda, não individualmente, para acompanhar cantores norte-americanos em turnê pela Inglaterra, orientados pela Soul Music & R’n’B. Dali em diante, portas novas abrem-se, e através de um produtor musical (Ray Willians, interpretado por Charlie Rowe), é incentivado a criar o seu material próprio, doravante e além disso, resolve-se a questão sobre a sua declarada carência em escrever letras, ao apresentar-lhe um jovem letrista, muito talentoso, chamado: Bernie Taupin (interpretado por Jamie Bell). 
 
Mesmo com relutância, eis que o produtor fonográfico, Dick James (interpretado por Stephen Graham), aceita bancar a gravação de seu primeiro álbum, não sem antes mostrar-se absolutamente despótico, invasivo e bastante deselegante na interferência direta na obra do artista, ao não aguentar ouvir nem dez segundos de cada canção proposta e nessa cena, grandes obras de Elton são insinuadas por ele, ao piano.
Bem, uma oportunidade surge para Elton divulgar o seu trabalho na América do Norte e lá vai o tímido garoto obeso para apresentar-se na casa de espetáculos, Trombadour, em Los Angeles, Califórnia, bastante badalada na ocasião, onde muitos astros costumavam apresentar-se regularmente. Doug Weston (interpretado por Tate Donovan), o famoso proprietário da casa, o recebe bem, mas intimida-o, ainda que sem maldade aparente, ao dizer-lhe que o famoso guitarrista e cantor, Neil Young, lotara recentemente a casa. 
Minutos antes do show iniciar-se, anuncia-se que astros como Neil Diamond e Leon Russell estavam presentes na plateia, especialmente para vê-lo tocar, o que o inibe ainda mais. Como parêntese, digo que se eu estivesse no lugar de Elton, também teria ficado bastante inibido em apresentar-me perante Leon Russell, principalmente, pelo fato dele ter sido um pianista/cantor e compositor monstruoso, igualmente. Ele entra no palco e nervoso, começa um versão Blues, sozinho ao piano, bem intimista para a canção: “Crocodile Rock”, no entanto, eis que tudo muda quando sob uma pirotecnia cinematográfica bem bonita, ele flutua sobre o piano e a plateia, idem, como se fossem todos ali presentes, astronautas sob o efeito do vácuo espacial. 
Quando Elton toca a sua mão no teclado do piano, volta tudo ao normal e a plateia adere ao piso, para vibrar intensamente. Bem, o efeito visual e simbólico da cena é belíssimo, ao aludir para o sucesso que Elton alcançaria na América, mas claro, metaforicamente, visto que não foi assim, logo no primeiro show e mais um ponto, a banda formada que passou a acompanhá-lo doravante, não continha a presença do guitarrista escocês, Davey Johnstone, desde 1969, como a cena sugeriu, visto que ele entrou no grupo, bem depois. Enfim, força do efeito cinematográfico sem dúvida alguma e mesmo com o próprio Elton a assinar a produção, não tratou-se de um erro cronológico/histórico cometido por ignorância ou lapso, mas simplesmente para fornecer uma melhor vazão ao filme.
Nesse mesmo dia, ele conhece o empresário, John Reid (interpretado por Richard Madden), que o seduz sexualmente e passa a ser o seu agente para controlar a sua carreira. De fato, Reid foi empresário e amante de Elton por muitos anos e por volta de 1975, tornou-se também agente do grupo britânico, Queen, e amante do vocalista, Freddie Mercury. Portanto, tal personagem também foi retratado no filme, “Bohemian Rhapsody” a exibir a cinebiografia de Freddie Mercury e do Queen, no entanto com outro ator a interpretá-lo (nesse caso, com o ator, Aidan Gillen).
 
Daí em diante, inclusive, o filme mostra muitos momentos da carreira de Elton, mas a cronologia não é inteiramente respeitada. Aliás, desde o começo, quando retratou-se a infância e adolescência de Elton, as músicas apresentadas não são executadas a relacionar a época cronológica com o seu lançamento em sincronia (mesmo por que, nessas cenas em específico, isso não teria sido possível, por tratar-se de canções que Elton nem sonhara em compor e gravar nessa ocasião), mas a aproveitar o momento dramático do filme. O que importou ao roteiro foi a trilha seguir o que a proposta sentimental de cada cena dizia internamente para o artista e aí sim, o dedo de Elton como produtor do filme deve ter sido decisivo para sugerir a dramatização das músicas, a valorizar a expressão de seus sentimentos em relação à cada situação que ele viveu. Neste caso, tal opção em não seguir a cronologia, como se fosse um documentário com teor didático, mas a valorizar a dramaturgia com o poder das canções, foi uma escolha muito feliz para esse filme.
Ainda a falar sobre o desenrolar da obra, Elton faz um sucesso estrondoso, fica milionário antes de completar vinte e cinco anos de idade, mas está absolutamente infeliz por descobrir que o seu amante apenas o manipula para extrair o máximo de sua insegurança pessoal e assim exercer um controle absoluto sobre a sua carreira. Mais que isso, a sua mãe e padrasto também só aproximam-se por conta de sua fama & fortuna, por interesse, logicamente. O seu pai continua a desprezá-lo, apesar do sucesso e em uma visita que Elton realiza em sua residência na Inglaterra, ele e seus dois meios-irmãos o destratam. Talvez ele só possa continuar a confiar em sua avó e no parceiro musical, Bernie, mas também por força das circunstâncias, Elton e o seu letrista afastam-se um do outro, em uma determinada época da vida.
Elton então afunda-se nas drogas e na bebida. Após várias crises, com direito a uma overdose e um infarto (este em outra ocasião mais à frente), volta a apresentar-se e uma junção via flashforward, leva-o novamente à cena do início, quando chegara fantasiado para uma reunião dos alcoólatras anônimos. Desta feita, porém, é vista a cena por inteiro, quando a dramatização metafórica faz com que ele tenha saído dos bastidores de um show no Madison Square Garden, profundamente agoniado e dessa forma saiu à rua com tal vestimenta cênica, apanha um táxi e dirige-se ao local da reunião psicanalítica.
 
No corredor por onde ele anda e que agora vemos sob outro ângulo, detalhes da sua fantasia caem pelo trajeto, a reforçar a ideia dele estar a despir-se de seus subterfúgios e assim estar disposto a buscar a sua verdade. Nesse final de sessão, ele vê materializados os principais personagens de sua vida a inquiri-lo e com cada um, ele enfim consegue reconciliar-se, como se fosse uma catarse a libertá-lo de seus traumas. Simbólico, o menino Reginald confronta o adulto Elton, a pedir-lhe um abraço, ou seja, tudo o que ele sempre desejou receber de seu pai, e que nunca recebera como afeto. Ao empreender um abraço a si mesmo, adulto e menino, Elton simbolizou a sua libertação. 
Bem, Elton regenera-se, supera os vícios e retoma a carreira, em parceria com Bernie Taupin, para que o filme encerre-se em algum momento a representar os anos oitenta, em meio à simulação de um vídeoclip que ele de fato realizou para promover a canção: “I’m Still Standing”. Trata-se de uma canção não muito importante na sua discografia, mas ao seguir o conceito do filme, tornou-se vital para exprimir a mensagem final, ao mostrar a sua recuperação e determinação para seguir em frente. 
 
Nas cenas finais, é apresentada uma colagem visual mediante fotos, muito bonita, com o ator que viveu o personagem de Elton (Taron Egerton), em contraste com fotos reais do astro, a usar a mesma indumentária em cada ocasião. Pois além de prestar uma bonita homenagem visual ao artista cinebiografado e ao próprio filme em si, tal aparato fotográfico final demonstra como tal produção esmerou-se em possuir uma produção de arte, figurinos e também nos demais aparatos visuais, muito bem elaborados. Aliás, com a produção do próprio cinebiografado, foi óbvio que tal missão tornou-se muito facilitada para tal trabalho ter chegado em um resultado excelente. É anunciado ao final, que Elton casou-se com um homem há muitos anos (David Furnish), tem dois filhos e apoia fortemente uma entidade em prol dos doentes portadores de Aids. Está encerrada a obra.
Nesses termos, realça-se também o trabalho dos atores envolvidos, todos muito bem escolhidos e com desempenho memorável, com destaque para Taron Egerton, que compôs o personagem de Elton, com maestria. Além do mais, para servir como um adendo enriquecedor à sua atuação, o ator usou a sua própria voz para cantar as músicas. Mostrou-se impressionante o seu desempenho, digno de elogio, visto que o timbre e a interpretação chegou muito perto do Elton original e é bom salientar, Elton nunca foi um cantor comum, mas um tremendo cantor, além de exímio pianista e compositor inspiradíssimo, criador de uma obra vasta e dotada de tantos sucessos incríveis, que é difícil até arrolar, tamanha a sua profusão.
Ao citar algumas cenas esparsas, sem a preocupação com o alinhar da história no roteiro, digo que são muitas as que podem ser consideradas como memoráveis. Logo no início, quando o Elton adulto e fantasiado está a narrar a sua vida na sessão terapêutica, ele mergulha em uma epifania que o leva diretamente à sua infância e essa cena é toda coreografada, com o apoio de um corpo de baile, ao revelar-se impecável, a retratar a Inglaterra cinquentista, em meio a um bairro proletário. A música, “The Bitch is Back” é executada com muito vigor cênico. 
Outra cena boa, dá-se com Reginald/Elton, bem menino, a tentar aproximar-se do pai, e ao indaga-lo sobre ele gostar de música, é significativa, pois o pai o destrata com aspereza, mas não sem antes Elton perguntar-lhe sobre ele gostar de Jazz e a apanhar em mãos um disco de Count Basie. Nesse instante, o seu pai o reprime duramente, ao adverti-lo para que nunca mais mexa em seus discos. Então, o Jazz também foi percebido pelo menino Elton, mesmo que de uma forma reprimida, porém sutilmente, deduz-se.
 
É boa a cena em que Elton começa a tocar em um Pub e logo a confusão o leva para fora da casa noturna por conta de uma briga generalizada. Ele anda por um parque de diversões em meio a gangues típicas da Inglaterra no início dos anos sessenta (Teddy Boys, Rockers e Mods entre elas), quando explode uma sequência de brigas e agitação com outras motivações (bebedeiras, garotas a paquerar etc) e a música, “Saturday Night’s is Alright for Fighting”, que ele iniciara no Pub, explode com volúpia, com direito à coreografia que o envolve, ou seja, uma cena brilhante pela direção e montagem.
A maneira pela qual ele desistiu de seu nome de batismo e adotou o nome artístico, Elton John é singela. “Elton” foi escolhido por ele ter lido esse nome em um jornal e “John”, ocorreu-lhe quando o dono da gravadora quis saber o seu sobrenome e sem ideia, ele olhou para um pôster com a imagem dos Beatles e a figura de John Lennon iluminou-se, como uma licença poética. Pronto, resolvido, o sobrenome tornou-se: John.
Além da cena da “flutuação” no show do Trombadour, ser belíssima como já salientei (mesmo porque, também denotou a sincronicidade que Elton estabeleceu como o seu público ao longo dos anos setenta, completamente capturado pela sua arte), ocorreu que depois desse show em particular mostrado no filme, ele é convidado a comparecer a uma festa louquíssima, promovida na residência da maravilhosa, Mama Cass, uma das vocalistas do grupo Folk-Pop, “The Mamas and The Papas”. Nessa cena, a atmosfera hippie é total e a direção de arte foi perfeita em mostrar tal astral incrível. Ali vem a inspiração para Elton cantar a música: “Tiny Dancer”, ao ver que o seu amigo, Bernie Taupin envolvera-se com uma bela dançarina na festa.
 
E assim, mais cenas ocorrem a retratar momentos da vida de Elton e em cada sentimento evocado, positivo ou negativo, há uma referência a ser assinalada com as suas canções. Os atores também cantam em muitas delas, a caracterizar o filme como um musical tradicional, com diálogos cantados, em muitos momentos, até em cenas da sua infância, com os pais e mesmo com a sua avó a cantarolar trechos, para expressar-se.
As cenas do Elton já na condição como um artista mega famoso a realizar shows em estádios superlotados, são ótimas, embora curtas e desconectadas da cronologia perfeita. Portanto, músicas que apenas seriam cabíveis em outros momentos da história, são usadas a estabelecer o critério da emoção como parâmetro. Nas cenas de shows, lamentavelmente a sua banda não é citada com pormenores. Ora, alto lá... a banda de Elton nos anos setenta, ou que permaneceu fixa em seus melhores discos, era espetacular. 
Não eram músicos a esmo a acompanhá-lo, e Elton tratava-os como se todos formassem uma banda e não como apenas “side-man” (músicos de apoio, sem vínculo maior com um artista em específico), contratados por ocasião. Nigel Olson (bateria e voz), Dee Murray (baixo e voz), Davey Johnstone (guitarra e voz) e Ray Cooper (percussão e voz), contribuíam decisivamente na elaboração de arranjos das canções e nos backing vocais. Aliás, em alguns bons documentários sobre a sua carreira, Elton fala sobre como eles criavam os backing vocals e Elton confiava tanto em seus arranjos, que os deixava sozinhos no estúdio, sem a sua presença, a gravar, portanto, a sua confiança nos colegas justificara-se plenamente, basta ouvir os discos de Elton nos anos setenta. 
Registre-se nesta resenha, eu sou muito fã de Dee Murray como baixista. Adoro as suas linhas de baixo e o timbre que ele escolhia em seu instrumento para gravar e tocar ao vivo o trabalho de Elton, portanto considero-o uma boa influência minha. Infelizmente, Dee Murray faleceu em 1992, decorrente de um derrame cerebral, mas ele já estava debilitado, na verdade, por conta de um câncer de pele.
Por conta das licenças poéticas inevitáveis, menções importantes sobre alguns shows em específico, são omitidas ou mostradas fora da cronologia adequada, caso do show no estádio de beisebol do time dos Dodgers de Los Angeles, que na vida real foi realizado em 1975, e no filme, tal informação mostra-se dúbia. 
 
Mais um dado: nem foi dito que Elton fora cogitado para ingressar no Jeff Beck Group, como tecladista, por volta de 1968, e isso não é pouca coisa na história do Rock. A questão do show no Madison Square Garden de Nova York, em 1974, com a presença de John Lennon, foi indevidamente omitida. Assim como a participação de Elton no documentário, “Born to Boogie” do T.Rex de Marc Bolan e no filme “Tommy”, baseado na Ópera-Rock do The Who. Ele canta neste filme a música: “Pinball Wizard”, que filmara a cantar no filme do The Who, mas sem nenhuma menção à essa obra do diretor, Ken Russell e tampouco ao The Who, embora nessa cena, ao ser filmado a rodopiar com o piano e a mudar de figurino em cada volta, implicitamente tenha ficado a impressão de que fora uma menção ao estilo histriônico de Ken Russell para filmar, salvo um engano colossal de minha avaliação. 
 
A gravação do LP “Honky Château”, na França, em 1972, Elton como um dos primeiros artistas ocidentais a tocar na fechadíssima União Soviética, em 1977, e muito mais fatos importantes em sua carreira não foram citados, assim como outros tantos pontos importantes de sua biografia, mas é compreensível, visto que em um filme com cerca de duas horas, é impossível condensar tanta informação.
No entanto, um fato importante, e que não tem nada a ver com música, foi mencionado de uma forma tão sutil que para quem não conhece a biografia do artista, passa despercebido: o fato de que ele é fanático por futebol, e em dado momento de 1973, gastou uma fortuna para injetar investimentos em um time pequeno que estava a atuar na quarta divisão da liga inglesa, o Watford. Elton foi presidente desse clube, tempos depois e graças à sua boa administração, o clube subiu nas divisões, paulatinamente e já chegou a atuar na primeira divisão da Inglaterra, a milionária: Premier League.
 
Em uma cena pesada, onde simula-se uma orgia homossexual com ares diabólicos, a canção: “Bennie and The Jets” é usada como mote. Certamente correspondeu ao anseio do sentimento contido em tal cena, como já observei, no entanto, se fosse mencionada e executada em seu tempo cronológico correto, teria valido a menção de que essa música em específico, detém um dado histórico memorável para a carreira de Elton, pois foi a primeira música na história, a entrar no primeiro posto da parada de sucessos, “R’n’B” na América do Norte, da parte de um artista branco e estrangeiro, pois tradicionalmente, tal parada era frequentada apenas por artistas negros norte-americanos. 
De fato, o homossexualismo é mostrado não apenas nessa, mas em inúmeras outras cenas, inclusive com imagens a conter sexo implícito. Em alguns países, tais cenas foram sumariamente cortadas por ferir códigos locais de pudor.
 
Ainda a tratar da questão do homossexualismo, o seu casamento para manter aparência, com uma produtora musical alemã, Renate Blauel (interpretada por Celinde Schoenmaker), é relembrado em uma sequência com cenas respeitosas à sua imagem. 
E por falar em obra, propriamente dita. As menções diretas aos álbuns não foram usadas. Não entendi essa opção, pois um artista com uma discografia enorme e recheada por obras clássicas da história do Rock e da música como um todo, deveria exibir tais capas, no mínimo, mas isso é feito de uma maneira quase imperceptível, apenas quando ele autografa uma capa do seu primeiro disco de 1969 (“Empty Sky”). Só posso intuir que Elton, como produtor do filme, não obteve a devida licença das gravadoras envolvidas para mostrar as capas dos seus discos. Lastimo... pois discos importantes não foram sequer citados, tais como: “17-11-1970”, “Elton John” (1970), “Tumbleweed Connection”, “Madman Across the Water”, “Don’t Shot me, I’m Just the Piano Player”, “Honky Château”, “Caribou”, “Goodbye Yellow Brick Road”, “Captain Fantastic and the Brown Dirt Cowboy”, “Rock of the Westies”, Blue Moves, “A Single Man”... enfim, um disco melhor que o outro.
 
Para compensar, muitas músicas são cantadas diretamente, como intervenção musical para realçar diálogos nas cenas ou a relacionar-se com atividades musicais explícita como shows ao vivo, gravações, ensaios ou no ato em compô-las. Mesmo pequenas insinuações, aliás desde o letreiro inicial do filme, onde sutis inserções à algumas canções de Elton já despertam a atenção do espectador mais atento. Dessa forma, “Goodbye Yellow Brick Road”, “Daniel”, Amoreena”, “Honky Cat, “Border Song”, “Skyline Pidgeon”, “Dont Let the Sun Go Down on Me”, “Your Song”, “Take me To The Pilot”, “Don’t Go Breaking my Heart” (na cena da sua gravação com a cantora, Kiki Dee), “I Want Love” e logo no começo, quando mostra-se Elton/Reginald pequeno, no ambiente da sua Inglaterra cinquentista, “The Bitch is Back”, entre outras apenas insinuadas. 
E claro, a canção que motivou o nome do filme, “Rocket Man”, que aliás, embala uma cena trágica, mas plasticamente riquíssima, ao mostrar Elton em meio à overdose que o acometera, a afogar-se em uma piscina e em seu delírio alucinógeno, enxerga a si próprio como criança, no fundo da piscina a tocar e cantar tal canção em um piano infantil e devidamente vestido como um mergulhador, que também pode ser um astronauta. Aliás, após ser resgatado pelas pessoas que estavam presentes em sua mansão, Elton torna-se um Rocket Man, de fato, ou seja, um foguete humano e parte para o céu a deixar um rastro de luz em cena sob forte ação do realismo fantástico.
 
Em suma, tal filme trata-se de uma produção muito rica, com um apanhado honesto sobre a vida e obra de um grande artista. Tal película estreou em maio de 2019, com a sua avant-premiere, ocorrida no badaladíssimo festival de Cannes, na França. Estou a escrever esta resenha com pouco mais de sessenta dias de seu lançamento, portanto, é muito cedo para comentar sobre a sua repercussão. Por enquanto, tem sido um sucesso nas salas de cinema e tem obtido ótimas críticas. Creio, ao que tudo indica, que entrará para a história como uma das melhores cinebiografias sobre um Rock Star e haverá por ganhar prêmios importantes.

Escrito por Lee Hal e dirigido por Dexter Fletcher (que também dirigiu, “Bohemian Rhapsody”). Ainda está neste momento de 2019 a ser exibido no circuito de cinemas, portanto, naturalmente seguirá a cadeia natural das exibições, com lançamento em DVD/Blue Ray (quero crer, sob uma versão recheado de extras), canais da TV a cabo; portais pagos de internet, ao estilo Netflix e na última escala, internet e TV aberta. Certamente também será lançado o CD oficial com a sua trilha sonora completa.

Esta resenha foi elaborada para fazer parte do livro "Luz; Câmera & Rock'n' Roll" em seu volume III e está disponibilizada para a leitura a partir da página 44.   

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