Se há uma
personalidade que não foi músico, mas tem uma importância enorme no estopim do
Rock’n’ Roll como algo muito maior que um simples gênero musical, na década de
cinquenta, esta pessoa foi: Alan Freed. Radialista, Freed foi um dos primeiros,
senão o primeiro a perceber algo novo no panorama da música norte-americana no
início dos anos cinquenta, inicialmente ao descobrir uma variação do Blues
tradicional, ao mostrar-se algo mais dançante e com alto teor Pop, no caso o
Rhythm and Blues, conhecido pela sigla: “R’n’B”.
Corajoso, em meio a uma
sociedade extremamente pautada pelo racismo, encantou-se pela música produzida
pelos artistas negros, de uma maneira geral e por conta desse seu entusiasmo,
primeiramente com o Blues e o R’n’B, percebeu o potencial desse novo galho
oriundo da raiz primordial da música negra. Posteriormente, ao perceber que a
música negra ao fundir-se com o tradicional Country & Western, a poderosa
raiz do cancioneiro da cultura branca, haveria por produzir uma música
explosiva, rica e capaz de abranger um público miscigenado, a englobar brancos
e negros e assim: “boom”, a explosão consumou-se em torno do Rock’n’ Roll.
A importância
de Alan Freed nesse processo é tão grande que é atribuído à sua pessoa, esse ponto de
fusão que gerou o estilo. Exageros à parte, Freed ficou responsabilizado por
ter criado o neologismo: “Rock’n’Roll. Independente desse fato ser verídico ou
mero exagero em tom de boato e/ou lenda urbana, o fato foi que Freed foi um
difusor do Rock, com um fervor impressionante e mais que isso, Freed organizou
shows com muitos artistas da cena, inclusive a configurar uma periodicidade e
também por gerar filmes, vários, nos quais o próprio Freed atuou, a interpretar a si
mesmo e cercado por artistas musicais sensacionais.
Bem, Alan
Freed também foi controverso. A despeito de ser reconhecido como um agente para
a propulsão do Rock na década de cinquenta e enaltecido por uma série de
artistas que foram beneficiados diretamente pela sua força midiática inconteste,
todavia, por outro lado ele foi duramente perseguido pelas autoridades, por
conta de seus shows realizados em salões e teatros, irremediavelmente a gerar tanta
euforia espontânea.
Por conta de tal frenesi despertado, muitas vezes os
jovens a dançar freneticamente, quebraram cadeiras e objetos em geral de tais
locais, a suscitar muitas intervenções policiais truculentas.
Porém, o incômodo
maior, foi óbvio, e sob uma outra monta, ao tocar-se em um assunto delicado ao
extremo na sociedade norte-americana de então, ao propor subliminarmente, que
garotos brancos pudessem entusiasmar-se com a música dos negros. E ainda houve
um terceiro elemento a demolir a sua imagem, e fato grave que praticamente o
derrotou em sua credibilidade: a acusação que pairou sobre a sua reputação em
torno do recebimento da chamada, “Payola”, que foi o neologismo criados pelos
norte-americanos para designar o que no Brasil é conhecido como “Jabaculê”, ou “Jabá”
na forma mais simplificada.
Em síntese, a prática amoral da cobrança de um
ágio, para a execução de músicas dos artistas nas estações de rádio. A “Payola”
(a junção de sílabas das palavras: “Pay”-pagar, com “ola”, a sugerir “vitrola”,
“radiola”, ou seja, aparelhos para ouvir-se música etc), foi uma prática
abominável que gerou uma discussão sobre ética no âmbito da cultura, fortemente
nos Estados Unidos, nessa época.
Pois em 1978,
um filme cinebiográfico foi lançado para trazer à tona a pessoa de Alan Freed,
a enaltecê-lo como um grande difusor do Rock’n’ Roll. Claro que isso foi
verdade, a despeito de alguns aspectos negativos de sua biografia, como eu mencionei
acima. Longe de estabelecer qualquer tipo de julgamento de minha parte, eu sei
que o aspecto negativo em torno do escândalo da Payola foi grave e desagradável,
no entanto, no cômputo geral, a sua contribuição ao Rock foi e sempre será inquestionável.
Em “American
Hot Wax” (no Brasil, tal filme recebeu o título: “Viva o Rock’n’ Roll”), o
roteiro privilegiou a cronologia já a mostrar Alan Freed a viver o início de
sua explosão como radialista. Em uma das primeiras cenas, Alan Freed
(interpretado pelo ator, Tim McIntire), é duramente repreendido por um
executivo da emissora (WINS de Nova York), por estar a tocar o sucesso de
Little Richard, “Tutti-Frutti”, e ele ouve a verborragia irritada do sujeito, passivamente,
a denotar uma atitude de deboche e assim deixar claro que não iria obedecer
nenhuma ordem da direção para mudar a sua programação.
Destaca-se a presença da
secretária, Sheryl (interpretada por Fran Drescher), que mostra-se engraçada,
ingênua e dá o tom cômico do filme ao ser assediada o tempo todo por muitos homens,
visto que além de ser uma personagem engraçada, Sheryl/Fran Drescher (e bem jovem
nessa época), era muito bonita. E do motorista de Freed, “Mookie” (interpretado
por Jay Leno, que anos mais tarde tornar-se-ia muito mais famoso ao apresentar
um talk-show prestigiado na TV). Mookie mostra-se engraçado também em alguns momentos,
mas na verdade, é um personagem dúbio,
ao denotar não estar comprometido inteiramente com o seu patrão.
Cenas com
Freed a comandar o seu programa, intercalam-se à outras, onde é realçada a
repercussão entre os jovens e isso é alvissareiro para demonstrar o poder da
difusão radiofônica nesse processo. E nesse bojo, vem também o contraponto com
os pais dos adolescentes a mostrar-se muito revoltados com tal influência, e
assim pressionar profundamente os seus filhos em sinal de reprimenda e sob a sua
visão tacanha, certamente vir a desnudar o seu racismo indelével, entre outros
aspectos nada louváveis.
Uma cena
ainda mais forte sobrevém, ao mostrar uma pressão que Freed sofrera da parte de
um comitê em prol dos “bons costumes”, a reclamar sobre ele estar a difundir
essa tal música tóxica e assim, gerar um desserviço ao país etc. e tal.
Outro
aspecto bem interessante do filme, foi ter mostrado com bastante ênfase,
inclusive, a questão sobre o assédio direto que Freed recebia, diariamente da
parte de artistas e até aspirantes a artistas. Fato concreto, isso realmente
foi uma constante na trajetória de Alan Freed, que costumava ser abordado por
artistas na porta do prédio onde funcionava a estação de rádio, para mostrar os
seus dotes musicais. Cenas nesse sentido são interessantes e até divertidas,
pois chegou-se em um ponto onde as pessoas o confundiam com um produtor
caça-talentos de alguma gravadora e a todo custo, o procuravam. Até mãe a levar
filhos pequenos para atormentá-lo ao obriga-lo a assistir os seu pimpolhos a
cantar (e desafinar), a capela, em seu gabinete.
Destaca-se a
presença de uma jovem compositora chamada, Louise (interpretada por Loraine
Newman), que não apenas compõe canções ao piano, como ajuda um grupo vocal
negro, orientado pelo R’n’B, para arranjar e ensaiar os rapazes. Essa personagem
é acintosamente inspirada em Carole King, uma artista sensacional e que de
fato, bem nova, ainda nos anos cinquenta, forjou-se no mercado musical como uma
compositora e até chegar ao ponto de ser contratada por uma gravadora, definitivamente.
Verdade histórica, Carole King insistiu bastante em abordar pessoas ligadas ao show business, através do
apoio de grupos vocais R’n’B, formado por rapazes (ou moças), negros com os
quais os alimentava com as suas composições.
Outra cena
interessante no filme, mostra um garoto muito novo, que abordou Freed, ao
se apresentar como o presidente de um fã clube do genial cantor/compositor e
guitarrista, Buddy Holly. Pois Freed abriu o microfone e o garoto deu um depoimento
emocionado, ao ponto de embargar a voz e deduz-se que isso ocorrera em setembro
de 1959, pois ele estava ali a comemorar a data de nascimento do artista e emocionara-se
ao citar perda de Buddy (falecido por conta de uma acidente aéreo), o que
ocorrera em fevereiro desse ano.
Uma cena
forte ocorre quando o pai de Louise a repreende por estar envolvida com homens
negros e ela revolta-se, pois a sua paixão pela música falara mais alto que o
preconceito de sua família conservadora. Se a personagem foi inspirada em
Carole King, vale destacar que Carole, na vida real, passou por esse tipo de
aborrecimento com o seu pai, que foi um empresário poderoso e este frustrou-se
com a decisão de sua filha de não ser uma boa herdeira obediente, para preferir
viver de música e andar com “más companhias”. Enfim, no filme, não é
explicitado tratar-se de Carole King e a condição social da personagem é bem
mais modesta, alojada na classe média.
Enquanto
isso, cenas do show de primeiro aniversário do programa radiofônico que Freed protagonizava,
realizado no teatro Paramount, mostra o tumulto gerado pela super lotação e principalmente
pela euforia proporcionada pelos jovens. Vê-se de tudo, incluso artistas
fantasiados.
Um músico de rua, a tocar uma bateria improvisada com um tambor de
óleo, é notado em alguns "frames". Um pedaço da performance do sempre exótico, "Screamin"
Jay Hawkins, mostra-o a grunhir, literalmente e encerrar a sua apresentação e
entrar em um caixão, algo bem chocante para os padrões da época, muitos anos
antes de Alice Cooper teatralizar os seus shows. Aliás, Alice nessa época, 1959,
era só um garoto estudante, fã de Rock’n’Roll e certamente a ouvir o programa
de Alan Freed no rádio.
Cena desagradável,
mas que corresponde à realidade, de fato as autoridades usaram a polícia para
reprimir o show. O clima fica tenso na coxia, quando o aparato policial cerca
tudo e ameaça parar o show a qualquer instante e pior ainda, efetuar prisões a
esmo, incluso os artistas que estão ali a apresentar-se. Uma ordem é proferida a
dar conta que a polícia não toleraria nenhum jovem em pé, a dançar. Todos
deveriam assistir tal show sentados e caso alguém desobedecesse, o espetáculo
seria sumariamente encerrado, ou seja, uma tremenda arbitrariedade abominável.
Chuck Berry
e Jerry Lee Lewis, em pessoa, apresentam-se. A produção convidou os dois
artistas o que foi simpático, mesmo porque, ambos foram muito amigos de Alan
Freed e apresentaram-se muitas vezes nesses espetáculos produzidos pelo
radialista, na vida real. Tenho certeza que os dois participaram do filme com
muito prazer pela homenagem ao seu saudoso amigo, Freed, no entanto, ao pensar
no filme, a licença poética ficou descabida, pois ambos, na casa dos quarenta
anos de idade nos anos setenta, quando este filme foi produzido, não foram
maquiados para parecer mais jovens, e assim, com quarenta e poucos anos a
interpretar a si próprios com vinte e poucos, ficou bem forçado.
E mais um
detalhe, a sobre a sonoridade dos shows, não houve nenhuma preocupação em
buscar-se um áudio mais compatível com a realidade dos anos cinquenta. Detalhe,
eu sei e compreendo igualmente que a licença poética justificou-se pela homenagem
prestada, no entanto, se tal encenação houvesse sido feita com atores mais
jovens e os dois super astros cinquentistas aparecessem de outra forma, a homenagem
estaria representada dignamente, acredito.
De volta ao
filme, a cena em que a polícia pressiona na coxia do teatro chega aos ouvidos
de Jerry Lee Lewis, que estava no palco a apresentar-se. Ele pede calma aos
jovens, mas em seguida, ele mesmo já sobe em cima do piano e comanda a rebeldia
total (bem típica a reação do “The Killer”, por sinal). A polícia manda cortar a
energia elétrica e sai a bater e prender todo mundo que conseguiu agarrar, em
meio ao tumulto e correria.
A última
cena é muito simbólica. Aquele rapaz que cantava e tocava um tambor de óleo na
rua, é mostrado com a rua deserta após o tumulto. Nada mais simbólico, pois se
a repressão tentou barrar (e tentaria muitas vezes no futuro), o fenômeno, na
verdade o Rock sobreviveu, tal qual o percussionista improvável das ruas
continuou a tocar, incólume aos acontecimentos policialescos.
Uma tarja
com dizeres, apenas afirma que Alan Freed foi morar na Califórnia, posteriormente.
Então, nada mais é esclarecido, portanto, a questão sobre o “Payola” que o
prejudicou ao ponto de ser demitido da rádio, não foi mencionada a justificar a
decadência do radialista e a sua morte em 1965, decorrente do alcoolismo e
certamente pela tristeza gerada pelo ostracismo forçado.
Enfim,
trata-se de uma obra que maquiou bastante a trajetória do radialista, nos
aspectos mais obscuros de sua biografia. Entretanto, mostrou méritos ao exibir
a sua importância para a cena. E contém igualmente algumas pontuais passagens
da sua vida e obra, interessantes.
A direção de arte não foi das mais
caprichadas o que causa um espanto, ao tratar-se de uma produção norte-americana.
Não é nada gritante, mas observa-se no figurino e no visual das personagens, um
certo anacronismo, que não é compatível ao padrão norte-americano que é sempre tão
rigoroso nesse quesito em específico sobre filmes ambientados em épocas mais
antigas. Não basta comprar figurinos em brechós para encenar uma dramaturgia
ambientada em algum ponto do passado. É preciso fazer uma pesquisa mais apurada
etc. e tal.
O mesmo em relação ao áudio. Não é necessário ser um engenheiro de
som para notar que o som cinquentista que soa na trilha sonora do filme, a excetuar-se
trechos de músicas extraídas de discos da época, na verdade é óbvio tratar-se
de uma sonoridade setentista e Pop, para ser mais preciso.
O ator que
interpretou, Alan Freed, Tim McIntire, tinha uma aparência pessoal semelhante
ao cinebiografado, porém, nitidamente mais robusto. Brincadeiras surgiram a
dizer que McIntire havia composto a personagem de Freed, após um tratamento intensivo
realizado em bons restaurantes italianos.
Outros
atores que participaram do filme: Moosie Drier (como Artie Moress), Jeff
Altman (como Lennie Richfield), John Lehne (como DA Coleman), Charles Greene
(como Chuck Otis) e Richard Perry (como um produtor de estúdio). Uma
curiosidade especial, o cineasta e crítico musical, Cameron Crowe, faz uma
participação especial, com um entregador. Nessa época ele era bem jovem, mas
precoce, era crítico de Rock da revista Rolling Stone, já desde o início dos
anos setenta.
Outros
artistas musicais que participaram: The Chesterfields (representado por
atores), The Delights (representados por atores), Brenda Russell, Timmy and The
Tulips (representado por atores) e The Planotones (representado por atores).
O roteiro
foi escrito por John Kaye e a direção ficou a cargo de Floyd Matrux. Foi
lançado em março de 1978. O resultado prático revelou-se muito mal na bilheteria das salas de cinema assim
que entrou em cartaz e recebeu críticas pouco animadas, inclusive mediante
menções ao filme ter edulcorado a biografia de Alan Freed e dessa forma, ignorar
os pontos negativos, como o caso da “Payola”, por exemplo. Circulou na TV, com
muitas reprises. Está disponível em formato DVD e encontra-se na íntegra para ser
assistido no YouTube, ao menos neste instante em que escrevi esta resenha, em 2019.
Esta resenha foi escrita para fazer parte do livro: "Luz, Câmera & Rock'n' Roll", em seu volume III e está disponível para a leitura a partir da página 58.
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