domingo, 13 de julho de 2025

Filme: The Big Heat (Na Batida do Rock) - Por Luiz Domingues

Mais um filme produzido a reverberar o fenômeno emergente do Rock, em meio ao vulcão que mal estava a precipitar a sua erupção nos anos cinquenta, este filme tem uma abordagem bastante amena, aliás, exageradamente superficial sobre a eclosão do Rock, no entanto, mostra-se interessante como um documento a revelar como pensavam os executivos de gravadoras tradicionais na ocasião. 
 
A história é simplória, no padrão da maioria dos filmes produzidos nessa década a abordar o assunto. É óbvio que os seus realizadores não compreendiam o contexto do Rock'n' Roll em sua época, naturalmente, pois a leitura imediatista de um movimento artístico (ou de qualquer natureza dentro da sociedade), dificilmente é feita com discernimento, pois só com distanciamento histórico é possível uma visão ampla dos fatos e as suas inevitáveis ramificações e consequências. No entanto, é compreensível no contexto de 2019, quando escrevi estas linhas e novamente a citar o distanciamento histórico, que naquela fase centrada na metade dos anos cinquenta do século passado, o cinema apressou-se para abordar o assunto, principalmente em torno de produções modestas, amparadas por um padrão de orçamento baixo, para aproveitar o início de uma novidade que mal compreendia-se sobre o que se tratava, exatamente. Foi por oportunismo em querer aproveitar um fato novo? 
 
Provavelmente tenha sido essa a motivação primordial dos seus produtores e isso não pode ser considerado um ato inescrupuloso, mas pelo contrário, se analisado pelo viés jornalístico, a busca pela repercussão imediata de um fato novo foi (é) válida, mesmo ao levar-se em consideração que a produção deste e de muito filmes com o mesmo teor, naturalmente teve o apoio institucional da indústria fonográfica e setores da mídia, notadamente as rádios, que ostentavam uma força extraordinária na ocasião e certamente a beneficiar também diversos meandros do show business. Portanto, o aspecto acintosamente promocional de peças como essa, também cabe como explicação para a sua realização, tão apressadamente.
 
Independente de todo o favorecimento (leia-se em letras garrafais, “dinheiro”), que tais filmes e este foi mais um, proporcionou à máquina que regia a música popular na época, para efeito cultural, não podemos reclamar da sua existência e muito pelo contrário, comemoramos a existência de tais peças, “The Big Heat”, incluso, como documentos arqueológicos importantes para compor a história do Rock, e isso não é pouca coisa.
 
Sobre o filme em si, a ação foi montada em torno do ambiente de uma gravadora tradicional, em meio às decisões de seu mandatário e sob extensão, a revelar a hierarquia com delegação de poder para tomar decisões, todavia, em termos, e para tanto, há ua boa explicação. 
 
O esquema de trabalho é engessado, a seguir uma mesma fórmula há décadas. Tal método de produção musical segue uma linha imutável em torno de um cancioneiro popular, inspirado em Country-Music, basicamente e a absorver a música orquestral inspirada em algumas vertentes amenas do Jazz e da música erudita, esta última a observar ecos diluídos da música leve, produzida por Debussy e outros autores similares. Portanto, a ambientação do filme mostra tais produtores musicais a comandar as gravações de discos insossos com tal tipo de produção musical em série, mediante o apoio de uma orquestra própria, algo que fora um padrão no procedimento das gravadoras, assim como manter-se compositores, letristas e arranjadores contratados como funcionários fixos para criar material regularmente e claro, cantores, estes sim, trabalhados a serem tratados como os astros a ser divulgados na mídia, ou como falava-se mais regularmente nessa época, imprensa.
Nesses termos, o jovem executivo, Johnny Randall (interpretado por Willian Reynolds), é filho do presidente da gravadora e percebe que o esquema de trabalho da empresa gerida pelo seu pai, está na mesmice, há anos e insinua propor-lhe mudanças. A sua intenção é oxigenar a gravadora e inovar ao buscar uma nova formatação musical para quebrar o paradigma forjado em torno da música orquestrada a acompanhar cantores tradicionais que costumavam interpretar as músicas com a voz impostada, a seguir um estilo antigo. 
Fala-se em um novo “Beat” a ser encontrado, mas naturalmente que o pai do rapaz, Joseph Randall (interpretado por Bill Goodwin), não quer nem ouvir falar sobre mudanças, por mostrar-se como um conservador contumaz e por conseguinte, entusiasta da fórmula que em sua opinião não está e nem será desgastada jamais, ao revelar uma miopia gerencial, no mínimo.
Danny Phillps (interpretado por Jeffrey Stone), é um executivo membro da cúpula da gravadora, subordinado ao velho Randall e mostra-se dividido, tanto que segue a cartilha tradicional imposta pelo mandatário, pois ao mesmo tempo que a sua mentalidade é idêntica ao do patrão, ele aceita a proposta do velho Randall de ser sócio minoritário em um pequeno selo que seria criado para o filho, William Randall, ao visar testar as suas ideias em trabalhar para lançar artistas versados por estéticas (então) mais atuais mais modernas. 
 
Em princípio, a posição de Danny é a de um agente do velho Joseph, escalado para não deixar o seu filho arruinar o selo, mas ao mesmo tempo, o velho quer apenas usar tal experiência inicialmente para dar vazão ao ímpeto do filho e a seguir, usar o possível fracasso financeiro de tal empreitada para demolir a convicção do rapaz e assim, forçá-lo a obedecê-lo e doravante seguir a cartilha antiquada da empresa. 
 
Um diálogo, que parece uma mera piada ocasional, tornou-se emblemático quando em tom de brincadeira é sugerido que o velho Randall teria recusado no passado a contratação de um então jovem cantor, por não acreditar em seu potencial artístico, um rapazinho com origem italiana, chamado, Frank Sinatra. É claro que tal pilhéria foi usada como um argumento irrefutável a justificar o fato do velho Randall ter resolvido oferecer uma chance ao seu filho, para investir na modernidade. O selo recém criado foi batizado como: Revere Records.
Há o inevitável elemento romântico para dar uma substância comercial ao filme. Nesses termos, a personagem, Nikki Colinns (interpretada por May Gordon) é uma bela jovem, secretária de John Randall e torna-se óbvio e nem é preciso esperar o desfecho do filme para deduzir-se logo na primeira cena em que ela aparece, que tal personagem fará o par romântico com o protagonista. O mesmo ocorre entre o produtor musical, Danny Phillips e a bela cantora, Nikki Collins (interpretada por Gogi Grant).
Então, para falar da parte mais musical do filme, cenas ambientadas em casas noturnas para mostrar alguns artistas que estariam na mira desse novo som que o jovem executivo ambicionou lançar em seu selo, representa naturalmente, a melhor parte do filme. Dessa forma, assistir um artista histórico como Fats Domino é ótimo, sem dúvida alguma. E tem mais, pois eis que o grupo orientado pelo R’n’B, “Del Vikings” também participa, além da cantora, Cindy Adams que interpreta a uma personagem, portanto, fica dúbio se a tal personagem, Gogi Grant é quem canta ou Cindy Adams como ela mesma, pois o show é uma aparição produzida para um programa de TV, da própria Cindy, da vida real (The Cindy Adams Show), portanto, a produção do filme falhou em não mensurar tal confusão que poderia ser gerada ou simplesmente relevou ao usar a clássica desculpa em torno da licença poética para dar melhor vazão à narrativa.
Ainda sobre tais números musicais, a apresentação do show, apesar dos bons artistas citados, tem uma roupagem antiquada, a parecer um show vaudeville do começo do século XX. Mesmo assim, observa-se a presença de jovens a dançar, ao insinuar a contagiante ação do Rock’n’ Roll. “The Diamonds”, um grupo também orientado pelo R’n’B, apresenta-se e a sua performance é divertida, pois a sua coreografia remetia sempre ao humorismo, por uma característica própria em sua vida real.  
 
Ações de divulgação são mostradas, quando por exemplo é abordado o radialista, Howard Miller, ao visar tocar os lançamentos da gravadora, em seu: “The Howard Miller Show”. 
Entra em cena um personagem exótico. Ocorre que John e Nikki visitam uma amiga e nessa visita, existe uma série de pessoas ali presentes e alguns deles a demonstrar estarem ligados a algum ramo da arte. Um deles, chama a atenção, por ser um cidadão russo e a mostrar-se completamente excêntrico, digamos. Histriônico por natureza, esse senhor a aparentar estar na meia idade, apresenta-se como, Vladimir Stolski, natural de Vladivostok (interpretado por Hans Conried). Ele afirma ser um artista avantgarde e as suas atitudes denotam ser bastante alternativo, a descrevê-lo de uma maneira amena. 
 
John insiste para que Cindy cante uma música para constar no disco que pretende lançar em seu novo selo. Mas o disco sai e o fracasso é total, o que enfurece o seu pai e também o sócio, Danny. Os diálogos nesse momento, denotam que as amenidades cessam quando o assunto é dinheiro, pois teste a parte, o prejuízo faz com que os ânimos fiquem bem acirrados, o que também desnuda o que é ou foi o ambiente em uma cúpula de gravadora tradicional, ou seja, para tais executivos, música boa é a que vende e ponto final.
 
Desesperado, o velho Randall insiste em lamuriar que uma fortuna fora gasta para mandar prensar trezentos e cinquenta mil discos, e daí, dá um ultimato ao filho, para que ele providencie a venda desse estoque em um prazo muito curto, sob a pena em fechar o selo e acabar de vez com tal aventura de sua parte.
Então, com o auxílio de sua namorada, Nikki, a cena que advém, chega a ser prosaica, com os personagens a debruçar-se em pesados livros sobre economia para buscar uma solução salvadora para a situação (como assim?). 
 
No entanto, a solução é ainda mais singela, quando visitam aquela casa onde o tresloucado artista russo estava hospedado e o desmascaram, ao forçar que ele confesse ser na verdade uma outra pessoa. O seu nome é Ben J. Carlson, poderoso empresário multimilionário do ramo da alimentação, e dono de uma rede de supermercados chamada, “Ajax Foods”. Aquela farsa sobre ser um artista experimental russo, fora apenas uma brincadeira inocente de sua parte, ao alegar usar esse alter ego, apenas como um subterfúgio para tirar férias da sua vida massacrante, ao atuar como um empresário. Pois esse poderoso homem de negócios deixa esse tresloucado artista, que vive em segredo dentro de si, falar mais alto, e assim, Vladimir (ou melhor, Ben), anuncia que vai ajudar o selo Revere Records. 
 
No dia seguinte, na sede da gravadora, o velho Randall vem cobrar o seu filho mediante a ameaça que fizera através de um ultimato. Então, eis que a figura de Ben J. Carlson entra na sala de reuniões e anuncia que comprará as trezentas e cinquenta mil cópias do disco encalhado para usá-las como brinde aos seus clientes em promoções a ser realizadas em seus estabelecimentos e mais ainda, comprará mais cópias, mensalmente, para ajudar no fomento à boa música. 
 
Ele revela-se como um empresário messiânico e mecenas, que valoriza a arte, ou seja, que maravilha de solução inverossímil para o filme chegar ao seu final feliz. O filme foi dirigido por William J. Cowan, e lançado em 1958.
 
Enfim, essa obra, “The Big Heat”, apresentou boas atrações musicais e teve esse mérito em mostrar os bastidores de uma gravadora, mesmo que a exibição desse tema tenha desenvolvido-se de uma forma absolutamente ingênua. Não tenho ideia de como  essa obra foi recebida pela crítica na ocasião de seu lançamento, pois não há quase nenhuma informação adicional sobre tal filme, infelizmente, além do que eu relatei nesta resenha.

Posso dizer apenas que o assisti pela primeira vez nos anos sessenta, em uma exibição regular na TV, e nessa época leve-se em conta que ninguém sequer sonhava que um dia existira canais fechados sob regime pago, no futuro, portanto, estou a falar sobre os (poucos) canais abertos disponíveis à população nessa ocasião. Não há registro sobre a existência de cópias em nenhum formato para a venda. Eu possuo uma cópia, apenas por ter tido a sorte em gravar, quando aproveitei a sua rara exibição em um canal a cabo, nos anos 2000 e infelizmente não há registro algum, nem mesmo pequenos trechos desse filme, em qualquer portal da Internet, que eu saiba. 
 
Esta resenha foi elaborada para fazer parte do livro: "Luz; Câmera & Rock'n' Roll" em seu volume II, disponível para a leitura a partir da página 329.

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