Esta resenha trata de um álbum que foi lançado há dez anos, ou seja, pela luz de 2023, quando iniciei o exercício desta escrita. Todavia, o fator “lapso” de tempo não desabona de forma alguma o valor da obra, daí a minha intenção estar justificada.
Falo sobre o CD “Cuidado Garota”, lançada pela banda de Rock, “As Radioativas” em 2013, pela gravadora Baratos Afins.
Vamos aos fatos: conheço de longa data a gravadora Baratos Afins e sobretudo o espírito empreendedor do seu presidente, o abnegado Luiz Calanca. E por ser amigo dele há décadas e também ter trabalhos meus alojados no catálogo de sua gravadora, sei bem o quanto ele se entusiasma quando se encanta com um artista novo, ao ponto de não medir esforços para lhe oferecer o melhor aparato possível em termos de produção de um álbum e a suprir todo o suporte no campo da divulgação, distribuição e até apoiar o gerenciamento artístico, graças aos contatos que mantém no mundo do show business, no âmbito da música profissional “underground” e até alguns do patamar mainstream.
Em suma, se o Calanca apostou no som d’As Radioativas, certamente foi porque o trabalho provou conter substância artística, ou seja, se trata de uma espécie de chancela adquirida pelo conjunto da obra da parte dele, Calanca, que desperta a atenção de todos na cena artística brasileira.
Eis que em um dia de 2013, um amigo pelo qual eu nutro grande estima, Kico Stone (Rocker de carteirinha e film-maker de shows ao vivo de muita categoria), me ofertou uma cópia do álbum, que eu ouvi e achei interessante, contudo, diversos fatores alheios à minha vontade fizeram com que eu postergasse a tarefa de me debruçar efetivamente na análise propriamente dita, e assim, tal demora chegou em um ponto no qual eu deduzi que o tempo passara em demasia ao determinar que se perdesse a sua a contemporaneidade, ou seja, a se tornar inviável.
Até que eu pensasse sob um outro ponto de vista ao assumir que se eu não sou um crítico musical profissional a trabalhar em algum órgão de imprensa e daí não estar comprometido apenas a analisar lançamentos, mas pelo contrário ser livre para gerir o meu próprio Blog como me aprouver, a conclusão óbvia é: por que não posso falar sobre um disco lançado há uma década ou mais que isso?
Muito bem, eis eu aqui a digitar no computador e a olhar para a folhinha que demarca estar a viver o mês de janeiro de 2023, absolutamente tranquilo para falar de um disco lançado em...2013...
Vamos lá então: o CD “Cuidado Garota” mostra a essência de um grupo de Rock que buscou a sua identidade naquele Rock visceral, cru, que flerta com o Rock primordial mais cinquentista, porém a se amalgamar com outras influências múltiplas. Os críticos profissionais se apressam sempre em qualificar um som dessa monta como “Punk” ou “Proto-Punk", mas eu não caio nessa rotulação assim tão clichê e tendenciosa, devo acrescentar.
Há um quê, sim, do Punk’1977 no som que a banda apresenta, mas ao ouvir o álbum, nota-se a presença de outras influências diversificadas e neste caso, é simplista demais classificar a banda como apenas, “punk”.Ao ir mais fundo, acredito que exemplos de bandas e artistas solo internacionais tais como o MC5, o The Stooges, Patti Smith, New York Dolls, The Runaways e até o Girlschool tenham mais a ver com o som d’As Radioativas e não se pode reunir esses artistas citados dentro de um único balaio punk como geralmente os críticos, principalmente os locais, costumam cravar como um pressuposto monolítico.
Existe uma energia primitiva nesse trabalho, no melhor sentido do termo, e isso é agradável, exatamente a respeito da questão da expressão visceral que a banda propôs como o seu pilar estético e claro, reputo isso como um mérito do trabalho.
O outro ponto positivo do álbum é a convicção com a qual a banda elege a sua pauta, sob o ponto de vista musical, na temática e também na sua expressão poética para propor as discussões.
E mais um ponto e eu o deixei propositalmente para o final deste preâmbulo para comentar: trata-se de uma banda feminina, portanto, diversas questões do universo feminino são colocadas em cheque, e nesse ponto, as garotas se valeram muito do quesito da sua dignidade artística para mostrar a devida força na interpretação e certamente a garantir posicionamento firme sobre tais questões propostas.
Musicalmente a banda desenvolveu a contento a sua proposta estética. Há muita energia sob uma condução simples, sem virtuosismos e voos ousados nos arranjos, foi o que a banda se propôs a fazer e nesse caso, entregou muito bem o que prometeu.
No quesito da capa, o álbum tem capricho na sua concepção e também no lay-out final. A capa ao estilo “dupla” um conceito muito usado pelos antigos discos de vinil, traz a presença de uma garota prestes a detonar uma quantidade enorme de “bananas” de TNT no telhado de um edifício, que tem como horizonte próximo a silhueta dos prédios vizinhos a denotar que a radioatividade vai atingir a cidade toda e com o devido toque feminino ao melhor estilo “Cherry Bomb”.
O encarte se desdobra em diversas lâminas a conter as letras das canções a ter cores diferentes e sobretudo a chamar a atenção pelas boas fotos individuais de cada componente do grupo, sob clicks muito bem produzidos e a usar daquela predisposição mais “vintage” de se mostrar Rockers a posar com uma expressividade muito grande.
Segue a ficha técnica bem robusta e se o leitor me permite uma pequena crítica construtiva, a tipologia escolhida na diagramação desse texto, o deixou quase inlegível, mesmo para quem enxerga bem, dado o tamanho diminuto das letras e chega a ser menor que bula de remédio. Tudo bem, sei que uma lâmina a mais encareceria muito o projeto, ou seja, conheço como funciona esse tipo de produção de discos na sua parte gráfica de capa e encarte e dou o devido desconto à produção, é claro.
Sobre as canções do disco, vale a pena anotar mais algumas observações:
“Isso é Rock n’ Roll!!”
Eis o link para assistir no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=A1c9RQ0Rn84&t=7s
Eis aí a energia primitiva citada anteriormente e que empolga logo de início. O tema abre com um riff de estilo Blues-Rock e logo adentra o caminho para o Rock’n‘ Roll com aquele sentido mais puro das raízes cinquentistas, porém a somar outras influências no seu bojo. É muito bom o trabalho das duas guitarras, a cozinha mantém a banda firme e a voz rasgada da vocalista, Tatiana Siqueira, lembra de certa forma a grande, Suzi Quatro, pelo timbre de voz e sobretudo pela linha de interpretação que defende.
“Enquanto eu Fujo de Você”
Eis o link para ver no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=S_Asq635Jbc
Esse tema começa com uma certa atmosfera inspirada pelas estéticas sombrias do movimento Pós-Punk oitentista, mas logo o clima muda quando a banda entra em algo mais vigoroso, ainda que a conexão com a dita verve alternativa seja mantida via Indie-Rock mais noventista, talvez sob a inspiração de bandas dessa década tais como L7 e Sonic Youth, mas veja bem, isto é uma mera conjectura da minha parte, pois não conversei com as artistas para saber qual foi a real inspiração delas nesse aspecto, portanto, fica a ressalva.
“Cuidado Garota”
Eis o link para escutar no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=chcfvnxHpkY
Neste caso, a sonoridade Indie é bem presente e evoca sim o Punk-Rock, isso é inegável. A opção por riffs que sugerem a semitonada como uma opção estética deliberada não deixa dúvida sobre a intenção anárquica da estética que adotam.
Mais uma vez a voz principal rasgada chama a atenção pela contundência em meio a batidas tribais eficientes feitas pela bateria e um aspecto lúgubre imposto pelo baixo.
“Lucille”
Eis o link para ver no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=O73TZj-fhn0
Nesta faixa, o Rock’n Roll bem balançado convida o ouvinte a se levantar e dançar para valer. Lembra bem o som do New York Dolls em seus momentos setentistas gloriosos com Johnny Thunders a comandar a farra Drag Queen. Se mostra bem concatenada a sincronia das guitarras e os backing vocals empolgam, além do solo de guitarra a trazer o elemento do Classic Rock como mote.
“Stupid Boy”
Eis o link para assistir no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=Yyc9R6-waVI
Nesta faixa, o som com um certo ar “glitter” tem aquele clima de “Rocky Horror Show” nas entrelinhas. Mais uma vez o trabalho das guitarras se destaca, em meio à sua simplicidade assertiva, mas aí é que está a essência, pois mesmo não tendo nada contra os virtuoses que abundam por aí, devo dizer em alto e bom som: como é bom ouvir uma guitarra Rock’n Roll sem preciosismos histriônicos...
“Bad Girl”
Eis o link para ouvir no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=p_9LW_vCTYQ
Rock’n’ Roll direto, com aquela rebeldia cinquentista explícita e devidamente revisitada pela pegada sessenta-setentista, o tema trata da emancipação feminina em sua letra de uma forma direta, sem ser panfletário, no entanto. É mais um Rock muito balançado, para dançar, mas claro, se faz necessário prestar atenção na mensagem das meninas, certamente.
“Seja Você”
Eis o link para escutar no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=KNfZEJ67ENM
Eis aí um riff de guitarra bastante saboroso. Lembra o som de “garage bands” sessentistas, com a devida ressalva de que talvez as artistas não tenham essa referência, ou seja, a se tratar apenas da minha impressão em particular. O importante a se destacar é que se trata de um tema bastante balançado e os backing vocals são agradáveis para fazer o contraponto ao vocal principal mais agressivo e dessa forma, tal combinação ornou muito bem para o arranjo.
“Come on Baby”
Eis o link para assistir no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=hlfaLw9ZY_w
Esse tema se inicia com uma interessante intervenção do baixo e bateria a abrir espaço para as guitarras, uma a marcar com acordes cheios e a outra a executar um bom riff. Logo a banda entra em uma marcação mais Rock’ n ‘Roll a la “AC/DC” com aquele sentido do trem que avança e não descarrila nunca. É um som “Aor” se considerar o fato de que ele é muito bom para se tocar em estádios lotados, com o público a responder e seguir a banda no mesmo comboio animado.
“Doce Ácido”
Eis o link para escutar no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=O3vmoRlV010
Nesta faixa, a banda elaborou o seu arranjo com uma boa dose de inspiração na Surf-Music, pela boa intervenção da guitarra a buscar nos timbres e sobretudo na execução, tal reverência, acredito. O reverber exagerado na guitarra é primordial para demarcar tal predisposição. E a banda segue firme nessa mesma toada.
“Longo Tempo”
Eis o link para ouvir no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=TRRiCR4j-pA
Bem, eis um tema mais ameno, com baixo contínuo e sons etéreos de guitarra logo na introdução para mais uma vez denotar influência do Pós-Punk e Indie-Rock, no espectro oitenta-noventista, primordialmente. A interpretação vocal alterna amenidade com maior veemência na medida certa.
Em suma, o trabalho d’As Radioativas é bastante interessante no sentido de celebrar o Rock mais visceral, com simplicidade em suas formas, interpretação forte e mensagens bem contundentes, sem, no entanto, cair na panfletagem.
O aspecto mais triste desta resenha, ao tratar do álbum com tanta defasagem de tempo, se deu no sentido de que a atividade da banda foi extinta em 2015, ou seja, pouco tempo depois do lançamento do disco, em 2013. Gostaríamos que a banda tivesse observado uma continuidade na carreira, mediante mais álbuns gravados e histórias acumuladas, todavia, não foi assim que ocorreu.
Mesmo assim, através de um desfecho que não foi o que as artistas e também o público desejou, creio que o esforço da parte delas foi garantido com tal álbum bem produzido a mostrar um som verdadeiro e que logicamente expressa a mensagem que elas ansiaram transmitir.
CD Cuidado Garota – As Radioativas
Gravado no estúdio Guidon de São Paulo em novembro de 2013
Técnico de áudio (Captura e mixagem): Edmilson
Produção específica de bateria no estúdio: Rafael Rosa
Produzido por Luiz Calanca
Gravadora Baratos Afins
Fotos: Gustavo Vargas
Assistente de Fotografia: Fernanda Oliveira
Produção Executiva: Virginia Das Flôres
Produção, Maquiagem e Figurino do Encarte: Rebecca Carratu
Produção, Maquiagem e Figurino - Gina Golden Girl, Christian Mourelhe
Gina Golden Girl (a modelo que posou para a capa): Virginia das Flôres
Direção de Arte: Paula Reis
Edição de Arte: Leticia Ledoux
Criação de Objetos: Rafael Rosa
Formação d’As Radioativas:
Tatiana Siqueira: Voz
Letícia Ledoux: Guitarra e voz
Natacha Garcia: Guitarra
Crica Campos: Baixo e voz
Leticia Rodrigues: Bateria
Para conhecer mais sobre o trabalho d’As Radiotivas, acesse:
Canal oficial d’As Radioativas no YouTube:
https://www.youtube.com/@asradioativasoficial
Página do Facebook:
https://www.facebook.com/asradioativas
As Radioativas no Soundcloud:
Agradecimento especial ao amigo Kico Stone pelo suporte e indicação do trabalho
muito bom
ResponderExcluirMuito obrigado pelo seu apoio ao Blog e sobretudo ao trabalho da banda retratada pela resenha acima publicada!
ExcluirBaita banda As Radiativas, espero que volte à ativa, parabéns a banda e a você Meste Luiz Domingues sempre propagando e divulgando as bandas e reflexões, grande abraço!
ResponderExcluirMuito obrigado por apoiar o Blog e sobretudo a resenha em específico sobre o disco da banda "As Radioativas".
ExcluirDe fato, essa é a meta do blog: divulgar o trabalho de diversos artistas e promover reflexões as mais diversas.
Muito bom !
ResponderExcluirMuito grato por sua visita ao blog e comentário elogioso!
ExcluirGrande abraço, Landoneto!