Michael Crichton foi um artista multifacetado, e de certa forma subestimado, infelizmente. Convenhamos, não é muito comum um diretor de cinema que também seja escritor de ficção científica, com muitos livros publicados e ainda por cima, alguém formado em medicina...
Como escritor, Crichton escreveu muitos livros que fizeram sucesso no campo da literatura Sci-Fi. Entre os quais : "O Enigma de Andrômeda " (que foi adaptado ao cinema, sob direção de Robert Wise); "Devoradores de Mortos"; "Jurassic Park" (também motivou um filme, através das mãos de Steven Spielberg); Esfera, Congo, Revelação e Twister (também tornou-se filme), e existem outros.
E o fato de ser médico, o ajudou na elaboração de certos conceitos técnicos em torno da biologia, que ele gostava de usar como elemento em sua literatura Sci-Fi.
Mas ele gostava também de dirigir e tornou-se de fato um bom diretor, com uma carreira não muito longa, mas significativa. Em 1973, Crichton lançou um emblemático filme chamado : "Westworld" (no Brasil, esta obra recebeu o nome de : "Westworld - Onde Ninguém Tem Alma").
Baseado no livro de mesmo título, escrito pelo próprio, Michael Crichton, "Westworld" fantasiou o "futuro", onde existiria um parque temático ao estilo da "Disneyland", mas dirigida aos adultos, chamada : "Delos". Logo nos créditos iniciais, vemos cenas de pessoas a embarcar para essa gigantesca estrutura turística e por conta desse ato, a ser monitoradas por funcionários, a simular a organização desses parques temáticos norteamericanos da vida real.
Todavia, tratava-se de um hipotético futuro, onde a tecnologia sofisticara-se ao ponto das atrações prometidas, observar o realismo extremo.
Sendo assim, a proposta mostrava-se a atender aos anseios dos turistas que interagem com robôs a ostentar uma aparência humana perfeita, com sensibilidade aguçada, inclusive e portanto, a proporcionar todo o tipo de envolvimento imaginável.
Havia três opções temáticas a ser escolhidas : o ambiente do velho oeste norteamericano; a Europa medieval e a Roma da antiguidade. O foco dramatúrgico segue através de dois personagens que escolheram passar alguns dias no velho oeste. Mas ao longo do filme, surgem cenas simultâneas de outros personagens a aproveitar os outros parques temáticos e chega-se em um ponto do filme, quando eles fundem-se.
Peter Martin (interpretado por Richard Benjamim) e John Blane (James Brolin), são amigos e decidem aproveitar as férias juntos, no velho oeste de Delos.
A diversão é chegar em uma cidade daquele período e passar por todas as situações típicas daquela época, e devidamente expostas pelos filmes de western, décadas a fio.
Ou seja, eles pretendem beber; dormir com as garotas do saloon, envolver-se em brigas por motivos fúteis e claro, matar pessoas nessas brigas, sem o menor pudor.
A garantia do pacote turístico é total : os robôs brigam de verdade, mas sempre o humano turista vai ganhar, e jamais poderão ferir gravemente e muito menos matar o turista.
Um rígido monitoramento é feito on line e técnicos trabalham 24 horas por dia, para controlar tais ações.
Peter e John sabem disso e põem-se a angariar confusões, como verdadeiros forasteiros petulantes, e assim, a divertir-se muito.
Até que surge na cidade um bandoleiro muito temido. Para seguir o roteiro de um filme de western, ambos apreciam a situação, sabedores que mesmo que o robô represente um bandido perigoso e exímio atirador, no final da história, eles o executarão e fim de conversa.
No caso, o robô é programado para ser arrogante; frio e obstinado. Interpretado pelo ator, Yul Brynner, no filme ele é denominado : "Gunslinger"
Cabe observar que o robô é baseado em um personagem que próprio ator, Yul Brynner, interpretara brilhantemente no cinema, desta feita um pistoleiro de carne e osso, no filme : "The Magnificent Seven" ("Sete Homens e um Destino"), um western clássico, lançado em 1960, e baseado no filme japonês, "Os Sete Samurais", de Akira Kurosawa. De fato, o figurino do andróide, Gunslinger é idêntico ao usado pelo personagem defendido por Brynner em "The Magnificent Seven".
Durante a madrugada, técnicos do parque removem robôs "mortos" e são mostradas cenas da oficina a trabalhar a todo vapor, com os cientistas de plantão a emitir o seu parecer técnico. Aí entrou o lado médico de Crichton, que sempre gostou de inserir em seus filmes e livros, tais citações teóricas, ao desejar fornecer um maior embasamento real à sua obra.
No caso de Westworld, são curiosos esses diálogos, geralmente conduzidos pelo diretor do parque, interpretado pelo ator, Allan Oppenheimer. E como os robôs "morrem" para divertir os turistas, eles voltam à cena quando os turistas despertam para aproveitar um novo dia e assim, podem morrer novamente em cada jornada.
Martin e Blane abusam da brincadeira, ao provocar brigas no saloon, onde até Martin é "preso", para momentos depois, Blane ter o prazer de dinamitar o cárcere da delegacia para resgatar o seu amigo e matar o delegado, sem piedade.
Em uma dessas brigas, de ambos.Gunslinger é morto, mas claro, após reparos, o robô voltou para a cena, no dia seguinte.
Contudo, algo começa a falhar na estrutura do parque temático. Pequenos sinais aparecem, sem que os turistas percebam a fonte, que na verdade fora um vírus eletrônico que epidemicamente colocou-se a contaminar todos os robôs. Por exemplo, John Blane (Richard Brolin), é picado verdadeiramente por uma cobra andróide; moças andróides programadas para ceder aos desejos sexuais dos turistas, recusam-se a colaborar nesse sentido etc.
Nesse momento, são exibidas as cenas dos outros parques temáticos, a demonstrar que a epidemia também contaminou-os.
No mundo medieval, por exemplo, um cavaleiro provoca uma briga com um turista e propõe um duelo de espadas, quando o mata. Na "Roma antiga", tudo sai do controle e o que fora para ser um final de semana envolto sob orgias, torna-se um cenário de matança desenfreada, com requintes de crueldade.
Ainda por não perceber o perigo em que envolveram-se, os amigos Martin e Blane são desafiados a duelar, pelo pistoleiro, Gunslinger.
Ao desdenhar da situação, por estar seguros de que o matarão sem problemas, não abalam-se com as bravatas do pistoleiro e assim, portam-se displicentemente diante do perigo. Todavia, Gunslinger está obcecado por matá-los e a portar uma pistola real, atira e mata Blane. Só aí Peter Martin percebe que acabou a brincadeira e foge desesperadamente.
Gunslinger o persegue de forma implacável e essa parte final do filme é muito angustiante, pois sabemos que o robô só vai parar quando for destruído, mas a questão é : como destruí-lo ? Nesse ínterim, os técnicos estão a empreender todo o esforço para desligar os robôs e a duras penas conseguem pequenos progressos, mas Gunslinger continua a perseguir obstinadamente Peter Martin, determinado a matá-lo. Martin alcança o deserto que cerca a cidade do velho oeste e as cenas seguem os clichês dos filmes clássicos de western, com a perseguição em ambiente árido e inóspito.
Ele encontra-se com um técnico do parque, que mais assustado ainda, está a tentar fugir da matança desenfreada. É curiosa essa pequena ponta feita pelo ator, Steven Franken, que mais baseou a sua carreira nas comédias, onde cito o genial garçom bêbado que rouba a cena em "The Party", uma das melhores comédias de Peter Sellers. E claro, Gunslinger mete-lhe bala, para apavorar ainda mais o personagem, Peter Martin.
Então, munido de algumas cápsulas de ácido (que achou no laboratório do parque, durante a sua fuga), espera uma oportunidade e joga o líquido no rosto de Gunslinger.
Essa cena, a mostrar o rosto do robô a derreter, foi uma das primeiras, senão a primeira na história do cinema, onde usou-se a computação gráfica, que logicamente em 1973, ainda engatinhava e não era nada parecida com a que conhecemos hoje em dia. Porém,
ao considerar-se a época e os recursos disponíveis, é espetacular.
Martin chega aos limites do mundo medieval, onde os robôs estão desativados, mas também vê-se corpos de turistas mortos. Mesmo sem rosto e com apenas componentes eletrônicos expostos na cavidade facial, Gunslinger continua a sua caçada frenética. Gunslinger chega e Martin corre para a masmorra do castelo e observa uma mulher acorrentada, mas percebe que trata-se de um robô, quando ele oferece-lhe água e o líquido causa-lhe um curto circuito.
A última tentativa é incinerar o robô e parece que Martin salvou a sua vida, enfim. Mesmo carbonizado ele ainda aproxima-se, mas explode a seguir, literalmente. Então, finalmente Martin, atônito com toda a agonia que passou, senta-se em uma escadaria da masmorra, onde pensa na ironia do slogan do parque : "já temos um período de férias para você"...
É óbvio que o filme versa sobre o vazio do homem massacrado pela sociedade capitalista. A ideia de um parque temático nos moldes dos parques Disney, mas com teor adulto e a evocar grandes sets de filmagem de cinema, demonstra claramente que a vida frenética das pessoas, carece de válvulas de escape. Brincar de estar em um mundo diferente e poder extravasar o hedonismo e não só isso, mas também o poder da vida e da morte, sem questionamentos éticos; morais e pela plena desobediência às leis, pode fascinar. Outra observação pertinente, dá-se na comparação que muitos críticos fazem entre Westworld e Terminator, realizado onze anos depois.
Parece claro que o androide assassino e obstinado vivido por Arnold Schwarzenegger, é muito parecido com o robô, Gunslinger, de Yul Brynner. Implacável, ele persegue sua meta até o fim, sem esmorecer.
E certamente algumas ideias também influenciaram, "Predator", outro filme de Schwarzenegger, do final dos anos oitenta. O alienígena protagonista em questão, usa muita tecnologia para empreender a sua caça aos humanos, ao usar recursos vistos em "Westworld", com o robô, Gunslinger.
"Westworld" teve uma sequência em 1976, com o ator, Peter Fonda, como protagonista. Nessa sequência, chamada : "Futureworld", teve a participação novamente do ator, Yul Brynner, ao interpretar novamente o robô
Gunslinger, mas essa produção ficou aquém.
Pior ainda foi uma tentativa em adaptar a história para o universo das séries de TV, ao retumbar em um fracasso e que logo cancelado pela Rede CBS, no início dos anos oitenta.
Há planos para um remake, há anos e o próprio Schwarzenegger foi cotado para ser o "novo" Gunslinger, mas até agora, não houve concretização dessa produção. Como cinéfilo, torço para que não haja e que assim, poupe-nos de mais um remake cheio de tecnologia moderna e pouquíssimo conteúdo.
Destaca-se, é claro, a interpretação de Yul Brynner, que tornou o robô, Gunslinger, assustador. "Westworld" é mais um desses filmes da safra Sci-Fi setentista, que ganhou fôlego extra após o sucesso mastodôntico de "2001" / Uma Odísséia no Espaço, em 1968. Foi exibido com frequência na grade das TV's brasileiras, geralmente na faixa da madrugada, mas com a mudança de mentalidade dos programadores de hoje em dia, que só privilegiam filmes produzidos até quinze anos para trás, a cota de filmes vintage fica mesmo restrita aos canais de TV a cabo especialistas e para garimpeiros de locadoras diferenciadas da internet. Eu o recomendo, evidentemente, pois considero-o um grande filme Sci-Fi.
Muito bom Luiz !
ResponderExcluirYuliy Borisovich Bryner; July 11, 1920 – October 10, 1985
Excelente a sua participação, Juma !
ExcluirSim, o grande Yuliy Borisovich Bryner, vulgo Yul Brynner, fantástico ator.
Por quê. vc têm o dom de deixar seus leitores. com vontade de ver o filme toda vez que vc fala de um???? Eu escolheria a Idade Média. com todos os Lancelotis e bruxas de direito!!!!Si Simplesmente impecável. seu texto Luiz!!!
ResponderExcluirQue belo elogio, Sil !
ExcluirFico extremamente feliz por saber que uma resenha minha provoca a vontade do leitor em ver ou rever cada filme que enfoco.
Eu teria a tendência a escolher a Idade Média também. Contudo, o Império Romano e o velho Oeste também seriam muito divertidos...
Obrigado por ler, elogiar e comentar !!
Oi, Luiz
ResponderExcluirAssisti ao filme há muito tempo. Lembro de ter gostado muito. É bem tudo isso que você cita no teu texto acima.
Você diz torcer para que não haja remake cheio de tecnologia e pouco conteúdo. Você sabe que sou aficionada por tecnologia, então, por mim pode ter um remake sim, e torcer para que haja um pouco de conteúdo. E torço também para que Schwarzenegger não seja cotado para trabalhar no filme.
E gostei da tua interpretação sobre o que versa o filme. Isso daria um outro artigo, com mais profundidade. Que tal uma continuação?
Abraços
Oi, Janete !
ExcluirQue bom que identificou no meu texto as suas próprias impressões sobre o filme.
Entendo e respeito a sua opinião sobre remakes e deixe que eu me expresse mais claramente sobre um aspecto : Eu não tenho nada contra os avanços da tecnologia. A minha discórdia é com a maneira como é usada e sobretudo a intenção comercial de tornar bons filmes do passado , palatáveis à garotada do momento que nasceu já na Era da informática e aí, são muitas explosões, barulho e nada de enrêdo. Por isso, estórias que foram estupendamente adaptadas ao cinema no passado, ainda que com recursos técnicos pobres,são completamente diluídas em quase todos os remakes.
Bacana ter gostado da minha interpretação sobre as metáforas propostas por Michael Crichton. Talvez dê margem à um novo texto, aprofundando um pouco mais. Pensarei a respeito. Boa ideia !
Obrigado por ler e comentar !!
Olá, Luiz, ótima resenha de um sci-fi-western que merece ser visto. Há no Westerncinemania uma resenha de minha autoria sobre esse filme (Westerns Bizarros), bem como um vídeo que editei de Westworld. Bom saber que o amigo gosta e conhece de faroestes. Um abraço do Darci.
ResponderExcluirGrande Darci !!
ResponderExcluirQue honra receber sua visita em meu Blog !!
Fico muito contente que tenha gostado de minha resenha sobre Westworld e claro, retribuirei a visita, lendo a sua resenha sobre a mesma obra,que tenho certeza, tem a visão de um expert no gênero Western.
Claro que gosto de Western ! Só não tenho o conhecimento enciclopédico que o amigo tem !!
Um grande abraço, amigo !!