A questão da alimentação vegetariana, versus hábitos carnívoros da maioria das pessoas, sempre gerou controvérsia. A despeito do movimento vegetariano ter crescido vertiginosamente nos últimos anos, ainda existe um escárnio por parte de não adeptos desse tipo de alimentação.
Não faz muito tempo, havia um comercial de TV que ironizava desdenhosamente os vegetarianos, ao reduzi-los à idiotia, em detrimento dos carnívoros convictos, que estes sim, mantinham, segundo o texto escrito pelo famigerado "formador de opinião", uma vida saudável e feliz, justamente por estarem alimentados por proteínas animais. Um pseudo "Guru", pálido e dotado de uma voz monocórdica, dizia ser feliz por alimentar-se com a ingestão "brotos de bambu", ao contrastar com a imagem de jovens bonitos e bem vestidos, a jantar em uma churrascaria. Sem dúvida, um golpe muito baixo, ou no mínimo "deselegante", como diria aquela jornalista da TV... bem, embora eu seja vegetariano, jamais fui um "militante da causa".
Apenas não consumo carne na minha alimentação, ao abster-me de qualquer ação no sentido para tentar "convencer" outras pessoas de que o meu hábito é mais "saudável"; mais "humano" em relação à crueldade perpetrada contra os animais etc. Posto isso (tomo esse cuidado por que jamais escrevi sobre esse tema anteriormente, e tenho uma certa reserva em relação ao radicalismos adotado por parte de adeptos do vegetarianismo), chamou-me a atenção o fato de que a Câmara Municipal de São Paulo, acaba de aprovar uma Lei que está a gerar bastante polêmica, mesmo com a ressalva de que o prefeito ainda tem o poder de veto final, e convenhamos, será bastante pressionado pelo setor que será prejudicado diretamente se a Lei for sancionada. Estará proibida a comercialização de "Foie Gras" nos restaurantes da cidade, e venda no comércio.
Ora, uma Lei radical desse porte, prejudica uma infinidade de pessoas. A começar pelos restaurantes especializados em culinária francesa, que são inúmeros em São Paulo, ao amplificar-se sobre a rede de comércio que lida com tal produto, e evidentemente, ao abranger a sua cadeia produtiva primordial, ou seja, os criadores de patos e gansos. Essa iguaria, o Foie Gras, é um alimento que remonta a remota antiguidade. Há registros de seu consumo, datados de dois mil e quinhentos anos antes de Cristo.
Os romanos, chamavam a iguaria como : "iecur figatum", que significa "fígado engordado com figo". Era uma alusão ao fato de que o fígado de patos; gansos e marrecos, ao ser inchados pelo hiper consumo de figos, tornavam-se saturados pela gordura natural em excesso, portanto, a tornar-se muito mais saborosos, ao adquirir o tom amanteigado, segundo os gourmets. Tal hábito solidificou-se, Idade Média adiante, e tornou-se um ícone da culinária francesa, portanto associado a uma aura de alimentação sofisticada.
Na prática, o Foie Gras é o fígado dessas citadas aves, adulterados por uma hiper alimentação. Nessa disfunção hormonal advinda dessa prática cruel, o objetivo é alcançado quando o fígado satura-se com gordura, ao torná-lo mais "apetitoso". Ora, para que o fígado desses animais chegue nesse estágio, a alimentação forçada em que essas aves são submetidas, não é nada agradável.
É inacreditável o mal estar que é impingido-lhes nesse processo, ao tornar a sua pobre vida, um martírio. E sem intenção em fazer afirmações panfletárias, mas inevitavelmente ao cometê-las, a pergunta é : que vida ?
Se tais aves são encaradas meramente como um produto de consumo, que preocupação tais produtores teriam em proporcionar-lhes bem estar, e a perspectiva de uma vida feliz na natureza, com direito a uma morte natural ? O que o empresário ganha com isso ?
A discussão é ampla, eu sei. Não vou perder tempo para falar de outras práticas cruéis perpetradas contra outras espécies, para não perder o foco, embora a raiz seja a mesma. Em 2004, o governador da Califórnia, Arnold Schwarzenegger, proibiu o consumo de Foi Gras obtido com métodos cruéis, nesse estado.
Leis semelhantes estão em vigor em quinze países, a maioria localizados na Europa, com exceção de Argentina e Israel, signatários da mesma causa. Os produtores alegam que é da natureza das aves, armazenar alimentos. Outro argumento que usam para defender-se, trata sobre a elasticidade natural da garganta deles, que teoricamente faz com que o método em empurrar-se uma carga impressionante de alimentos goela abaixo, não income-lhes, pois assim não sentem ânsia. Será ?
Bem, há muito o que evoluir nessa relação entre o homem e o animal. Reconhecer que os animais são seres vivos, e embora não tenham a sofisticação do raciocínio dos humanos, sentem dor; angústia e medo, talvez seja um primeiro passo. É possível sobreviver a alimentarmo-nos de outras fontes da natureza, sem ter que recorrer às vísceras dos animais ? Claro que sim, e o vegetarianismo está em expansão geométrica no mundo, para comprovar tal preceito.
Portanto, embora muita gente esteja profundamente indignada e a sentir-se prejudicada (claro que assim sentir-se-ão mesmo, nesses termos), parece que a Lei proposta pelos vereadores de São Paulo, tem um sentido libertário, além dos hábitos alimentares arraigados desde a antiguidade. É muito invasivo ao meu ver, afirmar para uma pessoa que aprecie tal alimento, que deixe de consumi-lo, mesmo que haja uma forte argumentação humanitária em pauta.
Todavia, século XXI em curso, não dá mais para conviver com certas práticas que envolvem essa morbidez, com requintes de crueldade, humilhação etc. Façamos o seguinte, então : que tal buscar outros prazeres na culinária ? Dá, ou não dá para viver sem o Foie Gras ?
Matéria publicada inicialmente no Blog Planet Polêmica, em 2014
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