Sobre esta
obra é necessário esclarecer que não obstante não se tratar de um filme com
dramaturgia e portanto, muito mais próximo de um documentário, eu creio que faz
por merecer a sua inclusão neste rol dos Rock Movies dos quais eu tenho
aqui (neste blog e a referir-me ao livro impresso), arrolado, pois a sua proposta é bem interessante, em termos de mote e além
disso, ele traz muitos méritos na sua produção, principalmente nos quesitos da
pesquisa, decupagem e edição. Além desses fatores técnicos, a óbvia questão da
sua trilha sonora, totalmente baseada no repertório dos Beatles, sob versões
fidedignas aos arranjos originais e defendida por uma constelação formada por
Rock Stars, britânicos em predomínio, faz valer a sua audiência, sem dúvida.
Bem, tal
produção foi idealizada por Tony Palmer, um diretor que houvera lançado um interessante
documentário em 1968, denominado: “All My Loving”, quando traçara um ótimo
panorama do Rock inglês a contar com aparições sensacionais de artistas de alto
calibre, como o Cream, The Animals, Moody Blues, Donovan, Lulu, Frank Zappa,
The Who, The Jimi Hendrix Experience, The Beatles e The Rolling Stones além de
depoimentos pontuais e cenas do cotidiano londrino sob a plena ação
contracultural da Swingin’ London. Posteriormente,
Palmer produziu uma série documental com o título: “All You Need is Love”, dividida
em dezessete capítulos, a exibir um apanhado sobre a história da música
popular, sobretudo pela ótica britânica e norte-americana.
Sobre “All
This and World War II”, Tony Palmer deveria ser o diretor único desta obra, no
entanto, o papel da montadora, Susan Winslow, foi tão marcante que ela foi
creditada como a diretora, oficialmente na ficha técnica da obra. E como eu
havia mencionado anteriormente, de fato, o papel da montagem nesse filme/documentário, foi enorme, portanto, tornou-se cabível que a Susan fosse
agraciada com esse crédito honroso.
E por que a
montagem foi tão proeminente? Bem, o mote deste filme foi estabelecer uma
colagem de imagens originais oriundas de diversos documentários sobre a Segunda
Guerra Mundial, editadas em conjunto com cenas extraídas de diversos filmes
norte-americanos e britânicos, notadamente dos anos trinta, quarenta e
cinquenta, que basearam-se no evento dessa guerra. A montagem privilegiou portanto,
uma linha mestra a dar vazão às muitas canções do Beatles, no tocante não apenas
à emoção proposta pelas músicas em si, mas sobretudo pelo teor das suas letras
e dessa forma, a passar uma mensagem subliminar em torno do repúdio ao horror
gerado por tal conflito, no entanto muito além disso, a respeito de todos os
conflitos bélicos, portanto a estabelecer uma ode ao pacifismo e à liberdade.
Sobre o
desenvolvimento dessa colagem, a revelar um bom trabalho de pesquisa &
decupagem, mas sobretudo na boa edição realizada, valoriza-se a trilha sonora e
vice-versa, sendo assim, a gerar um trunfo para a produção desta obra, que soube
estabelecer uma coerência em sua proposta. A inserção de cenas reais da guerra,
não apenas sobre combates no front, mas também a revelar os bastidores
políticos e militares, em meio aos acontecimentos ocorridos em seus gabinetes e
sobretudo pelas imagens a mostrar o cotidiano das pessoas comuns, certamente são impressionantes. Mostra-se os civis e o
seu sofrimento em meio à escassez de recursos, apreensão pelos acontecimentos a
envolver o possível perigo de invasões da parte de exércitos inimigos e mesmo sob
ataques frontais, caso de localidades que foram duramente bombardeadas.
Nesses termos há um bom
acompanhamento do avançar do conflito, com a presença de manchetes de jornais e
noticiários radiofônicos e também dos próprios documentários que eram exibidos
normalmente em salas de cinema e na incipiente TV, que ainda engatinhava nos
anos quarenta.
Sobre as cenas
a envolver cenas extraídas de filmes, o trabalho de pesquisa foi muito bom, pois
alguns diálogos proferidos na dramaturgia, foram cuidadosamente escolhidos para
amalgamar-se perfeitamente à parte musical e com ênfase nas letras das
canções dos Beatles. Nesse sentido, diversos sentimentos são expressos, a envolver
o medo, angústia e depressão, em contraste com a esperança, o espírito
igualitário e fraternal e sobretudo, o amor.
Cenas sensacionais a envolver a
atuação de atores como: Milton Berle, George Raft, Dana Andrews, Richard
Burton, James Cagney, George Sanders, Farley Granger, Richard Conte e James Mason,
entre muitos outros, são significativas.
Só para citar duas cenas marcantes: o
ator, James Mason a interpretar o Marechal de Campo, Erwin Rommel (filme: “The
Desert Fox”/“The Story of Rommel”, de 1951 e dirigido por Henry Hathaway), a
enfrentar a fúria de Adolf Hitler, é uma cena para tirar o fôlego.
Outra bem
forte, embora bastante carregada pelo ufanismo norte-americano, mostra o ator,
Dana Andrews a enfrentar a arbitrariedade de um interrogatório mediado por um tribunal
de exceção nipônico (e tirânico), com extrema força, ao caracterizar um
desabafo, após o personagem defendido por Dana Andrews e os seus homens, prisioneiros
de guerra, ser torturados cruelmente e a seguir, condenados à execução sumária
(filme: “The Purple Heart”-“Coração Púrpura”, de 1944, dirigido por Lewis
Milestone).
Há também a inserção de cenas mais amenas de filmes, a mostrar
soldados a passar alguns momentos românticos com as suas respectivas namoradas
ou esposas, antes de partir para o front e caracterizações das pessoas comuns
a receber as notícias da guerra, sob apreensão. E também a inclusão de cenas a
mostrar o esforço das mulheres no conflito, a trabalhar em fábricas de munição
ou a atuar como enfermeiras em postos médicos no front.
Isso sem deixar de mencionar
o lado mais discutível em torno da mulher como objeto sexual, visto que as
feministas tem razão em reclamar, no entanto, a indústria da sensualidade
gráfica trabalhou a todo vapor, com a produção de fotos para ilustrar todo o
tipo de material enviado aos soldados, com as imagens sensuais das ditas, “Pìn Ups
girls” a fornecer um alento aos soldados, que viveram dias difíceis no inferno
do front.
Outro
acréscimo muito interessante, foi mediante cenas a apresentar atores famosos
que alistaram-se nas forças armadas na vida real, casos de James Stewart,
Tyrone Power, Dana Andrews, entre outros, e muito interessante, ufanismo e
patriotada à parte, algumas cenas deixaram uma imagem mais humanista, embora implícita,
sobre os adversários que formavam o Eixo: alemães, italianos e japoneses.
Cenas com
batalhas reais, extraídas de documentários, mostram momentos épicos do conflito,
tais como a duríssima batalha de Al Alamein, onde os ingleses e os germânicos lutaram
entre si e principalmente contra a adversidade desumana observada no deserto do
norte da África, a impressionante batalha naval de Midway, no Oceano Pacífico e
a mais famosa de todas, em torno do “Dia D”, quando os aliados invadiram a região
da Normandia e começaram a expulsar os nazistas da França.
Cenas extraídas de
documentários a mostrar os maiores mandatários na ocasião, como Roosevelt (Harry
S. Truman, assumiu a presidência norte-americana quando Roosevelt faleceu pouco
antes do final da guerra); Churchill, De Gaulle, Mussolini, Adolf Hitler e o
imperador japonês, Hirohito, além de militares como o general Patton
(norte-americano), o marechal de campo Montgomery (britânico) e o também marechal
de campo, Erwin Rommel (alemão), além de outras personalidades que direta ou
indiretamente estiveram ligadas ao conflito, aparecem.
Sobre a
parte mais musical, Rock e contracultural dessa obra, a música sem dúvida é o
elemento que faz o elo a estabelecer o contraste entre o horror da guerra e a
proposta pacifista em torno da construção de um mundo fraternal movido pela
paz. A música dos Beatles dá voz a construir tal ode à meta em torno de um
mundo regido pelos signos de paz & amor.
A ideia
inicial de Tony Palmer, foi usar as gravações originais dos Beatles, no
entanto, com a cifra exorbitante cobrada por parte da editora, foi óbvio que
esse desejo inicial foi descartado. Acionou-se então o “plano B”, com a motivação
de se convidar diversos músicos e cantores para regravar o material e aí,
certamente as taxas cobradas pela editora, caíram significativamente, mas por
outro lado, certamente que a produção arcou com um custo alto para bancar a
gravação e mixagem desse material e também em relação ao cachet dos artistas
escalados para cumprir tal tarefa. Deduzo o óbvio, ou seja, a redução do gasto,
propiciou a solução adotada pela produção.
O que
observo sobre a trilha foi que o arranjo das diversas canções selecionadas
não foi modificado de uma forma radical em relação ao original gravado pelos
Beatles. De uma forma geral, respeitou-se a sonoridade gravada pela banda, com
pequenas modificações sutis, a destacar alguma mudança de interpretação ou em
alguma passagem, inclusive ligeiras mudanças de palavras nas letras,
para realçar alguma cena do filme, mas é preciso prestar muita atenção, pois
realmente é muito obscuro.
Sobre as
canções selecionadas, ao se considerar que a obra dos Beatles é recheada por
sucessos, mas sobretudo por grandes músicas no aspecto artístico, é sempre
muito confortável montar qualquer lista de canções dos Beatles, para qualquer
finalidade a envolver uma trilha sonora para compor um audiovisual; espetáculo teatral,
ballet, ou qualquer outro tipo de expressão artística, com a certeza de que vai
enriquecer o trabalho. Não significa dizer que a música por si só garanta tudo,
no entanto, vide a aventura equivocada do filme: “Sgtº Pepper’s Lonely Hearts
Club Band, lançado no ano de 1978, e que redundou em fracasso, porém, mesmo
assim, certamente que a música composta pelo Fab Four, amenizou o fiasco, nesse
caso citado.
Em relação a
este filme/documentário, é claro que o cancioneiro beatle caiu como uma luva
para reforçar a intenção de Tony Palmer. As canções que foram utilizadas são as
seguintes: “Magical Mystery Tour”, “Lucy in The Sky With Diamonds”, “Golden
Slumbers”/“Carry That Weight”, “I Am The Walrus”, “She’s Leaving Home”, “Lovely
Rita”, “When I’m Sixty-Four”, “Get Back”, “Let it Be”, “Help”, “With a Little
Help From My Friends”, “Nowhere Man”, “Michelle”, “We Can Work It Out”, “The Fool
on The Hill”, “Maxwell’s Silver Hammer”, “Hey Jude”, “Polythene Pan”, “Sun King”,
“Getting Better”, “The Long and Winding Road”, “Yestarday”, “Because”, “Strawberry
Fields Forever”, “A Day in The Life”, “Come Togheter”, “You Never Give me Your
Money” e “The End”, ou seja, já que o filme mostra imagens de guerra, reais e dramatúrgicas,
os Beatles forneceram um arsenal pesado para derrotar qualquer oponente.
E sobre os
artistas convidados para tocar e cantar, também configurou-se em um batalhão
fortíssimo de apoio. Veja a lista de quem cantou: Elton John, Keith Moon,
Ambrosia, Bee Gees, Leo Sayer, Brian Ferry, Roy Wood, Rod Stewart, David Essex,
Jeff Lyney, Lynsey De Paul, Richard Cocciante, Helen Reddy, The Four Seasons,
Frankie Laine, The Brothers Johnson, Status Quo, Henry Gross, Peter Gabriel,
Frankie Valli, Tina Turner, Wil Malone, Lou Reizner. E quem tocou: Nicky
Hopkins, Les Hurdle, Ronnie Verrell.
Além do apoio orquestral da Orquestra
Sinfônica de Londres, sob as batutas de Harry Rabinowitz e David Meashaw. Wil
Malone escreveu arranjos. Lógico que outros músicos participaram, porém não
receberam crédito. A começar por algumas bandas acima citadas, cujos músicos
não foram descritos individualmente.
É bom
destacar que a versão de Lucy in The Sky With Diamonds, com Elton John, teve
uma figura disfarçada a tocar guitarra. Sob o pseudônimo: “Doutor Winston O’Boggie”,
ninguém menos que John Lennon foi quem atuou ao gravar.
A reação da
crítica ao filme, foi um massacre, infelizmente. Compreensível, a moda comportamental
na Inglaterra, ao final de 1976, e durante o ano de 1977 em diante, estabeleceu
o vilipêndio sumário aos ideais pacifistas propostos pelo movimento hippie,
portanto, configurou-se um momento péssimo para falar-se em “Peace & Love”
e por conseguinte, faltou essa percepção da parte dos produtores do filme,
sobre o que a opinião pública estava a pensar na época em que o filme foi
lançado. O público não respondeu a contento e rapidamente o filme saiu de
cartaz no circuito comercial e perambulou por salas menores de cine clubes,
além de participar de festivais com pequeno porte, visto que em Cannes, ele não
competiu entre os grandes, ao ser exibido em mostra paralela, apenas. Posteriormente,
foi exibido pela TV, muito modestamente.
A sua trilha sonora no entanto, despertou
a atenção. Algumas canções tornaram-se sucesso para os artistas que as gravaram,
caso de Elton John que lançou, “Lucy in The Sky With Diamonds”, como single seu
e fez muito sucesso. Rod Stewart também explorou bem a sua interpretação para “Get
Back”, assim como o grupo, Ambrosia, que fez sucesso com a sua interpretação
para “Magical Mystery Tour” e Frankie Laine com “Maxwell’s Silver Hammer”.
Demorou, no
entanto, para a trilha do filme sair em LP, o que somente veio a ocorrer em
1979. No entanto, quando a transição para o formato do Compact Disc surgiu nos
anos oitenta, o álbum não foi lançado imediatamente e na verdade, isso demorou
anos para acontecer, visto que apenas em 1996, veio a se concretizar.
Em termos
de vendas para o consumidor caseiro, este filme não foi lançado em cópia oficial
nos formatos VHS, tampouco DVD/Blue-Ray, e dessa forma, somente existe
disponível no mercado, sob cópias piratas para a comercialização. E nos portais
da Internet, encontra-se com facilidade no YouTube, em versão na íntegra,
ainda bem.
Foi
produzido por Sanford Lieberson e Martin J. Machat. Edição a cargo de Colin
Berwick e Susan Winslow e direção de Tony Palmer, embora creditada a Susan
Winslow, conforme já comentei anteriormente. Foi lançado em dezembro de 1976.
Em suma, esta
obra talvez não agrade muitas pessoas, no entanto, em meu caso, que sou um
apaixonado pela obra dos Beatles, entusiasta da contracultura sessentista,
cinéfilo, fã confesso da produção cinematográfica trintista/quarentista/cinquentista, muito interessado em história e também por conta do conflito a
envolver a Segunda Guerra Mundial, tal obra agrada-me como peça cinematográfica
a misturar tais elementos de meu apreço.
Se o leitor considerar não se identificar com
nenhum item desses que eu citei acima, no mínimo, eu creio que valha a pena
assistir pela curiosidade em torno de uma peça que hoje em dia é considerada
como um documento, talvez ingênuo, mas certamente bem intencionado em mais uma
vez usar o Rock como ferramenta, a provocar questionamentos de ordem sociocultural
e sobretudo, comportamental.
Esta resenha foi escrita para fazer parte do livro: "Luz; Câmera & Rock'n' Roll", em seu volume III e está disponível para a leitura a partir da página 149.
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