Este filme,
como sugere o seu título, foca na relação de John Lennon (interpretado por Mark
McGann), com a artista plástica, Yoko Ono (interpretada por Kim Myiori), no
entanto, por força das circunstâncias a envolver este famoso casal, fica
impossível observar apenas a questão do amor entre os dois como pessoas comuns,
simplesmente, sem mencionar a música; as artes plásticas e o ativismo
sociopolítico em que ambos militaram com força.
Exatamente por tais adendos
inevitáveis e que naturalmente revelam-se sensacionais, foi que este telemovie,
que deveria ser uma produção simples a contar uma história de amor comum,
ganhou uma dimensão muito maior e surpreende em seu resultado final.
O filme
inicia-se em agosto de 1966, quando os Beatles estavam a fazer os últimos shows
de sua derradeira turnê, nos Estados Unidos e John Lennon cometera o deslize de
proferir uma frase de efeito que causou uma polêmica tremenda. Ele dissera em
uma entrevista que os Beatles estavam mais populares que Jesus Cristo naquele
instante, no entanto, alguns jornalistas distorceram a fala, ao extraí-la de um
contexto e dar a entender para a opinião pública, que ele afirmara que
considerava a banda, melhor do que Jesus Cristo, ou seja, algo completamente
diferente.
Entretanto, justamente no sul dos Estados Unidos uma região formada
por estados ultraconservadores, isso caiu como uma bomba e daí, uma reação
truculenta, orquestrada por militantes de organizações extremistas, organizou várias
ações de repulsa aos Beatles, entre elas, a queima de discos e material em
geral sobre a banda, em enormes fogueiras públicas. O grupo não se intimidou e
manteve a continuidade da turnê, mas em alguns shows, até bombas de pequeno
calibre (mas a conter perigo), foram arremessadas ao palco.
Bem,
concomitantemente, mostra-se Yoko Ono a protagonizar a sua famosa performance,
“Cut Piece”, em que sentada tranquilamente em uma cadeira, convidava pessoas da
plateia para mediante uma tesoura, cortar pequenos pedaços de sua roupa, em
silêncio, até que ela ficasse quase que inteiramente nua. Tal performance
chamara a atenção do jornalismo cultural mais atento às manifestações da arte
avantgarde, todavia, perto da fama de Lennon, Yoko não possuía nem uma parte
infinitesimal.
Seguem-se cenas
dos Beatles em sua rotina na Inglaterra, quando John pergunta ao empresário,
Brian Epstein (interpretado por Richard Morant), o que ele achava da guerra do
Vietnã e Brian deixa claro que não quer que a banda mistura política com a
música e fala isso ainda amparado pela enorme confusão pela qual ele havia
esforçado-se recentemente em conter, para que a banda não fosse mais
prejudicada do que o fora nos Estados Unidos e para tanto, tenha obrigado
Lennon a comunicar um pedido de desculpas formal, através da imprensa.
Os
componentes dos Beatles propõe férias, e Brian não gosta inicialmente da ideia, mas pondera que
eles estão há anos a emendar turnês e gravações de discos, sem descanso, e por
isso, cede aos anseios dos rapazes. Lennon vai à uma exposição da artista
plástica, Yoko Ono, em novembro de 1966, em Londres. Ao contrário de um outro
filme biográfico sobre John Lennon, (“Naked Lennon”), nesta obra, tal cena é
mais esmiuçada. Então Lennon encanta-se com a famosa instalação interativa ao subir
a famosa escada de pintor, para apanhar a lupa ali pendurada, e ler no teto,
uma inscrição minúscula a mostrar a palavra: “Yes”, e a sua reação é achar
positiva a proposta da sua autora. No entanto, a exposição ainda não estava
aberta e isso ocorreria no dia seguinte, apenas, portanto, a artista que o não
conhece pela sua fama evidente na ocasião, o repreende. Eles travam um diálogo
ríspido com Lennon a usar do seu famoso sarcasmo e em princípio ela o acha
arrogante e presunçoso.
Corte e
agora o filme já avançou para 1967. Em meio aos ensaios para a gravação do LP
Sgtº Pepper’s Lonely Hearts Club Band, Lennon aparece com um livro em mãos, a ler
poemas escritos por Yoko Ono. Brian Epstein pressiona a banda para que voltem a
fazer turnês. Lennon assiste na TV a exibição de um curta metragem de Yoko Ono que propõe mostrar
as nádegas de várias pessoas a esmo e ele acha isso criativo e divertido.
Yoko liga
para John e o convida a encontrar-se com ela. A desculpa é que um amigo de Nova
York, ninguém menos que John Cage, um grande mestre da música experimental,
estará presente (Yoko de fato fora membro do movimento estético liderado por
Cage, “Fluxus”, em 1964). Está claro que um interessou-se pelo outro. São
bonitas as cenas dos Beatles a ensaiar a música: “When I’m 64” no estúdio
Abbey Road, mas claro, tudo é mostrado muito rápido, apenas para pontuar a ideia dos
Beatles a trabalhar, como rotina na vida de Lennon.
Yoko começa a encontrar-se
com Lennon e em um desses encontros, conhece o roadie dos Beatles, Mal Evans,
que pensa subliminarmente, tratar-se de mais uma amante a esmo de Lennon. Nesse
ínterim, o empresário, Brian Epstein morre e os Beatles ficam chocados com o
ocorrido. Cenas da cerimônia fúnebre judaica são mostradas.
John visita
Yoko em seu apartamento londrino e um detalhe é muito interessante. Ela
mostra-lhe um portfólio com muitas críticas negativas ao seu trabalho e ele
surpreende-se: -“você guarda as críticas negativas, também?” Ora, Lennon
estava a absorver muita informação nova e isso instigara-o e certamente que
realçou a sua atração por Yoko.
Em fevereiro
de 1968, John convida Yoko para ir à Índia, mas ela alega compromissos a ser cumpridos na
Europa e não vai. No entanto, o romance entre os dois mostra-se irreversível e
daí, decidem assumir a relação. No entanto, só existe um problema, na verdade,
dois: ambos são casados com outras pessoas. Lennon precisa comunicar a sua
decisão para Cynthia Lennon (interpretada por Rachel Laurence), e ajeitar assim
a vida dela e do filho do casal, Julian Lennon. Yoko por sua vez, tem uma
situação mais difícil, pois estava casada com o produtor de cinema
norte-americano, Tony Cox (interpretado por Vincent Marzello), mas este não
abriria mão da guarda da filha do casal, a pequena, Kyoko Cox, o que angustiava
Yoko.
Cenas a
mostrar a inserção de Yoko nos ensaios e as gravações dos Beatles, mostram Ringo
Starr (interpretado por Phillp Walsh), mais receptivo com a nova namorada do
seu amigo. Paul McCartney (interpretado por Kenneth Price), comporta-se
distante, mas com um semblante a denotar uma velada preocupação e George
Harrison (interpretado por Peter Capaldi), é retratado como um antipatizante
assumido da presença da japonesa nos bastidores da banda, o que sucinta a
dúvida, foi uma distorção da história, apenas para estabelecer um contraponto
na dramaturgia? Ao que consta na história, Harrison esteve insatisfeito nos
últimos tempos dos Beatles, por outra questão e não exatamente pela presença
acintosa de Yoko nos ensaios.
Daí em
diante, se mostram as muitas ações solitárias na intimidade do casal, a produzir
toda a sorte de ruídos bizarros e a gravá-los. Yoko influenciara Lennon em
torno da arte experimental e ele, encantado com tal possibilidade livre e nada
Pop, empolgou-se. Dessas gravações completamente loucas que fizeram a berrar e
produzir ruídos estranhos, gravaram um disco chamado: “Two Virgins” e a famosa
sessão de fotos ou autofotos que realizaram, inteiramente nus, é mostrada no
filme. Com tal foto do nu frontal do casal na capa desse disco experimental,
chocou-se a sociedade de uma maneira retumbante na época e duplamente, por
sinal, pela capa aviltante e pelo conteúdo sonoro nada musical.
Ao habitar
um apartamento emprestado por Ringo Starr, o casal Lennon & Yoko, é
surpreendido por uma batida policial perpetrada pela Scotland Yard. É
encontrada uma pequena porção de maconha, não o suficiente para prendê-los, mas
esse flagrante haveria por prejudicá-los em demasia, nos anos posteriores, em
solo norte-americano.
Mais um
salto temporal e agora em 1969, as filmagens do documentário, “Let It Be” são
realistas ao mostrar a banda em um momento péssimo, com brigas, desânimo e
música muito boa, apesar de tudo. Eles brigam também por conta da empresa da
banda, a “Apple” estar muito mal administrada e assim, Paul sugere a
contratação de seu futuro sogro, Lee Eastman, mas Lennon insiste em Allen Klein
para assumir os negócios da banda.
Uma
performance de Yoko, com a participação de Lennon em um auditório, gera vaias
na plateia e é massacrada pela crítica. Foi difícil para o fã regular de Lennon
assistir Yoko a gritar enlouquecidamente, enquanto Lennon apenas produzia
microfonias ensurdecedoras com a sua guitarra, sem tocar uma única nota
musical.
Lennon conduz
Yoko para conhecer a sua tia Mimi. A senhora que criara Lennon desde pequeno,
não destrata a japonesa, mas demonstra secretamente à Lennon, que não aprovara
a sua nova namorada e preferia que ele se mantivesse casado com Cynthia e na
companhia de seu filho pequeno, Julian.
Vem o
casamento em Gibraltar e a famosa ação sociopolítica do evento conhecido como
como “Bed-In”. É para arrepiar ver Lennon cercado de amigos fraternos e a
cantar muito improvisadamente, a canção: “Give Peace a Chance”, um libelo à
paz fraternal. Ali, mediante um violão, vozes desafinadas e uma percussão
improvisada, aquela canção soa tosca, quase como um mantra tribal e no entanto,
mostra uma força extraordinária, que emociona.
Uma passagem
obscura da vida do casal é retratada. O dia em que Lennon e Yoko foram passear
em uma viagem como uma família comum, a reunir os seus filhos de ouros
casamentos, Julian e Kyoko. Tony Cox estava a ceder lentamente em sua
determinação para ficar com a guarda de Kyoko e permitira esse passeio como um gesto
de reaproximação, no entanto, por azar, um pequeno acidente de carro fez com
que todos sofressem escoriações leves e por conta disso, o sonho de Yoko em
continuar a criar Kyoko, esvaiu-se naquele instante pelo menos.
Os Beatles
estão em estado terminal. Paul propusera, meses antes, que a banda voltasse a
tocar, como uma forma de retomar a energia primordial que havia perdido. Seria
uma série de shows pela Inglaterra a viajar com um equipamento mínimo, em um
furgão, como se fosse de novo uma banda pequena, na estrada. Todos os demais rejeitam
a ideia, ao alegar que a proporção dos Beatles não comportaria mais esse tipo
de ação. Paul, de fato, realizou esse sonho ao fundar o Wings nos anos setenta
e pelo menos nos primeiros tempos dessa banda nova, exercitou essa loucura de
tocar em pequenos shows mediante um equipamento modesto, em pátios de universidades e
pequenas casas de shows.
Yoko está
grávida e a clássica passagem sobre Lennon ter gravado a batida do coração do
filho, no hospital, é mostrada e também a tristeza do casal ao enfrentar a
morte prematura do bebê. Dessa gravação, saiu mais um LP experimental, “Life
With the Lions”, com a famosa foto de Yoko no leito hospitalar e Lennon a usar
um “sleeping Bag”, ao seu lado.
Paul leva a
fotógrafa norte-americana, Linda Eastman, futura senhora McCartney, ao ensaio
dos Beatles, mas a antipatia com o casal Lennon mostra-se automática.
John avisa
que deseja sair da banda, mas Paul pede-lhe para que ele espere pelo menos por
mais alguns meses, até o filme/documentário, “Let it Be”, ser lançado. No
entanto, ao quebrar o combinado, Paul vai à imprensa a anuncia a sua saída e o
lançamento de um disco solo. John fica furioso com essa atitude. É bela a
utilização da música “Isolation”, do álbum solo “Plastic Ono Band”, que diz
tudo sobre a amargura da situação.
Cenas a
mostrar Lennon em pleno processo de desintoxicação, ao som de “Cold Turkey”,
são explícitas. A participação de Lennon e Yoko no Festival “Sweet Peace
Toronto”, é mostrada com bastante realismo, apesar de tratar-se de um telemovie,
portanto com pouco orçamento. “God”, a canção emblema da catarse de Lennon com
o mundo e a vida, explode na tela. Ele não acredita em nada, não acredita em
mais ninguém, a não ser “Yoko and me”, como diz a letra da canção.
Salto para
1971 e Yoko leva Lennon para conhecer a sua família no Japão. Muito ricos e
conservadores, os pais de Yoko (Yeisuko Ono, pai e Isoko Ono, mãe), são
amáveis e discretos, mas apenas estranham a vasta cabeleira de seu novo marido,
mas tirante esse pormenor, o aceitam bem e com o detalhe interessante em não
ter muita ou nenhuma noção da fama que ele ostenta.
Ainda em
1971, o casal protagoniza uma cena bizarra. Em Palma de Mayorca, na Espanha,
sequestram a filha de Yoko, Kyoko Cox, ou seja, empreendem a pior maneira para
resolver a pendência que Yoko não conseguia resolver satisfatoriamente pela via
legal. Em junho, mudam-se definitivamente para Nova York. Contratam uma
secretária, May Pang, uma bela garota de Nova York, com origem chinesa.
Cenas da
gravação do álbum, “Imagine”, são bonitas e en passant insinua-se algumas
músicas memoráveis desse grande disco. Surge o convite para Lennon participar do
histórico “Concert for Bangladesh”, organizado por George Harrison, mas fica
claro que Yoko não será bem-vinda. Lennon recusa-se a participar sem a sua
esposa. Aqui o enfoque é polêmico, pois mais uma vez a pessoa de George
Harrison é demonizada por não gostar e nem mesmo aceitar Yoko Ono. É curiosa a
abordagem, visto que não obstante Harrison ter sido reconhecido como um homem
extremamente calmo e afeito à espiritualidade, causa espécie essa colocação,
pois nesse mesmo ano de 1971, Harrison foi convidado e gravou participação no
álbum “Imagine”, aliás, de uma forma brilhante. Cenas reais dessas gravações em
um documentário sobre tal disco, mostram Harrison a conviver com o casal Lennon
& Yoko, com cordialidade, portanto, só pode ter sido uma licença poética
gigantesca, alegar tal animosidade de sua parte para com Yoko.
O casal
passa a envolver-se cada vez mais com causas sociais e ativistas. Jerry Rubin,
um adepto ferrenho da contracultura e um dos ícones do movimento “Yippie”, uma
variante mais politizada do movimento Hippie, torna-se amigo do casal e
inspirador para que ambos sejam mais atuantes ainda. John canta em dezembro de
1971, em um concerto organizado em favor da libertação de John Sinclair, um
poeta esquerdista. Vê-se na plateia, um sujeito a gravar o show, discretamente,
como um espião. Acontece a tragédia na prisão de Attica e isso motiva Lennon a
escrever as canções, “John Sinclair” e “Attica”. Motivado, lança em 1972 o álbum
duplo, “Some Time in New York City”, com estas duas e mais algumas canções com
teor semelhante, fortíssimas ("Angela", inspirada na ativista Angela Davis, por exemplo). E Lennon nota que agentes governamentais estão a
segui-lo; o telefone residencial está grampeado e um dia chega uma intimação:
a imigração alega que o casal será deportado por conta do processo que ocorrera
na Inglaterra por posse de drogas, em 1968.
Nesse
ínterim, Tony Cox envolve-se em um problema judicial e vai preso. Kyoko
finalmente vai ficar com a sua mãe. O concerto realizado no Madison Square
Garden é um sucesso estrondoso de público, mas há uma certa frustração pelo não
engajamento maciço das pessoas em torno das causas todas que o casal apoia e
foram expressas em cada faixa desse disco. E para piorar a situação, a crítica
massacra o álbum ao tachá-lo como um “panfleto”. Lennon está tenso com a
perseguição política em torno da ameaça por sua deportação e em uma cena em que
assiste a marcha das apurações presidenciais, em 1972, em meio a
correligionários de suas manifestações sociopolíticas, fica muito alterado por
conta da vitória de Richard Nixon, que o perseguia e assim, deprimido, e
mediante o exagero com a bebida, leva uma groupie para o quarto, na frente de
Yoko. Tudo bem, eram ambos, artistas libertários com espírito hippie e mente
aberta, mas essa atitude a Yoko não aceitou com naturalidade. Não é mencionada
a gravação do álbum posterior, “Mind Games”, que é um grande trabalho, aliás.
Daí em
diante, Yoko pediu o famoso “tempo” na relação. Lennon pediu desculpas pela
traição e ficou bastante abalado com a decisão de Yoko, mas acatou, enfim, com
muita contrariedade. Nesse período, ao final de 1973, Lennon praticamente
voltou a ser um adolescente, como ele mesmo observou, ao lembrar-lhe o período
pré-Beatles. De início, ele apreciou essa liberdade com libertinagem. O filme
não mostra, mas apenas cita que ele foi morar uns tempos em um apartamento, na
companhia de Keith Moon, o lunático baterista do The Who e é sabido que Alice
Cooper não saia de lá. Foram meses regados a drogas, bebedeiras e orgias. Tal
período sabático foi o seu momento Rock Star hedonista e inconsequente, enfim.
Ele engatou um namoro com a bela sino-americana, May Pang, nesse momento, ao
não fugir da ideia de que gostava mesmo de garotas orientais. Há uma passagem
interessante de Lennon ao conceder entrevista no programa do comunicador,
Elliot Mintz, na TV.
1974, Lennon
está ainda sem Yoko, mas a gravar um álbum novo sensacional. As gravações do
disco: “Walls and Bridges” estão a ocorrer a todo vapor, quando eis que Ringo
Starr, acompanhado do cantor, Harry Nilsson, adentram o recinto do estúdio.
Eufóricos, eles se abraçam e gritam como crianças no pátio da escola, quando o
produtor do disco, o sinistro, Phil Spector, aparece furioso com a interrupção
do trabalho e daí usa um revolver para mediante um tiro desferido no teto, restabelecer a
ordem. Todos assustam-se, mas Spector cai na risada a seguir... foi uma
brincadeira...
Elton John
grava um piano espetacular e canta também na faixa, “Whatever Gets You Through
the Night”. Elton brinca com John: -“se essa música atingir o primeiro lugar
nas paradas de sucesso, você toca comigo em meu show no Madison Square Garden”,
em novembro, combinado?” John responde que sim, está combinado, mas relutante,
pois não acredita que isso vá acontecer. Contudo, tal fato acontece e Elton cobra a aposta do
amigo. Lennon está nervoso, pois faz tempo que não toca ao vivo, mas o show
acontece e a participação de Lennon é um sucesso. O público delira e de fato, a
canção é espetacular e além disso, essa performance na vida real foi muito
emocionante, tanto que ficou registrada em um clássico disco Bootleg, a
demonstrar uma excelência na execução impressionante e mais que isso, uma
energia incrível. No entanto, a grande surpresa para Lennon, estava no camarim.
Elton convidara Yoko, sem Lennon saber. Ao chegar ao camarim, ambos
emocionam-se e Elton confirma que fizera isso premeditadamente para o casal
reconciliar-se.
Vem o
escândalo Watergate e o presidente Richard Nixon, renuncia. Doravante, com um
comando governamental mais ameno, a perseguição com o casal Lennon cessa, ao
ser concedido o cartão de permanência nos Estados Unidos, “Green Card” para ambos. Yoko anuncia uma nova gravidez
e desta vez o bebê nasce saudável, Sean, em outubro de 1975. Lennon resolve interromper
a carreira até segunda ordem, pois decidira criar o filho em tempo integral, ao
contrário do que fizera com o filho do outro casamento, Julian, que ele mal
vira crescer. Cenas a mostrar uma curiosa quebra de paradigma, são divertidas por
exibir Lennon com um dono de casa a cozinhar e cumprir tarefas domésticas,
enquanto Yoko participa de reuniões enfadonhas com homens engravatados a fumar
como chaminés ambulantes.
A cena sobre
a clássica visita de Paul & Linda McCartney ao casal Lennon, em 1976, é mostrada
bem rapidamente, mas de uma forma mais realista da maneira pela qual foi encenada
no filme, “Two Of Us”, que mostra essa passagem com muito mais detalhes, mas
sob uma licença poética enorme, diga-se de passagem.
Em um dia de
1977 ou 1978, Julian Lennon bate à porta do apartamento em que o casal Lennon
habitava no Edifício Dakota. Lennon o recebe bem e surpreende-se em ver o filho
já adolescente. Então ele pergunta-lhe sobre o que o filho ouve na atualidade e
este responde-lhe que na Inglaterra só fala-se sobre os Sex Pistols, The Clash
e congêneres. Lennon sente-se desatualizado da música, pois nunca ouvira falar
dessas bandas, mas cá entre nós, não perdeu nada...
Kyoko também
estava na adolescência e ligou para dizer que deseja passar o natal em casa.
Lennon mostra vídeos velhos dos Beatles para o pequeno Sean, visto que ele
perguntara-lhe o que seria um “Beatle”. Lennon vê bandas modernosas na TV, ao
estilo “New Wave” (uma variante Pop, oriunda da vertente do Pós Punk), e
declara para Yoko: -“ acho que finalmente as pessoas te entenderam e estão a
imitá-la”... é uma bela ironia sob via dupla, para citar a insipidez da cena
New Wave com aquela estética robótica e monocórdica e de fato, espelha o que
Yoko sempre fez em sua vida musical, mesmo quando tentara criar música
minimamente palatável, fora do experimentalismo extremo.
Lennon
anima-se, ao alegar que Sean atingira os cinco anos de idade e isso permitiria
que ele reativasse a carreira. Cenas de Lennon e Yoko a gravar o LP “Double
Fantasy”, são mostradas e o fim aproxima-se quando em uma dessas noites em que
o casal saiu do estúdio em direção ao seu apartamento, o inacreditável ocorreu,
quando um fã abordou John para pedir-lhe um autógrafo e este enquanto rabiscou
o papel, não imaginou que a intenção do rapaz fosse outra. Daí, contabilizou-se
cinco tiros à queima roupa e o sonho, infelizmente, acabou.
Por ser um
telemovie, este filme impressiona por alguns aspectos. Primeiramente por conta
da sua longa duração. Com quase duas horas de metragem, é realmente
notável por esse detalhe, visto que um telemovie geralmente obedece um
padrão entre sessenta e oitenta minutos, em média. É admirável também pelo
enfoque que avançou aos anos setenta e mostrou muitos aspectos raramente
mostrados em outros filmes a retratar a vida e obra de John Lennon. É verdade
que alguns pontos ficaram omitidos, mas não podemos reclamar diante de um filme
tão longo e que mostrou muita coisa. Poderia sido incluído o episódio sobre a
fundação do país fictício, “Nutopia”, algo emblemático na lua sociopolítica do
casal e ação essa criada para satirizar Nixon, mas tudo bem, o filme surpreendeu por
trazer tantos detalhes.
Sobre a
música, o material dos Beatles é escasso por conta do problema burocrático que
sempre envolve tal demanda, mas algumas poucas insinuações são pontuais nos
momentos adequados da cronologia. Já o material de Lennon foi fartamente usado,
pois Yoko Ono participou da produção deste filme, com bastante entusiasmo e
assim, facilitou também no aspecto da trilha sonora ao não criar empecilhos
legais.
O filme
recebeu boas críticas, das quais eu considero justas, pois esta produção
surpreende pelo enfoque do roteiro e pela enorme gama de informações arroladas,
por tornar uma dramaturgia banal a contar uma simples história de amor, em algo
mais complexo, devido à riqueza natural que tais artistas trazem como legado
inerente e a produção soube explorar bem esse manancial de ocorrências
interessantes a serem contadas.
Alguns
atores a mais para citar: Joshua Sinclair (como George Martin), Ray Charleson
(como Phil Spector), Ling Tai (como May Pang),; David Gillian (como Harry
Nillson) e Martyn Whitby (como Linda Eastman).
Sandor Stern
escreveu e dirigiu este filme e conta-se que um outro roteiro fora elaborado
por outro profissional, no entanto, Yoko reprovou-o ao alegar que tal roteiro estava
exagerado no tocante à menção ao uso de drogas. A escolha do diretor, Sandor
Stern, foi curiosa no sentido de que a sua especialidade era o terror (ele
dirigiu os filmes da franquia, “Amityville” entre outros), no entanto, ele mostrou
competência na condução de um filme de amor que teve um algo a mais, aliás,
muito a mais.
Uma
curiosidade que passa quase despercebida, o comediante, Mike Myers, então bem
jovem, faz uma aparição rápida, ao interpretar um carteiro cabeludo que faz uma
entrega e diz rapidamente ser fã de Lennon e ter gostado do LP “Imagine”.
Foi lançado
em dezembro de 1985, e bastante exibido na TV aberta, algumas vezes em canais da
TV a cabo e encontra-se em versão dublada em português, no YouTube. Trata-se
de mais um filme a retratar a biografia de John Lennon, e desta feita a focar em um
período quase nunca citado da biografia desse grande artista e ao trazer também uma visão mais positiva sobre
Yoko Ono, que é em via de regra, por conta da formação de opinião em tom negativo, uma das
personalidades mais defenestradas da história da arte e não estou a exagerar.
Esta resenha consta do livro: "Luz, Câmera & Rock'n' Roll" em seu volume II e está disponível para a leitura a partir da página 297