segunda-feira, 29 de abril de 2024

Livro: 70 poemas sem nome/Marcos Mamuth - Por Luiz Domingues

Cena noturna: sob meia-luz, um músico está a tocar guitarra. Em cima da mesa há um caderno com uma caneta esferográfica jogada sobre ele e também uma xícara de café a exalar o seu vapor perfumado que se espalha pelo ar. A todo instante o guitarrista interrompe a sua execução para escrever frases pontuais no caderno. 

Ele toma um gole de café e volta a tocar. O som é o Blues e as interrupções constantes são para anotar frases que brotam na sua cabeça e ele não pode perdê-las. E assim, como um bom compositor, ele sabe bem que as ideias surgem e escapam sob uma velocidade absurda. Por isso, não se importa com as constantes interrupções que são feitas por um bom propósito.

Então ele olha pela janela e vê a grande cidade toda iluminada, com aquela movimentação frenética que lhe é peculiar, suspira e volta a tocar guitarra. Se empolga e abandona a harmonia com a qual cantarolava uma melodia que estava a criar e faz um solo cheio de sentimento. A imagem da cidade notívaga o inspirara.

A seguir, ele guarda a guitarra no suporte do instrumento e com a caneta em punho se coloca a escrever com muita volúpia, pois também escreve poesia, isto é, trata-se de um escritor de mão cheia e dessa forma, se inspira para compor canções, mas a música também o inspira a escrever poesia. A retroalimentação do artista total que busca inspiração de todos os lados e simplesmente cria a sua arte a expressar tudo o que sente, ouve e vê ao seu redor. 

Eis aí trabalho do poeta e do compositor musical, que simplesmente observa e sente a vida, para repassar aos seus leitores e ouvintes a sua interpretação sob o manto da arte.

É exatamente o que faz Marcos Mamuth, como um grande guitarrista versado pelo Blues e pelo Rock em linhas gerais, mas eclético, sempre pronto a usar de suas múltiplas influências para visitar outras vertentes ao compor e tocar a sua boa música e também quando escreve a sua poesia plena de imagens fortes, a evocar a urbanidade refletida nas relações humanas em meio às suas contradições e neuroses, mas também desvelar a candura dos momentos bons sob vários aspectos do cotidiano de todos nós.

Na primeira foto, Marcos Mamuth em ação no palco. Na segunda, da esquerda para a direita: Carlinhos Machado, Marcos Mamuth e Ayrton Mugnaini Junior, "Los Interessantes Hombres Sin Nombres". Clicks de Ivani Albuquerque

Como músico, Marcos Mamuth é um guitarrista sensacional, com destacada atuação como compositor. Ao lado de bandas ("Los Interessantes Hombres Sin Nombres", por exemplo) ou na carreira solo, mediante uma boa obra lançada em disco, ele faz a guitarra chorar e assim nos convida também à reflexão de suas letras com alto teor poético, contida nas suas canções.

Como escritor, ele se mostra direto, tantos nas navalhadas na carne a la Plinio Marcos, quanto nas imagens mais doces a descrever o encanto de acompanhar com incrível carinho paternal o nascimento e criação de sua filha pela qual devota um amor incondicional.
Como professor universitário e psicólogo na formação acadêmica,
Mamuth transpassa a alma humana em busca do conhecimento de si mesmo.

E tudo isso se reflete através de suas músicas e poesias, com enorme desenvoltura, sinceridade e beleza na escolha das palavras e das notas musicais que decide usar.

Posto isso, falo mais detidamente agora sobre o livro que ele lançou no limiar de 2023, denominado: "70 poemas sem nome". De fato são setenta poemas e nenhum deles contém um título formal, apenas a se apresentar sob a numeração, pura e simplesmente.

Tal decisão do autor não se trata de uma predisposição aleatória de sua parte. Os poemas seguem uma linha tênue e quase a sugerir a continuidade de uma construção bem delineada para seguir alguns temas em separado, porém unidos sob outros aspectos.

Nesses termos, muitos poemas (ou quase todos), são bem curtos, a exercer o poder da síntese. Outros, mais extensos, porém, se mostram a denotar o predomínio do exercício da assertividade para dar o recado.

Versos fortes abundam a obra. "Poeta burocrata das oito às dezessete horas que toca guitarra" a revelar a sua própria condição de artista das notas musicais e das palavras escritas, que trabalha formalmente como professor universitário mediante a rigidez do horário escolar.
"
Óculos bizarros de lentes entristecidas" ele diz para justificar as mazelas que vê ao seu redor em meio à sociedade construída com tanta rudeza a se gerar a miséria geral. O artista é sempre o ser humano mais sensível que enxerga o mundo sob o prisma real.

Veja um poema abaixo, o designado como número 8:

"Novamente, a praia e os seus dizeres
Caminhávamos,
mãos entrelaçadas,
brevemente.
Atrás de nós,
estendia-se a procissão dos esquecidos.
Ainda não havia o fogo pleno
em todas as suas nuances maduras
de odores,
dores
e sensações.
A paixão queimava-me de forma terna, doce.
(Era preciso começar lentamente até que a carne se habituasse a esses
sofreres.
)"

O amor tem espaço generoso na criação do poeta. Observa-se no livro um conjunto de poemas muito intensos para falar do assunto e sob várias matizes. Dessa forma, da ternura à angústia, dos afagos à ausência do carinho, o assunto é esmiuçado por poemas fortemente inspirados pelas sensações corpóreas, mas também pelas entrelinhas que os relacionamentos carregam, geralmente imersos em mistérios insondáveis, pois quem entende as mulheres (?), pensamos assim, nós os homens. E claro, na contrapartida as mulheres tendem a nos subestimar quando afirmam que somos óbvios...

Nesses termos, o poema de número 15, dá a dimensão de como o amor também pode ser complicado, mesmo que seja intenso, na visão do poeta:

"Te amar sempre foi assim,
meu demônio aveludado:
deito e rolo
todas as noites
em lençóis de arame
farpad
o".

E o cotidiano está igualmente presente na visão do poeta, sempre a enxergar beleza nas ações, das pueris às grandiosas. Veja o poema de número 42, ao tratar de questões dessa monta:

(Para Aneth)

"A tua poesia é nua,
Cumadi.
Mostras a alma
enquanto serves ao leitor
café,
pão de queijo
e bolo de fubá.
Mostras teus versos,
e também as curvas
da tua estrada
(corpo
pele,
cabelos)
percorrida
a pé,
em lombo de burro,
de bicicleta.
De todo jeito e maneira.
Menos de carro.
"De carro não tem graça",
dirias entre o sorriso discreto
e o olhar cotidiano
das imensidões
"…

Urbano por natureza, em algumas poesias o autor deixa algumas imagens mais ácidas, é bem verdade. Faz parte, a vida nas cidades de pedra tem essa rudeza implícita sob algumas nuances. Isso sem contar que o lirismo mórbido de Augusto dos Anjos se faz presente em alguns versos. Não posso afirmar ter sido uma influência direta sobre o autor, portanto, que fique a ressalva de que se trata de uma mera impressão pessoal de minha parte. Veja que interessante a poesia de número 43:

"
Com o lirismo possível,
entre trágicas profecias,
ameaças invisíveis
e prenúncios bíblicos de findos tempos,
sobrevivo.
O tórax,
apertado,
entristecido,
abriga um coração cauteloso
e pulmões covardes.
Minhas mãos se retesam
e ardem:
com o lirismo possível,
escavo a alma em busca de alguma coragem oculta.
Encontros escurecidos,
túnel no fim da luz.
Para onde conduz
esse lirismo possível com o qual caminho pela avenida semideserta?
Felizmente, ainda resta a canção,
embora cansado
o refrão.
Um único braço silencioso agora me acolhe:
seis cordas frias aquecendo a noite morta,
exilada da brisa fresca.
Sete vidas tem o blues,
sete encruzilhadas e Exus.
Cada um deles benze minha fronte
com todo o lirismo possível.
E só.
Nada mais ou menos.
do que o lirismo possível.
Porque é o tempo da Peste.
Homens alucinados cavalgam bestas antes renegadas que finalmente ganharam os campos.
Caso as velas se rasguem
e naufraguemos em rios de sangue e pus
façamos jus
ao lirismo possível.
É nosso escudo.
Exaustos,
Sim.
Mas não mudos.
A difícil missão de buscar entender o ser humano, sobretudo sobre si mesmo. Veja no poema de número quarenta e nove:
Cada um sabe
de seus temores,
de suas dores,
de seus contágios,
e desfechos
trágicos.
Cada um sabe de si,
ou pelo menos deveria saber.
Cada um vive
(ou finge viver)
suas distâncias e isolamentos
e constrói seus próprios muros
de ressentimentos.
Cada um é ausência do outro
na medida exata
do coração despedaçado.
Cada um é seu próprio pecado
e salvação.
Cada um é sim
e não
ou simplesmente o oposto.
Cada um sente sozinho
o gosto
da própria solidão.
Nada de novo
neste final
de verão
".

E a alta filosofia? Sabe aquela busca do sentido da vida através das perguntas clichê que ouvimos nos programas de TV a cabo? Quem somos nós? De onde viemos e para onde vamos? Pois é, a crise existencial que deveria estimular a consciência de todos, mas na prática isso não ocorre pois a maioria só pensa nos boletos, ou seja, é mais desesperador viver neste mundo para quem pensa além, caso dos poetas e dos músicos, ou seja, Mamuth vive esse dilema em dose dupla!

Mamuth insinua a sua insatisfação sobre os rumos da humanidade. Nesse aspecto, deve existir algo maior que as preocupações prosaicas que geram insônia na maioria. Leia o ótimo poema cinquenta um e reflita:

"
Esperemos aqui mesmo,
poetas
e tolos!
Não é hora
de partir.
Há de vir
algo
ou alguém
que nos tire do chão.
A cadeira do dentista,
a ascensorista,
um piloto de avião.
Há de haver
algum alento,
um pouco de ilusão
e encantamento
na carne dura
onde fulgura
nosso pálido
dia a dia.
(Não fui eu quem inventou a Poesia.
Foi ela quem me pariu.
E à revelia.)

Eis que o autor homenageia um artista como ele e que enxergara muito na frente, mesmo tendo vivido cem anos atrás. Pois o poema cinquenta e seis é dedicado ao grande Mário de Andrade.

(para Mário de Andrade)

"Debaixo dos lençóis,
tua mão
a me ensinar
o tamanho
das imensidões.
Manso
e sem intenções,
eu cabia inteiro
no teu olhar.
O nome disso
era amar.
(Verbo intempestivo)
"

Marcos Mamuth ao vivo a tocar o Blues com maestria! Fonte: Internet

E o Blues se pronuncia nessa configuração toda. Blues é sentimento à flor da pele, é raiz primordial, é expressão pura do mais profundo âmago humano e no caso, é uma especialidade de Mamuth enquanto músico. Não basta tocar o Blues, não basta compor o Blues, para o artista Mamuth, o Blues também merece a poesia (e vice-versa).  Leia sobre essa menção expressa na poesia de número sessenta:

"
Estávamos a sós,
ao pé da escada.
O crepúsculo da cidade ainda não era tão cinzento
e triste.
Risos,
vozes.
Epiderme em alvorada.
Tempo.
Há anos venho seguindo teus passos errantes.
Tanto,
que os meus próprios são, agora,
pouca coisa.
Mas existe o blues para esses momentos.
Felizmente,
 existe
 o
 blues
".

E por que não questionar a própria poesia? Não é o papel do artista também contestar? Leia com atenção a poesia de número sessenta e um:

"
Para que serve um poema?
Para nada.
Há de haver no mundo entes que não sirvam para nada.
Há de haver o desrespeito à boa ordem causal materialista.
Há de haver o artista
das palavra ditas entre linhas.
As leitoras,
meninas apaixonadas,
expiram estrelinhas
e choram gotas de orvalho;
olhinhos virados,
sonhando acordadas
com seus príncipes secretos
e desencantados.
(Doces meninas
abraçadas aos travesseiros
com desejos eternos,
tão passageiros…)
Há de haver sonetos,
dos requintados
aos obsoletos.
Caso contrário,
a vida fica demasiadamente pedra,
e a rudeza do real se encrava nos dias
para não partir jamais
".

Auto crítica ou auto análise? Não nos esqueçamos que o poeta também é psicólogo. Ele trata os outros, ele busca se entender e se curar e como professor, ensina os aspirantes a psicólogos a se tornarem profissionais capazes de curar pessoas.

Daí a buscar no seu interior muitas respostas, mediante questionamentos e constatações foi um exercício de fácil conclusão dada a sua capacitação pessoal como profissional e professor. Leia tal reflexão através da poesia de número sessenta e três:

(Para o autor deste livro)

"Era isso
meu tempo de viço:
Os verões passando,
(fugindo em segredo)
e eu me escondendo
em meu próprio medo.
O amor tinha-me pouco apreço
Era assim.
Daí,
fui feliz em mim,
me namorei
(fui todas as meninas
que inventei,
todas as bocas
que me beijei).
Depois,
os anos passaram.
Já era tarde.
Mas antes as tardes do que nunca!
E mesmo que ardas,
garoto de tristes olhos cravejados de esperas....
Mesmo que te esfaqueiem pelas costas,
que te abandonem,
entediadas e indispostas,
as ninfas de janeiro,
eu ainda te espero
(sempre e por inteiro)
naquele mesmo banco de pedra,
menino tristonho...
menino-quimera,
menino-memória.
Carne do meu karma,
Cicatriz da minha história
".

Que estado de beatitude é poder chegar em um ponto no qual chegamos à conclusão de que somos plenamente felizes e cabe a pergunta: o que precisamos para chegar nesse ponto? Pois para o poeta, Marcos Mamuth, a felicidade é escrever poesias cheias de imagens ricas, tocar Blues na sua guitarra a mirar a Lua cheia das noites de sexta-feira, entremeadas pelos bons goles de um bom café bem quente e observar os meandros do ser humano, como poucos enxergam. Leia a poesia de número setenta, a última que fecha a obra:

"Não há lar
ou porto que me acolha;
apenas mar,
areia
e salgados segredos
de sereias.
Não há bar
ou conforto que me espere;
apenas ar
rarefeito
e sagrados sonhos
desfeitos.
O passado não me deixa só:
memórias da praia chegam
em ventos volúveis
e línguas de maresia.
Mesmo assim, a tarde é bela;
existem amigos,
blues
e poesia.
É o bastante.
Estou em mim
".  

Por fim, deixo a minha impressão pessoal sobre o livro, no sentido de que a sua leitura muito me agradou. Vislumbrei diversas nuances na poesia de Marcos Mamuth, conforme já pude elencar anteriormente, a me convencer de que no caso desse artista, as suas qualificações se misturam. Suas poesias são musicais, suas músicas contém muita poesia e o psicólogo que analisa as entrelinhas do ser humano, colabora muito para que o artista atue nos dois campos com muito conteúdo para criar suas poesias e letras de canções.

Recomendo muito a leitura do livro: "70 poemas sem nome" de Marcos Mamuth por tudo o que observei e impressões essas que eu tenho certeza, o leitor vai identificar de pronto e certamente achar outras particularidades contidas na obra.

Abaixo, eis o release do autor (publicado no livro):

"Marcos Mamuth é também (des)conhecido como Marcos Alberto Taddeo Cipullo. Nasceu em São Paulo, no bairro da Mooca, um dia depois da morte do cantor Nat King Cole.

Guitarrista e compositor desde 1979. Escritor desde 1986. Psicólogo desde 1988. Professor universitário desde 1993; a partir de 2008, na Universidade Federal de São Paulo (Campus Baixada Santista).
Poeta desde sempre
".

Leia também no meu Blog 1, a resenha que eu escrevi sobre o CD "Turbulência" do guitarrista, cantor e compositor, Marcos Mamuth.
Eis o link para acessar a resenha:

http://luiz-domingues.blogspot.com/2021/07/cd-turbulenciamarcos-mamuth-por-luiz.html

Ficha técnica:
Marcos Mamuth – autor
Eduardo Dieb – Edição e capa
Fotografia – acervo do autor
Árvore Digital Editora SP/SP
www.arvoredigitaleditora.com.br
Publicado em abril de 2022
1ª edição
ISBN – 978-65-00-41870-5

Para conhecer melhor o trabalho artístico de Marcos Mamuth, acesse:

Site:
https://mmamuth.wixsite.com/mamuth

Canal do YouTube:
https://www.youtube.com/channel/UCgHSLLEHvzObq6sUuh9yTYA/featured

O álbum "Turbulência" também disponível no YouTube:
https://music.youtube.com/playlist?list=OLAK5uy_lB3KnOFPKYud7IhWBhj7aYrMMWldd_T08&feature=share

Instagram:
@marcosmamuth

Facebook:
https://www.facebook.com/marcos.mamuth

segunda-feira, 15 de abril de 2024

CD: Travel to the Northern Lands (Live in USA)/Stringbreaker & The Stuffbreakers - Por Luiz Domingues

Banda vigorosa e da qual eu já tive o prazer de resenhar três álbuns de estúdio anteriores lançados por ela, eis que chegou às minhas mãos um trabalho ao vivo do "Stringbreaker and the Stuffbreakers", gravado em meio a uma longa turnê cumprida nos Estados Unidos, através de muitas cidades dos estados de Ohio, New Jersey e também em Nova York, durante o mês de agosto de 2019.

Somente pelo fato de uma banda brasileira de Rock, versada por tradições setentistas e a adotar a linha instrumental como forma de expressão, ter feito uma turnê tão bacana, já seria um feito e tanto, mas conhecedor do trabalho dessa banda e sobretudo por ser um admirador confesso de sua forma exuberante, eu tinha certeza de que representaria muito bem o nosso Rock tupiniquim por lá e não haveria nenhuma hipótese de haver qualquer disposição em contrário.

Bingo...ao escutar o álbum, a constatação óbvia para a minha percepção pessoal não apenas se confirmou, como trouxe acréscimo, no sentido de que a performance da banda ao vivo contém o elemento da adrenalina que sai por todos os poros de qualquer alto falante que o ouvinte usar para degustar tal trabalho.

Mediante aquele clima de disco ao vivo, esse registro mantém a certeira carga de andamento de cada canção a fazer uso de um pouco mais de aceleração, o que é sensacional para qualquer disco ao vivo que se preze, ou seja, a imprimir a devida dose de adrenalina do fator "ao vivo" na performance e o trio solta a mão com uma garra incrível, a lembrar os bons tempos de Beck; Bogert & Appice e Cream, só para citar dois exemplos dentre os grandes, que detinham na performance ao vivo o seu maior trunfo e certamente que o Stringbreaker & the Stuffbreakers segue essa cartilha com grande desenvoltura.

Sobre o áudio, ele é excelente no sentido de que foi capturado através de um sinal "LR" sem maiores requintes na captura inicial, portanto, soa como um "bootleg", porém, o tratamento de pré-produção que recebeu foi sensacional, no sentido de garantir haver um padrão excelente ao se considerar essa circunstância especial da sua captura inicial de gravação. Mais do que isso, dá para ouvir tudo com ótima percepção dos timbres dos instrumentos, portanto, é aquele tipo de "bootleg" de luxo como se diz entre os colecionadores.

Fica sim aquela sensação de reverber de grande amplitude em alguns momentos, e os cortes bem justos entre algumas faixas denota que a mixagem teve que operar verdadeiros "milagres" como trabalho de pós-produção para coibir ruídos indesejáveis e afins, e por isso também merece os parabéns pelo esmero.

Sobre a capa do disco, "Travel to the Northern Lands" (Live in USA), gostei muito da sua boa ideia elaborada ao mostrar a águia, símbolo daquela nação a voar com a sua bandeira ao fundo e em seu bico a carregar um detalhe contido na ilustração da gravata que segura um tijolo, ou seja, desenho que simboliza o álbum: "Brick in a Tie" lançado pela banda em 2019.

Abro parêntese para convidar os leitores para que leiam também as resenhas sobre alguns dos álbuns anteriores lançados pelo Stringbreaker & the Stuffbreakers que eu preparei e publiquei no meu Blog 1:

Sobre o primeiro disco, homônimo:
http://luiz-domingues.blogspot.com/2015/07/stringbreaker-and-stuffbreakers-por.html

Sobre o CD Rebreaker
http://luiz-domingues.blogspot.com/2018/11/cd-rebreaker-stringbreaker.html

Sobre o CD Brick in a Tie:
http://luiz-domingues.blogspot.com/2019/05/cd-brick-in-tie-stringbreaker.html

A respeito das canções apresentadas no disco, como já tive a oportunidade de analisar quase todas ao longo de resenhas anteriores pelo fato de tais peças constarem nos álbuns de estúdio, não cabe repetição de análise nesse aspecto. 

Por se tratar de versões ao vivo de tais peças, o que vale a pena acrescentar é na verdade algo que eu já mencionei anteriormente nesta mesma resenha, ou seja, a extrema boa forma da banda ao se apresentar ao vivo com perfeição e claro, a acrescentar aquela empolgação ao vivo que é vital e neste caso, mediante um grau de energia muito grande.

Para escutar esse trabalho na íntegra, o leitor/ouvinte pode acionar a plataforma Spotify:

https://open.spotify.com/intl-pt/album/18IpxPhWEHOhICHxUNcxof?flow_ctx=960e8ef6-bafb-4da2-9e9a-14f3857d8754%3A1705743343

Eis o repertório contido no álbum:
1) Acts of desperate men
2) Groove party
3) Eventide
4) Travel at the southern lands
5) The long and short of it
6) Stuttering five (Mike's song)
7) A 8ª música mais triste do mundo
8) Lenny (Stevie Ray Vaughan tribute)
9) Área 78
10) Tuxedo run over
11) St. Patrick aerostat
12) Under two color sky
13) Unwearing

Para encerrar, eis mais um ótimo trabalho perpetrado por essa excelente banda e desta feita a nos apresentar um apanhado muito bom de como soa ao vivo, a manter a sua extrema qualidade como uma praxe e a acrescentar a energia ao vivo muito intensa.

Ficha técnica:
CD "Travel to the Northern Lands" (Live in USA) - Stringbreaker & the Stuffbreakers
Guilherme Spilack: Guitarra
Dilson Siud: Baixo
Sérgio Ciccone: Bateria
Gravado ao vivo entre 8 e  31 de agosto de 2019 em cidades dos estados de Iowa, New Jersey e Nova York
Arte de capa: Ricardo Bancalero
Produção da tour nos Estados Unidos: Mike Lemke
Apoio especial em Nova York: Silent Brew Records
Técnico de Mixagem e masterização: Guilherme Spilack
Produção geral: Stringbreaker & the Suffbreakers


Para conhecer ainda mais o trabalho da banda, acesse:

Entrevista específica sobre o disco "Travel to the Northern Lands" (Live in USA), concedida ao Blog 2120: 

http://furia2112.blogspot.com/2019/11/entrevista-stringbreaker-stuffbreakers.html

Canal do You Tube:
https://www.youtube.com/channel/UC3mWA2SwUoApaKsXe4tPRKg

Página do Facebook:
https://www.facebook.com/StringBreakerRock/

Site:
http://www.stringbreakerrock.com/?fbclid=IwAR2sFoYm56rgqQKnEGq_jLv_o9LDD8OzMF2VD6_xOHHK_VX-MFigNnfbuYM

Contato direto com a banda:
info@stringbreakerrock.com

sábado, 30 de março de 2024

Livro: Os Zeppelins nos Céus do Brasil/Cristiano Rocha Affonso da Costa - Por Luiz Domingues

Uma parte importante da história da aviação brasileira e pode-se afirmar, também mundial, é pouco conhecida, a se tratar da implantação da primeira linha aérea transoceânica do mundo, que ligou o Brasil e a Alemanha, na década de trinta.

Parece algo inacreditável, mas sim, isso ocorreu principalmente entre 1930 e 1937, com os voos a se tornarem regulares entre as duas nações, através do uso dos dirigíveis, ou como popularmente se tornou mais conhecido como denominação: os "Zeppelins".

Essa lacuna a ignorar um fato tão relevante da história e seus múltiplos desdobramentos, precisava de um estudo profundo e este livro, "Os Zeppelins nos céus do Brasil" veio para suprir inteiramente tal tarefa. Escrito por Cristiano Rocha Affonso da Costa, um autor que contém tarimba como escritor de muitos livros extremamente bem escritos e além de tudo, se destaca pela sua atuação no campo da história e geografia, como um pesquisador muito minucioso.

Portanto, através de suas páginas ricamente ilustradas, recheadas de informações técnicas e culturais a abordar os inúmeros aspectos que cercam tal atuação dos "Zepellins", o texto foi escrito de uma maneira magnífica, e assim a provocar muitas reflexões ao leitor, ou seja, somos induzidos a levar em conta inúmeros aspectos correlatos, tais como: ao pensarmos na parte técnica dessa engenharia aérea, por exemplo, que avanço incrível foi proporcionado por tamanho empreendimento. 

Sob o ponto de vista socioeconômico, a revolução que foi para um país pobre do terceiro mundo ter esse elo de incrível modernidade para os padrões da época é algo notável. E os desdobramentos sociopolíticos advindos do fato de que tal rota também se tornou um trunfo da propaganda nazista e a criar vínculos com seus simpatizantes no Brasil e nas nações vizinhas sul-americanas no decorrer de tal década, foi inevitável.

O uso civil e militar é analisado, assim como os efeitos culturais advindos, que mexeu com o imaginário brasileiro da época e isso é visto em reportagens publicadas por órgãos de imprensa, ilustradas em profusão ao longo do livro.

A parte estritamente técnica é esmiuçada de uma forma impressionante. São dezenas de notas de página a denotar que a bibliografia consultada foi gigantesca.

Tudo é explicado, da invenção dos dirigíveis ao seu funcionamento propriamente dito e muito bem amparado por uma vastíssima carga de dados, ou seja, o leitor vai se sentir plenamente satisfeito ao se deparar com uma leitura tão bem embasada.

Em termos de aeronave comercial, é impressionante o grau de conforto (até requinte, eu diria), que os tais dirigíveis detinham e tudo isso é amplamente relatado em detalhes.

E a diferença entre os modelos "Graf Zeppelin" e o "Hindenburg?" Está tudo esmiuçado ali!

É verdade que a banda de Rock britânica, "Led Zeppelin" foi ameaçada de ser processada por herdeiros do Conde Zeppelin, o patriarca do dirigível Zeppelin? Sim, uma neta do Conde ficou furiosa ao receber a notícia que o nome da sua família batizara uma banda de Rock e tal passagem com muitos detalhes é narrada no livro.

Aliás, cabe destacar que entre tantos atributos, o autor é também um grande músico e estudioso da história do Rock, portanto, há a grande possibilidade dele escrever obras sobre o Rock em um futuro não muito distante e não tenho dúvida que serão livros muito bem escritos e embasados.

E a parte mais voltada para o impacto dessa linha aérea sobre o Brasil, é muito fascinante. Mediante fotos incríveis que o autor pesquisou, inclusive oriundos de remotos acervos familiares que ele encontrou em meio aos descendentes de pessoas que fotografaram os "Zeppelins" pelos céus do Brasil, posso afirmar que são fotos de tirar o fôlego pelo seu caráter histórico.

Se no padrão da época uma viagem regular de navio da Alemanha para o Brasil durava entre 15 a 21 dias a depender das condições climáticas enfrentadas em alto mar, com os dirigíveis esse prazo se reduziu a uma média de três dias e meio, então é possível imaginar o quão foi importante para os dois países tal avanço tecnológico nos transportes intercontinentais, no sentido de que no sul do Brasil (principalmente em Santa Catarina) e na Argentina, as colônias alemãs eram bem grandes. Portanto, tal rota se tornou uma prioridade como transporte de pessoas, cargas e na ação prática como agente de correio.

Há relatos prosaicos a dar conta de pessoas reunidas nas ruas para admirar a passagem dos bólidos enormes e acenar freneticamente para que a sua tripulação se sentisse agraciada e isso demonstra o grau de fascínio com o qual tais acontecimentos ocorreram na ocasião.

Um capítulo foi dedicado para narrar a destruição do dirigível Hindenburg em 6 de maio de 1937. Um acidente muito traumático e que suscitou uma polêmica sobre a viabilidade e segurança de tais aeronaves. Claro, a aviação tradicional havia evoluído muito e tinha o seu interesse em dominar completamente os céus doravante.

Há também muitas curiosidades mais amenas, como as fotos com montagem a atribuir feitos impossíveis aos dirigíveis, e o relato sobre como era a técnica de decolagem e sobretudo da aterrissagem, a se valer de uma atracação semelhante de certa maneira ao padrão náutico mais antigo, mediante cordas gigantes içadas, ou seja, dado muito interessante.

E por fim, um pequeno apanhado pós era dos dirigíveis é colocado, para encerrar a obra com chave de ouro.

Na prática, é um livro técnico, mas o leitor comum e leigo (meu caso, por exemplo) haverá de gostar muito da obra, pois a linguagem é acessível e o conteúdo tem aquele espírito delicioso de um almanaque a conter muitos dados, sim, mas descritos de uma forma lúdica.

E sim, as muitas ilustrações contidas são interessantíssimas e despertarão no leitor, eu tenho certeza pois tive essa sensação ao lê-lo, uma sensação de curiosidade e admiração por tal assunto.
O acabamento gráfico do livro, aliás, é muito bonito, com capa dura e a conter uma ilustração belíssima.

Em suma, mesmo que a aviação não seja um assunto do total interesse do leitor desta resenha, eu recomendo bastante a obra, pois tenho certeza que vai apreciar muito essa abordagem de uma história pouco falada no Brasil e que agora, mediante tal livro, tem enfim um estudo minucioso sobre o assunto e escrito de uma forma leve, apesar de ser um livro repleto de dados precisos.

Leia também no meu Blog a resenha que preparei para uma outra obra do mesmo autor: "Negociação de crises e reféns".

Eis o link para acessar:
http://luiz-domingues.blogspot.com/2019/03/negociacao-de-crises-e-refens-cristiano.html

Ficha técnica:
Livro: "Os Zeppelins nos Céus do Brasil" (uma visão sobre as viagens ao sul do país e o nazismo no pré-segunda guerra mundial)
Autor: Cristiano Rocha Affonso da Costa
Prefácio: Saulo Adami
Preparação de texto: Heidi Gisele Borges
Revisão: Heidi Gisele Borges, Marcelo Amado e Ronald Monteiro
Arte da capa: Victória Costa
Editora Estronho
Apoio: Matilda Produções
Lançamento: 2020

sexta-feira, 15 de março de 2024

CD: Os Loucos/Vitral - Por Luiz Domingues

O Rock progressivo é uma das mais belas vertentes que o Rock produziu, desde sempre. A sua grandiosidade musical, somado à densidade artística com a qual se revestiu ao longo dos tempos, é inquestionável. 

É bem verdade que a fase áurea desse estilo deu-se na década de setenta, quando floresceu principalmente na Europa (detidamente na Inglaterra, Itália e Alemanha), mas na verdade, frutificou pelo mundo inteiro e o Brasil não ficou de fora de tal onda magnífica ao dar margem para uma infinidade de artistas geniais que beberam dessa fonte e daí em diante, produziram obras incríveis.

Entretanto, mesmo com menor abertura nos meios midiáticos, tal escola seguiu viva através de abnegados aficionados que a perpetuou após esse auge e assim, é com alegria que eu acompanho que o estilo vive e segue a produzir obras bastante expressivas, a honrar as suas mais belas tradições.

Um ótimo exemplo nesse sentido vem do grupo, "Vitral", que se propôs a trabalhar com o conceito instrumental e que foi formado em 1983, no Rio de Janeiro, pelos músicos:

Claudio Dantas - bateria e percussão
Eduardo Aguillar - baixo, teclados e guitarra
Elisa Wiermann - teclados
Luis Bahia - guitarra e baixo

Segue abaixo a história da banda expressa em seu próprio release:

A banda ficou aproximadamente dois anos em atividade e pouquíssimos registros existem desta época. Em 2015, graças a algumas partituras, raras fotos e fitas cassete com gravações domésticas encontradas em seu velho arquivo, Eduardo Aguillar teve a ideia de produzir um álbum com músicas compostas para a banda.

O que seria um trabalho solo se transformou no desejo de unir os antigos integrantes para participarem do projeto. Proposta imediatamente abraçada por Claudio Dantas, partiram para as gravações de teclados, baixo e bateria. Os resultados começaram a surgir e as velhas músicas brotavam das cinzas.

Claudio propôs então relançar a banda para shows e novas produções. Chegava a hora de reconstruir o grupo com renovadas experiências e inspirações para, inclusive, concluir as gravações do que já tomava forma de álbum.

Vitral – 2016/2018

Um ano após a revirada dos velhos arquivos, o Vitral voltou com músicos que, além de participarem de outras bandas e/ou realizarem seus trabalhos solos, resolveram também fazer parte dessa nova história do rock progressivo nacional.

Assim nasceu "Entre as estrelas", primeiro álbum da banda, lançado em 2017 pelo selo Masque Records. Completamente instrumental, o álbum traz uma mistura de influências e inspirações em três músicas, sendo uma delas, a faixa título, uma suíte de 52 minutos dividida em treze movimentos.

"Entre as estrelas" foi muito bem recebido pela crítica e público no Brasil e no mundo, mediante a seguinte formação:

Claudio Dantas - bateria e percussão (Quaterna Réquiem/cofundador do Vitral)
Eduardo Aguillar - teclados e baixo (solo/cofundador do Vitral)
Luiz Zamith - guitarra e violão (Ícones do Progressivo/solo)
Marcus Moura - flautas (Bacamarte/solo)
Vítor Trope - baixo nos shows (Orquestra Rio Camerata)

Em 2018, após dois shows para o lançamento do álbum, no Rio de Janeiro, várias mudanças foram acontecendo no mundo e também no Vitral. Junto com as mudanças, a ideia de um novo álbum, agora com músicas atuais, começava a nascer e, já no final do ano, ele já estava praticamente todo desenhado.

"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos
por aqueles que não podiam escutar a música
".

Friedrich Nietzsche

Vitral - 2023

Comemorando os 40 anos da primeira formação da banda e depois de cerca de 5 anos de maturação, chega, enfim, o novo álbum do Vitral.

"Os Loucos" é um projeto criativo que traz o que de melhor poderíamos ouvir atualmente dentro do cenário do rock progressivo instrumental. Em função da sua riqueza e multiplicidade, o novo trabalho certamente agradará aos mais exigentes amantes da música progressiva. 

Em cada faixa, uma surpresa sonora agradável. As músicas passeiam por várias nuances. Ora um vigoroso solo de guitarra com o aporte de uma bateria nervosa, ora suaves solos introspectivos de flauta, instrumento presente em todas as faixas.

Embora o som seja instrumental, as músicas de uma forma subjetiva revelam situações simbólicas, históricas e místicas. Os títulos já nos induzem a viajar por variados contextos. “Reinos do Norte”, “Sete Povos das Missões”, “Nas Asas de Horus”, “Montezuma”, “Via Appia”, “O Grande Exército Pagão”…

Para essa gravação, o cofundador da banda, Eduardo Aguillar (teclados e baixo), reuniu um time de primeira: Bruno Moscatiello (Nataraj/Kaoll/solo), na guitarra/violão, e Marco Aurêh (LummeN/Palma/solo), nas flautas, formam o núcleo do Vitral,
Gustavo Miorim, músico, produtor e mestre de bateria em São Paulo, completa o elenco como músico convidado. "Os Loucos" foi lançado dia 30 de agosto na página da banda no Bandcamp, plataforma online para artistas independentes. Anote o endereço: (www.vitralband.bandcamp.com)

Eu gostei muito do release que a banda providenciou, pois contém o histórico muito bem escrito e ao ir além, possui uma visão artística da obra em si, ou seja, com tal abordagem, eu penso que esse documento oficial da parte da banda contém um poderio sintético excelente e certamente atende bem o meu público leitor e muito interessado na audição de um trabalho desse quilate. 

Claudio Aguillar, membro fundador do "Vitral", tecladista e baixista. Fonte: Site Rock Stage Brasil

Claro que com tal adendo do release oficial da banda, foi muito facilitada a minha criação de resenha, através desse manancial de muita informação e assertividade contida no release oficial da banda. Todavia, me permito acrescentar alguns apontamentos pessoais. 

Para início de conversa, eu concordo com o texto do release, no sentido de que a banda produz um som que provoca aos seus ouvintes, imagens riquíssimas. Nesse sentido, não há nada mais "progressivo" enquanto conceito de "Art-Rock", que busca aprofundar sempre qualquer discussão em torno dos conceitos propostos, a usar a música (e vice-versa), para exibir forte conteúdo cultural. Isso é uma das marcas registradas do Rock Progressivo e o Vitral se mostra signatário dessa predisposição.

Nesses termos, exatamente como foi assinalado no release, os títulos das canções já denotam a dimensão de seu propósito nobre, ao buscar a abordagem de assuntos profundos, sob uma roupagem etérea. As músicas nos levam aos mistérios secretos do antigo Egito, às tradições dos povos pré-colombianos, a acompanhar as andanças dos jesuítas pelo sul do Brasil, as sagas perpetradas pelos povos nórdicos e da antiguidade romana entre outros temas.

O guitarrista/violonista, Bruno Moscatiello, grande nome do moderno Rock Progressivo brasileiro. Fonte: Site Rock Stage Brasil

Sob o ponto de vista estritamente musical, não há o que acrescentar, mediante uma robustez dessa monta. Eduardo Aguillar, o membro fundador, reuniu um novo time absolutamente espetacular, formado por músicos de altíssimo gabarito e sobretudo, coadunados com a estética do Rock Progressivo e assim, ao comungar dos mesmos valores, tudo fluiu de uma maneira magnífica.

A respeito da arte da capa, também gostei muito. A ilustração a mostrar seres com ares mitológicos a sustentar um vitral que insinua-se como um portal extra-dimensional e dele a emergir a figura de um outro ser, desta feita feminino, ou seja, uma mulher absolutamente fluídica a denotar ser a representação de uma força maior.
Simbolismo muito interessante, portanto, ao propor a construção de uma egrégora com alto poder energético a ditar o conceito da transformação em via de regra. E sim, é muito bonita tal arte final da parte do desenhista. 

O excelente flautista, Marco Aurêh, também bastante conhecido na cena progressiva contemporânea. Fonte: Site Stage Rock Brasil

Sobre as músicas do álbum, tenho mais algumas observações pontuais a acrescentar. Reforço o link do portal "Bandcamp" para que o leitor leia os apontamentos individualizados sobre as músicas enquanto as escuta:

Acesse o CD "Os Loucos" do Vitral:
www.vitralband.bandcamp.com

1) O grande exército pagão

Tema que se inicia épico, com o sintetizador a emular trombetas militares e a denotar uma marcha triunfal. Com inúmeras passagens extremamente melódicas, tem o elemento da doçura assegurado, com partes delicadas propostas pela flauta e outras mais contundentes mediante a guitarra a imprimir peso, e neste caso lembrou-me o Prog-Rock italiano em diversos aspectos.

2) Ciclopes

Esse tema se inicia em meio a um conjunto de acentuações em forma de convenções e logo a seguir propõe o staccato a demarcar bem a fórmula de compasso adotada. São belíssimos os timbres de todos os instrumentos, bem coadunados com o adorável padrão setentista.

3)  Via Appia

O começo grandioso e dramático a insinuar uma ária operística abre campo para uma suíte tipicamente "prog", ou seja, mediada por várias partes e mais uma vez a apresentar melodias muito belas.

A parte mais calma com o piano a flauta a trabalhar juntos, é incrível. O ouvinte é convidado a flutuar junto com a banda, certamente. É ótimo o timbre e linha de baixo. Um pequeno trecho a insinuar contraponto dá espaço logo a seguir para uma levada alegre e permeada por um belo solo de guitarra. 

Advém uma parte bem "glacial", naquela predisposição do "Space-Rock" e a posteriori, um solo de flauta extremamente doce. Criatividade e bom gosto de mãos dadas. E a música se encerra com uma parte mais acelerada e extremamente jovial. 

4) Sete povos das missões

É muito bonita a introdução, com o sintetizador a carregar no timbre setentista clássico. Mais uma vez a flauta conduz uma bela melodia com ares campestres e assim a música vai a se desenvolver mediante a mescla de partes calmas e mais agitadas.

Há um violão muito bonito, que atua bem rapidamente e dá espaço para os teclados mais densos e em seguida uma parte mais agressiva advém, embora seja também rápida.

Gostei de uma parte que insinuou influência indígena, acentuada pela divisão rítmica e auxiliada pela percussão. E o violão fecha com muita beleza a canção, auxiliado pela flauta.

5) Reinos do Norte

Tema com muita pompa sinfônica na sua abertura, mostra uma linha melódica deveras bonita feita pelo sintetizador. 

O elemento medieval se faz presente com grande felicidade, ao lembrar bandas Folk-Prog-Rock setentistas que trabalharam com tal sonoridade mediante extrema destreza e o Vitral honrou tais tradições, com muitos méritos.

É muito bom o trabalho de guitarra, com destaque também para a linha de bateria, que é excelente. E o tema fecha com a mesma grandiosidade do seu início.

6) Montezuma

Achei incrível a guitarra que ponteia uma melodia com notas longas a evocar algo misterioso, mas ao mesmo tempo, muito forte, a denotar uma verdade secreta, muito provavelmente guardada a sete chaves dentro de uma pirâmide asteca.

Gostei muito das partes posteriores, a prover uma grande quantidade de levadas, umas diferentes das outras, bem no conceito do Prog-Rock setentista, a usar e abusar da dinâmica, com muita sapiência.

Além do mais, a conter grandes momentos individuais ao apresentar muita intervenção da flauta, teclados a experimentar timbres diversos (e todos clássicos do gênero), e claro, da guitarra.

7) Nas asas de Horus

Tema curto, mas muito bonito, conduzido pelo piano e flauta, contém uma pontual participação do violão e sutil percussão.  

Ao ouvir esse tema, a imaginação nos leva até Horus que literalmente nos conduz a sobrevoar o Vale dos Reis e exatamente como deveria ser, a visão é espetacular.

8) Os loucos

Tema que se inicia com grande contundência, usa do recurso da quebra brusca de clima ao propor mudança de dinâmica sistemáticas e assim, apresentar um mosaico de emoções dispares entre si para o ouvinte degustar. 

Dessa forma, dos momentos mais tenros à dramaticidade de outros, da reflexão mais cerebral ao ritmo mais pulsante, somos levados a adentrar uma forte emoção caleidoscópica das mais memoráveis.
"Loucura pouca é bobagem", teria dito um famoso Rocker tupiniquim de outrora e claro que ele estava certo! Viva a imersão livre que o Rock progressivo nos proporciona ao experimentarmos a loucura em doses maciças. Viva a loucura! 

Para encerrar, digo que o CD "Os Loucos" da banda de Rock Progressivo, "Vitral", é muito recomendado para ser ouvido com a máxima atenção e tenho certeza, o leitor/ouvinte vai apreciar sobremaneira tal experiência sonora. O seu fiel aporte às tradições do Rock Progressivo clássico é admirável. E no aspecto da qualidade da banda, trata-se de algo muito cristalino, na minha opinião.

Ficha técnica       
CD Os Loucos - Vitral
Produzido por VITRAL
Músico convidado: Gustavo Miorim - bateria
Quadro da capa: Claudio Dantas - @claudiodantaspainter
Mixado e masterizado no Laboratório Pedra Branca, Rio de Janeiro, Brasil
Apoio: A BELA MÚSICA/KAZA 8
Músicas compostas e arranjadas por Eduardo Aguillar

Para conhecer mais o trabalho do Vitral, acesse:

Vitral - Canal de YouTube:
https://www.youtube.com/@vitral-musicaprogressivain655/videos

Vitral no Prog Archives:
https://www.progarchives.com/artist.asp?id=10387

Vitral - Facebook:
https://www.facebook.com/bandavitral

Vitral  - Matéria no RockStage Brasil:
https://rockstage.com.br/rock-progressivo-banda-vitral-celebra-40-anos-e-lanca-o-album-os-loucos/