sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

Filme: Stardust - Por Luiz Domingues


Após o sucesso do filme britânico, “That’ll Be The Day”, lançado em 1973, rapidamente a sua continuidade foi filmada e lançada, ao final de 1974. Chamado como: “Stardust”, essa obra seguiu a cronologia do filme anterior, a mostrar a trajetória do personagem, Jim McLaine. Na verdade, a sua continuidade nem esperou o sucesso do primeiro para ser arquitetada, visto que o roteirista, Ray Connoly e o diretor, Ray Puttnam, já estavam convencidos que essa história merecia uma continuidade e assim, trabalharam com afinco. Com mais verba disponível em relação ao filme anterior, foi possível elaborar um roteiro mais robusto, a propor cenas mais grandiosas e nesse sentido, “Stardust” tem um acabamento bem melhor em termos de direção de arte; figurino; e o luxo em ter locações externas muito bonitas da Inglaterra; Estados Unidos e da Espanha. Aliás, na Espanha, são imagens bem impressionantes, conforme descreverei mais adiante.


O filme mostra, Jim McLaine na cena inicial, a convidar o seu velho amigo, Mike, que conhecera no parque de diversões onde trabalharam ao final dos anos cinquenta, para que este seja o empresário da banda que fundara, chamada: “Stray Cats”. No primeiro filme, Mike fora interpretado por Ringo Starr, mas em Stardust, Ringo recusou o papel ao afirmar que devido ao roteiro avançar pelos anos sessenta e mostrar a ascensão de Jim e sua banda, sentir-se-ia desconfortável pela sua fama real com os Beatles nessa mesma época enfocada na história. Desta feita, o personagem, Mike, foi defendido por Adam Faith. Ora, Adam também foi um egresso do Rock britânico cinquenta / sessentista, com relativo sucesso (um dos seus sucessos, foi sem dúvida, a canção, “What Dou You Want”), e não importou-se em atuar, embora seja bem verdade, que a sua fama fora infinitamente menor que a do Ringo, portanto, apenas observo e entendo as razões alegadas por ambos.


Daí em diante, mostra-se a ascensão vertiginosa do Stray Cats, a começar em shows realizados em pequenos clubes, mas rapidamente a galgar degraus e vide o meio de transporte com o qual começam a sua trajetória, um furgão em péssimo estado de manutenção e como rapidamente passam a deslocar-se com carros melhores e compatíveis com a sua fama crescente. A formação da banda contou com Johnny, na guitarra e voz (interpretado também por um ator/músico, Paul Nicholas, experiente em musicais teatrais e daqui em diante, em Rock Movies (Tommy, Lisztomania, Sgtº Peppers entre outros), Alex na guitarra e voz (Dave Edmunds, também músico e que foi componente da banda sessentista, “Human Beins e responsável pela trilha sonora deste filme), o tecladista, Steve (Karl Howman, este, apenas ator) e o super astro do Rock, Keith Moon (The Who), que também participara do filme anterior e ao contrário de Ringo Starr, não teve nenhum constrangimento em participar a interpretar o baterista, J.D. Clover, novamente e desta feita em várias cenas de shows ao vivo e das loucuras de bastidores de uma banda de Rock na Inglaterra em plena fase de euforia da dita “British Invasion”/Swingin’ London e consolidação do Rock em sua safra “late 60’s”.


As cenas ao vivo, são muito boas, visto que a banda fictícia fora formada por músicos verdadeiros, com exceção do tecladista, mas a energia realística garantiu-se e ainda mais com Keith Moon a tocar bateria, ou seja, uma energia avassaladora e muito bem retratada nas cenas, tanto que a pensar exclusivamente na atuação dele, é notório o quanto ele atuou a vontade, como se estivesse a tocar com o The Who na vida real. Keith Moon deu trabalho nos bastidores das filmagens, visto que o seu gênio indomável gerou muita confusão, como bem contou o roteirista, Ray Connoly em sua extensa entrevista concedida anos depois, para falar sobre a produção dos dois filmes : That’ll Be the Day e Stardust.



Esse foi o lado bom do filme, ao mostrar as ótimas cenas com a banda fictícia, Stray Cats a tocar ao vivo; programas de TV & afins. Contém igualmente, bastante bastidores com camarins, quartos de hotel, viagens etc. Além disso tudo, aborda-se os problemas típicos que toda banda de Rock enfrentou, não apenas nos anos sessenta e setenta, mas a tratar-se de certas agruras típicas, tratadas como inerentes ao ofício, ou seja: é quase inevitável que as brigas de ego ocorram e amplifiquem-se à medida que a fama cresça. Dinheiro, por exemplo, entra no primeiro posto para estragar tudo, pois o senso da ganância fala alto e aliás, é uma má conduta observada em qualquer profissão e não apenas um defeito observado no meio artístico. Portanto, é inevitável em em um empreendimento que visa lucros e seja controlado por vários sócios, com o crescimento do negócio, haja um sentimento de um sócio em relação aos demais, que talvez considere-se mais merecedor de fatias maiores por trabalhar mais ou até mesmo quando a discórdia instaura-se por alguém duvidar de alguém por alguma falcatrua cometida em termos de desvio de recursos.


Outra boa maneira para uma banda ser minada por brigas entre os seus componentes, ocorre por conta de egos infláveis e nesse caso, o meio artístico é pródigo em proporcionar tal demanda egóica. Basta um componente chamar mais a atenção dos críticos; fãs e principalmente do público feminino por conta de sua boa aparência e o fato dele ser comentado como o galã da banda, gera ciumeiras entre os demais. Mas também tem a proeminência por chamar mais atenção no palco pela performance; por ostentar um nível técnico maior que os demais ou por suas ideias para composições e arranjos, ganhar elogios, enfim, são muitos os fatores que inflam os egos ao ponto de destruir amizades e destruir bandas, implodidas por tais fatores e isso explica tantas que viveram carreiras curtíssimas, em detrimento de seu brilhantismo artístico.



Bem, tudo o que descrevi acima ocorre nesses momentos iniciais e até a metade do filme, muitas situações assim, são vistas. Tem também a loucura dos fãs, sobretudo das fãs, com cercos policiais feitos para que o Stray Cats toque e consiga evadir-se dos locais com relativa segurança para os seus componentes, em clima de Beatlemania. Cada um a correr para uma limusine e com fãs histéricas a correr atrás, é mostrado e isso foi algo bem dentro da realidade que os Beatles e outras bandas britânicas sofreram nos anos sessenta.


Então, tem a inevitável participação de um empresário com maior estrutura para segurar esse momento promissor, na figura de Marty Wilde (interpretado por Colin Day), claramente inspirado em Brian Epstein, o empresário dos Beatles, com aquela clássica maneira para gerenciar a carreira do Stray Cats, a influenciar em todos os detalhes, inclusive a gerar as inevitáveis indisposições, tamanha a interferência desagradável em seus desígnios pessoais. Chega-se então em um ponto que o destaque para o personagem de Jim McLaine, que é o baixista e cantor da banda, motiva uma mudança na estratégia gerencial e assim, a banda passa a chamar-se : Jim McLaine & Stray Cats. Bingo, a discórdia com tal mudança gera revolta em outros membros e isso começa a minar a relação boa construída em mutirão, no tempo da labuta mais rude do início da carreira.


Copia-se bastante a trajetória dos Beatles, novamente, ao mostrar a chegada da banda à América do Norte e o quanto isso foi tratado como um impulso para a banda atingir um nível muito maior. Enquanto isso, as drogas e as groupies entram na ordem do dia, além de interferências da parte da gravadora; editora; acordos com radialistas, ou seja, o negócio fica tão grande que a contrapartida dos artistas estar loucos pela fama e pelos prazeres dela oriundos, obscurece-lhes o discernimento e nessa hora, os inescrupulosos aproveitam-se para aproximar-se e roubar bastante o dinheiro fabuloso que a banda está a gerar.


E o inevitável ocorre, empresários e produtores convencem o mais famoso da banda que a carreira solo é o seu melhor caminho e que certamente que ele não precisa dividir nada com os seus companheiros “menos talentosos”. Isso também é uma ação típica do meio empresarial e igualmente um fator para destruir carreiras, visto que acaba-se com bandas ótimas e nem sempre uma carreira solo avança como o artista foi levado a crer que aconteceria facilmente.


Pois então, Jim McLaine não está mais com os seus amigos. Ele também não é mais o mesmo, visto que as drogas; bebedeiras e groupies, em profusão, tratou por moldar a sua personalidade para algo mais soturno. Um certo mau humor crônico o faz parecer-se com Bob Dylan, em muitos aspectos. Bem, entra em cena um empresário norte-americano, na figura de um típico texano, Porter Lee Austin, interpretado por Larry Hagman. Hagman foi famoso na TV norte-americana por ter interpretado o incauto astronauta, major Nelson, no seriado, “I Dream of Jeannie” (“Jeannie”, no Brasil.). Também participou de outros seriados; telemovies e uns poucos filmes longa metragem, mas a sua fama não era grande na Inglaterra. A sua contratação foi um arranjo do acaso, visto que a intenção inicial da produção, foi contratar um ator mais famoso, ao tratar-se de Tony Curtis. Entretanto, apesar de Curtis ter gostado do roteiro e estar acostumado a trabalhar com britânicos (nessa época, ele já havia participado recentemente do seriado inglês, “The Persuaders”, ao lado de Roger Moore, em 1971), quem causou problemas foi o seu agente, que irredutível, não abriu mão do cachet milionário exigido e daí, a opção por Larry Hagman. E é preciso registrar que Hagman atuou tão bem como uma magnata texano obstinado e manipulador (boçal igualmente, é preciso salientar), que tal atuação dele em “Stardust” rendeu-lhe a oportunidade de ser contratado posteriormente para viver o terrível vilão: “JR Ewings”, no seriado cafona, porém bem sucedido comercialmente, “Dallas”. Ele mesmo afirmou isso, em sua biografia pessoal.


Bem, nesta altura do filme, Jim McLaine já está bem perturbado. A sua fama é mundial; ganha muito dinheiro, mas vive depressivo, quando não catatônico em virtude de seus abusos e descontentamento com a carreira musical em si. Chega a sonhar em voltar com o Stray Cats, mas o empresário, Austin e o seu agente pessoal, Mike não o deixam reagir. Sua namorada, a belíssima, Danielle (Ines Des Lonchamps), não demonstra muito companheirismo, ao denotar estar a aproveitar-se da fama dele, Jim, tão somente.



Nesse sentido, ocorre a cena onde ele é informado que a sua mãe falecera e além de ser mal recebido na cerimônia fúnebre, por seus familiares e amigos dos tempos em que era apenas um rapaz pobre, tal notícia espalhara-se e a polícia inglesa tem muito trabalho para montar um cordão de segurança, visto que a imprensa, e sobretudo os fãs enlouquecidos, estão ali à espreita para ver o seu ídolo. Esse contraponto dramático é bem interessante na história, embora seja obviamente desagradável pela circunstância da história. E para piorar as coisas, ele encontra-se com a sua ex-esposa, Jeanette (interpretada por Rosalind Ayres), e o filhinho que deixara para trás e ambos são quase engolidos pela multidão enlouquecida. Um diálogo ríspido com a ex-esposa, mostra o quanto a fama fizera-lhe mal e ele, apesar de sentir o baque, não reage a contento, visto que debilitado emocionalmente, tornara-se um rebotalho humano.


Como se tudo isso não bastasse, a sua carreira está mal administrada. A energia pura do Rock’n' Roll ficara para trás, nas lembranças do Stray Cats, a sua boa banda. Agora ele grava o que determinam que ele grave, além de participar de ações de marketing com ação gerencial discutível, obra de seu novo empresário que não entende nada do ramo, na verdade. Sob tal prerrogativa, ele grava um especial de TV, muito megalomaníaco, a cantar com o apoio de um orquestra e coral de vozes, sob uma estilização visual bastante exagerada. Trata-se supostamente de uma “Ópera-Rock”, chamada :“Dea Santa et Gloria”. A parte musical desse tema, é bonita, não resta dúvida, mas a sua colocação na história visou retratar um equívoco na carreira de Jim, portanto, é bastante melancólico vê-lo a interpretar tal tema, apesar da sua beleza melódica.


Cansado, porém milionário, Jim resolve comprar um castelo medieval encravado em uma montanha, localizado em uma remota cidade do interior da Espanha. Visto que estava estafado, foi o refúgio sabático que programou obter para alcançar a sua recuperação física e mental e quiçá, repensar a carreira. Mais do que nunca, sente saudade do Stray Cats, mas ao mesmo tempo sabe que os ex-colegas ficaram magoados com ele e sobretudo, os contratos que assinou, deixam-no atrelado ao empresário sanguessuga, ainda por um bom tempo.



Ele gasta uma fortuna para restaurar o castelo, mas o seu empresário (e o seu agente pessoal, também), está farto dessas férias forçadas e quer que o seu artista volte a produzir o quanto antes, visto que artista não pode sumir do imaginário popular por um tempo muito grande, essa é uma verdade também expressa no filme, sob o risco de perder o seu “momentum”, e assim, nunca mais recuperá-lo. 


Então, ele é pressionado a voltar a atuar e marca-se uma entrevista para ele começar a voltar à evidência. O plano é mostrar o castelo maravilhoso em que habita e que ele possa anunciar uma nova etapa na carreira, porém, enquanto a equipe de TV prepara o equipamento para fazer uma intervenção ao vivo, ele está muito depressivo e tem o impulso em suicidar-se. Uma impressionante cena a mostrá-lo a caminhar pelo telhado do castelo, dá a entender que está muito mal. Após uma grande pressão, ele finalmente aparece para conceder a entrevista e já a passar mal pela ingestão de muitas drogas, passa a discursar de forma desconexa, para o desespero do empresário e então, o seu amigo e agente, Mike, percebe a situação e chama uma ambulância.



No trajeto para o hospital, enquanto agoniza, Mike tem uma explosão nervosa e acusa-o de ser egoísta etc e tal, todavia, Jim já está a ter uma complicação cardíaca decorrente de uma overdose e falece com a ambulância ainda em movimento.


Não é uma história exatamente criativa, longe disso, pois explora bem o clichê da vida e obra de um Rock Star engolido pelas vicissitudes da fama, mas Stardust é um bom filme, assim como o filme, “That’ll Be The Day”, que foi na verdade, uma parte inicial da mesma história. O filme tem os seus méritos, certamente, ao mostrar as cenas musicais e de bastidores, e também a conter boa música. Os temas do Stray Cats, foram todos compostos; arranjados e executados por Dave Edmunds, que além de atuar como ator, tocou todos os instrumentos na gravação da trilha. E os temas cantados, tiveram de fato as vozes de David Essex que era / é um bom cantor, além dos demais atores que também eram cantores e músicos reais. Sobre David Essex, em sua carreira real na música, eu já falei a respeito, inserido na resenha de “That’ll Be The Day”.



Foi dirigido por Michael Apted e lançado em outubro de 1974, na Inglaterra, e em outros países, de forma escalonada, em 1975. Roteiro por Ray Connoly e produção a cargo de David Puttnam e Sanford Lieberson. Recomendo “Stardust” e seu predecessor, “That’ll Be The Day”, ambos, bons filmes e com vários atrativos interessantes para um Rocker apreciador de Rock Movies e sobretudo, interessado em cultura Rocker das décadas de 1950/1960 e 1970, sobretudo.

Existe a versão em DVD / Blue Ray, mas no You Tube, só é encontrado alguns poucos fragmentos do filme. Uma versão na íntegra, gratuita e com boa qualidade, pode ser vista no portal russo de filmes, “OK.RU”. 
Esta resenha foi escrita para fazer parte do livro: "Luz; Câmera & Rock'n' Roll". Está disponível para a leitura através do seu volume II, a partir da página 115.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

Filme: That'll Be The Day - Por Luiz Domingues


Um interessante filme a dramatizar a trajetória de um Rocker britânico, durante a década de cinquenta, deu-se com o filme: “That’ll Be The Day”. Trata-se da saga do personagem, Jim McLaine (interpretado pelo cantor/ator, David Essex), a revelar-se um típico garoto pobre, oriundo da classe operária inglesa, e a viver uma existência massacrante e entediante.

Cabe uma parêntese para realçar que David Essex vivia em sua carreira musical à época, um bom momento, daí a sua participação como ator protagonista dessa produção, ter chamado a atenção do público, como um adendo comercial conveniente, digamos assim.

Não apenas isso, o elenco teve outros músicos muito célebres, igualmente a atuar como atores, casos dos bateristas Ringo Starr e Keith Moon (The Beatles e The Who, respectivamente) e também a destacar a presença do cantor, Billy Fury e John Hawken (The Nashville Teens).

Bem, a história mostra a vida desse pobre rapaz, Jim McLaine, em meio ao seu tédio existencial por sentir-se sem perspectivas para uma mudança de situação pessoal, porém, como preconizaria um Rocker britânico famoso ao final dos anos sessenta, “o que pode fazer um garoto pobre a não ser cantar em uma banda de Rock?”  Sendo assim, após tentar sobreviver através de subempregos os mais variados, ele abandona os estudos, para o desespero de sua mãe (é bem simbólica e transgressora, embora com certa docilidade, a cena em que ele joga fora o seu material escolar, incluso o boné com o distintivo da instituição a qual frequentava, em um córrego), e cometido tal ato, a sair feliz da vida por verificar que livrara-se de um ônus que nunca quis arcar em sua vida, simbolizado pelo material a ser carregado pelo curso da água. 

E assim, em contato com os seus amigos, ele vai para um acampamento de férias e dá chance para que novas pessoas e perspectivas surjam em sua vida. Eis que ele conhece então, Mike (interpretado por Ringo Starr), que se mostra uma influência forte para ele começar a buscar um novo rumo para a sua vida. Finda a temporada no acampamento de férias, ambos vão trabalhar juntos nos brinquedos de um parque de diversões e são interessantes as cenas em que dialogam, ao vermos o personagem, Mike, na posição de um informal conselheiro. Não chega a ser curioso, pois Ringo Starr já acumulava participações em outros filmes, e mais uma vez ele não aparece a tocar bateria no filme, mas apenas trabalha como ator.

Em meio às confusões geradas com o gerente do parque, flertes com garotas e indisposições com alguns clientes, o Rock’n' Roll permeia tudo e assim, Jim absorve paulatinamente o impacto da música revolucionária que vinha do outro lado do Atlântico. A ambientação é a do final dos anos cinquenta (1958, segundo consta no roteiro), portanto, mostra-se bem o impacto do Rock’n' Roll cinquentista e norte-americano sobre os jovens britânicos e o quanto tal estilo musical foi digerido por esses garotos europeus, na contrapartida de que nenhum norte-americano poderia supor que sob uma rápida absorção, os ingleses, sobretudo, regurgitariam tudo para apresentar melhoramentos, ao dar um novo rumo para o Rock, vide a famosa “British Invasion”, visível já em 1963, e a tornar-se avassaladora a partir de 1964.

Nesses termos, as presenças de Keith Moon, Ringo Starr e Billy Fury, como atores, tem o poder da referência implícita, pois as suas respectivas trajetórias construídas através da história do Rock, podem tranquilamente ter servido como inspiração para a elaboração do roteiro desse filme. Apesar de ser um história fictícia, é óbvio que uma trajetória desse teor, tem tudo a ver com a história deles, pessoal. Sem dúvida que a história de Ringo Starr, antes de ingressar nos Beatles, com a sua banda, Rory Storm and the Hurricanes, tem similaridade com a saga de da banda “Stormy Tempest”, que inseriu-se nesse filme, por exemplo.

Isso reforça-se com a trilha musical proposta, que é sensacional, e versada por peças do cancioneiro Rocker cinquentista, notadamente da parte do fantástico, Buddy Holly, aliás, com a explicita citação do título do filme, visto que “That’ll Be The Day” é um Rock’n Roll emblemático do repertório dele, Buddy.

Destaca-se a atuação de Keith Moon que toca alucinadamente, exatamente como sempre o fez na vida real, com o The Who. Isso inclusive é mostrado em uma cena a retratar os primeiros ensaios da banda “Stormy Tempest”, cujos membros, Jim McLaine vem a conhecer e ocasião em que Moon (aqui a interpretar J.D. Clover), faz um solo de bateria, bem ao seu estilo tresloucado e para quem conhece a sua trajetória, é bem emocionante para assistir-se.

Mclaine toca em um assunto interessante, quando pergunta ao pessoal do “Stormy Tempest”, se eles compõe as suas próprias músicas e o baterista, J.D. Clover, responde com uma desconcertante sinceridade prosaica, ao afirmar: -“é óbvio que não, pois somente os norte-americanos sabem compor músicas”. Essa fala não foi aleatória, mas bem orientada para constar nos diálogos, pois tratou-se de uma exemplificação de como os jovens músicos britânicos, ao final dos anos cinquenta, tinham essa mentalidade em considerar que não possuíam capacidade para criar, mas apenas reproduzir o som dos norte-americanos que eles admiravam. Pura balela, bastou quebrar tal paradigma e o Rock britânico provou o seu valor com o poder de uma bomba atômica deflagrada, poucos anos depois, porém, de fato, tal sentimento de inferioridade criativa existiu anteriormente.

Jim parece empolgado, mas ao mesmo tempo atormentado com a pressão familiar recebida para contribuir com o seu sustento, portanto, não teve alternativa e assim voltou para a sua casa para assumir trabalhar no pequeno estabelecimento comercial familiar. Nesse ínterim, casa-se e sua esposa tem um filho. Tudo parece caminhar para um destino evidente em torno de uma vida simples dentro do padrão da classe operária britânica, no entanto, Jim sente-se profundamente entediado com tal resolução. Então o sinal mágico ocorre quando ele passa pela vitrine de uma loja de instrumentos usados e resolve investir no seu futuro, ao comprar uma guitarra velha e barata.

Simbólico, foi o momento de transição não apenas para a vida do personagem, mas a deixar claro que o Rock britânico tomou a atitude e dali em diante, com as rédeas na mão, não apenas iria impor-se, como na verdade, dominar a cena artística, inteiramente.

Outra referência do filme, é a canção “1941”, do cantor, Harry Nilsson. Não a canção em si, mas pelo teor da sua letra, que versa sobre a ideia de um pai que teve um filho em 1941, e que abandonara-o em 1944. Na continuidade da letra, Nilsson canta que o menino cresceu e fugiu para juntar-se a um circo. Pois o produtor do filme, David Puttman, encomendou para Ray Connoly, uma história a partir dessa premissa sugerida na canção de Nilsson. Aos poucos, Connoly, que nunca havia escrito roteiros para o cinema, mas na verdade era um jornalista e crítico musical, montou uma história ambientada em um parque de diversões, ao invés de um circo e a sua experiência com o Rock o impeliu a fazer do seu personagem, Jim McLaine, um aspirante a ser um Rocker. Em entrevista concedida muitos anos depois, Connoly confessou que apropriou-se também de ideias que assistira em outros filmes, notadamente em películas tais como: “East of Eden” (“Vidas Amargas”, de Elia Kazan) e “Les Quatre Cents Coups” (“The 400 Blows”, em inglês ou “Os Incompreendidos”, em português), de François Truffaut. Tudo bem, no cinema, nada se cria, tudo se copia, como poderia ter dito Antoine Lavoisier.

A ideia de contratar artistas da música para atuar nos principais papéis como atores, poder-se-ia ser considerada temerária, mas o próprio roteirista, Connoly, revelou na mesma entrevista já citada, que escrevera o personagem, Jim McLaine, para ser amargo, mas precisou adocicar a sua imagem e por acaso, quando foi ao teatro para assistir a montagem britânica do espetáculo, “Godspell”, notou que o cantor, David Essex, que estava a atuar, seria a escolha perfeita, por conta de seu semblante a transmitir a docilidade em contraponto que ele precisava e não obstante tal sutileza, Essex era um astro Pop na vida real e mantinha um séquito feminino em seu percalço, com naturalidade.

E além de Ringo Starr a atuar como ator e prestar consultoria, outro elemento importante que agregou-se e muito auxiliou, foi Neil Aspinall. O famoso roadie dos Beatles na vida real, também foi um assessor e foi dele a responsabilidade em convidar Keith Moon e Billy Fury para participar como atores, ao interpretar os músicos da banda: “Stormy Tempest” (respectivamente, J.D. Clover e a persona, “Stormy Tempest”).

Outra curiosidade incrível sobre a produção desse filme, deu-se e relação à sua trilha sonora. Como o orçamento inicial mostrara-se muito baixo, a produção teve que captar mais recursos e nesse ínterim, surgiu uma pequena empresa canadense, especializada em telemarketing, que propôs-se a investir, desde que o filme proporcionasse a criação de uma trilha a conter quarenta músicas, que posteriormente deveria ser utilizada como vinhetas de suas ações publicitárias. Algo bastante incomum, é bem verdade, mas a produção do filme não pode recusar a oferta e assim, como um resultado prático, percebe-se que principalmente nas cenas onde os personagens perambulam pelo parque de diversões, existe a ação de um alto falante a executar pequenos trechos de diversas canções oriundas do Rock’n' Roll cinquentista e daí, a obrigação com o patrocinador foi cumprida e ao mesmo tempo, o filme enriqueceu-se com tantas citações, ainda que ligeiras, desse repertório espetacular.

Foi nesse ponto que a produção percebeu que o personagem crescera e que caberia uma continuação da história e por isso, mal “That’ll Be The Day” estreava nas telas e a produção de um segundo filme, a ser chamado: “Stardust”, correu a todo vapor, para mostrar a ascensão da banda de Jim McLaine ("Stray Cats"), e toda a ambientação sessentista em torno disso, o que animou ainda mais o roteirista, Ray Connoly, que na condição de um crítico musical, acompanhara a cena sessentista real, in loco. Sobre “Stardust”, falo sobre tal filme em sua resenha em específico, naturalmente.

E para aquecer ainda mais toda a movimentação em torno de “That’ll Be The Day”, David Essex havia emplacado um grande sucesso de sua carreira nas paradas de sucesso em 1973, com a música, “Rock on”, portanto, apesar de nada ter a ver diretamente com o filme, isso só contribuiu para angariar ainda mais interesse midiático para a obra cinematográfica. 

Como conclusão final, creio que essa produção nasceu modesta, mas cresceu acima das expectativas iniciais de sua própria produção; fez um tremendo sucesso e antes mesmo de obter esse termômetro da parte do público, já motivou em seguida a produção de uma continuação, com “Stardust”, lançado no ano posterior, em 1974, e aí sim, mediante a possibilidade de contar com uma produção mais portentosa, garantida pelo maior investimento financeiro e certamente pelo entusiasmo gerado pelo surpreendente sucesso de: “That’ll Be the Day”. 

Sobre as atuações, não dá para ser exigente, visto que os protagonistas foram defendidos por músicos na vida real, e não atores de ofício, mas há por ressaltar-se que David Essex ostentava a sua experiência teatral por ter encenado “Gospell” nos palcos de Londres e Ringo Starr e Keith Moon, ambos já haviam participado de outros filmes; uma infinidade de documentários e promos e não necessariamente apenas em termos de material de suas respectivas bandas, portanto, ambos estavam acostumados a enfrentar um set de filmagem e a conter bastante desinibição para lidar com as câmeras.

Ainda no elenco, houve a presença dos atores : Rosemary Leach (Srª Maclaine); James Booth (Sr. McLaine); Rosalind Ayres (Jeanette Sutcliffle); Robert Lindsay (Terry Sutcliffle); Deborah Watling (Sandra); Brenda Bruce (Doreen); Beth Morris (Jean) e outros.

Escrito por Ray Conolly. Produção a cargo de Sanford Liebserson e David Puttnan. Sob direção de Claude Whatham, foi lançado na Inglaterra em abril de 1973, e nos Estados Unidos, em outubro do mesmo ano.

Recebeu críticas boas em geral, a não ser no “New York Times”, onde o crítico norte-americano implicou com o sotaque britânico e até sobre o excesso de piscadas de certos atores, que supostamente denotariam nervosismo ante as câmeras. Implicância sem cabimento, pois sobre as tais piscadas, somente ele perdeu tempo em ater-se a um detalhe imperceptível dessa monta e quanto ao sotaque, seria como um crítico brasileiro falar mal de um disco da cantora de fado, Amália Rodrigues, por ela manter o sotaque castiço de Lisboa, ora pois...
Cópia do filme integral, no YouTube, eu desconheço que exista. Somente encontra-se fragmentos com cenas esparsas e muitos desses vídeos, misturam-se com cenas do filme posterior, “Stardust”, talvez no afã de estabelecer uma comparação ou seja lá qual tenha sido a ideia de que assim editou e postou. É possível assistir em sites especializados em filmes raros, mas com cobrança, e mediante a obrigação em preencher cadastro etc. e tal. Ou comprar a cópia em formato DVD, mas também somente em versões internacionais, sem legendas em português. Sacrificante, eu sei, mas creio que valha a pena assistir, pois o filme tem o seu valor histórico e a trilha é uma maravilha para quem aprecia ao Rock primordial dos anos cinquenta.
Esta resenha faz parte do livro: "Luz; Câmera & Rock'n' Roll", Está disponível para a leitura através de seu volume II, a partir da página 108.