terça-feira, 14 de dezembro de 2021

Filme: Get Crazy (Na Zorra do Rock) - Por Luiz Domingues

Este filme nasceu em torno de uma ideia interessante, no entanto, o tom proposto em torno da comédia, tratou por arrasar a intenção inicial que foi nobre, em tese. Pior ainda, a estética visual usada pela direção de arte, mediante o predomínio do conceito “kitsch”; extremo histrionismo adotado pela atuação dos atores profissionais e/ou amadores a atuar, o texto mal elaborado e direção equivocada, foram itens negativos que somados, depõe contra a obra. Pois então, sobra alguma coisa para ser considerada positiva? Sim, existe algo de bom neste filme, embora seja realçado sob uma proporção ínfima.
 
Primeiro ponto : algumas piadas são engraçadas, não todas, portanto, poder-se-ia ser levado em consideração o fato desta película ser considerada uma comédia escrachada e assim, diminuir-se-ia bastante qualquer grau de exigência dos críticos regulares de cinema e principalmente em relação ao público Rocker em suas expectativas mais detalhistas. Nesse aspecto, é preciso ser bastante paciente ao considerar também, que trata-se de uma produção concebida nos anos oitenta, portanto, pelo fato do Rock em si, vivia-se uma Era pautada pelo vilipêndio ideológico ao passado do próprio gênero. Já pelo fator cinematográfico propriamente dito, a expansão de um tipo de comédia nesses termos, ou seja, a privilegiar o pastelão exagerado, estava em alta voga, portanto, foi baseado em tais premissas que o filme foi produzido. Segundo aspecto: há uma trilha sonora que mesmo que não seja considerada espetacular, pelo menos minimamente preserva o filme do desastre total, ainda bem.
Qual teria sido então a nobre intenção que motivara a criação da obra, e que eu mencionei no início da resenha? Pois o diretor, Allan Arkush, detinha uma cultura Rocker/contracultural em sua formação pessoal e mais do que isso, fora um ex-funcionário do auditório Fillmore East, nos idos do final dos anos sessenta e início dos setenta. Como cineasta, também contabilizava o fato de ter iniciado a sua carreira como membro da equipe de produção do diretor, Roger Corman, este, um especialista em cinema de terror, mas que nos anos sessenta, tivera uma interessante incursão ao cinema contracultural, ou seja, lidar com Freaks, foi algo que Arkush acostumara-se desde a década de sessenta. Allan Arkush, portanto, teve como intenção ao propor filmar, “Get Crazy”, prestar uma homenagem aos auditórios Fillmore (East e West), capitaneados pelo grande empreendedor contracultural, Bill Graham. 
Que ótimo, tais teatros foram importantíssimos para a história da contracultura, principalmente para o Rock e demais vertentes musicais derivadas e paralelas, naqueles anos de ouro. Nada mais nobre, portanto, ao trazer à baila uma homenagem para essas casas que tanto contribuíram para a música, contracultura, Rock & afins. No entanto, infelizmente, eis que todos os fatores negativos que eu arrolei anteriormente somaram-se, e assim, com tal carga, ficou inviabilizado que a tal boa intenção do diretor, Allan Arkush, fosse honrada.
E a história, do que trata-se afinal de contas, o “Get Crazy?”Bem, o Teatro Saturn vai produzir um show de Rock com vários artistas para celebrar o Reveillon de 1982. No entanto, apesar de estar desde 1968, nas mãos de um abnegado curador, paira a ameaça dessa concessão ser encerrada e nesse ínterim, um mega investidor (e que seria um alienígena com péssimas intenções), oferece uma quantia irrecusável para comprar o teatro, quando o dono fica possesso pelo assédio e tem um ataque cardíaco. Eis que o sobrinho e virtual herdeiro desse maioral, não tem o mesmo apego ao estabelecimento e rapidamente mostra-se propenso a aceitar a oferta. Todavia, como ainda não poderia tomar sozinho tal decisão, fica combinado de que até a meia noite, portanto, antes do ano de 1983, iniciar-se oficialmente, esse sobrinho teria que fazer com que o seu combalido tio assinasse o contrato para celebrar a venda.
Nesse ínterim, a produção para o show de reveillon mostra a contratação dos artistas convidados e rende algumas boas piadas, se analisado pelo lado estrito do humor, entretanto, se a intenção foi homenagear a  instituição dos auditórios Fillmore, desaponta qualquer Rocker com uma mínima consciência de sua importância na vida real, pois tudo é tratado como se fosse um programa de humor popular da TV. Feita a ressalva, se o espectador não ofender-se, pode até rir como se estivesse a ver um programa humorístico sem compromisso com nada mais do que proferir-se asneiras a esmo.
 
O filme segue, com o sobrinho mal-intencionado que arquiteta uma sabotagem, ao mandar instalar uma bomba no auditório e através da tragédia, obter a sua sonhada vantagem. Bem, se fosse um episódio do desenho animado: “Corrida Maluca” e isso fosse a meta da maquiavélica dupla de malfeitores formada por Dick Vigarista & Muttley, creio que não incomodaria nenhuma criança até o limite dos sete anos de idade, todavia, usar isso como mote para um filme, mesmo sob a égide do humor escrachado, realmente foi algo bem forçado, convenhamos. 
Então, foi isso, a ação toda transcorre em torno desse dia 31 de dezembro de 1982, entre os preparativos para o show, as sinistras ações de sabotagem e as loucuras perpetradas por artistas temperamentais ou lunáticos contumazes.
 
E o elenco musical é bem dispare, pois apresenta desde um Bluesman tradicional (admito que é hilária a estupefação do artista ao descobrir que será acompanhado por uma banda temática, toda inspirada no judaísmo), uma banda a celebrar o Rock oitentista em voga, regida por todos os signos da New Wave, um cantor britânico desengonçado e a exibir uma espécie de Hard-Rock Pop oitentista, pleno em clichês, um punk completamente ensandecido a mostrar-se um revoltado em tempo integral, um conglomerado de Hippies anacrônicos, devidamente ridicularizados (ao seguir a praxe oitentista), e finalmente, um cantor/guitarrista solo que é temperamental e arredio, que devido ao trânsito, chega atrasado e faz a sua apresentação após o show ter sido encerrado.
Ainda a falar sobre essa parte musical, a parte do Bluesman é um dos pontos altos do show (e do filme, acredito), apesar do clima em tom de sátira, proposto em geral. Bem, tratou-se de Bill Henderson um cantor de respeito no mundo do Blues e do Jazz, e que interpretou, o cantor: “King of Blues” (inspirado em BB King?) . A despeito das piadas, a parte musical soa bem, pois dois blues de respeito são tocados, com as releituras de Blues clássicos de autoria de Muddy Waters e Willie Dixon, respectivamente.
 
Em relação ao grupo New Wave, todo modernoso, a cantora, “Nada”, foi interpretada por Lora Eastside, que de fato cantava no grupo oitentista, “Kid Creole and the Coconuts (este por sua vez foi um grande inspirador de Julio Barroso no Brasil, quando tal finado artista criou a sua: “Gang 90 e as Absurdettes”). No filme, tal grupo é um pastiche ao estilo de grupos reais em voga, tais como: B52’s; Go-Go’s; Bangles etc. 
E para piorar tudo, tal grupo recebe como convidado especial, o truculento punk a simular estar sob ataque epilético crônico, chamado como: “Piggy” e que foi interpretado por um vocalista punk de fato e que na vida real não tinha um comportamento muito diferente, na figura de Lee Ving, que atuava com a banda Punk, LA Fear... que medo...
Sobre os hippies, segundo consta na sinopse do filme, a intenção foi homenagear uma banda sessentista verdadeira, o “Strawberry Alarm Clock”. O líder da banda fictícia, foi interpretado por Howard Kaylan, ninguém menos que um dos vocalistas do bom grupo sessentista da vida real, “The Turtles” e também com passagem pelo “Mothers of Invention” de Frank Zappa. No filme, ele interpretou o seu personagem a seguir a caricatura proposta, como o “Hippie Stoned” a não falar nada inteligível, bem naquela perspectiva pela qual o do humorismo em geral, enxergava o movimento Hippie, vide o personagem, “Lingote”, criado por Chico Anysio.
Reggie Walker foi o tal cantor inglês fictício e aqui pareceu que a intenção da produção foi satirizar, Ozzy Osbourne. Sujeito um tanto quanto fora do prumo, digamos assim, foi interpretado pelo bom ator britânico, Malcolm McDowell, e em certas cenas a conter insinuações sexuais (orgias com groupies e a conversar com o seu próprio pênis, quando sob efeito de LSD), Malcolm pareceu ter ficado a vontade para dar continuidade à linha de interpretação em que concebera o personagem do Imperador Romano, Calígula, que ele havia recém lançado nas telas de cinema. 
Caricato, principalmente nas cenas do show ao vivo (ele cantou de fato, e com a sua voz bem desafinada, só aumentou a canastrice de sua interpretação), isso só reforçou a ideia de que esse filme buscou o humor, mas passou do ponto. Outra presença surpreendente, ocorreu com o baterista do The Doors na vida real, John Densmore, que interpretou o baterista da banda do cantor, Reggie e o seu personagem proporciona uma cena ridícula ao fazer um solo de bateria, e abusar da sua comicidade duvidosa. Designado como o personagem, “Toad” (sapo), é difícil acreditar que tenha sido ele mesmo a participar ali, ao considerar-se o quanto era sisudo ao atuar com o The Doors, na vida real. Tomara que tenha divertido-se, pelo menos, em filmar tal cena constrangedora.
E para fechar as considerações sobre a parte musical, Lou Reed interpretou o tal cantor/guitarrista solo e mal-humorado, chamado “Auden” (inspirado em Bob Dylan, mas convenhamos, muito mais nele mesmo, ora, ora). Reed, como “Auden” toca e canta sozinho, “Little Sister”. 
Bem, de confusão em confusão, a tal bomba culmina em explodir bem no colo do vilão mor, o teatro salva-se e o Hippie defendido por Howard Kaylan (designado como “Captain Cloud”), comanda um número final a envolver todos os demais artistas e o público junto, a cantar o clássico tema de reveillon nos Estados Unidos : “Aulde Lang Syne” e assim dar a boa vinda para o ano de 1983.
Quando o filme estreou nas salas de cinema, eu não fui vê-lo. Parece algo preconceituoso de minha parte, mas a julgar pelas críticas que eu havia lido na imprensa, à época, eu senti que tratava-se de uma bobagem que não mereceria ser paga para assistir-se. Só assisti quando entrou na grade da TV, bem depois e constatei que eu fizera bem em não ter gasto o meu dinheiro. Sei que muitas vezes as opiniões do críticos profissionais da grande imprensa não podem ser levadas à risca. Tem muita idiossincrasia a conspurcar as análises que deveriam ser isentas e técnicas, em tese, eu sei disso, porém, acho que desta vez eles avaliaram corretamente.
Tal obra saiu em formato VHS, ainda nos anos 1980, mas não consta que tenho sido lançado em formato DVD, posteriormente. Foi bastante exibido na grade das TV’s abertas nos anos oitenta, mas em horários mais avançados, pois a despeito de ser uma comédia baseada no besteirol total, as cenas a conter nudez e insinuar sexo e uso de drogas, impossibilitaria a exibição na “Sessão da Tarde”. 
 
Na TV fechada foi programada para ser exibido nos canais especializados em filmes humorísticos, e também é fácil para acessá-lo no YouTube.
Atores tarimbados participaram desta comédia. Além dos que já citei, vale acrescentar: Alen Garfield (Max Wolfe), Daniel Stern (Neil Allen), Gail Edwards (Willy Loman), Miles Chapin (Sammy Fox), Ed Begley Jr. (Colin Beverly, o vilão), Stacey Nelkin (Susie Allen), Clint Howard (Head Usher) e outros. Direção de Allan Arkush e lançado em agosto de 1983.
O diretor, Allan Arkush a cumprimentar um bizarro personagem do filme: Get Crazy
 
Para encerrar, há por destacar-se que uma tarja aparece ao final para agradecer a equipe de produção do auditório “Fillmore East”, que durante o período entre 1968 e 1971, proporcionara ao diretor, Allan Arkush, as boas memórias que este acumulou durante a sua convivência. Sei que passou muito tempo, mas Arkush ainda está vivo e deveria produzir um filme, ou no mínimo um documentário para honrar tal memória, visto que esse “Get Crazy” foi tudo, menos um tributo à altura do Fillmore East.
 
Esta resenha está publicada no livro: "Luz; Câmera & Rock'n' Roll e está disponível para a leitura em seu volume II, a partir da página 174.

segunda-feira, 29 de novembro de 2021

Filme: Bohemian Rhapsody - Por Luiz Domingues

Não há dúvida de que o Queen foi uma boa banda e deixou uma obra significativa como legado para história do Rock. Em meu caso particular, digo que gosto da sua obra, mas tenho as minhas ressalvas sobre o desenvolvimento da sua carreira. É bem verdade que a banda foi vítima das circunstâncias e ao deparar-se com um cenário hostil para o Rock tradicional, ao final da década de setenta, teve que optar por modificações (não foi apenas o Queen a passar por tal necessidade para sobreviver), a buscar a adequação aos novos tempos e sobretudo para ajustar-se ao mercado Pop radiofônico e midiático em geral. 
Nesses termos, a cada disco, pós 1976, em minha opinião, esse caminho foi trilhado mais incisivamente, ao culminar em trabalhos muito aquém do seu potencial, principalmente nos anos oitenta. Bem, antes de falar detidamente sobre o filme em si, aproveito e acrescento que gosto muito dos três primeiros álbuns dessa banda, e vou além, pois considero-os primorosos, como peças artísticas e em minha modesta opinião, representa o “verdadeiro” Queen, em detrimento da opinião formada pela imensa maioria das pessoas, ser contrária à minha visão. Posto isso, fico mais à vontade para prosseguir e não escrever preocupado em melindrar os fãs do Queen mais “popular”, digamos assim.
Bohemian Rhapsody é uma homenagem bonita à obra da banda, de uma maneira bem ampla, contudo, é preciso esclarecer vários pontos em relação ao filme. O primeiro deles, e o mais óbvio, dá conta de que não é uma biografia da banda, exclusivamente, mas sim, muito mais focada na personalidade de seu vocalista, Freddie Marcury. Certo, Freddie foi um grande cantor, compositor, acompanhava-se bem ao piano e contribuía bastante na elaboração dos arranjos das canções da banda, além de ter sido um bom desenhista e responsável pelo logotipo muito bonito que a banda usou durante toda a sua carreira e também assinou algumas capas de discos. 
Além desses fatos irrefutáveis, ele possuía uma excelente presença de palco, com uma mise-en-scène frenética e também ostentava um grande carisma pessoal, ao ponto de comandar inteiramente a sua plateia. Admito, foram muitos atributos reunidos em um único artista e dessa forma, claro que a sua fama foi grande e justa nesse aspecto. Entretanto, a banda não era obscurecida por essa supremacia de talento de Mercury em relação aos demais. Qualquer fã do Queen, mesmo os que acompanharam com maior atenção a fase mais Pop e pasteurizada da sua carreira, sabe que o guitarrista, Brian May não foi um guitarrista trivial, mas pelo contrário, um grande compositor e criador de solos e riffs, absolutamente diferenciados, não só pelo seu caráter extremamente criativo em termos melódicos, quanto pela obtenção de timbres personalizados. Brian May alcançou uma sonoridade única e dessa forma, a sua guitarra é tão característica que é reconhecida instantaneamente e o ouvinte nem precisa ser um grande expert no assunto para estabelecer tal identificação. Isso não é pouca coisa e assim, o tornou um grande e notável músico, não apenas para o Queen, mas sobretudo para a história do Rock. 
Roger Taylor, por sua vez, o baterista e também vocalista, foi também um compositor muito bom e letrista, e mais que um baterista firme, também alcançou a rara condição de um músico a obter uma sonoridade de seu instrumento, personalizada. E Roger teve ao longo da carreira do Queen, algo tão importante quanto, no entanto obscurecida pela fama de Mercury, como uma marca registrada: a sua voz mostrava-se impressionante. Principalmente nos primeiros discos do Queen, quando os arranjos vocais eram bem exagerados no sentido de usar a influência da música lírica/operística, são dele, as vozes sobrepostas mais agudas, no entanto, a fama de Mercury no imaginário popular, sobrepujou essa realidade (ouça, por exemplo, a faixa, “In The Lap of The Gods”, do LP Sheer Heart Attack e constate o que eu afirmo). 
E finalmente em relação ao baixista, John Deacon, de fato esse foi o membro mais discreto, mas de forma alguma a significar uma inferioridade, visto que além de ter sido um bom músico e também com um som pessoal gerado por seu instrumento, característico, Deacon foi compositor de poucas, mas decisivas músicas, e também contribuiu decisivamente com o sucesso da banda.
Esclarecido tudo isso, foi compreensível, dada a propaganda que formatou a opinião formada em torno de Freddie (por ser o supostamente o componente mais proeminente), que o filme tenha sido concebido para ser uma biografia de Freddie, propriamente dita e a ter o Queen como uma base secundária, entretanto. Tudo bem, não teria sido o ideal, mas em termos comerciais, creio que não haveria outra saída racional para a produção e qualquer ideia mais focada em uma biografia melhor equilibrada da banda seria rejeitada e no máximo, seria orientada para vir a tornar-se no máximo, um filme dirigido especialmente para a televisão (telemovie), ou até mesmo, um bem mais modesto, documentário.
Feitas tais ressalvas preliminares, o filme faz uso do clichê surrado, mas quase inevitável em cinebiografias de artistas da música, em trabalhar com o recurso do flashback. Então, vê-se inicialmente a ambientação do estádio de Wembley, em Londres, em julho de 1985, minutos antes do Queen adentrar ao palco para fazer a sua apresentação no Festival Live Aid, um evento que movimentou um interesse em âmbito mundial, ao reunir astros da ocasião, mas sobretudo, bandas extintas que reuniram-se especialmente para colaborar nesse esforço coletivo em prol da arrecadação de fundos para a erradicação da fome em países subdesenvolvidos. Não foi nem de longe um ponto crucial da biografia do Queen, no entanto, fez sentido para roteiro proposto ao filme e logo mais eu comento sobre isso.
Daí vem o famoso flasback, com o recuo para 1970, ao vermos o jovem, Freddie Mercury (que na verdade chamava-se, Farrokh Bulsara), a trabalhar como um carregador de bagagem no aeroporto de Heathrow, em Londres. Jovem humilde, de origem paquistanesa e que nascera na Tanzânia, sonhava com a música e nas horas de folga tratava por fugir da conservadora educação imposta por seus pais; circulava pelos shows de Rock e ambientes mais esfuziantes da cidade e convenhamos, estar em Londres em 1970, foi um privilégio para todo Rocker que preze-se. Daí, mostra-se a sua perambulação por tais locais e muito rapidamente quando assistiu um show do “Smile”, a banda de Brian May e Roger Taylor (completava-a, o baixista e vocalista, Tim Stafell), e como por uma contingência, Staffell estava demissionário desse grupo e nesse ínterim, Marcury foi recrutado como vocalista e John Deacon assumiu o baixo, mas a banda optou por encerrar a marca “Smile” e adotar um novo nome, ao constituir-se em: “Queen”. 
Bem, aí nesse ponto já existe uma enorme falha ou licença poética para edulcorar a história real, pois não foi bem assim que Freddie conheceu os seus futuros colegas e nem mesmo como ocorreu a transição do fim do Smile para o nascimento do Queen. 
Daí em diante, passa muito rápido um período rico da história da banda, a dar conta da gravação do primeiro disco, o sucesso mastodôntico do primeiro single: “Keep Yourself Alive”, que na realidade arrebatou a Inglaterra inteiramente entre 1973 e 1974. A fama adquirida em meio ao movimento Glitter Rock e as famosas turnês em conjunto com o ótimo grupo, Mott the Hoople, isto é, marcas importantes na história do Queen. Pior ainda, praticamente ignora-se a gravação do segundo álbum, “Queen II” que é uma obra primorosa. Se a banda notabilizou-se pelo rigor nos arranjos vocais elaborados ao estilo lírico, ignorar as canções interligadas que compõe o lado B do álbum, Queen II, foi uma falha lamentável ao meu ver.

Sobre o terceiro álbum, “Sheer Heart Attack”, ocorreu o mesmo prejuízo, com quase nenhuma menção, a não ser poucos frames da banda a tocar algumas canções desse disco, que é antológico, e nenhuma menção à sua capa (o mesmo em relação ao Queen II, que aliás tem como lay-out de capa, aquela famosa sobreposição dos quatro componentes sob fundo escuro e que ficou famosa a posteriori, na concepção do vídeoclip da canção: Bohemian Rhapsody).

Bem, creio que essa pressa desmesurada em retratar tal fase desses discos iniciais já foi bem explicada no início desta resenha, mas nunca é demais registrar que é algo a ser lamentado, dada a importância das obras e da fase em que a banda viveu entre 1973 e 1975, inclusive com a tímida menção de que haviam estourado no mercado japonês, o que não foi algo meramente ocasional, mas lembro-me bem, porque acompanhei o noticiário especializado na época, e foi algo muito grandioso.
Evidentemente, por focar mais em Freddie, toda a relação conflituosa dele com a sua família, dotada de valores muito tradicionais, foi mostrada em cenas pontuais a retratar tais embaraços, assim como quando conheceu a sua namorada, Mary Austin, com a qual viveu uma paixão arrebatadora e tumultuada no sentido de que nesse ínterim, criou coragem para assumir enfim a sua bissexualidade e posteriormente a pender mais para a homossexualidade etc. e tal.
Vem o quarto disco, “A Night at the Opera”, que é muito bom, sem dúvida e seguiu a tendência dos anteriores, no entanto, é nítido como mesmo sutil em relação a esse disco, a mudança de identidade da banda a buscar o espectro Pop, acentuou-se e não por acaso, foi o disco que trouxe em seu repertório, a canção, “Bohemian Rhapsody”, que verdadeiramente explodiu o Queen em escala mundial e no âmbito Pop, para atingir um público não necessariamente Rocker. Bem, a faixa em questão justifica o título do filme e marca na vida real e também na película, o grande salto da banda para o sucesso e o quanto isso trouxe aspectos bons e ruins. 

Como adendos bons ao filme, creio que a discussão da banda com os executivos da banda, foi interessante em ser mostrada, para demarcar bem a mentalidade nociva e reinante no meio fonográfico e sobretudo no midiático, em torno das canções padronizadas em três minutos e no caso de “Bohemian Rhapsody”, com quase seis minutos de duração e ainda mais a conter um interlúdio operístico, gerou uma intensa discussão interna. Alguns pormenores foram distorcidos, mas no bojo, de fato houve uma briga para poder colocar a canção no compacto simples promocional ao LP, e posteriormente, com o sucesso avassalador que a banda alcançou, tal briga gerou constrangimentos, certamente, com a clássica postura em não querer reconhecer erros em detrimento dos vencedores da disputa em querer tripudiar de quem esteve errado na projeção inicial, ou seja, a clássica vingança do artista sonhador contra o executivo de gravadora, pragmática em relação às regras do mercado.
Mostra-se também as inevitáveis brigas para a inclusão da composição de um ou outro membro nos discos e à medida que uma banda fica (não somente o Queen, isso vale para qualquer uma), mais famosa, uma questão assim costuma exacerbar-se não somente por uma questão de Ego inflável de um componente em relação ao outro, mas pelo aspecto financeiro, mesmo, visto que chega-se em um ponto em que os direitos autorais podem render milhões a mais no bolso de cada um, individualmente e assim, torna-se uma disputa acirrada a minar antigas amizades e geralmente a destruir bandas.
E pelo fato de cada um ficar mais isolado dos demais, mesmo por que a tendência é querer morar cada um em uma mansão ou mesmo castelo, o mais longe o possível dos demais, quando não em outros países, até, e essa questão foi mostrada. E também com o foco maior em Freddie, logicamente que o seu isolamento em meio aos seus delírios megalomaníacos e regados a homossexualidade, permeiam grande parte das cenas. Nesse aspecto. May, Taylor & Deacon ficaram mesmo apequenados no desenrolar da história, uma pena que isso seja retratado dessa forma, visto que já expliquei o meu ponto de vista sobre a banda na vida real e o quanto penso que todos os componentes tiveram importância em sua construção de carreira.

Bem, ignora-se muitos fatos que eu, se tivesse escrito o roteiro desse filme, teria valorizado mais, no entanto, o fato é que muito rapidamente fala-se na construção de uma canção importante do repertório da banda, como “We Will Rock You”, assim como “Another One Bites the Dust” e na contrapartida, praticamente ignorou-se a produção do álbum : “A Day at the Races”, que é um irmão gêmeo de “A Night at The Opera” pela continuidade musical pura e simples, além da inversão de cores para a confecção de capa um em relação ao outro, a manter o mesmo conceito da ilustração e sobretudo pelos títulos, pois “Uma Noite na Ópera” e “Um Dia nas Corridas” (a sugerir o lazer no Jóquei Clube para assistir corridas de cavalos), são na verdade, dois filmes clássicos da cinematografia dos Irmãos Marx, lançados nos anos trinta. Quase o mesmo caso em relação aos álbuns posteriores, “News of The World” e “Jazz”, com menções extremamente tímidas.
Bem, mostra-se também a interferência de empresários que não agiram bem com a banda e com Freddie em particular e um salto abrupto em meio aos anos oitenta, faz menção que a banda veio ao Brasil e surpreendeu-se com a fama que mal desconfiavam possuir em nosso país e aí mais uma gafe, pois insinua-se o show realizado em São Paulo, no ano de 1981, com um público recorde e quando de fato, Brian May emocionou-se ao verificar que cerca de 180 mil pessoas que falavam um outro idioma, o nosso português, puseram-se a cantar em plenos pulmões a bela balada, “Love of My Life”. 

Mas no filme, tal informação não foi colocada de uma forma precisa e daí insinua-se que tal fato tenha a ver com o show da banda no Festival Rock in Rio de 1985, na capital fluminense. Tem a questão da briga de Freddie com os companheiros, após o malogrado e infeliz álbum, “Hot Space” e a culminar com Freddie a fechar um contrato individual para a gravação de dois discos solo e isso é tratado como uma afronta que ele cometera contra os seus companheiros, quando na verdade, o baterista Roger Taylor, já havia lançado um disco solo e em breve lançaria outro, e também o guitarrista, Brian May, dali em pouco tempo, também lançou um disco versado por Jam Sessions de Blues com o guitarrista, Eddie Van Halen.
Então, veio à tona o convite para o Queen participar do festival Live Aid de 1985 e o fato do empresário pessoal de Freddie, Paul Prenter, que foi um dos seus amantes, ter omitido tal convite para manipular Freddie e evitar que ele reconciliasse-se com os seus velhos colegas, foi a gota d’água para que ele, Prenter, fosse demitido e logicamente, o namoro ser rompido. Então, há a cena constrangedora do pedido de desculpas de Freddie aos seus companheiros do Queen e por retaliação, o ex-manager e amante dele, vai à TV e concede uma entrevista bombástica, ao revelar a vida sexual promíscua de Freddie, em meio às suas festas pantagruélicas e com direito à orgias.

Tal revelação não foi exatamente uma surpresa, mas claro que gerou um mal estar que só foi suplantado pela volta triunfal da banda aos palcos e o cenário desse desfecho para o filme, contudo não para a vida real da banda, foi a apresentação no Live Aid de 1985. Portanto, justificou-se o início do filme, ao finalizar o flashback de volta ao ponto ao começo proposto por essa história, porém, ainda cabe uma ressalva, pois em meio aos ensaios para a realização desse show, Freddie relata aos companheiros que contraíra a terrível doença, Aids, algo que mostrava-se chocante nos anos oitenta e quase que inteiramente associada à prática do homossexualismo. Porém, na verdade, Freddie só tomou conhecimento da doença alguns anos depois e a banda ainda gravou alguns álbuns nesse ínterim e envolveu-se na produção de vídeoclips, até que Freddie morresse em novembro de 1991.
Muito bem, licença poética à parte, a opção por encerrar em um suposto último momento bom da carreira, foi uma resolução menos chocante do que ir até ao final e mostrar a decadência física de Freddie e o final melancólico da banda ao adaptar-se à doença e incapacidade de seu vocalista poder realizar shows ao vivo, ao definhar. No entanto, como marco, o Queen fez mais um show antológico no estádio de Wembley, inteiramente lotado, em 1986, portanto, poderia ter alcançado tal ponto no filme.
Essa produção demorou muito para sair do papel, pois teve muitos problemas. O esboço inicial ocorrera em 2010, entretanto, por sérias divergências sobre o roteiro, e escalação de atores, resultou em paralisar-se a produção. Somente em 2016, o projeto teve continuidade, com a contratação do ator norte-americano, com origem egípcia, Rami Malek, que mostrou-se como melhor adequado, para interpretar, Freddie Mercury. Houve troca de diretores, igualmente e muito mexeu-se no roteiro, inclusive com a interferência direta de Brian May e Roger Taylor, que mais do que consultores, assinaram a produção musical e influenciaram a elaboração do roteiro. 

Nesse ponto, como personagens vivos e reais da história, é incompreensível que tenha havido tantas falhas na cinebiografia e a única explicação plausível só pode ser no sentido de que foram persuadidos a aceitar algumas licenças poéticas para o melhor desenrolar da história, sob o ponto de vista cinematográfico, em detrimento da observação dos fatos como realmente transcorreram. Prefiro acreditar nessa hipótese, ao considerar que ambos prestaram uma assessoria a conter equívocos sobre a sua própria memória.
Sobre os atores, de fato, Rami Malek fez um bom trabalho, pois a sua interpretação impressiona não apenas pela caracterização física, mas sobretudo pelos trejeitos no palco, que ele estudou e compôs muito bem, assim como sutis nuances, como o gritante complexo que Freddie tinha pela sua pouca altura e sobretudo pela má formação de sua arcada dentária, que fazia com que os seus dentes frontais ficassem praticamente fora dos lábios. Dessa forma, desde criança ele lutara para disfarçar, ao adquirir o tíquete nervoso em projetar os lábios para frente, para escondê-los. Claro que o ator usou uma dentadura cênica bem feita, mas o tíquete foi estudado e ele implementou esse detalhe em sua composição do personagem. 

O ator que interpretou, Brian May (Gwilym Lee), apresentou uma semelhança física impressionante com o guitarrista. Os demais, um pouco menos, (Bem Hardy, interpretou Roger Taylor e Joseph Mazzello, interpretou John Deacon). Já no quesito da interpretação, foram discretos os três, desfavorecidos pelo roteiro que relegou-os a personagens secundários e eu já expressei o que penso sobre tal recurso usado nesse roteiro.
Allen Leech (Paul Prenter); Lucy Boyton (Mary Astin); Aaron McCusker (Jim Hutton), os três personagens, namorados de Freddie, mais Aidan Gillen (John Reid, primeiro empresário do Queen); Tom Hollander (Jim Beach, o segundo empresário); Meneka Das (a interpretar Jer Bulsara, a mãe de Freddie) e Ace Bhatti, como Bomi Bulsara, o pai de Freddie), atuaram, além de muitos outros atores de apoio.

Bryan Singer é considerado o diretor, mas na verdade, ele brigou com a produção e Dexter Fletcher foi quem comandou o encerramento das filmagens. Singer é famoso por filmes de ação, como por exemplo vários filmes de super heróis da Marvel, notadamente, X-Men. John Ottman assinou a partitura oficial da trilha, devidamente assessorado por May e Taylor, a usar as canções originais do Queen, regravadas especialmente como trilha e sem maiores empecilhos com a editora detentora dos direitos autorais, ainda bem, pois não é toda cinebiografia de artistas da música que tem essa mesma sorte em não ser atrapalhada pela burocracia e sobretudo, pela ganância. O roteiro foi escrito por Anthony McCarten.
O filme foi sucesso de bilheteria e recebeu boas críticas, apesar das ressalvas em torno das falhas históricas que cometeu em relação à biografia do Queen. A recriação de cenas da banda ao vivo, foi muito boa, assim como a questão da direção de arte e figurino. Tal película angariou muitos prêmios relevantes, tais como o Bafta, como melhor filme britânico, Critic’s Choice, Globo de Ouro e o mais cobiçado de todos, o Oscar, onde teve muitas nomeações e venceu nas categorias : edição, edição de som e mixagem de som, além do maior de todos, melhor ator para Rami Malek.

Foi lançado em 2018 e chegou nos canais da TV a cabo (2019), para atingir a TV aberta, a seguir. Já encontra-se disponível para a venda em formato DVD/Blue-Ray e também já existe cópias no You Tube, embora neste caso, ainda é prematuro afirmar que seja algo definitivo, pois ainda está sujeito a ser barrado por força de direitos autorais etc.
No cômputo geral, trata-se de um bom filme, contém momentos interessantes e claro que a música é boa. Todas as ressalvas pessoais que eu tenho, já foram comentadas anteriormente, portanto, resta dizer que falhas à parte, é um bom documento sobre a banda, ainda que a ênfase tenha sido ofertada ao vocalista; pianista e compositor, Freddie Mercury.
Esta resenha faz parte do livro: "Luz; Câmera & Rock'n' Roll". Está disponibilizada para a leitura, através do seu volume II, a partir da página 87.