sábado, 30 de dezembro de 2023

Livro: "1961 - uma novela na era Kennedy"/Joel Macedo - Por Luiz Domingues

Esta resenha parte do pressuposto de que um novo livro escrito pelo jornalista e escritor, Joel Macedo, já pode ser considerado bom, mesmo antes que tenhamos o prazer de lê-lo. Trata-se de um exagero de minha parte porque sou fã do autor e da sua trajetória? De maneira alguma, ao se levar em conta que após ler a última palavra escrita e fechar a capa, do livro: "1961 - uma novela na era Kennedy", a excitação mental proporcionada pela leitura se mostrou tremenda no meu caso em particular, ao ponto de eu ficar absolutamente convencido de que o autor revelou mais uma faceta da sua arte literária, ao se provar também como um roteirista hábil, por usar as técnicas da construção de uma novela bem alinhavada (no qual até o folhetim clássico se fez presente de certa forma), para construir uma história boa sob o ponto de vista humano e acrescida com alto embasamento didático nas inúmeras entrelinhas planejadas por ele. E ao mesmo tempo a trabalhar com o aspecto da nobreza, no sentido do forte apelo a marcar firme posição em torno dos seus mais altos ideais pessoais de vida e dos quais eu compartilho, aliás.

Sob o ponto de vista da análise histórica e sociológica (com forte aprofundamento no aspecto cultural e filosófico, também), a tese formulada pelo autor defende a ideia de que o ano de 1961 foi emblemático para a consolidação de um estopim, no sentido de que teve o poder natural de se revelar como um catalisador de diversas vertentes de ideias represadas individualmente e portanto, prontas a provocar a grande explosão libertária sessentista.   

A construção das personagens e como elas transitam pelo arco narrativo se mostra muito interessante, no sentido de que o autor contemplou com muita assertividade as técnicas de redação ao ter criado uma história humana plausível a grosso modo e dramática ao ponto de garantir emoção o tempo todo em torno das personagens principais, em meio aos seus conflitos sócio-familiares e ao mesmo tempo, cada personagem representa através de suas respectivas personalidades, as diversas facetas pelas quais o autor quis colocar em discussão as suas convicções e dessa forma poder usá-las mediante uma força magnífica de expressão, para expor os seus sonhos e também os seus temores mais terríveis em relação às mazelas surgidas ao longo da história da humanidade como contraponto.

Indo além, nesta obra, Joel Macedo fez uma exposição riquíssima através da multiplicidade de informações que disponibilizou através de suas personagens, para apresentar aos leitores as diversas nuances do melhor do ideal fraternal através dos campos da filosofia, história, sociologia, espiritualidade, psicologia, psicanálise, ciências sociais, política, ideais libertários, arte engajada, cultura & contracultura e tudo isso a convergir para um único ideal superior, fruto dessa amálgama de tendências de pensamento e sensações que culminou com a formação do movimento hippie da década de sessenta.

Há um romantização heroica, é bem verdade, da personagem central, o filósofo Shimmon, que na história se apresenta como um professor universitário judeu alemão e de orientação progressista, perseguido pelo fascismo italiano dos anos vinte e inevitavelmente pelo nazismo alemão nos anos trinta, ao ponto dele haver amargado um longo período de cárcere e maus-tratos em um campo de concentração (Buchenwald). E a história deixa claro que nem pesou exatamente o fato dele ser judeu, mas sim por ser um intelectual progressista, para potencializar o seu martírio pessoal, o que é ressaltado na narrativa para dar vazão maior às ideias das quais ele professava com firme convicção.

No entanto, essa romantização da personagem é vital para a construção da história, no sentido de que tudo o que ele cita, faz todo o sentido e mais um ponto, este a se tratar de uma mera dedução minha como leitor e resenhista, deixo claro, quando ficou aguçado na minha percepção de que neste caso se trata do próprio alter ego do autor em ação, ao colocar para fora toda a sua cultura pessoal avassaladora em favor do seu grito libertário por um mundo melhor.

Essa tendência passou igualmente às demais personagens mais próximas que gravitaram em torno de Shimmon, pois todas também carregam uma forte carga de informações muito pertinentes ao raciocínio geral da obra e nessa medida, as afirmações que expressam em suas conexões pessoais, ao convergirem para um único ponto, são úteis para dar vazão à avalanche de referências propostas pelo autor. 

Há um quê de influência de texto dramatúrgico nesse sentido, quando uma amarração de personagens feitas dessa forma, tem o poder da síntese, que parece ocasional mas que não é, simplesmente assim. Isto é, na vida real, é muito difícil você agrupar cinco ou seis amigos que conhecem por pura coincidência a nata da classe artística e intelectual em seus respectivos círculos sociais e todos se  colocarem dispostos a compartilhar tais contatos com a absoluta normalidade, ao apresentar ou citar tais relações uns aos outros na mesa de um bar ou em meio a um jantar residencial, porém, esse recurso caiu como uma luva para o autor costurar todas as referências que desejou citar e dessa forma, foi muito feliz o recurso que usou, pois tornou lúdico fazer tantas citações incríveis a usar as personagens em diálogos e situações totalmente casuais, como se fosse algo muito natural. Portanto, a verossimilhança é irrelevante neste aspecto.

E certamente, assim evitou usar o recurso tradicional da bibliografia, mediante notas de rodapé (e acredite, são tantas informações preciosas disponibilizadas que o leitor fatalmente vai ler o romance e depois fazer buscas para conhecer a vida e obra de tantos artistas, intelectuais, e militantes citados). 

Mais um dado que é muito valoroso nesta obra de Joel Macedo e como já mencionei antes: nada do que é citado, foi a esmo. Toda essa gama de informações nesse sentido, converge para nos fazer crer que para que a contracultura explodisse, muitas obras e linhas de pensamento tiveram que ocorrer separadamente para depois poder precipitar uma canalização explosiva. É um fato, um rio possui muitos afluentes na sua somatória, até ficar enfim encorpado. E metáfora a parte, segundo Joel, o ponto que iniciou essa ebulição contracultural total, foi o ano de 1961.

Não vou cometer o pecado de contar a história, mesmo porque, o objetivo da resenha é realçar a qualidade da obra e deixar implícito o convite para que o leitor leia a obra na íntegra e descubra a sua complexidade por si só, todavia, cabe um resumo bem superficial para se entender a síntese dessa construção do romance. 

Nesses termos, revelo que Shimmon é um professor de filosofia, alemão de nascimento e judeu. Conviveu e trabalhou com grandes filósofos contemporâneos citados (Antonio Gramsci e Herbert Marcuse entre outros), que conheceu na vida acadêmica e se apaixonou por uma jovem de origem romena ligada ao psicanalista, Wilhelm Reich, quando ambos se envolveram no ousado projeto "Sex-Pol" perpetrado por esse estudioso. 

Nem é preciso acrescentar que com a chegada do chanceler Adolf Hitler ao poder na Alemanha em 1933, projetos como esse e outros tantos gerados por agentes intelectuais libertários (a escola de Bauhaus, por exemplo), foram duramente reprimidos e todos os intelectuais vislumbraram tempos muito sombrios em princípio, mas como sabemos, a escalada de horror do nazismo só piorou e assim, um casal de intelectuais avant-garde, ele, judeu e ela, uma romena de origem cigana, não teria esperança de sobreviver nesse ambiente altamente tóxico. 

A moça engravida e em seguida resolve seguir Wilhelm Reich em seu exílio forçado e assim ela deixa a filha recém-nascida com Shimmon. Este por sua vez abriga uma moça letoniana a cuidar sozinha de seu filho pequeno e quando o nazismo se tornara um inferno insuportável, ele resolve salvar a filha e o menino estoniano que criara por pouco tempo, ao designar a um casal de armênios tal tarefa, por vislumbrar que eles reuniam meios para fugir em segurança, imediatamente para os Estados Unidos. Ele mesmo sobrevive por milagre ao horror do campo de concentração e chega na América em 1961 para reencontrar os filhos, então já adultos formados e bem "americanizados" pelos bons e maus aspectos dessa aculturação yankee.

É em torno dessa chegada à Nova York de 1961, que ele enfrenta esse dilema triplo, ou seja: construir se possível, uma relação boa com esses filhos que não via desde 1938, sobreviver em um país novo e sobretudo, dar sentido motivacional à sua vida, agora no avançar da sua realidade sexagenária.

É nesse ponto que o autor construiu uma deliciosa licença poética que se torna frenética, aliás, no sentido de que Shimmon se adapta de uma maneira instantânea ao país e também à cidade de Nova York e absorto nessa atmosfera cosmopolita e recheada por ideias estimulantes e gente interessante demais (e aos montes por sinal), que ele encontra a motivação para se sentir produtivo, mesmo porque, por natural reciprocidade, as pessoas se encantam com a sua sabedoria mediante uma carga intelectual formatada solidamente como "schollar" europeu de enorme bagagem intelectual, ativista político e sobrevivente do horror nazista, e dessa maneira, um mundo novo de possibilidades se abre para ele. 

Esse é o âmago do romance, mas o leitor vai descobrir muito mais nas citações que são feitas ao borbotões, com uma carga de sapiência e ao mesmo tempo, sob a ação da deliciosa intenção libertária, que precipita uma certeira empolgação com a leitura, e a tendência é de se relevar algumas inverossimilhanças cometidas, pois haverá de entender que estas foram usadas de forma romântica, na verdade.

Nesse campo, por exemplo, Shimmon conhece Bob Dylan poucos momentos antes dele iniciar a sua trajetória de fama e eles se tornam tão amigos que chega-se ao ponto de descrever uma cena na qual Dylan teve a inspiração para compor o seu clássico: "Blowin' in the Wind" mediante uma conversa informal que teve com ele, Shimmon.

Por outro lado, o filósofo alemão encanta a então namorada de Dylan, Suze Rotolo, por ele ter sido amigo de Antonio Gramsci e ela, italiana de origem e ferrenha simpatizante dos partigianos, ter adquirido um sentimento de asco natural à figura de Benito Mussolini.

Por ênfase nessa amizade com Dylan, o autor focou esforços para descrever a incipiente, porém emocionante cena "Folk" de Nova York dessa época, com detalhes apaixonantes. Muitos outros artistas contemporâneos de Dylan e veteranos ultra valorosos do peso de um Woody Guthrie, são citados. Shimmon vai assistir diversas apresentações de artistas dessa vertente, com farta citação de casas noturnas, bares e restaurantes de Nova York, onde essa cena floresceu na cidade. Mas há também uma generosa citação das movimentações em torno das cenas do Jazz, da música caribenha, do Blues e do Rock'n' Roll em seus primórdios.

O mundo das artes plásticas, do cinema e até do "stand-up comedy", quando o comediante Lenny Bruce é citado (explosivo como ele só em seu humor de forte tendência sócio-política), são referências anotadas. E livros, sim, muitos autores e obras, das mais famosas a outras mais obscuras, porém muito valorosas como: "Stranger in a Strange Land", romance com teor "Sci-Fi" escrito por Robert A. Heinlein.

Shimmon arruma uma namorada bem mais jovem do que ele e nesse ponto da novela o elemento do racismo entra com tudo na narrativa, pois se trata de uma bela moça negra e artista, envolvida com a dança. Ela é ex-esposa de um militante que andou junto com Malcolm X, e nesse ponto o autor deixa claro que respeita, mas não se entusiasma com as ideias dos "Panteras Negras" e o islamismo adotado como força de expressão de seu ativismo político mais agressivo. 

Mas por outro lado, usa tal personagem da namorada negra (chamada como: Crisca), para falar do ballet e do teatro libertário do grupo, "Living Theatre" e ao dar brecha para introduzir na narrativa um notável ativista pelos direitos civis e extraordinário agente contra o racismo estrutural na formação sociopolítica e cultural dos Estados Unidos, ou seja, o pastor Martin Luther King. 

Ora, no desenrolar da história, Shimon foi amigo de Herbert Marcuse, conheceu Bob Dylan antes da fama e agora se tornou amigo de Martin Luther King, inclusive a receber convite para participar da famosa caravana "Freedom Riders", promovida por M.L. King com o intuito de pressionar o governo norte-americano a mudar algumas leis cruéis que só postergavam o segregacionismo vergonhoso naquela sociedade.

M.L. King também se impressiona pelo fato de que Shimmon fora companheiro de infortúnio no campo de concentração nazista do pastor protestante, Dietrich Bonhoeffer, este, martirizado apenas por ter se recusado a colocar o famigerado livro "Mein Kampf" no púlpito de sua igreja, no lugar da Bíblia, por ordem de um oficial nazista. 

Há igualmente a contradição entre os seus filhos, algo insinuado bem no início da obra ("como assim o papai vai se hospedar em um bairro de artistas boêmios e vagabundos como o Greenwich Village e também circular em um bairro de negros como Harlem?"), e tal conflito é mais esmiuçado no decorrer dos capítulos posteriores, pois a filha (que de fato era sua, biologicamente a falar), se mostra muito avançada para o seu tempo e não só entende o espírito libertário, como se apresenta fascinada pela história de vida do seu pai. Infelizmente, o filho postiço, no contraponto, se coloca como um orgulhoso cidadão norte-americano conservador e convicto de sua condição de se arvorar como um ser "superior", ante a sua crença como supremacista branco. Um duro golpe para uma alma progressista da parte de Shimmon.

A sua filha morava no famoso edifício Dakota, onde por anos moraram estrelas de cinema do porte de Boris Karloff, Lauren Baccall, Lilian Gish e Judy Garland (entre muitos outros), além do polêmico escritor e perseguido pelo fanático senador McCarthy, Truman Capote (anos depois ali nesse mesmo prédio foi filmado o clássico do cinema de terror: "O Bebê de Rosemary", do diretor Roman Polanski e posteriormente, John Lennon morou nesse mesmo endereço em boa parte dos anos setenta e morreu assassinado na sua porta em 1980). 

Em um animado jantar oferecido pela filha e sua namorada (nesse ponto, lembrei-me do filme: "The Children's Hour", "Infâmia" em português, com Shirley MacLaine e Audrey Hepburn, sob a direção do grande William Wyler, que retratou o tabu que era o lesbianismo na sociedade norte-americana de então e curiosamente lançado no ano de 1961), esta companheira de sua filha (Christine), uma psicanalista foi quem levou uma amiga para jantar, a feminista Betty Friedan, uma celebridade no campo do ativismo feminista.

É citado que Athina, companheira do amigo de Shimmon desde a Alemanha (Schumann), é amiga em comum de Crisca, a namorada de Shimmon e de uma artista plástica nipônica ligada à John Cage, uma tal de Yoko Ono e nesse ponto me ocorreu: esta menina grega, seria filha de um certo milionário (Onassis)?

Jack Kerouac, o genial escritor da beat generation, um autêntico "pé na estrada" e sem usar a pontuação para lhe amarrar em nada, só não foi jantar com essa turma em torno de Shimmon por ter tido outro compromisso previamente acertado para tal noite. Já no caso de Bob Dylan, além de prosear animadamente com todos, o então futuro astro tocou violão para entreter os partícipes dessa reunião formada por tanta gente talentosa e inteligente, sentada ali na mesma mesa.

Shimmon, um filósofo alemão, judeu convertido ao cristianismo de viés protestante, agora ganhou um grande propósito para a sua vida sexagenária. Mais do que um agente utilíssimo pela sua erudição, haveria de ser um farol de sabedoria a ajudar os seus pares idealistas na construção de um sonho de paz & amor que se insinuara naquele ano de 1961.

Mesmo com a guerra fria em curso, Vietnã atravessado na garganta, hostilidade aberta contra Cuba e que tais, o pior parecia ter passado, com o abominável nazi-fascismo derrotado, e ventos de esperança após os anos de chumbo do macartismo a dar sinal de arrefecimento. Kennedy, um político moderado na presidência norte-americana pareceu sinalizar tempos melhores e sobretudo, a movimentação artística efervescera com uma força avassaladora.

Isso fica claro no discurso proferido por Shimmon na mesa de jantar, quando ele evocou o ideal de Jesus Cristo em termos igualitários para todos e reforçado pelo libelo de esperança pela igualdade racial na voz de sua namorada, Crisca.

Ou seja, Joel Macedo deu o seu recado com propriedade.

Por fim, eu recomendo muito a leitura de "1961" - uma novela na era Kennedy, que agrada na sua trama como romance, sobretudo pelo cabedal imenso de citações das mais nobres e por atingir o seu objetivo maior com galhardia, isto é, ao propor uma reflexão profunda sobre a possibilidade de chegarmos enfim a algum dia no qual viveremos em um mundo verdadeiramente fraterno.

Sobre Joel Macedo:
Jornalista consagrado, foi um dos pioneiros da abordagem contracultural no Brasil, ao participar da publicação "Rolling Stone" em sua versão original brasileira do início dos anos setenta. Escritor de muitos livros de sucesso, é também um requisitado tradutor de obras de escritores internacionais e ativista cultural incansável. 

Para adquirir o livro, eis os contatos diretos com o autor:
Instagram:
@joelmacbird

email:
joelmacbird47@gmail.com

Capa (arte e lay-out): Gabriel Fonseca (inspirado na capa do LP Freewheelin' de Bob Dylan)
Diagramação e arte: Vitor Coelho
Revisão: Ana Clara Teixeira
Lançado em 2023, pela editora JMF

Leia também neste Blog, a resenha de uma outra obra do escritor Joel Macedo: "Tatuagem", que eu igualmente recomendo:

http://luiz-domingues.blogspot.com/2019/04/livro-tatuagem-historias-de-uma-geracao.html

sexta-feira, 15 de dezembro de 2023

Filme: Help - Por Luiz Domingues


Segundo filme dos Beatles, “Help” teve como proposta primordial a diversificação, ao usar conceitos diferentes em relação ao primeiro filme, “A Hard Day’s Night”. Se no primeiro, a simplicidade em centrar esforços na banda, apoiada com momentos de humor, foi a tônica, em “Help”, a proposta foi investir em uma história mais robusta, a valorizar a dramaturgia e agregar elementos extras, inclusive com certos elementos a mostrar-se fora da cultura Rocker.
Bem, teria sido fácil produzir um filme nos mesmos moldes do anterior, com foco na banda, sem maiores preocupações em contar-se uma história, envolver dramaturgia e usar de quaisquer outros artifícios. Pois a banda estava ainda mais famosa, já a colocar-se como icônica e pasmem, em pleno processo de expansão, ou seja, atingira um patamar de popularidade tão grande, que um simples documentário teria sido o suficiente para provocar frenesi nas portas das salas de cinema do planeta inteiro, sem dúvida alguma, no entanto, optou-se por um filme mais encorpado, e é evidente que tal determinação precisa ser enaltecida enquanto resolução dessa produção, pura e simplesmente. E claro, pelo outro lado, a vontade de ter produzido algo mais contundente, não significa que a meta tenha sido totalmente cumprida em termos de qualidade cinematográfica e certamente que isso será analisado no decorrer desta resenha.
Posta tal reflexão como preâmbulo, cabe dizer agora que os tais ícones extra Rock aos quais eu aludi no início da explanação, são múltiplos e interessantes, no sentido de colorir o filme com outras referências. Primeiro ponto: na mesma época, em termos de cinema mega blockbuster, estava (e permaneceria por muitos anos, no futuro), em plena voga, a fama em torno dos filmes a apresentar a saga do super agente secreto, James Bond, também conhecido pela sua alcunha sob código: “Agente 007”. Criado pelo escritor, Ian Fleming, como um personagem tipicamente inspirado em agentes de serviços secretos a serviço da inteligência governamental, e embalado certamente pela paranoia gerada pela Guerra Fria cinquenta/sessentista, o fato é que tal sequência de filmes tornara-se um dos maiores fenômenos Pop da década de sessenta, quase no mesmo patamar em termos quantitativos, ao que os Beatles representavam para o Rock mundial nessa mesma época. 
E para reforçar um ponto em comum, a configurar dois trunfos da cultura Pop Britânica, portanto, imbatíveis se colocados a atuar conjuntamente. Não foi exatamente o caso aqui observado, mas a inserção de uma trama a envolver perseguição, fugas espetaculares e tramoias obscuras, evidentemente que foi inspirada na saga de James Bond. 
Outro reforço importante observado em “Help” e também a esbarrar em recursos muito bem explorados nos filmes do agente 007, expressa-se através do uso (e abuso) do recurso da aventura, inspirada na literatura infantojuvenil. Desde a antiguidade, quando lembramos das “Mil e uma Noites”, a passar pela Idade Média em meio a tantas histórias narradas por trovadores; nos livros de Julio Verne, Allan Quatermain e depois de tudo isso, com a intensificação do bombardeio que adveio via Comics/Histórias em Quadrinhos e multiplicado pela ação do cinema e da TV, ficou patente que aventuras espetaculares a abordar temas como: civilizações perdidas, sociedades secretas; seitas obscuras; tesouros guardados a revelar poderes sobrenaturais, ações extraterrestres e super vilões munidos por tecnologia de ponta, entre outros temas, causavam furor nas salas de cinema e nas poltronas & sofás residenciais a empolgar crianças e adolescentes fascinados a observar a tela da TV para assistir filmes e seriados com tal teor.
E ainda acrescente-se mais um elemento: o humor. Piadas (boas ou não), a produzir o típico humor britânico, carregado por sarcasmo, também representa uma faceta observada em “Help”. Neste aspecto, os próprios componentes deixaram claro que as piadas eram inspiradas em dois parâmetros que eles adoravam: os filmes dos irmãos Marx (“Duck Soup”, sobretudo), e do programa radiofônico e que posteriormente migrou para a TV britânica, “The Goon Show”, de onde saiu de suas fileiras o talento extraordinário do comediante e ator, Peter Sellers. Isso também fora observado no filme anterior, “A Hard Day’s Night”, como eu mencionei, aliás, na resenha sobre esse filme, que também elaborei. 
Por último, sobre o quesito humor, há por registrar-se que nos bastidores do set de filmagem, os rapazes estiveram suscetíveis às epidemias de gargalhadas e muitas vezes, esse fator atrapalhou bastante o trabalho. Conta-se que as filmagens atrasaram muito por conta dessas interrupções geradas pelas crises de euforia da parte dos rapazes, isso sem contar o fato de que no período da tarde os quatro componentes da banda tornavam-se quase que imprestáveis, a prejudicar o andamento do cronograma da filmagem. O motivo das epidemias de risadas: o farto uso de um tipo de cigarro que causava bastante fumaça, mediante um odor deveras característico e a gerar em via de regra, a euforia. E o fato dos quatro componentes dos Beatles ficarem sonolentos após o período do almoço: a ingestão de vinho em demasia. Bem, nem os membros dos Beatles eram feitos de ferro e em segunda análise, eles não eram meninos tão “bonzinhos”, como muitas pessoas acreditavam que fossem e colocassem outrossim, a culpa antagônica aos Rolling Stones a estigmatizá-los como maus meninos, na contrapartida.
Por último, contudo a revelar-se fatalmente como o mais importante fator, para enaltecer o filme, é lógico que arrola-se a presença do próprio Fab Four, com os seus membros a representar figuras icônicas do imaginário Rocker/Pop de então, como os protagonistas do filme e a sua música, a representar o ingrediente mais importante dessa receita, sem dúvida alguma.
Sobre a história/mote e roteiro, a ideia foi misturar todos esses conceitos a imprimir aventura, mistério, suspense, paisagens paradisíacas e os Beatles a viver tudo isso, além de uma rotina a falsear aos seus fãs, o conceito  de que eles morassem juntos como se fossem estudantes em uma “república”. Aliás, tal modelo de estruturação da história a mostrar uma banda de Rock, cujos membros morassem juntos como se fossem irmãos e a misturar as suas atividades musicais com mil confusões em seu cotidiano, inspirou diretamente os produtores da série de TV norte-americana, “The Monkees”, pouco tempo após o lançamento deste filme, a criá-la, não há dúvida.
Sobre o filme em si, a história inicia-se em meio a um ritual macabro a envolver o sacrifício humano de uma moça, possivelmente situado em algum obscuro ponto em meio à selva de um país asiático, provavelmente algo entre a Índia; Bangladesh; Paquistão ou Sri Lanka, ou seja, onde o Império Britânico esteve a dominar e a gerar assim uma identificação imediata pelos trejeitos e sotaques observados, com os ingleses a exercer um processo de controle. 
No momento em que a moça vai ser abatida, a sacerdotisa, Ahme (interpretada por Eleanor Bran), interrompe o sacerdote, Swami Clang (interpretado por Leo McKern), ao observar que o ritual não pode ser cumprido, visto que a moça a ser sacrificada está sem o anel considerado sagrado por tal seita e imediatamente vê-se em um telão, uma aparição dos Beatles a cantar a música título do filme, “Help”, com foco nas mãos de Ringo Starr, onde entre vários anéis que ele de fato costumava usar (o apelido “Ringo” foi gerado por ele chamar-se, Richard, mas também pelo fato dele ser conhecido, desde sempre, por gostar em usar anéis espalhafatosos e a palavra, “Ring”, significar anel, em inglês). Imediatamente, os membros da seita ficam enlouquecidos por ver o anel ritual no dedo do Rock Star e vão à Londres com o intuito em capturá-lo e é bom observar que em sua crença, quem o usa, é o eleito para ser sacrificado à Deusa Kali (nesta comitiva está incluso um terceiro elemento, chamado Bhuta, interpretado por John Bluthal). 
Pausa para comentar que essa ideia não foi aleatória, mas fez alusão à seita conhecida como: “Thuggees”, que existiu na Índia medieval e que costumava realizar sacrifícios humanos em favor de tal Deusa, com a intenção de garantir benefícios da parte dessa divindade, supostamente. Em suma, houve um mínimo de pesquisa, mesmo que a real intenção no filme tenha sido satirizar a questão. Bem, para gerar mais emoção à história, Ringo está com um problema em relação ao anel, pois ele simplesmente não sai do seu dedo. Portanto, eis que nesse pequeno detalhe de ordem anatômica, fica sustentada toda a ação do filme, pois é em torno da perseguição à Ringo Starr, que tudo vai acontecer.
Muito bem, então essa comissão formada por membros de tal seita fanática, vai a Londres e tenta através de diversas artimanhas, resgatar o anel, ao ameaçar Ringo em primeira instância, e aos seus demais companheiros de banda, por conseguinte. Em meio à muitas cenas hilárias para mostrar tal perseguição, é óbvio que as gags são montadas para provocar o humor, em via de regra, no entanto, são construídas dentro do parâmetro que eu observei anteriormente, ou seja, a orientar-se pelo campo da aventura, sobretudo, mas a trazer no bojo a ação de filmes policiais e a envolver conspirações em geral. 
Nesses termos, cenas ocorridas em um restaurante indiano em Londres, são hilárias, assim como a tentativa de Ringo em buscar apoio de um joalheiro para tirar o tal anel de seu dedo, mas pelo fato desse ornamento estar constituído por algum tipo de material imantado por alguma força sobrenatural que o valha, eis que as ferramentas do joalheiro quebram e o anel permanece intacto. É pior ainda quando Ringo procura um laboratório científico e submete-se a um tipo de experimento avantgarde e mediante tal máquina futurista, caem todos os anéis de suas mãos, menos o que ele precisa tirar... ora, o filme precisava continuar, não era o momento ainda para livrar-se dele. 
Neste ponto em particular, os cientistas malucos, “Foot” (interpretado por Victor Spinetti) e Algernon (interpretado por Roy Kinnear), ficam impressionados com a indestrutibilidade do material que compõe o anel e também passam a perseguir Ringo, ao vislumbrar a possibilidade em amealhar tal artefato para os seus propósitos pseudocientíficos. Ou seja, Ringo e os demais, ganham mais dois perseguidores.
A permear tais trapalhadas, mostra-se o cotidiano fictício dos componentes dos Beatles. Uma cena emblemática revela-os a chegar da rua e cada um entra em uma casa, a denotar que são vizinhos. Senhoras idosas que moram nos arredores, comentam entre si que gostam deles, pois são rapazes ordeiros, para reforçar a ideia que nem todo cabeludo seria uma ameaça à sociedade. No entanto quando a cena é vista pela perspectiva interna da casa, descobre-se que a casa é uma só, e em seu interior, eles vivem em meio a uma série de engenhocas a conferir um aspecto futurista e tecnológico aos padrões da época (1965), e certamente a buscar tal referência em meio aos filmes de James Bond, como já eu comentei antes.
Ahme anuncia que na impossibilidade do anel ser capturado, declara Ringo Starr como a pessoa a ser sacrificada, para piorar a situação do baterista dos Beatles. Uma artimanha inacreditável é feita quando um líquido preparado pelos membros da seita é injetado por engano na perna de Paul McCartney, ao invés de Ringo e ele encolhe, literalmente, para ficar inteiramente nu, e assim indefeso, protege-se ao entrar dentro de um cinzeiro, ou seja, a denotar algo bizarro. Foot e Algernon também estão na cena com o objetivo de apanhar o anel para si e isso gera mais confusão ainda. 
A banda resolve fugir para a Áustria e de fato, as cenas a seguir são realizadas em uma pista de neve, típica para a prática do ski. É dessas cenas com os membros dos Beatles super agasalhados, que saiu a capa do álbum, “Help”, com os quatro a usar vestimentas especiais para suportar o frio extremo e a sinalizar com os braços o código de pedido de socorro, que corresponde à palavra “Help”, na tradução literal. 
Em meio à perseguição, vemos os Beatles a fugir sob skis e interferir em uma corrida. Há também o jogo do “curling”, um esporte típico para ambientes com neve e um desses artefatos, estaria carregado com uma bomba pelos perseguidores. Uma gag absolutamente nonsense, ocorre, quando em meio à neve, o roadie dos Beatles, Mal Evans, aparece a nadar em buraco estabelecido aleatoriamente e este improvável nadador pergunta aos rapazes para que lado fica o penhasco branco de Dover (que vem a ser um rochedo belíssimo, por sinal e localizado na costa da Inglaterra), como se estivesse a pedir uma informação de um endereço em um ambiente urbano. Passada essa cena bizarra, fora do contexto, e sem outra saída para escapar de seus algozes, Ringo e os seus amigos voltam para a Inglaterra.
Em princípio, a Scotland Yard vai finalmente proteger os rapazes, entretanto, a corporação designa para tal missão, um inspetor fraco, chamado: Gluck (interpretado por Patrick Cargill). Vem então a famosa cena em que os Beatles tocam em um campo aberto, com a proteção do exército real britânico, mediante a presença de tanques de guerra e soldados armados por todos os lados (tal cena foi filmada na planície de Salisbury). 
A seguir, os Beatles escondem-se em um palácio e quase são capturados pelo tresloucado, Foot. Em outra cena, a banda chega a um Pub e quando Ringo tenta apanhar o seu copo e não consegue alcançá-lo, George Harrison acidentalmente mexe em uma alavanca e tal ato aparentemente banal, abre um alçapão, onde Ringo cai. Tratava- se de uma armadilha preparada pelos membros da seita. Ringo cai em uma espécie de calabouço, onde um feroz tigre está ali presente. Como sair dessa situação? Eis que o inspetor, Gluck instrui os rapazes a adotar uma medida bizarra: o animal é controlado se ouvir a melodia principal, oriunda da nona sinfonia de Beethoven. Ringo a assovia e em seguida, todos que tentam resgatá-lo, reforçam o coro improvisado (e desafinado). Essa resolução é tão nonsense que nem é possível acreditar que tal cena tenha sido escrita com a intenção humorística.
A banda viaja para as Bahamas e ali, em meio a uma ambiente praiano, mesmo em meio ao perigo do qual fogem, parecem turistas “bon vivant” a aproveitar a vida, inclusive cercados por belas garotas a usar biquínis insinuantes etc. e tal. Logo aparecem os membros da seita fanática, os cientistas inescrupulosos e os agentes da Scotland Yard a propiciar correrias desenfreadas. 
Os outros membros da banda usam máscaras com as feições de Ringo para despistar os seus perseguidores, mas não houve escapatória, Ringo foi finalmente capturado, por Foot, a bordo de um navio pirata, e o cientista maluco, obcecado pelo anel, planeja cortar o dedo de Ringo, sem nenhum pudor. Ahme, a sacerdotisa, aparece e oferece à Foot, um frasco a conter uma essência de uma certa orquídea, que conteria poderes sobrenaturais. 
Clara menção às drogas alucinógenas, foi o momento lisérgico do filme, embora com 1965 em pleno curso, esse tipo de abordagem ainda não fosse a pauta do dia, fator que entraria em maior visibilidade, a partir de 1966, de uma maneira geral. 
Ringo e Ahme caem na água e são resgatados pelos membros da seita. Na praia, Clang inicia rapidamente o ritual para concluir finalmente o objetivo dos fanáticos. No entanto, a cena torna-se um inevitável pastelão, pois o anel cai do dedo de Ringo, miraculosamente, e este ao sinalizar para os seus companheiros, percebe que a solução definitiva para tirá-lo do perigo, seria apanhá-lo na areia e rapidamente colocá-lo no dedo de Ahme e assim transferir a indicação de sacrifício, para ela. No entanto, Ahme, por sua vez, tenta passar o anel para Foot, ou seja, torna-se uma confusão generalizada ao estilo dos filmes dos Irmãos Marx, como os componentes dos Beatles realmente declararam ter buscado inspiração para atuar.
Para finalizar e esta é uma informação vital (estou a brincar, leitor): quem finalmente vê-se com o anel no dedo, é Bhuta, um dos membros da seita e ele passa a ser o novo perseguido pelos demais. O nadador que aparecera nos Alpes austríacos (interpretado por Mal Evans), surge novamente a procurar o caminho marítimo para atingir os rochedos brancos de Dover e uma máquina de costura aparece na praia, mediante uma tarja que afirma homenagear o invento de tal máquina, o senhor, Elias Wowe, em 1846, e sobre tal final inusitado, eu creio que nem merece ser analisado, acredito, em face ao seu caráter abstrato, para ser bem gentil, com o autor da ideia. Nos créditos, ao som da abertura da Ópera, “O Barbeiro de Sevilha”, o anel é colocado em destaque e os Beatles ainda interagem com gracejos.Fim da história.
Bem, se visto com a ótica conservadora, o filme é tolo e constrangedor em muitos aspectos. No entanto, sob uma visão mais livre, enxerga-se no todo, uma boa tentativa de se misturar muitos conceitos, para tornar a obra mais substancial do que um simples registro da banda a tocar. Por outro lado, talvez a pensar no anseio padrão dos Beatlemaníacos, isso teria sido ainda mais conveniente do que assistir a banda na tela com a preocupação de ver os seus ídolos a atuar como atores e sobretudo com a obrigação em conter uma história a justificar a dramaturgia. Creio que entre os quatro componentes, somente Ringo Starr apresentava um certo potencial para aventurar-se como ator, e não foi à toa que isso já havia sido notado no filme anterior, “ Hard Day’s Night” e seria também aproveitado no filme posterior, o telemovie, “Magical Mystery Tour”, que seria filmado e lançado em 1967. 
Tenho certeza no entanto, que cansaço a parte em ter que enfrentar as agruras de um set de cinema, sem deter traquejo para serem atores (já falei da exceção sobre Ringo), os componentes da banda divertiram-se em participar dessa aventura, sem dúvida alguma. Da parte de Brian Epstein, o empresário dos Beatles, certamente que o filme representou uma oportunidade para fomentar ainda mais a fama da banda, que nessa altura já mostrava-se consolidada em âmbito mundial, no entanto, a ambição ampliar esse domínio,´por incrível que pareça. Sob o ponto de vista de George Martin, o produtor musical da banda e dos executivos da gravadora EMI, claro que o filme atrelado ao álbum foi ótimo para os negócios, igualmente. E finalmente para o diretor, Richard Lester, foi a oportunidade em mostrar mais serviço, visto que em “A Hard Day’s Night”, que ele também dirigira, o roteiro bem mais simples, não deu-lhe a oportunidade para trabalhar com algo mais substancial. Portanto, “Help” foi uma peça importante para a banda e igualmente para todos os que trabalharam ou usufruíram dessa peça cinematográfica, à época. 
As críticas recebidas à época, da parte da imprensa, dividiram-se. Alguns mais ortodoxos, certamente que não foram benevolentes com o filme, mas isso já fora esperado, certamente pela produção. O importante foi que a despeito de certas opiniões em contrário, o filme deslizou facilmente sobre a fama que a banda já ostentava sob um patamar inimaginável. 
Para ilustrar, e trazer assim uma lembrança pessoal minha, eu não assisti o filme em uma sala de cinema à época, pois detinha entre cinco e seis anos de idade na ocasião, mas conheço pessoas mais velhas que tiveram essa oportunidade e jamais esqueço-me do depoimento da esposa de um tecladista com o qual eu toquei em uma banda, no início dos anos oitenta, ao contar-me que fora adolescente na época e assistira “Help” no cinema, por sessenta e três vezes seguidas. 
Esse grau de entusiasmo do qual ela relatou-me, mensura bem o comprometimento dos jovens com a banda, no calor de seu lançamento. Neste caso, é preciso salientar que os meios de comunicação disponíveis nos anos sessenta, eram terrivelmente limitados, portanto, um filme (neste caso, o segundo, com os Beatles a protagonizá-lo e a conter músicas inéditas), no imaginário do jovem fã dessa banda à época, foi algo grandioso ao extremo. Bem diferente da juventude atual, que acostumou-se a ter qualquer conteúdo disponível através da internet, no momento em que assim o desejar, vinte e quatro horas por dia. Em suma, o impacto de “Help” em 1965, foi enorme, e muito maior revela-se, se analisado pelo prisma da proporção em relação aos meios possíveis daquela época em termos de difusão.
Sobre a música, eis a melhor parte, sem dúvida, sem demérito à dramaturgia; roteiro, mote e produção em geral, mas claro que ao tratar-se de Beatles, seria o caso de relembrar o comercial protagonizado pelo genial compositor, Adoniran Barbosa, difundido na TV brasileira nos anos setenta, quando ao fazer propaganda de uma marca de cerveja, dizia: -“nós viemos aqui para beber ou para conversar?” Pois é, independente do filme, o que interessa mesmo é o som dos Beatles, ou estou a exagerar? Nesse quesito, a banda não desapontou de forma alguma. 
“Help” marca exatamente a linha divisória entra as duas fases criativas na história dos Beatles, em termos musicais. Foi o último álbum a manter a sonoridade inicial do grupo, em torno do Rock’n’Roll tradicional com raízes cinquentistas, R’n’B, Baladas e Folk Music de uma forma bem ampla, em linhas gerais. Daí em diante, ainda em 1965, mas já através do álbum, “Rubber Soul”, a banda passou a experimentar e ousar, sobretudo e em 1966, com o lançamento do LP “Revolver”, isso escancarou-se de vez, ao abrir caminho para o LP “Sgtº Pepper’s Lonely Hearts Club Band” em 1967, e assim em diante. No entanto, não é demérito algum classificar,“Help”, como um trabalho a representar a primeira fase da banda, pois mesmo a soar com bastante simplicidade musical e sobretudo a usar de uma linha de poesia bem ingênua nessa fase, ao citar as letras das músicas, o trabalho tem muitos méritos.
Além da canção “Help” (que é muito forte por si só), título do álbum e do filme, é muito significativa a presença de óticas canções tais como: “Ticket to Ride” (esta, uma excelente peça, por sinal), “You’re Going to Lose That Girl”, You’ve Got to Hide Your Love Away”, “I Need You”, The Night Before e “Another Girl”, além de menções à outras canções do repertório da banda, inseridas na trilha, como “A Hard Day’s Night”, “I’m Happy Just to Dance With You”, “You Cant’ Do That” e “From Me to You”. O repertório do álbum, foi baseado nas canções especialmente feitas para compor a trilha do filme (as sete primeiras que eu citei), e reforçados por mais algumas músicas que haviam sido lançadas recentemente em formato “single” (compacto).
O filme foi lançado com pompa e circunstância, naturalmente, no London Pavillion Theatre de Londres, em 29 de julho de 1965, com a presença da Princesa Margaret, duquesa de Snowdon na plateia a prestigiar o lançamento, o que denotou a importância que a família Real Britânica devotou ao quarteto, tamanho o seu benefício já expressivo na ocasião, em termos de royalties a reverter em impostos para o fisco inglês. Houve época em que os Beatles renderam tanto, que tal cifra entrou para a estatística do governo, como uma dos maiores geradores de PIB do Reino Unido, ou seja, como se The Beatles fosse uma mega empresa industrial ou do ramo primário das commodities. E não por acaso, a Rainha Elizabeth ofertou comandas aos quatro componentes da banda, exatamente dois meses depois, em cerimônia oficial, realizada em 29 de setembro de 1965.
“Help” foi escrito por Marc Behn, com roteiro do próprio, Marc Behn e Charles Wood. Produção de Walter Shenson. Direção de Richard Lester, um diretor norte-americano que era radicado na Inglaterra e entrou para o imaginário dos fãs dos Beatles como um agregado da carreira da banda, por ter dirigido os dois primeiros filmes do grupo: “A Hard Day’s Night” e “Help”. 

Tirante o sucesso mastodôntico que o filme obteve nas salas de cinema, obviamente que seguiu a cadeia natural da exibição, ao passar na TV, mas com uma certa parcimônia, visto que o controle sobre a obra dos Beatles sempre foi muito mais restrito do que outros artistas, portanto, a ideia sempre foi monetizar ao máximo a obra. Em cima desse conceito, a quantidade de versões que foram lançadas deste e de outros filmes da banda, é grande, em todos os formatos e muitas vezes a repetir lançamentos dentro do mesmo formato, a apresentar versões com extras ou sob mixagem e/ou masterização diferenciada ou a inventar Kits com a inclusão de produtos adicionais como camisetas, bonés e outros, para incentivar o consumo do mesmo produto, por diversas vezes. 

Na internet para achar um portal que exiba gratuitamente tal filme na íntegra, é muito difícil por conta das restrições legais. A despeito desse mercantilismo exacerbado, é claro que eu recomendo assistir o filme, “Help”, pois a música dos Beatles sempre valerá a pena, e o filme em si é para ser encarado nos dias atuais como algo divertido, sem a necessidade do espectador preocupar-se em buscar sinais metafóricos, na obra, pois não há o menor sinal de profundidade, mesmo que tenha-se abusado da inserção de colocações bizarras dentro desse roteiro. 

Esta resenha foi escrita para fazer parte do livro: "Luz; Câmera & Rock'n' Roll, através do seu volume III e está disponível para a leitura a partir da página 198.