segunda-feira, 29 de março de 2021

Filme: The Love-Ins - Por Luiz Domingues

A explosão do movimento hippie precipitou uma corrida aos sets de filmagem, para que de forma emergencial, filmes fossem produzidos e lançados rapidamente a repercutir aquele fenômeno. Foi o caso de películas tais como, “Psych-Out”, “Hallucination Generation, “The Trip”, “Chappaqua”, “Riot on The Sunset Strip”, “Wild in the Streets”, “You Are What You Eat”, entre outros e isso sem mencionar uma infinidade de documentários a abordar especificamente o assunto e outros tantos ao retratar o mesmo tema por consequência indireta, por mostrar festivais e shows de Rock a exibir vários artistas individualmente, igualmente sobre artistas a atuar em outras frentes tais como o Blues, R'n'B/Soul Music e música Folk em geral, ou seja, a resvalar na questão da cultura/contracultura, pela via da arte. Pois foi assim também o caso desta obra, denominada, “The Love-Ins”, lançada no epicentro do furacão hippie e com inspiração supostamente velada, entretanto na realidade indisfarçável, sobre a persona do Dr. Timothy Leary, o polêmico ex-professor de psicologia na Universidade de Harvard, que fazia experimentos com os efeitos alucinógenos perpetrados pelo uso da substância, “LSD”.
Nesses termos, a abordagem de “The Love-Ins” é bastante parcial, embora tenha tentado disfarçar-se ao contrário. Mesmo assim, a despeito da carga perniciosa pela qual a produção optou em usar, trata-se de uma obra interessante e mesmo que seja uma dramaturgia a abordar o movimento hippie, pode ser considerado um Rock Movie, indiretamente, pois bandas de Rock significativas atuam e no filme tem uma importância um pouco maior do que um mero fundo musical, visto que a lisergia proposta por tais bandas psicodélicas, embalam cenas a envolver a loucura despertada pelas drogas alucinógenas.
A história segue, portanto, veladamente a trajetória de Tim Leary na vida real, mas como já salientei, a tratar-se como uma ficção, e assim usar nomes diferentes e alinhavar situações no roteiro para não deixar tão explícita a citação. Nesses termos, a trama foi construída em torno de um casal de namorados, Larry Osborne (interpretado por James MacArthur) e Patricia Cross (interpretada por Susan Oliver), que são universitários e editam um jornal com forte teor contracultural e por conta disso, são expulsos da instituição. Nesse ínterim, um professor de filosofia, chamado, Dr. Jonathan Barnett (interpretado por Richard Todd), mostra-se muito interessado na explosão do movimento hippie pelas ruas de San Francisco, Califórnia, notadamente em Haight-Ashbury e sai em campo, para observar tudo.
São um tanto quanto caricatas as cenas em que ele observa os Hippies pelas ruas/praças e parques da cidade, nem tanto pela bizarrice das atitudes cometidas pelos freaks, mas sobretudo pela sua reação pessoal. Não que Richard Todd fosse um mau ator, e pelo contrário, ele era um profissional bem tarimbado na ocasião, a contar com muitas participações em seriados de TV e filmes, todavia, por força das circunstâncias, a sua interpretação ali foi bem forçada, talvez pelo comando ao estilo da mão pesada da direção, entretanto, o que verifica-se é uma expressão facial caricatural pelo ator em questão. Talvez a intenção tenha sido passar a ideia da estupefação, no entanto, o resultado é outro, a denotar um sinal de regozijo, o que é certamente constrangedor a sugerir intenções sexuais do personagem em relação às garotas jovens em sintonia com a premissa do amor livre. Isso de fato esteve no bojo dessa discussão proposta pelo filme e sem dúvida que o personagem do Dr. Barnett demonstrou essa tendência ao longo da história, no entanto, a dose foi em demasia nessas cenas iniciais, em termos de expressões faciais e gestuais.
Enfim, Barnett abandona a sua cátedra na universidade, e amparado por seus ex-alunos, Larry & Patricia e agora com outros entusiastas a encorpar os quadros, caso de Elliott (interpretado por Mark Goddard), vai com tudo para consolidar a sua liderança entre os jovens, ao participar de um programa de entrevistas na TV (John Pyne Show, um programa verdadeiro da ocasião) e defender acintosamente os hippies. 
Bom orador, bastante persuasivo, carismático e sedutor com as meninas, o Dr. Barnett rapidamente organiza eventos, ao lembrar bastante o “Human-Be-In” de Allen Ginsberg, onde Tim Leary discursara na vida real. E nesse ínterim, o Rock assume o protagonismo ao mostrar a sensacional garage band, “Chocolate Watch Band”;  "The UFO’s"; "Donnie Brooks" e "New Age Group".
Em meio à euforia gerada pelas bandas a tocar um som psicodélico, tal cena é sintomática, primeiro por ter sido longa, a caracterizar a intenção em demonstrar a lisergia em si. Em segundo lugar, por mostrar e reforçar na verdade, a ideia de que o tal professor estava a usar o movimento para criar uma seita maluca, onde ele fosse reverenciado como uma espécie de messias psicodélico. Ou seja, a tal má intenção do filme em usar veladamente a militância contracultural de Tim Leary, para demonizá-lo, certamente. Na vida real, de fato, Leary tomou atitudes bastante polêmicas e foi ousado em muitos momentos de sua trajetória nessa época, entretanto, não há dúvida de que ele nunca teve a intenção em liderar uma “seita”.
Ainda a repercutir tal cena, há uma similaridade com a famosa cena da loucura da personagem, Andrea “Andie” Doller (interpretada por Mimsy Farmer), no filme contemporâneo, “Riot on the Sunset Strip”, não por coincidência, do mesmo diretor, Arthur Dreifuss), ou seja, assim que a personagem, Patricia (Susan Oliver), ingere LSD, a sua viagem mostra-se louquíssima, amparada devidamente pelo som psicodélico a soar. Neste caso, apesar de tentar retratar a completa alucinação que foge ao seu controle, optou-se por uma representação onírica que quase lembra a encenação de uma peça teatral infantil, praticamente, pois Patricia é levada a crer que transformara-se na personagem, “Alice in the Wonderland” ("Alice no País das Maravilhas", uma criação de Lewis Carroll), portanto, foi nesse sentido em que a cena construiu-se. Pois muito bem, ao assumir-se em seu delírio alucinógeno, como a própria, Alice, Patricia vê-se em meio a uma floresta encantada, com personagens bizarros, recorrentes dessa história e tudo isso com direito a uma coreografia. Portanto, é algo também bastante infantilizado, a destoar um pouco da proposta mais fidedigna à realidade de tal situação.
Nesse ápice da história, o Dr. Barnett observa tudo a usar uma vestimenta que o faz parecer uma espécie de imperador romano sentado em um trono e a esperar ser adorado por seus seguidores. O lema que repete à exaustão, é : -“Be More, Sense More, Love More” (seja mais; sinta mais, ame mais). Ou seja, uma criação livre em cima do lema que Leary usou naqueles anos e tornou-se um grande epíteto do movimento Hippie: “Tune in; Turn on and Drop Out” (ligue-se; entre em sintonia e caia fora), portanto, se alguém ainda tinha dúvida que o personagem do Dr. Barnett fora inspirado abertamente em Tim Leary, neste ponto isso ficou escancarado.
Para efeito dramatúrgico e aí sim a livrar-se da trajetória de Leary na vida real (e também pelo fato de que em 1967, quando este filme foi lançado, o movimento estava a entrar em seu auge, na vida real, no entanto, muitos fatos ainda aconteceriam para dar novo rumo ao curso da história), o roteiro adotou uma postura ficcional enfim e assim o rumo da história caminhou possivelmente para o que os produtores da película gostariam que acontecesse com o movimento Hippie. Isso por que, o Dr. Barnett, que dizia gostar dos hippies, mas sobretudo da formosura das hippies, engravida Patricia e amor livre e desprendido, à parte, o velho sentimento de ciúmes incomodou bastante o jovem Larry. Principalmente quando Barnett propõe o aborto como solução prática para o problema e Patricia desespera-se e tenta cometer o suicídio. 
Por conta disso, a sua confiança nos propósitos do Dr. Barnett foram aniquilados e o seu ideal doravante foi no sentido em desmascará-lo e obviamente destruir a tal “seita alucinógena”. Enquanto isso, segue-se cenas a retratar uma preocupação explícita em que tal seita destrua a sociedade, a denotar mais uma vez o repúdio aos hippies, expresso implicitamente nesta história. Cenas a mostrar pessoas comum, ditas “de bem”, por exemplo, a agredir os hippies “subversivos” pelas ruas, são sugestões nesse sentido, assim como o dramático caso de um pai desesperado que procura o professor, agora transformado em um “guru” da seita, para que ele interviesse ao seu favor, para demover a sua filha da ideia de permanecer nessa sociedade alternativa, digamos assim, e ao ter como resposta, quase em tom de deboche da parte do professor, uma farsa em tom de cerimônia de casamento relâmpago em que este “declarou” que a moça em questão e o seu namorado, estavam oficialmente casados, para o desespero do pai ultrajado. Portanto, pelo teor dessa cenas, ficou clara a intenção da produção.
Pois eis que chega-se à cena final e o professor/guru vai discursar ante uma multidão alojada em um estádio de futebol norte-americano. Essa cena é bem mal produzida por sinal, ao mostrar-se o tal discurso sob um fundo ao estilo chroma key, entretanto, nos primórdios do uso de tal tecnologia, portanto, o resultado mostrou-se absolutamente primitivo ao ponto de ser constrangedor assisti-lo nos dias atuais. E ainda piora a situação, pois a edição, no afã em fornecer “veracidade” à cena, mesclou filmagens de um público comum de um espetáculo esportivo, ou seja, os milhares de hippies que deveriam estar a lotar as arquibancadas do estádio, na verdade são mostrados como pessoas comuns a alojar-se  no estádio, na verdade em dia de futebol norte-americano, ou seja, é uma cena bizarra. Bem, detalhes de produção malogrados a parte, o fato é que o guru discursa e subitamente, Larry alveja-o com um tiro certeiro. No entanto, o efeito desejado por Larry reverte-se exatamente ao contrário, quando ele percebe que assassinar Barnett apenas contribuiu para que este tornasse-se um mártir para os Hippies. Outro líder assume e a seita fica ainda mais forte com a comoção gerada. Desiludido, Larry entrega-se à polícia e essa cena é bizarra pela absoluta insipidez dramática pela qual foi produzida. O responsável pelo crime a sair do estádio calmamente acompanhado de um único policial e com o estádio ainda lotado e ainda mais sob a comoção gerada pelo choque de um assassinato assistido por todos, se foi algo conceitual a usar uma metáfora e/ou alegoria, simplesmente não surtiu efeito e somente passou a imagem de algo muito mal finalizado.
Bem, apesar dos seus defeitos, das más intenções implícitas da produção para denegrir o movimento hippie e da usurpação da trajetória de Tim Leary até aquele instante de 1967, o filme tem um mérito e certamente a tratar-se da parte musical, tanto pelas aparições dos artistas reais citados, quanto pela boa trilha sonora em geral. E um outro fator, os principais atores da trama, foram rostos bem conhecidos no âmbito do cinema e também dos seriados de TV norte-americanos, nos anos cinquenta e sessenta e muitos ali a prolongar bem além as suas aparições. O irlandês, Richard Todd, por exemplo, dispunha de uma filmografia extensa, que iniciara em 1949. James MacArthur, ficou muito conhecido a atuar no seriado policial, “Hawaii 5-0”. Susan Oliver, por sua vez, era famosa por atuar no dramalhão, “Peyton Place” e também por interpretar alienígenas super sensuais em “Star Trek” ("Jornada nas Estrelas"). E Mark Goddard, neste filme a viver um ativista hippie, nem de longe assemelhou-se ao personagem pragmático e sisudo, do Major West, que defendia na mesma época, no seriado: “Lost in Space”.
Registra-se a presença de Hortense Petra, como Mrs. Sacaccio, uma personagem secundária, porém a atriz em questão, além de ter sido esposa do roteirista, Sam Katzman, era uma veterana do cinema e entre os anos cinquenta cinquenta e sessenta, apesar de não ser mais jovem na ocasião, atuou em muitos filmes a envolver uma temática jovem, incluso produções de Elvis Presley; vários da série do Beach Movies Party, também conhecidos como filmes da “Turma da Praia” e igualmente participara de “Riot on The Sunset Strip” a enfocar a temática dos hippies e a repetir dessa maneira a sua parceria com o seu marido, Sam Katzman e o diretor, Arthur Dreifuss. 
É também digno de nota, a participação do ator, Mario Rocuzzo, creditado apenas como um “Hippie sob efeito de LSD”, que ostenta uma lista gigantesca com participações em seriados famosos, como, “Star Trek” e “The Monkees” nessa época do filme e posteriormente em “Hill Street Blues”, “Baretta”, Police Story e “Star Trek/The New Generation”, entre outros. E como última curiosidade, a belíssima atriz, Susan Oliver, teve uma briga feia com a produção, quando viu o filme montado, pois decepcionou-se muito com a abordagem e sobretudo pela cena infantilizada em que preconizou a sua experiência lisérgica ao viver: “Alice in Wonderland”. De fato ela teve razão em ficar chateada.
Reforço que não é um Rock Movie explícito, mas creio que coube ser incluído neste rol, por conta da trilha e sobretudo da lisergia proposta pelas bandas que aparecem no filme.
Foi lançado em julho de 1967 (imagine, em plena consolidação do dito “verão do amor”, ou seja, sem distanciamento histórico algum para estabelecer-se uma visão fidedigna do fenômeno). Produção de Sam Katzman, com roteiro de Hal Collins e Arthur Dreifuss (que também o dirigiu). Não teve boa aceitação de crítica e público na época, apesar do imediatismo do assunto em voga e nem mesmo a boa trilha e presença de bandas verdadeiras, atraiu um interesse maior do público Rocker, tampouco a presença de atores conhecidos no cinema e na TV. 

Está disponível em versão DVD, mas apenas em versão internacional. Na TV a cabo, se foi exibido, certamente que isso ocorreu há muitos anos atrás e dali em diante, sumiu da grade de programação. É no entanto, encontrado com relativa facilidade no YouTube, e até em cópias com legendas em várias línguas, incluso o português.

Esta resenha faz parte do livro: "Luz; Câmera & Rock'n' Roll", e encontra-se disponível para a leitura através de seu volume II, a partir da página 150

domingo, 14 de março de 2021

Filme: My Dinner With Jimi (Meu Jantar com Jimi) - Por Luiz Domingues


A banda californiana, The Turtles (formada na cidade de Los Angeles), surgiu em 1965, no vácuo do movimento : “American Reaction”, a resposta estética/comercial que os norte-americanos articularam para responder à altura, a avalanche causada pela “British Invasion”, um pouco antes e que colocara os britânicos no topo do Rock, algo inimaginável e veladamente sentido como algo humilhante, pois estrangeiros estavam a fazer sucesso retumbante com um produto teoricamente inventado pelos yankees, e em pleno solo da América do Norte.
Em princípio, tal banda propunha-se a seguir uma linha parecida com a de um grupo mais famoso, “The Byrds”, ou seja, a buscar uma sonoridade fortemente caracterizada pelo Folk-Rock, com influência Country & Western, porém aberta à outras tendências. Assim, foi natural que rapidamente já houvesse absorvido muito do Rock psicodélico que crescia e a abraçar simultaneamente  outras várias tendências, foi algo vital para que o seu trabalho fosse enriquecido. O seu primeiro sucesso em nível radiofônico, foi no entanto uma releitura e não uma composição própria, a tratar-se de “It Ain’t Me Baby”, uma canção de Bob Dylan. Depois disso, o grupo conseguiu emplacar : “Let me Be”; “You Baby”; e outras canções, até que no início de 1967, uma canção composta por Alan Gordon e Gary Bonner, gravada por eles, estourou em escala muito maior, chamada: “Happy Togheter”. 
Portanto, é através do lapso de tempo um pouco antes desse sucesso que a banda alcançou, que o filme : “My Dinner With Jimi” inicia a sua narrativa, todavia, antes de que eu prossiga, é importante deixar claro ao leitor que não conhece a história dessa banda e não viu o filme, que o tal jantar com Jimi Hendrix, sugerido no título da obra, de fato ocorreu, mas ele, Hendrix, não é o protagonista desta história, no entanto, trata-se outrossim de um personagem que ilustrou de uma maneira cômica uma passagem que a banda teve nesse mesmo ano de 1967. Em suma, não é uma biografia completa do "The Turtles", mas apenas parcial ao cobrir o período entre 1966 e 1967, de sua carreira e a culminar com o tal jantar ocorrido em Londres.
Só por conter tal mote, o filme já mostra um criatividade, eu diria, ao fugir da típica ordenação que espera-se sempre de cinebiografias de Rockers, individualmente ou sobre bandas, ou seja, a mostrar fatos da infância / adolescência de seus componentes e inerente resistência de familiares conservadores para que seus pimpolhos entrassem nessa vida errante, digamos assim e também pelos clichês típicos sobre as dificuldades encontradas antes da consolidação da fama etc. Isso sem contar questões relativas ao deslumbramento/ego, brigas por dinheiro e o inevitável envolvimento com drogas, bebidas e sexo desenfreado. Neste caso, o mote escolhido foi mostrar como a banda cresceu inesperadamente até para as mais otimistas projeções de seus próprios membros, ao ponto de receber o convite para tocar na Inglaterra, e conhecer Rock Stars britânicos com fama mundial.
Nesse aspecto, mostra-se um fenômeno interessante, sobre tais rapazes norte-americanos nutrir até um certo complexo de inferioridade, por sentir-se deslocados em Londres, ao conhecer e interagir com os britânicos famosos e curiosamente tudo fica muito realista, apesar de ser surpreendente, pois de fato, foi esse o sentimento do pessoal do The Turtles, quando circulou por uma casa noturna (de onde o tal jantar com Jimi Hendrix ocorreu), e também ao visitar a residência de Graham Nash, então componente do grupo, "The Hollies".
Antes um pouco de viajar para a Inglaterra, vemos o The Turtles a tocar o seu sucesso, “Happy Togheter” na TV, intercalado com uma sucessão de fotos de capas de discos, peças de portfólio e pequenas filmagens de bastidores reais da banda nessa época, o que é muito interessante a misturar a dramaturgia com um certo conteúdo em ritmo de documentário. Para rechear melhor o filme, como eu já havia observado, há uma sequência engraçada a mostrar como eles já estavam a interagir com artistas emergentes, em uma cena em que encontram-se com Frank Zappa, Jim Morrison e Mama Cass Elliott (cantora do grupo vocal: “The Mamas and the Papas”), nas dependências de uma lanchonete em Los Angeles. 
Os dois vocalistas do The Turtles estão atormentados com o fato de que ambos, haviam recebido recentemente o temível, “Draft Card”, que vinha a ser a convocação militar para o recrutamento obrigatório, para servir na Guerra do Vietnã. Nessa circunstância, seria um óbvio “adeus” ao Rock, carreira, cabelos compridos e convicções adquiridas, além da perspectiva concreta em flertar de perto com a morte.
Foi então que Frank Zappa, com a sua costumeira acidez mental, sugeriu à Howard Kaylan e Mark Volman, que estes procurassem o seu empresário, um sujeito chamado, Herb Cohen, e que por coincidência era primo de Howard Kaylan, pois ele arrumaria uma solução alternativa para que ambos escapassem da convocação. Howard conhecia bem o seu primo e certamente imaginou que ele faria algum contato na cúpula militar com algum conhecido seu ou a envolver algum político, mas a solução que Herb sugeriu-lhe, foi absolutamente prosaica e em um primeiro instante, a parecer uma forma de escárnio de sua parte para debochar do temor de seu primo e do seu amigo obeso, Volman, em ir culminar na guerra do Vietnã.
Entretanto, Howard e Mark seguiram à risca o conselho e que consistiu na prática, em não tomar banho por alguns dias, embebedar-se e drogar-se no dia anterior à data do alistamento e portar-se como autênticos lunáticos frente à junta médica do exército. Parece inacreditável, ainda mais ao tratar-se de um corporação como o exército norte-americano, mas o fato é que eles protagonizaram essa farsa na vida real e no filme, certamente que isso rendeu uma sketch até relativamente longa e certamente divertida, ao lembrar as loucuras que via-se nos episódios do seriado, “The Monkees”, aliás, contemporâneo da mesma época sugerida pela ação do filme.
Enfim, eis que eles escaparam da guerra e a banda seguiu a sua carreira ao ponto de receber o convite para a primeira viagem internacional, com destino à Londres. Visivelmente deslumbrados por estar na meca do Rock mundial da ocasião, são convidados a visitar o apartamento de Graham Nash, em tal momento, um componente do famoso grupo inglês, “The Hollies”, que eles apreciavam muito. Ali, bem recebidos pelo astro britânico, também conhecem Donovan, um super astro do Folk-Rock britânico e na época, mergulhado inteiramente na lisergia hippie, total. 
Ali, entre bebidas e outros aditivos, ouvem uma fita de rolo que Nash tinha em mãos a conter o último disco dos Beatles que havia acabado de ser gravado, mas cujas cópias do LP, ainda nem haviam chegado às lojas. Enlouquecidos com tal primazia, ouvem o LP “Sgtº Peppers Lonely Hearts Club Band”, na íntegra e ficam extasiados. Logo eles que eram fãs incondicionais do quarteto britânico oriundo da cidade de Liverpool, parecem estar a flutuar com tal audição em meio a tantos estímulos psicodélicos.
Então, eis que decidir visitar um Pub próximo e lá ficam a saber que os quatro componentes dos Beatles encontram-se no local. Nesta altura, a saliva mal consegue descer para as suas respectivas gargantas, tamanha a emoção em estar em Londres e inseridos nesse Jet Set Rocker, inacreditável, quando sugere-se apresentá-los aos quatro membros do Beatles. Não poderia ser verdade, fora muita coisa para uma noite só, e isso apenas poderia ser explicado pela ingestão de substâncias alucinógenas, no entanto, aconteceu na vida real e lá estavam os membros do The Turtles a ser apresentados aos seus grandes ídolos britânicos e teoricamente, ao colocar-se em pé de igualdade, portanto, algo anteriormente inimaginável para eles.
No entanto, não foi o que ocorreu, exatamente. Pois o comportamento dos Beatles não foi dos mais cordiais. Com exceção de George Harrison que foi simpático; Ringo Starr portou-se bem, igualmente, embora insistisse em brincadeiras um tanto quanto forçadas; Paul McCartney mostrou-se discreto, porém John Lennon estava bêbado e bem alterado nessa noite, ao estar possuído pelo seu alter ego corroído por sarcasmo a la “Goonies” e dessa forma, desdenhou do pessoal do The Turtles, o tempo todo, a tornar o encontro uma grande decepção. O guitarrista, Jim Tucker, que era um fanático beatlemaníaco, ficou transtornado com a demonstração de soberba da parte de Lennon e saiu do Pub a dizer que iria parar de tocar depois dessa decepção em forma de humilhação. Outros membros da banda relevaram e saíram da mesa a rir da situação e naturalmente que atribuíram o ocorrido ao estado alterado de consciência de todos ali presentes, incluso ele mesmos.
Howard Kaylan já estava de saída quando um rapaz louro o abordou e o reconheceu. Esse rapaz elogiou o trabalho dos Turtles e Howard ficou muito surpreendido, bem naquela percepção sua em portar-se a subestimar a si mesmo, quando eis que o rapaz apresentou-se : -“sou Brian Jones, guitarrista dos Rolling Stones”. Howard quase tem um ataque cardíaco ali... conhecera na mesma noite, Graham Nash, Donovan, os quatro Beatles e agora um Rolling Stones... e ainda por cima fora reconhecido e elogiado por Jones.
Brian conta-lhe que está a cooperar com um festival que aconteceria em junho, nos Estados Unidos, que chamar-se-ia, “Monterey Pop Festival” e que um conterrâneo de Howard, que estava a morar há alguns meses na Inglaterra, tocaria lá por sua indicação. Eis que um rapaz negro surge na entrada do Pub e Jones apresenta-o para Howard: -“este é Jimi Hendrix”...
Jimi já estava a acontecer na Inglaterra e o seu primeiro disco estava a estourar na Europa inteira. Havia feito nesta altura, muitas amizades entre os ingleses, mas também colecionara alguns desafetos. Simpático e feliz por ter conhecido um compatriota norte-americano, Jimi convidou Howard para jantar com ele no Pub. Bem, eis aí a grande justificativa para o título do filme, o jantar com Jimi.
Então, eles dialogam sobre música, mas a conversa é interrompida muitas vezes por conta do assédio feminino que Jimi já havia alcançado fortemente e Howard fica ali embasbacado por sentir que estava inserido no mesmo mundo, ainda que ainda nutrisse uma baixa autoestima, por natureza. Ali está à sua frente um sujeito mais famoso do que ele, em tese; cheio de malandragens, super produzido como um Rock Star sessentista em meio às roupas de veludo e seda; cercado por mulheres sedutoras, jovens & belíssimas e bajulado por um monte de cabeludos britânicos.
A conversa estava boa, mas Howard simplesmente não tinha o mesmo estômago dos britânicos, portanto, em meio à comida bem condimentada às quatro horas da manhã; muita bebida (muita mesmo) e outras substâncias que Jimi ofereceu-lhe, ele simplesmente não conseguiu segurar o ímpeto selvagem de seu organismo tão agredido internamente e... vomitou com uma volúpia bem grande a conspurcar inteiramente aquele traje elegante que Jimi usava. Ainda sendo possível para ouvir-se a voz de Hendrix a indignar-se por conta do estrago que Howard proporcionara às suas vestes, é quando vemos a cena subsequente, com Howard a lastimar estar em uma ressaca infernal no dia seguinte, trancafiado em seu hotel londrino.
O filme encerra-se com uma explicação bem humorada sobre o destino de cada personagem ali retratado. O The Turtles não teve uma carreira muito longa, mas deixou um bom legado. Howard Kaylan e Mark Volman foram ser cantores do Mothers of Invention, de Frank Zappa e estão imortalizados na vida real inclusive em filme, como participantes dos Mothers, na obra super conceitual: “200 Motels”, de 1971 (a resenha sobre tal filme, consta neste Blog). Eles também formaram outras bandas. Tiveram juntos um programa de rádio e gravaram como backing vocalistas em muitos disco do grupo inglês, “T.Rex”. Aliás, muita gente que ouve certas canções de Marc Bolan, o líder do T. Rex, imagina que aquelas vozes agudas foram gravadas por alguma cantora negra norte-americana, mas na verdade são as vozes de Kaylan e Volman, ali registradas. E sobre os demais personagens envolvidos, tudo é narrado com bom humor, inclusive quando se alfinetou, John Lennon, mas convenhamos, ele abusou muito do seu sarcasmo britânico ao desdenhar das tartarugas californianas...
Howard Kaylan escreveu o roteiro desse filme, e eu creio ter sido feliz pelo enfoque não usual e também pela opção pelo humor. O filme é divertido em via de regra, muito pela maneira pela qual o seu roteiro foi construído a valorizar tais lembranças pessoais que ele guardara em sua memória sobre tais passagens da banda em seus bastidores, vividos entre 1966 e 1967. Vale muito a pena também pela parte musical, visto que o som dos Turtles, apesar de não ter tido a expressão de outros pares seus na década de sessenta, na realidade é muito bom. E contém uma boa quantidade de canções de outros artistas contemporâneos, tais como o "Love" e o "The Doors", entre outros.
Peca, no entanto, pela produção que mostrou-se bem simples. Todavia, nesse caso, é compreensível que mediante pouca verba disponível, não fosse possível haver um apuro maior. É o que eu sempre digo, todo filme que propõe-se a retratar a famosa fase “Late 60’s/Early 70’s”, e não obtiver uma verba significativa para poder trabalhar, vai culminar em ter um resultado caricato. Essa foi a melhor fase da história do Rock, mas os pormenores para recriar-se tal atmosfera em termos de direção de arte, é muito difícil. Nesses termos, “My Dinner With Jimi” tem a sua fragilidade, infelizmente. Muito criticado, por exemplo, o arranjo do figurino e sobretudo as perucas usadas pelos atores. A costeleta de Howard Kaylan, uma marca registrada dele nessa época, quando da composição que o ator, Justin Henry, teve, ficou ridícula. É compreensível que um ator não disponha-se a deixar barba e cabelo crescer naturalmente para compor uma personagem e prefira a caracterização diária no departamento de maquiagem do set, no entanto, é inacreditável para o padrão norte-americano de fazer cinema, mesmo ao tratar-se de uma produção classe B, mas o fato é que o maquiador do ator, improvisou dois maços de palha de aço, um de cada lado do seu rosto, como se estivesse a encenar uma peça infantil no teatrinho escolar de fim de ano. Paciência.
No quesito interpretação, há vários escorregões, infelizmente. Os atores que interpretaram astros do Rock como Frank Zappa; Jim Morrison e Mama “Cass” Elliott, portaram-se de forma caricata, praticamente. Difícil achar o tom certo para retratar Rockers sessentistas que na vida real viveram tal período sob alucinação crônica, essa é uma verdade, no entanto, a caricatura que os reduz a personagens de programas popularescos de humor da TV, não é correta, certamente. Figuras louquíssimas, certamente, mas debiloides, não, por favor!
A despeito desse tipo de falha da produção, eu recomendo sim, “My Dinner With Jimi”, como uma interessante peça a mostrar um pouco a trajetória de uma boa banda, embora um pouco subestimada na história. Mostra as relações que seus membros obtiveram com astros de primeira grandeza, tem uma ótima trilha sonora e uma boa dose de humor. Além de tudo, exageros à parte, tudo ali que foi mencionado, aconteceu, portanto, pode-se colocar a tarja a conter os dizeres: “baseado em fatos reais”...  
Justin Henry interpretou, Howard Kaylan, Jason Boggs interpretou Mark Volman, Royale Watkins interpretou Jimi Hendrix, Brett Gilbert interpretou John Barbata, Sean Maysonet interpretou Jim “Tucko” Turker,  Kevin Cotteleer interpretou Jim Pons, George Stanchev interpretou Al Nichol, Michael Fergunson interpretou Brain Jones. 
E mais: Brian Groh (como John Lennon), Quinton Flyn (como Paul McCartney), Jimm Marie Simmon como Jane Asher (aliás, na cena em que Jane, uma famosa atriz britânica e então namorada de Paul McCartney, aparece no Pub, há uma forte insinuação ao abuso masculino Rocker da época e a tendência a tratar as garotas como groupies, até as que não o fossem); Nate Duskhku como George Harrison, Ben Bode, como Ringo Starr, Lisa Brounstein como Mama Cass Elliott, Brett Roberts, como Jim Morrison; Adam Tomei, como Frank Zappa; Chris Soldevilla como Graham Nash, Curtis Armstrong como Herb Cohen, Rob Benedict interpretou, Donovan e Kristi Wirz, como Twiggy.
Roteiro por Howard Kaylan, produção de Harold Bronson e direção de Bill Fishman. O filme foi lançado em fevereiro de 2003. Teve pouco destaque na crítica ao ser tratado como um telemovie sem importância, uma pena, e também não obteve uma aclamação popular significativa. Ganhou um prêmio apenas em um festival de menor expressão (Festival de Slamdunk, em Park City/Utah, como melhor roteiro).

Foi lançado em formato DVD em 2008 e encontra-se disponível para venda, mas apenas em versão internacional, sem legendas em português. Foi exibido em canais da TV a cabo, mas encontra-se fora da grade, há um bom tempo. É encontrado no YouTube, no entanto, com facilidade, inclusive com legendas e até dublado em português.

Esta resenha faz parte do livro: "Luz; Câmera & Rock'n' Roll", através do seu volume II e está disponível para a leitura a partir da página 141