segunda-feira, 29 de março de 2021

Filme: The Love-Ins - Por Luiz Domingues

A explosão do movimento hippie precipitou uma corrida aos sets de filmagem, para que de forma emergencial, filmes fossem produzidos e lançados rapidamente a repercutir aquele fenômeno. Foi o caso de películas tais como, “Psych-Out”, “Hallucination Generation, “The Trip”, “Chappaqua”, “Riot on The Sunset Strip”, “Wild in the Streets”, “You Are What You Eat”, entre outros e isso sem mencionar uma infinidade de documentários a abordar especificamente o assunto e outros tantos ao retratar o mesmo tema por consequência indireta, por mostrar festivais e shows de Rock a exibir vários artistas individualmente, igualmente sobre artistas a atuar em outras frentes tais como o Blues, R'n'B/Soul Music e música Folk em geral, ou seja, a resvalar na questão da cultura/contracultura, pela via da arte. Pois foi assim também o caso desta obra, denominada, “The Love-Ins”, lançada no epicentro do furacão hippie e com inspiração supostamente velada, entretanto na realidade indisfarçável, sobre a persona do Dr. Timothy Leary, o polêmico ex-professor de psicologia na Universidade de Harvard, que fazia experimentos com os efeitos alucinógenos perpetrados pelo uso da substância, “LSD”.
Nesses termos, a abordagem de “The Love-Ins” é bastante parcial, embora tenha tentado disfarçar-se ao contrário. Mesmo assim, a despeito da carga perniciosa pela qual a produção optou em usar, trata-se de uma obra interessante e mesmo que seja uma dramaturgia a abordar o movimento hippie, pode ser considerado um Rock Movie, indiretamente, pois bandas de Rock significativas atuam e no filme tem uma importância um pouco maior do que um mero fundo musical, visto que a lisergia proposta por tais bandas psicodélicas, embalam cenas a envolver a loucura despertada pelas drogas alucinógenas.
A história segue, portanto, veladamente a trajetória de Tim Leary na vida real, mas como já salientei, a tratar-se como uma ficção, e assim usar nomes diferentes e alinhavar situações no roteiro para não deixar tão explícita a citação. Nesses termos, a trama foi construída em torno de um casal de namorados, Larry Osborne (interpretado por James MacArthur) e Patricia Cross (interpretada por Susan Oliver), que são universitários e editam um jornal com forte teor contracultural e por conta disso, são expulsos da instituição. Nesse ínterim, um professor de filosofia, chamado, Dr. Jonathan Barnett (interpretado por Richard Todd), mostra-se muito interessado na explosão do movimento hippie pelas ruas de San Francisco, Califórnia, notadamente em Haight-Ashbury e sai em campo, para observar tudo.
São um tanto quanto caricatas as cenas em que ele observa os Hippies pelas ruas/praças e parques da cidade, nem tanto pela bizarrice das atitudes cometidas pelos freaks, mas sobretudo pela sua reação pessoal. Não que Richard Todd fosse um mau ator, e pelo contrário, ele era um profissional bem tarimbado na ocasião, a contar com muitas participações em seriados de TV e filmes, todavia, por força das circunstâncias, a sua interpretação ali foi bem forçada, talvez pelo comando ao estilo da mão pesada da direção, entretanto, o que verifica-se é uma expressão facial caricatural pelo ator em questão. Talvez a intenção tenha sido passar a ideia da estupefação, no entanto, o resultado é outro, a denotar um sinal de regozijo, o que é certamente constrangedor a sugerir intenções sexuais do personagem em relação às garotas jovens em sintonia com a premissa do amor livre. Isso de fato esteve no bojo dessa discussão proposta pelo filme e sem dúvida que o personagem do Dr. Barnett demonstrou essa tendência ao longo da história, no entanto, a dose foi em demasia nessas cenas iniciais, em termos de expressões faciais e gestuais.
Enfim, Barnett abandona a sua cátedra na universidade, e amparado por seus ex-alunos, Larry & Patricia e agora com outros entusiastas a encorpar os quadros, caso de Elliott (interpretado por Mark Goddard), vai com tudo para consolidar a sua liderança entre os jovens, ao participar de um programa de entrevistas na TV (John Pyne Show, um programa verdadeiro da ocasião) e defender acintosamente os hippies. 
Bom orador, bastante persuasivo, carismático e sedutor com as meninas, o Dr. Barnett rapidamente organiza eventos, ao lembrar bastante o “Human-Be-In” de Allen Ginsberg, onde Tim Leary discursara na vida real. E nesse ínterim, o Rock assume o protagonismo ao mostrar a sensacional garage band, “Chocolate Watch Band”;  "The UFO’s"; "Donnie Brooks" e "New Age Group".
Em meio à euforia gerada pelas bandas a tocar um som psicodélico, tal cena é sintomática, primeiro por ter sido longa, a caracterizar a intenção em demonstrar a lisergia em si. Em segundo lugar, por mostrar e reforçar na verdade, a ideia de que o tal professor estava a usar o movimento para criar uma seita maluca, onde ele fosse reverenciado como uma espécie de messias psicodélico. Ou seja, a tal má intenção do filme em usar veladamente a militância contracultural de Tim Leary, para demonizá-lo, certamente. Na vida real, de fato, Leary tomou atitudes bastante polêmicas e foi ousado em muitos momentos de sua trajetória nessa época, entretanto, não há dúvida de que ele nunca teve a intenção em liderar uma “seita”.
Ainda a repercutir tal cena, há uma similaridade com a famosa cena da loucura da personagem, Andrea “Andie” Doller (interpretada por Mimsy Farmer), no filme contemporâneo, “Riot on the Sunset Strip”, não por coincidência, do mesmo diretor, Arthur Dreifuss), ou seja, assim que a personagem, Patricia (Susan Oliver), ingere LSD, a sua viagem mostra-se louquíssima, amparada devidamente pelo som psicodélico a soar. Neste caso, apesar de tentar retratar a completa alucinação que foge ao seu controle, optou-se por uma representação onírica que quase lembra a encenação de uma peça teatral infantil, praticamente, pois Patricia é levada a crer que transformara-se na personagem, “Alice in the Wonderland” ("Alice no País das Maravilhas", uma criação de Lewis Carroll), portanto, foi nesse sentido em que a cena construiu-se. Pois muito bem, ao assumir-se em seu delírio alucinógeno, como a própria, Alice, Patricia vê-se em meio a uma floresta encantada, com personagens bizarros, recorrentes dessa história e tudo isso com direito a uma coreografia. Portanto, é algo também bastante infantilizado, a destoar um pouco da proposta mais fidedigna à realidade de tal situação.
Nesse ápice da história, o Dr. Barnett observa tudo a usar uma vestimenta que o faz parecer uma espécie de imperador romano sentado em um trono e a esperar ser adorado por seus seguidores. O lema que repete à exaustão, é : -“Be More, Sense More, Love More” (seja mais; sinta mais, ame mais). Ou seja, uma criação livre em cima do lema que Leary usou naqueles anos e tornou-se um grande epíteto do movimento Hippie: “Tune in; Turn on and Drop Out” (ligue-se; entre em sintonia e caia fora), portanto, se alguém ainda tinha dúvida que o personagem do Dr. Barnett fora inspirado abertamente em Tim Leary, neste ponto isso ficou escancarado.
Para efeito dramatúrgico e aí sim a livrar-se da trajetória de Leary na vida real (e também pelo fato de que em 1967, quando este filme foi lançado, o movimento estava a entrar em seu auge, na vida real, no entanto, muitos fatos ainda aconteceriam para dar novo rumo ao curso da história), o roteiro adotou uma postura ficcional enfim e assim o rumo da história caminhou possivelmente para o que os produtores da película gostariam que acontecesse com o movimento Hippie. Isso por que, o Dr. Barnett, que dizia gostar dos hippies, mas sobretudo da formosura das hippies, engravida Patricia e amor livre e desprendido, à parte, o velho sentimento de ciúmes incomodou bastante o jovem Larry. Principalmente quando Barnett propõe o aborto como solução prática para o problema e Patricia desespera-se e tenta cometer o suicídio. 
Por conta disso, a sua confiança nos propósitos do Dr. Barnett foram aniquilados e o seu ideal doravante foi no sentido em desmascará-lo e obviamente destruir a tal “seita alucinógena”. Enquanto isso, segue-se cenas a retratar uma preocupação explícita em que tal seita destrua a sociedade, a denotar mais uma vez o repúdio aos hippies, expresso implicitamente nesta história. Cenas a mostrar pessoas comum, ditas “de bem”, por exemplo, a agredir os hippies “subversivos” pelas ruas, são sugestões nesse sentido, assim como o dramático caso de um pai desesperado que procura o professor, agora transformado em um “guru” da seita, para que ele interviesse ao seu favor, para demover a sua filha da ideia de permanecer nessa sociedade alternativa, digamos assim, e ao ter como resposta, quase em tom de deboche da parte do professor, uma farsa em tom de cerimônia de casamento relâmpago em que este “declarou” que a moça em questão e o seu namorado, estavam oficialmente casados, para o desespero do pai ultrajado. Portanto, pelo teor dessa cenas, ficou clara a intenção da produção.
Pois eis que chega-se à cena final e o professor/guru vai discursar ante uma multidão alojada em um estádio de futebol norte-americano. Essa cena é bem mal produzida por sinal, ao mostrar-se o tal discurso sob um fundo ao estilo chroma key, entretanto, nos primórdios do uso de tal tecnologia, portanto, o resultado mostrou-se absolutamente primitivo ao ponto de ser constrangedor assisti-lo nos dias atuais. E ainda piora a situação, pois a edição, no afã em fornecer “veracidade” à cena, mesclou filmagens de um público comum de um espetáculo esportivo, ou seja, os milhares de hippies que deveriam estar a lotar as arquibancadas do estádio, na verdade são mostrados como pessoas comuns a alojar-se  no estádio, na verdade em dia de futebol norte-americano, ou seja, é uma cena bizarra. Bem, detalhes de produção malogrados a parte, o fato é que o guru discursa e subitamente, Larry alveja-o com um tiro certeiro. No entanto, o efeito desejado por Larry reverte-se exatamente ao contrário, quando ele percebe que assassinar Barnett apenas contribuiu para que este tornasse-se um mártir para os Hippies. Outro líder assume e a seita fica ainda mais forte com a comoção gerada. Desiludido, Larry entrega-se à polícia e essa cena é bizarra pela absoluta insipidez dramática pela qual foi produzida. O responsável pelo crime a sair do estádio calmamente acompanhado de um único policial e com o estádio ainda lotado e ainda mais sob a comoção gerada pelo choque de um assassinato assistido por todos, se foi algo conceitual a usar uma metáfora e/ou alegoria, simplesmente não surtiu efeito e somente passou a imagem de algo muito mal finalizado.
Bem, apesar dos seus defeitos, das más intenções implícitas da produção para denegrir o movimento hippie e da usurpação da trajetória de Tim Leary até aquele instante de 1967, o filme tem um mérito e certamente a tratar-se da parte musical, tanto pelas aparições dos artistas reais citados, quanto pela boa trilha sonora em geral. E um outro fator, os principais atores da trama, foram rostos bem conhecidos no âmbito do cinema e também dos seriados de TV norte-americanos, nos anos cinquenta e sessenta e muitos ali a prolongar bem além as suas aparições. O irlandês, Richard Todd, por exemplo, dispunha de uma filmografia extensa, que iniciara em 1949. James MacArthur, ficou muito conhecido a atuar no seriado policial, “Hawaii 5-0”. Susan Oliver, por sua vez, era famosa por atuar no dramalhão, “Peyton Place” e também por interpretar alienígenas super sensuais em “Star Trek” ("Jornada nas Estrelas"). E Mark Goddard, neste filme a viver um ativista hippie, nem de longe assemelhou-se ao personagem pragmático e sisudo, do Major West, que defendia na mesma época, no seriado: “Lost in Space”.
Registra-se a presença de Hortense Petra, como Mrs. Sacaccio, uma personagem secundária, porém a atriz em questão, além de ter sido esposa do roteirista, Sam Katzman, era uma veterana do cinema e entre os anos cinquenta cinquenta e sessenta, apesar de não ser mais jovem na ocasião, atuou em muitos filmes a envolver uma temática jovem, incluso produções de Elvis Presley; vários da série do Beach Movies Party, também conhecidos como filmes da “Turma da Praia” e igualmente participara de “Riot on The Sunset Strip” a enfocar a temática dos hippies e a repetir dessa maneira a sua parceria com o seu marido, Sam Katzman e o diretor, Arthur Dreifuss. 
É também digno de nota, a participação do ator, Mario Rocuzzo, creditado apenas como um “Hippie sob efeito de LSD”, que ostenta uma lista gigantesca com participações em seriados famosos, como, “Star Trek” e “The Monkees” nessa época do filme e posteriormente em “Hill Street Blues”, “Baretta”, Police Story e “Star Trek/The New Generation”, entre outros. E como última curiosidade, a belíssima atriz, Susan Oliver, teve uma briga feia com a produção, quando viu o filme montado, pois decepcionou-se muito com a abordagem e sobretudo pela cena infantilizada em que preconizou a sua experiência lisérgica ao viver: “Alice in Wonderland”. De fato ela teve razão em ficar chateada.
Reforço que não é um Rock Movie explícito, mas creio que coube ser incluído neste rol, por conta da trilha e sobretudo da lisergia proposta pelas bandas que aparecem no filme.
Foi lançado em julho de 1967 (imagine, em plena consolidação do dito “verão do amor”, ou seja, sem distanciamento histórico algum para estabelecer-se uma visão fidedigna do fenômeno). Produção de Sam Katzman, com roteiro de Hal Collins e Arthur Dreifuss (que também o dirigiu). Não teve boa aceitação de crítica e público na época, apesar do imediatismo do assunto em voga e nem mesmo a boa trilha e presença de bandas verdadeiras, atraiu um interesse maior do público Rocker, tampouco a presença de atores conhecidos no cinema e na TV. 

Está disponível em versão DVD, mas apenas em versão internacional. Na TV a cabo, se foi exibido, certamente que isso ocorreu há muitos anos atrás e dali em diante, sumiu da grade de programação. É no entanto, encontrado com relativa facilidade no YouTube, e até em cópias com legendas em várias línguas, incluso o português.

Esta resenha faz parte do livro: "Luz; Câmera & Rock'n' Roll", e encontra-se disponível para a leitura através de seu volume II, a partir da página 150

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