A explosão
do movimento hippie precipitou uma corrida aos sets de filmagem, para que de
forma emergencial, filmes fossem produzidos e lançados rapidamente a repercutir
aquele fenômeno. Foi o caso de películas tais como, “Psych-Out”, “Hallucination Generation, “The Trip”, “Chappaqua”, “Riot
on The Sunset Strip”, “Wild in the Streets”, “You Are What You Eat”, entre
outros e isso sem mencionar uma infinidade de documentários a abordar
especificamente o assunto e outros tantos ao retratar o mesmo tema por
consequência indireta, por mostrar festivais e shows de Rock a exibir vários artistas
individualmente, igualmente sobre artistas a atuar em outras frentes tais como o Blues, R'n'B/Soul Music e música Folk em geral, ou seja, a resvalar
na questão da cultura/contracultura, pela via da arte. Pois foi assim também o caso
desta obra, denominada, “The Love-Ins”, lançada no epicentro do furacão hippie
e com inspiração supostamente velada, entretanto na realidade indisfarçável, sobre a persona
do Dr. Timothy Leary, o polêmico ex-professor de psicologia na Universidade de
Harvard, que fazia experimentos com os efeitos alucinógenos perpetrados pelo uso
da substância, “LSD”.
Nesses
termos, a abordagem de “The Love-Ins” é bastante parcial, embora tenha tentado
disfarçar-se ao contrário. Mesmo assim, a despeito da carga perniciosa pela
qual a produção optou em usar, trata-se de uma obra interessante e mesmo que
seja uma dramaturgia a abordar o movimento hippie, pode ser considerado um Rock
Movie, indiretamente, pois bandas de Rock significativas atuam e no filme tem
uma importância um pouco maior do que um mero fundo musical, visto que a
lisergia proposta por tais bandas psicodélicas, embalam cenas a envolver a
loucura despertada pelas drogas alucinógenas.
A história
segue, portanto, veladamente a trajetória de Tim Leary na vida real, mas como já salientei,
a tratar-se como uma ficção, e assim usar nomes diferentes e alinhavar situações no
roteiro para não deixar tão explícita a citação. Nesses termos, a trama foi construída
em torno de um casal de namorados, Larry Osborne (interpretado por James MacArthur)
e Patricia Cross (interpretada por Susan Oliver), que são universitários e
editam um jornal com forte teor contracultural e por conta disso, são expulsos
da instituição. Nesse ínterim, um professor de filosofia, chamado, Dr. Jonathan
Barnett (interpretado por Richard Todd), mostra-se muito interessado na
explosão do movimento hippie pelas ruas de San Francisco, Califórnia,
notadamente em Haight-Ashbury e sai em campo, para observar tudo.
São um tanto
quanto caricatas as cenas em que ele observa os Hippies pelas ruas/praças e
parques da cidade, nem tanto pela bizarrice das atitudes cometidas pelos freaks,
mas sobretudo pela sua reação pessoal. Não que Richard Todd fosse um mau ator, e pelo
contrário, ele era um profissional bem tarimbado na ocasião, a contar com muitas
participações em seriados de TV e filmes, todavia, por força das circunstâncias,
a sua interpretação ali foi bem forçada, talvez pelo comando ao estilo da mão
pesada da direção, entretanto, o que verifica-se é uma expressão facial
caricatural pelo ator em questão. Talvez a intenção tenha sido passar a ideia da estupefação, no
entanto, o resultado é outro, a denotar um sinal de regozijo, o que é
certamente constrangedor a sugerir intenções sexuais do personagem em relação
às garotas jovens em sintonia com a premissa do amor livre. Isso de fato esteve
no bojo dessa discussão proposta pelo filme e sem dúvida que o personagem do Dr.
Barnett demonstrou essa tendência ao longo da história, no entanto, a dose foi
em demasia nessas cenas iniciais, em termos de expressões faciais e gestuais.
Enfim, Barnett
abandona a sua cátedra na universidade, e amparado por seus ex-alunos, Larry
& Patricia e agora com outros entusiastas a encorpar os quadros, caso de
Elliott (interpretado por Mark Goddard), vai com tudo para consolidar a sua
liderança entre os jovens, ao participar de um programa de entrevistas na TV
(John Pyne Show, um programa verdadeiro da ocasião) e defender acintosamente os hippies.
Bom orador, bastante
persuasivo, carismático e sedutor com as meninas, o Dr. Barnett rapidamente
organiza eventos, ao lembrar bastante o “Human-Be-In” de Allen Ginsberg, onde
Tim Leary discursara na vida real. E nesse ínterim, o Rock assume o protagonismo
ao mostrar a sensacional garage band, “Chocolate Watch Band”; "The UFO’s"; "Donnie Brooks" e "New Age Group".
Em meio à
euforia gerada pelas bandas a tocar um som psicodélico, tal cena é sintomática,
primeiro por ter sido longa, a caracterizar a intenção em demonstrar a lisergia
em si. Em segundo lugar, por mostrar e reforçar na verdade, a ideia de que o
tal professor estava a usar o movimento para criar uma seita maluca, onde ele
fosse reverenciado como uma espécie de messias psicodélico. Ou seja, a tal má
intenção do filme em usar veladamente a militância contracultural de Tim Leary, para
demonizá-lo, certamente. Na vida real, de fato, Leary tomou atitudes bastante
polêmicas e foi ousado em muitos momentos de sua trajetória nessa época,
entretanto, não há dúvida de que ele nunca teve a intenção em liderar uma “seita”.
Ainda
a
repercutir tal cena, há uma similaridade com a famosa cena da loucura da
personagem, Andrea “Andie” Doller (interpretada por Mimsy Farmer), no
filme
contemporâneo, “Riot on the Sunset Strip”, não por coincidência, do
mesmo diretor, Arthur Dreifuss), ou seja, assim que a personagem,
Patricia
(Susan Oliver), ingere LSD, a sua viagem mostra-se louquíssima, amparada
devidamente pelo som psicodélico a soar. Neste caso, apesar de tentar
retratar
a completa alucinação que foge ao seu controle, optou-se por uma
representação
onírica que quase lembra a encenação de uma peça teatral infantil,
praticamente, pois Patricia é levada a crer que transformara-se na
personagem, “Alice
in the Wonderland” ("Alice no País das Maravilhas", uma criação de Lewis
Carroll), portanto, foi nesse sentido
em que a cena construiu-se. Pois muito bem, ao assumir-se em seu delírio
alucinógeno, como a própria, Alice, Patricia vê-se em meio a uma
floresta
encantada, com personagens bizarros, recorrentes dessa história e tudo
isso com
direito a uma coreografia. Portanto, é algo também bastante
infantilizado, a
destoar um pouco da proposta mais fidedigna à realidade de tal situação.
Nesse ápice
da história, o Dr. Barnett observa tudo a usar uma vestimenta que o faz parecer
uma espécie de imperador romano sentado em um trono e a esperar ser adorado por
seus seguidores. O lema que repete à exaustão, é : -“Be More, Sense More, Love More” (seja mais;
sinta mais, ame mais). Ou seja, uma criação livre em cima do lema que Leary
usou naqueles anos e tornou-se um grande epíteto do movimento Hippie: “Tune
in; Turn on and Drop Out” (ligue-se; entre em sintonia e caia fora), portanto,
se alguém ainda tinha dúvida que o personagem do Dr. Barnett fora inspirado abertamente
em Tim Leary, neste ponto isso ficou escancarado.
Para efeito
dramatúrgico e aí sim a livrar-se da trajetória de Leary na vida real (e também
pelo fato de que em 1967, quando este filme foi lançado, o movimento estava a
entrar em seu auge, na vida real, no entanto, muitos fatos ainda aconteceriam
para dar novo rumo ao curso da história), o roteiro adotou uma postura
ficcional enfim e assim o rumo da história caminhou possivelmente para o que os
produtores da película gostariam que acontecesse com o movimento Hippie. Isso
por que, o Dr. Barnett, que dizia gostar dos hippies, mas sobretudo da formosura
das hippies, engravida Patricia e amor livre e desprendido, à parte, o velho
sentimento de ciúmes incomodou bastante o jovem Larry. Principalmente quando
Barnett propõe o aborto como solução prática para o problema e Patricia
desespera-se e tenta cometer o suicídio.
Por conta
disso, a sua confiança nos propósitos do Dr. Barnett foram aniquilados e o seu
ideal doravante foi no sentido em desmascará-lo e obviamente destruir a tal
“seita alucinógena”. Enquanto isso, segue-se cenas a retratar uma preocupação
explícita em que tal seita destrua a sociedade, a denotar mais uma vez o
repúdio aos hippies, expresso implicitamente nesta história. Cenas a mostrar pessoas
comum, ditas “de bem”, por exemplo, a agredir os hippies “subversivos” pelas
ruas, são sugestões nesse sentido, assim como o dramático caso de um pai
desesperado que procura o professor, agora transformado em um “guru” da seita, para que ele
interviesse ao seu favor, para demover a sua filha da ideia de permanecer nessa
sociedade alternativa, digamos assim, e ao ter como resposta, quase em tom de
deboche da parte do professor, uma farsa em tom de cerimônia de casamento
relâmpago em que este “declarou” que a moça em questão e o seu namorado,
estavam oficialmente casados, para o desespero do pai ultrajado. Portanto, pelo
teor dessa cenas, ficou clara a intenção da produção.
Pois eis que
chega-se à cena final e o professor/guru vai discursar ante uma multidão
alojada em um estádio de futebol norte-americano. Essa cena é bem mal produzida por sinal,
ao mostrar-se o tal discurso sob um fundo ao estilo chroma key, entretanto, nos
primórdios do uso de tal tecnologia, portanto, o resultado mostrou-se
absolutamente primitivo ao ponto de ser constrangedor assisti-lo nos dias
atuais. E ainda piora a situação, pois a edição, no afã em fornecer “veracidade”
à cena, mesclou filmagens de um público comum de um espetáculo esportivo, ou
seja, os milhares de hippies que deveriam estar a lotar as arquibancadas do
estádio, na verdade são mostrados como pessoas comuns a alojar-se no estádio, na verdade em dia de futebol
norte-americano, ou seja, é uma cena bizarra. Bem, detalhes de produção malogrados a
parte, o fato é que o guru discursa e subitamente, Larry alveja-o com um tiro
certeiro. No entanto, o efeito desejado por Larry reverte-se exatamente ao
contrário, quando ele percebe que assassinar Barnett apenas contribuiu para que
este tornasse-se um mártir para os Hippies. Outro líder assume e a seita fica
ainda mais forte com a comoção gerada. Desiludido, Larry entrega-se à polícia e
essa cena é bizarra pela absoluta insipidez dramática pela qual foi produzida.
O responsável pelo crime a sair do estádio calmamente acompanhado de um único
policial e com o estádio ainda lotado e ainda mais sob a comoção gerada pelo choque de um
assassinato assistido por todos, se foi algo conceitual a usar uma metáfora e/ou alegoria, simplesmente não surtiu efeito e somente passou a imagem de algo
muito mal finalizado.
Bem, apesar
dos seus defeitos, das más intenções implícitas da produção para denegrir o movimento
hippie e da usurpação da trajetória de Tim Leary até aquele instante de 1967, o
filme tem um mérito e certamente a tratar-se da parte musical, tanto pelas
aparições dos artistas reais citados, quanto pela boa trilha sonora em geral. E
um outro fator, os principais atores da trama, foram rostos bem conhecidos no
âmbito do cinema e também dos seriados de TV norte-americanos, nos anos
cinquenta e sessenta e muitos ali a prolongar bem além as suas aparições. O
irlandês, Richard Todd, por exemplo, dispunha de uma filmografia extensa, que iniciara
em 1949. James MacArthur, ficou muito conhecido a atuar no seriado policial, “Hawaii
5-0”. Susan Oliver, por sua vez, era famosa por atuar no dramalhão, “Peyton Place”
e também por interpretar alienígenas super sensuais em “Star Trek” ("Jornada nas Estrelas"). E Mark
Goddard, neste filme a viver um ativista hippie, nem de longe assemelhou-se ao
personagem pragmático e sisudo, do Major West, que defendia na mesma época, no
seriado: “Lost in Space”.
Registra-se
a presença de Hortense Petra, como Mrs. Sacaccio, uma personagem secundária, porém
a atriz em questão, além de ter sido esposa do roteirista, Sam Katzman, era uma
veterana do cinema e entre os anos cinquenta cinquenta e sessenta, apesar de
não ser mais jovem na ocasião, atuou em muitos filmes a envolver uma temática
jovem, incluso produções de Elvis Presley; vários da série do Beach Movies
Party, também conhecidos como filmes da “Turma da Praia” e igualmente participara
de “Riot on The Sunset Strip” a enfocar a temática dos hippies e a repetir dessa maneira a sua
parceria com o seu marido, Sam Katzman e o diretor, Arthur Dreifuss.
É também
digno de nota, a participação do ator, Mario Rocuzzo, creditado apenas como um “Hippie
sob efeito de LSD”, que ostenta uma lista gigantesca com participações em
seriados famosos, como, “Star Trek” e “The Monkees” nessa época do filme e
posteriormente em “Hill Street Blues”, “Baretta”, Police Story e “Star Trek/The New Generation”, entre outros. E como última curiosidade, a belíssima atriz, Susan Oliver,
teve uma briga feia com a produção, quando viu o filme montado, pois
decepcionou-se muito com a abordagem e sobretudo pela cena infantilizada em que
preconizou a sua experiência lisérgica ao viver: “Alice in Wonderland”. De
fato ela teve razão em ficar chateada.
Reforço que
não é um Rock Movie explícito, mas creio que coube ser incluído neste rol, por
conta da trilha e sobretudo da lisergia proposta pelas bandas que aparecem no
filme.
Foi lançado
em julho de 1967 (imagine, em plena consolidação do dito “verão do amor”, ou
seja, sem distanciamento histórico algum para estabelecer-se uma visão fidedigna
do fenômeno). Produção de Sam Katzman, com roteiro de Hal Collins e Arthur Dreifuss
(que também o dirigiu). Não teve boa aceitação de crítica e público na época,
apesar do imediatismo do assunto em voga e nem mesmo a boa trilha e presença de
bandas verdadeiras, atraiu um interesse maior do público Rocker, tampouco a presença
de atores conhecidos no cinema e na TV.
Está
disponível em versão DVD, mas apenas em versão internacional. Na TV a cabo, se foi
exibido, certamente que isso ocorreu há muitos anos atrás e dali em diante,
sumiu da grade de programação. É no entanto, encontrado com relativa facilidade
no YouTube, e até em cópias com legendas em várias línguas, incluso o
português.
Esta resenha faz parte do livro: "Luz; Câmera & Rock'n' Roll", e encontra-se disponível para a leitura através de seu volume II, a partir da página 150
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